segunda-feira, julho 31, 2017

Descolados e bacanas adotam vira-latas e pedem hóstia 'gluten free' - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 31/07

A tipologia humana contemporânea chama a atenção pelo ridículo. Descolados e bacanas são pessoas que têm hábitos, afetos e disposições de alma mais avançados do que os "colados" e os "canas".

Estes são gente que não consegue acompanhar os progressos sociais e se perdem diante das novas formas de economia, de sociabilidade e de direitos afetivos. Vejamos alguns exemplos dessa tipologia dos descolados e bacanas. Se você não se enquadrar, não chore. Ser um "colado" ou "cana" um dia poderá ascender à condição vintage, semelhante ao vinil ou ao filtro de barro.

A busca de uma alimentação saudável é um traço de descolados e bacanas. Um modo rápido e preciso de identificá-los é usar a palavra "McDonald's" perto deles. Se a pessoa começar a gritar de horror ou demonstrar desprezo, você está diante de um descolado e bacana. Se você não entender o horror e o desprezo dele pelo McDonald's, você é um "colado" e um "cana".

Essa busca pela alimentação segura bateu na porta de Jesus, coitado. A demanda dos católicos descolados e bacanas é que o corpo de Cristo venha sem glúten. Uma hóstia "gluten free". O papa, seguramente uma pessoa desocupada, teve que se preocupar com o corpo de Cristo sem glúten. A commoditização da religião, ou seja, a transformação da religião em produto, um dia chegaria a isso: que Jesus emagreça seus fiéis.

Um segundo tipo de descolado e bacana é aquele pai que fica lambendo o filho pra todo mundo achar que ele é um "novo homem". Esse "novo homem" é, na verdade, um mito pra cobrir a desarticulação crescente das relações entre homem e mulher. Homens cuidam de filhos há décadas, mas agora pai que cuida de filho virou homem descolado e bacana, com direito a licença-paternidade de 40 dias, dada por empresas descoladas e bacanas.

Além de tornar o emprego ainda mais caro (coisa que a lei trabalhista faz, inviabilizando o emprego no país), a sorte dessas empresas é que as pessoas cada vez mais se separam antes de ter filhos. As que não se separam, por sua vez, ou tem um filho só ou um cachorro. Logo, fica barato posar de empresa descolada e bacana. Queria ver se a moçada fosse corajosa como os antigos e tivesse cinco filhos por casal. Com o crescimento da cultura pet, logo empresas descoladas e bacanas darão licença de uma semana quando o cachorro do casal ficar doente. E esse "direito" será uma exigência do capitalismo consciente. Aliás, descolados e bacanas adotam cachorros vira-latas para comprovar seu engajamento contra a desigualdade social animal.

Um terceiro tipo de gente descolada e bacana é o praticante de formas solidárias de economia. Este talvez seja o tipo mais descolado e bacana dos descritos até aqui nessa tipologia de bolso que ofereço a você, a fim de que aprenda a se mover neste mundo contemporâneo tão avançado em que vivemos.

Uma nova "proposta" (expressões como "proposta" e "projeto" são essenciais se você quer ser uma pessoa descolada e bacana) é oferecer sua casa "de graça" para pessoas morarem com você. Calma! Se o leitor for alguém minimamente inteligente, desconfiará dessa proposta. Algumas dessas propostas ainda vêm temperadas com um discurso de "empoderamento" das mulheres que colaborariam umas com as outras. Explico.

Imagine que uma mãe single ofereça um quarto na casa dela para outra mulher em troca de ela cuidar do maravilhoso e criativo filho pequeno dessa mãe single. Entendeu? Sim, trabalho escravo empacotado pra presente.

Gourmetizado dentro de um discurso de "solidariedade feminina" e economia colaborativa. Na prática, você trabalharia em troca de casa e comida. Essa proposta é ainda mais ridícula do que aquela em que você, jovem, recebe a "graça" de trabalhar de graça pra um marca famosa que combate a fome na África em troca de experiência e para enriquecer seu "book". Na China eles são mais solidários do que isso, você ganharia pelo menos um dólar.

Sim, o mundo contemporâneo é ridículo de doer. Com suas modinhas e terminologias chiques. Coitada da esquerda que abraça essas pautas criativas. Saudades do Lênin?

O que deve ser o desenvolvimento brasileiro de agora em diante? - CELSO ROCHA DE BARROS

FOLHA DE SP - 31/07

Quando a estabilização econômica chegar, o que devemos fazer com o Brasil? Os últimos anos foram dedicados a reorganizar o que foi desmontado durante a Nova Matriz Econômica do primeiro governo Dilma. A tarefa demorou mais do que deveria ter demorado por causa da crise política. E, após tantas revisões nas projeções, é preciso reconhecer que nem sempre foi muito claro que soubéssemos o que estávamos fazendo.

Mas a economia está com cara de que uma hora dessas se ajeita, seja pelas políticas implementadas, seja apesar delas, seja por uma mistura das duas coisas.

E aí será o caso de perguntar: o que deve ser o desenvolvimento brasileiro de agora em diante?

Dilma Rousseff sabia que essa era a pergunta. Quando assumiu a presidência, o bônus de crescimento proporcionado pela alta das commodities estava sumindo. E, nas décadas anteriores ao governo Lula, a economia brasileira cresceu muito pouco. Com baixo crescimento, seria difícil manter a política de expansão de gastos sociais que garantiram os sucessos do PT.

Dilma Rousseff sabia a pergunta, mas evidentemente, não sabia a resposta. Sua solução foi tentar um outro salto de desenvolvimento puxado pelo Estado, como o que o Brasil havia executado com grande sucesso no século 20. Os resultados foram péssimos. O Estado quebrou, o Brasil não cresceu.

Em retrospecto, é evidente que teria sido melhor para todo mundo se Dilma tivesse feito um ajuste, aceitado um crescimento menor, e perdido a eleição de 2014. Mas isso só adiaria o problema. Faz mais de trinta anos que o Brasil cresce pouco. Como reverter esse processo?

Os economistas atualmente no governo, e seus interlocutores na academia, parecem aceitar um crescimento mais incremental, mais lento, mas mais consistente. É um programa liberal, mas é um pouco mais do que isso. Deve haver quem ache que uma privatização em massa resolveria tudo (duvido), mas o foco principal parece ser o aperfeiçoamento das instituições econômicas brasileiras para torná-las mais amigáveis ao funcionamento do mercado.

Não há garantia nenhuma de que esta estratégia crie um surto de crescimento como o que o Brasil experimentou no século 20. Mas há uma expectativa de que chegaríamos a uma solução chilena: crescimento razoável e mais ou menos constante, na expectativa de que, em algum ponto, essa mudança se traduza em um salto de patamar.

Talvez funcione, mas é importante notar que o debate Estado vs. Mercado deve ser resolvido junto com outro: qual deve ser a inserção brasileira no mercado mundial? Desde sempre, o ponto mais forte dos heterodoxos no debate foi a defesa da industrialização. Há algum plano para sermos um Chile com uma indústria mais possante? Ou tem como fazer isso aqui funcionar só vendendo commodities?

Na semana passada, um sujeito brilhante me escreveu lamentando que hoje em dia, no Brasil, só há discussão civilizada entre "nerds como nós que não sabemos nem amarrar o sapato direito" (havia gente de esquerda e de direita na lista dele).

Seria interessante se esses debates começassem a aparecer na discussão política. Ao menos seria mais interessante do que saber qual dos dois acusados na Lava Jato será presidente até 2019.

PS: qual de vocês contou para o cara sobre meu problema com sapatos?

Como está, não fica - CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

ESTADÃO - 31/07

Há muito passei a colocar em dúvida a chamada “Hipótese dos Mercados Eficientes - HME”, princípio fortemente defendido pelos economistas de formação neoclássica (que é meu caso). Uma de suas implicações é que os preços dos ativos estão sempre “certos”, no sentido que agentes racionais incorporam nesses preços, a valor presente, todo o conjunto de informações disponíveis. Para quem quiser se aprofundar na contestação dessa hipótese, recomendo a leitura do livro Misbehaving, de Richard H. Thaler.



Não fosse minha crescente descrença na HME, eu perderia horas de sono tentando compreender o atual otimismo do mercado com os ativos financeiros brasileiros, ante o complicado quadro político e fiscal doméstico e os riscos presentes na economia mundial.

É verdade que os baixíssimos juros internacionais levam os investidores globais a uma busca desesperada de ativos com maior rentabilidade, e o Brasil, apesar de todos os seus problemas, parece uma oportunidade. Internamente, a crise política foi resumida pelo mercado na ideia de que com Temer a política econômica não se deteriora e, se Temer cair, virá Rodrigo Maia, que é visto como uma opção ainda melhor. Mas nada disso justifica negligenciar os enormes riscos que se vislumbram para o futuro próximo.

Internamente, a economia frustrou a expectativa de retomada do crescimento, exibindo sinais de que a recessão foi substituída pela estagnação. A situação fiscal segue crítica, tendo-se de recorrer ao aumento de imposto, para tentar cumprir a “meta” de déficit fiscal de R$ 139 bilhões, em 2017, apesar da quase paralisação das atividades de governo que não sejam incluídas nas despesas obrigatórias. A reforma da Previdência está adiada sine die e a relação dívida/PIB cresce de forma descontrolada.

Em meio a esse quadro, teremos no ano que vem uma das eleições presidenciais mais imprevisíveis dos últimos tempos. Quando as pesquisas eleitorais começarem a influenciar mais diretamente as expectativas dos agentes econômicos, o que deve ocorrer a partir do segundo trimestre de 2018, dificilmente um candidato que empunhe a bandeira de continuidade das reformas estruturais, interrompidas após as denúncias dos irmãos Batista, aparecerá entre os mais bem cotados para vencer o pleito.

Externamente, é bastante provável que, no ano que vem, aumentem os debates sobre a normalização das políticas monetárias nos países desenvolvidos. O crescimento tem se mostrado firme nos Estados Unidos e na União Europeia, e seus bancos centrais, além de praticarem taxas básicas de juros historicamente baixas, carregam trilhões de dólares de títulos públicos em seus balanços, ajudando a deprimir também as taxas longas. O Federal Reserve, o banco central norte-americano, já anunciou o início, em outubro próximo, da redução de seus ativos. Ou seja, a era de juros internacionais extremamente baixos parece estar cada vez mais próxima do fim.

Finalmente, a China continua exibindo forte desequilíbrio macroeconômico, cuja correção não é simples, e pode levar aquele país a reduzir abruptamente sua taxa de crescimento ou, até mesmo, entrar em recessão. Trata-se do excesso de poupança, comparativamente aos investimentos necessários para crescer às taxas atuais. A taxa de poupança na China está em torno de 45% do PIB; estudos confiáveis mostram que, para crescer 6,5% ao ano, teria de investir, de forma eficiente, apenas 30% do PIB. Investe 45% do PIB, graças ao crescimento explosivo do crédito, com perigosa pulverização do funding; e ao aumento de capacidade ociosa, exatamente nos setores mais endividados, o que põe em dúvida a solvência dos mesmos.

Por que então os mercados continuam tão otimistas? Provavelmente porque a HME realmente seja um equívoco. Das duas uma: ou os riscos se dissipam e os preços atuais dos ativos estão corretos, podendo melhorar ainda mais, o que não creio, ou se confirmam, e teremos muita volatilidade no próximo ano. O certo é que como está, não fica.

*ECONOMISTA E DIRETOR DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.

Na escuta da lei - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/07

Relatório da PF sobre gravações que o ex-senador Sérgio Machado fez de conversas com políticos manifesta um bom senso cada vez mais raro na aplicação da lei penal

Recentemente encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o relatório da Polícia Federal sobre as gravações que o ex-senador Sérgio Machado fez de conversas com vários políticos manifesta um bom senso cada vez mais raro na aplicação da lei penal. Com a acuidade que se espera dos agentes da lei, a delegada Graziela Machado da Costa e Silva, autora do relatório, faz notar a distância entre o que de fato consta nas gravações e aquilo que alguns gostariam que estivesse presente.

No ano passado, Sérgio Machado – que também foi presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobrás – apresentou gravações que havia feito de conversas suas com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), o então presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP). Na tentativa de obter um abrandamento de suas penas, Machado trouxe material que supostamente provaria a obstrução da Operação Lava Jato por alguns dos caciques do PMDB. Naturalmente, a divulgação das gravações, contendo comentários negativos à Operação Lava Jato, causou imediata repercussão política.

Agora, a Polícia Federal traz um pouco de bom senso à discussão do caso, ao cotejar o conteúdo gravado com o que a lei penal estabelece. “O conteúdo dos diálogos gravados e a atividade parlamentar dos envolvidos no período em comento não nos pareceu configurar as condutas típicas ‘impedir’ ou ‘embaraçar’ as investigações decorrentes da Operação Lava Jato”, diz o relatório.

A delegada Graziela Machado da Costa e Silva reconhece que “as conversas estabelecidas entre Sérgio Machado e seus interlocutores limitaram-se à esfera pré-executória, ou seja, não passaram de meras cogitações”. Esse ponto é de extrema importância, pois não raro alguns membros do Ministério Público dão como prova cabal o que não passa de presunção. Ouve-se uma coisa que não é crime e se supõe a ocorrência de outra coisa, já dentro da esfera penal. E esse indevido passo lógico é ainda revestido de pompas de diligência e sagacidade.

Não é conluio com a impunidade exigir provas no processo penal. É simplesmente a garantia de que, num Estado de Direito, não há espaço para se condenar com base em preconceitos ou juízos prévios sobre o caráter do réu, por pior fama que ele possa ter. O bom Direito sempre impõe o princípio da presunção da inocência.

O relatório da Polícia Federal é didático ao abordar o que pode ser considerado, pela lei penal, como obstrução da Justiça. “Quando Sérgio Machado propõe, por exemplo, um ‘acordo com o Ministério Público para parar tudo’, não implica admitir como factível tal proposição, e o mesmo se aplica à suposta interferência que advogados poderiam exercer em decisões do ministro Teori Zavascki. É preciso mais”, diz a delegada.

O relatório recorda o óbvio, que, com frequência, é esquecido. Eventual comentário negativo a respeito do Poder Judiciário ou de determinado órgão, seja quem for o autor da crítica, não obstrui a Justiça. Esse aspecto é de especial relevância para a liberdade de expressão e, no caso concreto dos senadores, para a livre atuação parlamentar. Faz parte da competência de cada um dos Poderes zelar, dentro de suas atribuições, pelo bom funcionamento dos outros Poderes e órgãos públicos. Poder sem controle não é da natureza de um Estado de Direito.

A Polícia Federal conclui que, a respeito do inquérito analisado, “a colaboração (de Sérgio Machado) mostrou-se ineficaz, não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados, resumidos estes a diálogos gravados nos quais é presente o caráter instigador do colaborador quanto às falas que ora se incriminam”, e que, portanto, não caberia destinar a Sérgio Machado os benefícios legais da colaboração premiada.

Fosse mais habitual essa interpretação serena da lei, estaria resolvida boa parte das atuais instabilidades políticas e, principalmente, alguns criminosos confessos teriam um destino mais adequado aos seus atos.

O vazamento das fantasias da holding “J&J” e a subordinação intelectual à “FORCA TAREFA” - REINALDO AZEVEDO

REINALDO AZEVEDO/REDE TV

Bem, se a JBS nunca deu uma contribuição que não fosse propina, então praticamente todos os partidos estão sob suspeição. Não basta derrubar Temer; é preciso fechar o Congresso



Se alguém me dissesse que o grupo JBS celebrou um acordo de delação com o Grupo Globo, não com a Procuradoria Geral da República, eu acabaria acreditando. Afinal, os tais documentos a que revista teve acesso para anunciar, na capa, um novo fim do mundo (o dito-cujo já acabou umas cinco vezes) deveriam ter sido enviados à PGR, selecionados, analisados etc. E depois se tornaria público o que é consistente. Mas quê… Uma longa reportagem empresta detalhes à tese absurda, estúpida, mas que é do agrado do Ministério Público Federal, de que só a JBS repassou a políticos R$ 1,1 bilhão entre 2006 e 2014. Sim, entende-se que era tudo propina.

Sabem o que isso significa?

Que a imprensa não está aprendendo nada com a crise.

Que o Ministério Público não está aprendendo nada com a crise,.

Que os brasileiros, na média, não estão aprendendo nada com a crise.

Quem lê o jogo logo constata que o país é hoje refém de mistificadores e vigaristas.

Vamos ver. Desde que Ricardo Saud, um dos ex-canalhas da ex-gangue do ex-bandido Joesley Batista anunciou que havia pagado propina a 1.829 candidatos eleitos — e há, claro!, os não-eleitos —, pensei: “Quer dizer que nunca houve uma doação em que o recebedor não estivesse praticando corrupção passiva? Se é assim, então os crimes de Joesley e seus ex-vagabundos morais não são apenas 245, como o confessado. Só de corrupção passiva, convenham, há um mínimo de 1.829 imputações.”

Ocorre que, na média, jornalista não quer pensar mais nada. Se alguém da “Forca Tarefa” — sim, escrevi “forca” mesmo… —, então deve ser verdade.

Espero que as pessoas empenhadas em barrar a denúncia mixuruca de Rodrigo Janot contra Michel Temer tenham feito o devido uso pragmático da reportagem de “Época”. O que está lá é uma advertência do que virá se o presidente cair. Ninguém, a não ser algum santo escolhido depois de um reality show no Projac, terá condições de assumir a Presidência da República. O que se faz, naquela reportagem, notem bem, é demonizar todo o processo político.

Ainda que aquele volume de “transferência” fosse verdadeiro, não se distinguem doações legais de ilegais; caixa dois com contrapartida de caixa dois sem contrapartida; caixa um sem contrapartida de caixa um com contrapartida. O que “Época” publica é, na verdade, parte do arranjo feito pela holding moral “J&J“: Joesley e Janot. Infelizmente, a maioria dos jornalistas e colunistas — em especial “os” e “as” que tentam aparentar independência — são intelectualmente dependentes da Lava Jato e não têm coragem de apontar a fraude. Como temem o alarido e não querem ser xingados nas redes sociais pelas hostes da ignorância militante, então fazem a análise do acochambramento.

Tornada pública na antevéspera da votação da Câmara que vai decidir se a denúncia feita por Janot contra Temer será ou não enviada ao Supremo, cumpriria que até os deputados de oposição — cujos partidos estão na lista — pensassem um pouquinho, não é mesmo? É claro que mais esse vazamento foi feito de olho no calendário, para influenciar os votos: afinal, é também uma reportagem anti-Temer. Ocorre que ninguém escapa ali.

Mais: levar aquela estrovenga a sério corresponde a comprar uma versão que a investigação, depois, não consegue sustentar. Vale a pena deixar que o processo político seja pautado por bandidos? A resposta, obviamente, é “não”.

Mais: Vejam o caso de Sérgio Machado. A Polícia Federal procurou evidências de que suas vítimas estavam tentando obstruir a Lava Jato e nada encontrou. Era uma ficção na qual só os procuradores e Sérgio Moro acreditaram. As delações feitas pela penca de diretores da Odebrecht já começam a dar problema. Ainda voltarei a esse assunto. Vem muita confusão por aí. E, acreditem, serão a própria Polícia Federal e as áreas salubres da Justiça a evidenciar o desastre provocado por Rodrigo Janot e seus fanáticos.

Ele tinha tudo para conduzir a operação para um lugar seguro e para fazer dela uma referência no combate à corrupção. Em vez de pensar como homem de Estado, dotado de um formidável poder, preferiu ser o gendarme de quarteirão, alimentando tentações golpistas.

O que traz as páginas de Época é expressão desse delírio. Creio que a reportagem tenha ajudado Temer a ganhar mais alguns votos.

A estabilidade no serviço público - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/07

Já passou da hora de o Brasil discutir seriamente a questão da estabilidade no serviço público, princípio absolutamente desvirtuado


Uma nação que pretenda avançar em seu processo de amadurecimento democrático deve ter coragem de enfrentar o debate acerca de certos temas controvertidos, não raro tachados indevidamente como tabus. Não é salutar para a democracia haver questões intocáveis a priori, sobretudo quando a discussão pode ajudar a encontrar os meios de fazer da eficiência e da moralidade inarredáveis virtudes balizadoras da administração pública.

Já passou da hora de o Brasil discutir seriamente a questão da estabilidade no serviço público, um princípio pertinente em sua origem – proteger os servidores contra eventuais desmandos de governantes de ocasião –, mas absolutamente desvirtuado no curso de nossa história, tanto por sua manipulação como instrumento de acomodação de interesses políticos e eleitorais como por sua transmutação em mero subterfúgio para encobrir incompetência e desídia.

A concorrida disputa por uma vaga no serviço público é um eloquente indicador de que a estabilidade e o regime de aposentadoria diferenciada são os seus maiores atrativos quando contrapostos às pressões da incerteza a que estão submetidos aqueles que trabalham na iniciativa privada. Não por acaso, ingressar no serviço público é uma empreitada que milhões de brasileiros alçam à condição de objetivo fundamental e à qual são capazes de dedicar preciosos anos de suas vidas produtivas.

Entretanto, o que poderia ser justamente tomado como um triunfo pessoal por aqueles aprovados em rigorosos processos seletivos e como uma salvaguarda da qualidade e da eficiência na prestação de serviços públicos à sociedade pelos profissionais mais capacitados, em muitos casos, descamba para a acomodação de funcionários incompetentes ou relapsos que se abrigam sob o manto da estabilidade. Vale dizer, o princípio que se presta a proteger o servidor de um abuso acaba por se voltar contra o público ao qual ele deve servir.

Para corrigir essa distorção, a senadora Maria do Carmo (DEM-SE) apresentou em abril o Projeto de Lei do Senado (PLS) 116/2017, que pretende regulamentar o dispositivo constitucional que prevê a demissão de funcionários públicos por insuficiência de desempenho. Desde o início de junho, o PLS tramita na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania do Senado, onde aguarda parecer do senador Lasier Martins (PSD-RS).

De acordo com o texto em discussão na Câmara Alta, todos os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional dos Três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios deverão realizar a avaliação de desempenho de seus respectivos servidores a cada semestre, assegurada a publicidade dos critérios de avaliação, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa. Antes de ser exonerado, um servidor público deverá passar por um processo de avaliação de desempenho que durará, no mínimo, dois anos. Portanto, não se trata de um processo de demissão sumária e tampouco imotivada.

Não se pode olvidar ainda o reflexo que o fim da estabilidade teria no equilíbrio das contas públicas em caso de crise fiscal. A Constituição já autoriza a exoneração de servidores estáveis, não estáveis e ocupantes de cargos de confiança nos casos em que os limites de endividamento dos entes federativos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal são ultrapassados em 95% do teto: 50% para a União e 60% para Estados e municípios.

É de fundamental importância para o País que o Congresso se debruce sobre a revisão de tal dispositivo constitucional, de modo a contemplar o cenário de déficit na arrecadação, e não apenas os casos de aumento do custeio da folha do funcionalismo.

O fim da estabilidade no serviço público – tal como é hoje entendida essa prerrogativa, isto é, como um privilégio – seria um importante passo em direção à profissionalização e ao aumento da eficiência da administração pública, valorizando aqueles servidores vocacionados que estão à altura da nobre função social que exercem.