segunda-feira, maio 22, 2017

A mais escandalosa das delações - ÉRICA GORGA

ESTADÃO - 22/05

Uma operação que visa a combater corrupção não pode permitir que criminosos fiquem soltos e se locupletem com o produto do crime


Gary Becker, ganhador do Nobel e autor de Crime and Punishment: An Economic Approach (Crime e punição: uma abordagem econômica), demonstrou que o comportamento criminoso é o resultado de decisões de custo e benefício.

Se os benefícios do crime suplantarem os custos a ele associados, a prática criminosa será incentivada. Nessa ótica, a alta taxa de criminalidade e reincidência criminosa no Brasil é plenamente explicada por seus modelos matemáticos. A probabilidade da condenação e os custos associados à punição aplicada aos crimes são muito baixos em relação aos benefícios financeiros alcançados. Em síntese: aqui, praticar crimes compensa.

A divulgação do escandaloso acordo de colaboração premiada entre o Ministério Público Federal e os irmãos Joesley e Wesley Batista, que prevê imunidade completa e continuidade no controle do grupo J&F, chocou os brasileiros, gerando manifestos de boicote a produtos da JBS nas redes sociais.

Os irmãos Batista não serão nem sequer denunciados criminalmente e pagarão a multa pífia de R$ 220 milhões. Diferentemente de Marcelo Odebrecht e outros célebres personagens da Lava Jato, não correm o risco de serem presos nem de usar tornozeleira eletrônica em casas em condomínios e bairros de luxo, desfechos, aliás, que mostram à maioria da população que os crimes foram vantajosos.

Os irmãos Batista e o grupo JBS são investigados por dezenas de ilícitos, incluindo irregularidades em financiamentos de R$ 8 bilhões do BNDES, investimentos irregulares de fundos de pensão no grupo JBS, liberação de recursos do FGTS mediante pagamento de subornos, fraudes na concessão de créditos pela Caixa Econômica Federal e pagamentos de propinas a fiscais do Ministério da Agricultura para obter certificados sanitários. Isso sem falar nos pagamentos de propinas a 1.829 políticos de 28 partidos.

Joesley Batista corrompeu o próprio Ministério Público Federal, mantendo como informante durante as tratativas do acordo o procurador Ângelo Goulart Villela, preso na semana passada. Ironicamente, o chefe do MPF foi bem mais rigoroso com o corrompido da sua corporação do que com o corruptor.

O BNDES tem cerca de 21% das ações da JBS e a Caixa Econômica Federal, 5%. Outros acionistas minoritários detêm 29,5% do capital acionário da empresa, cujo faturamento cresceu de R$ 4,3 bilhões para R$ 170 bilhões em dez anos de governo petista, tornando-se a maior companhia de proteína animal do mundo com aportes suspeitos de dinheiro público.

Além de comprarem, de posse de informação privilegiada, às vésperas do vazamento da delação, no mercado, cerca de US$ 1 bilhão, auferindo lucros estratosféricos, os irmãos Batista venderam recentemente cerca de R$ 300 milhões em ações da própria JBS. Tais negociações, realizadas durante as tratativas de delação com o Ministério Público Federal, se confirmadas, configurariam crime de insider trading previsto no artigo 27-D da Lei 6.385/76.

A quebra do dever de sigilo e o uso de informações privilegiadas sobre o fechamento do próprio acordo de delação, visando a obter lucro no mercado financeiro superior ao valor da multa firmada com o MPF, reforçam a crítica de que o MPF acabou permitindo que colaborações premiadas se transformem em negócios lucrativos para os criminosos. Assim, foram ludibriados o MPF e os acionistas minoritários da JBS, até mesmo o BNDES e a Caixa Econômica Federal, que, sem acesso às informações privilegiadas, amargaram os prejuízos da desvalorização das ações que detêm.

Os Batista ainda insistem em dar as cartas ao recusar o acordo de leniência de R$ 11 bilhões proposto pelo MPF à J&F, correspondente a apenas 5,8% do faturamento da empresa em 2016, a serem pagos em dez anos. Era o acordo do século, considerando-se os lucros realizados no mercado, a anistia pelos ilícitos investigados e que a Lei 12.846/13 permite multa de até 20% do faturamento. Não surpreenderá se os Batista contratarem mais ex-procuradores para defender a J&F das acusações nas ações judiciais.

Não é a primeira vez que o MPF falha ao negociar delações, transformando-as em verdadeiro prêmio para os criminosos, na contramão de práticas de outros países. No acordo com o doleiro Alberto Youssef foi incluída espécie de “cláusula de performance” que lhe atribuiu 2% dos valores de origem ilícita que ajudasse as autoridades a recuperar. Tal arranjo assemelha-se a bônus de pagamento usualmente oferecido a altos executivos do mercado financeiro. Mas há singela diferença: os executivos ganham sobre os lucros lícitos que geram e não sobre o produto do crime que ajudaram a desviar.

Os crimes concomitantes às tratativas neste caso requerem que o acordo de colaboração premiada seja anulado. Uma operação que visa a combater seriamente crimes associados à corrupção não pode permitir que criminosos fiquem soltos e se locupletem com o produto do crime. Nem pode sinalizar à sociedade brasileira que o crime compensa.

Os Batista mudaram para os Estados Unidos. Na ânsia de adentrar no cume do poder político e produzir provas contra o atual presidente, o MPF, com a bênção do Supremo Tribunal Federal, conseguiu lhes entregar oficialmente e de bandeja a realização do “sonho americano”.

*DOUTORA EM DIREITO PELA USP E PROFESSORA (MPGC-FGV). LECIONOU NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT E FOI PESQUISADORA EM STANFORD E YALE

Palavras necessárias - MICHEL TEMER

ESTADÃO - 22/05

Defenderemos o Brasil, tendo como missão a entrega de um novo País às próximas gerações


Foi-me confiada a responsabilidade de governar o País num momento de profunda crise econômica, política e moral. Assumi essa incumbência consciente dos desafios que teria pela frente.

Recebi um País arruinado economicamente, com alta taxa de desemprego, inflação descontrolada e empresas estatais saqueadas. Encontrei um País moralmente atingido, clamando por mudanças.

Conseguimos grandes vitórias. O PIB volta a crescer, o emprego dá sinais de revitalização, gestões profissionais são introduzidas em empresas estatais, a exemplo da Petrobrás e do BNDES, há forte redução da taxa Selic; liberamos as contas inativas do FGTS, aumentamos o valor do Bolsa Família, relançamos o Minha Casa, Minha Vida, criamos o Cartão Reforma, e assim por diante. Os ganhos sociais e econômicos foram imensos. Saímos da recessão. O Brasil ganhou governo e rumo.

Quando começamos este círculo virtuoso, abandonando os vícios do passado, eis que um áudio editado, adulterado, amplamente noticiado, põe em risco nossas conquistas. É inconcebível que uma “prova” imprestável desse tipo jogue o Brasil na incerteza. Não retrocederemos!

Fui questionado moralmente, quando é conhecido que sempre pautei minha vida pela correção, retidão e respeito à coisa pública, nos mais diversos cargos que ocupei como professor universitário, procurador do Estado de São Paulo, deputado e presidente da Câmara de Deputados. Foram milhares de alunos que passaram por minhas salas de aula e se orientaram por meus livros. Não quero que eles e meus amigos tenham alguma dúvida da minha integridade.

E quem me incrimina moralmente? Dono de um dos maiores frigoríficos do mundo, tendo crescido nos governos anteriores graças a bilhões de reais em empréstimos do BNDES. Adotou uma postura criminosa e, querendo safar-se da prisão, partiu para manchar a minha honra. Tornou-se instrumento dos que pretendem levar o País a uma nova crise. Pior ainda, a única pena que lhe imputaram foi uma multa irrisória enquanto ganhou bilhões manipulando o câmbio e a Bolsa de Valores.

Teve a petulância de transferir o domicílio fiscal de suas empresas para os EUA. Deveria devolver aos cofres públicos o que tirou para seus negócios escusos. Após tais prejuízos à Nação, muda-se para a “prisão” de Nova York, com shopping centers de luxo, restaurantes elegantes e residências de alto padrão. Será que o crime compensa?

Note-se que não tenho silenciado. Nestes últimos dias fiz dois pronunciamentos à Nação, dado o volume de mentiras divulgadas a meu respeito, colocando o próprio País à beira de uma crise institucional. E tudo isso em razão de uma armadilha montada por um “empresário” de nome Joesley Batista.

Como não tinha conseguido, num primeiro momento, negociar a delação com a Procuradoria-Geral da República, prometeu, então, entregar um “grande nome”. Chegou, pasmem, a fazer uma espécie de curso de delator, de 15 dias, para conseguir me envolver numa operação criminosa.

Esclarecida a Nação, ela não poderá enganar-se sobre os verdadeiros responsáveis pela atual crise.

O que me é imputado?

Receber um empresário à noite no Palácio do Jaburu? Todos os que me conhecem sabem que trabalho até altas horas da noite, além de acordar cedo. É normal o presidente da República receber grandes empresários. E o faz tal como recebe políticos, médicos, engenheiros, trabalhadores, e assim por diante. Não poderia saber de antemão que um empresário desse porte fosse um criminoso.

Sou calmo, acostumado a ouvir, não reajo de imediato. Assim sempre pautei a minha vida pública, em respeito ao interlocutor. Foi amplamente noticiado que teria comprado o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Nem no áudio editado consta o que, depois, veio a ser considerado minha suposta “anuência”. Aliás, o ex-deputado já declarou voluntariamente que nenhum silêncio seu teria sido comprado, por quem quer que fosse!

Foi-me igualmente imputado que teria havido tráfico de influência da empresa com procuradores e juízes. Ouvi tal impropriedade como algo característico de um falastrão que procura mostrar influência. Além disso, o próprio grampeador dias depois chegou a dizer que tal fala era falsa. Foi, porém, usada como acusação. Não tem lógica nenhuma!

Não tenho apego a cargos, mas sim às responsabilidades a mim atribuídas desde o momento em que assumi. E a responsabilidade maior é, sem dúvida nenhuma, com o País. Iniciamos um processo de reconstrução nacional que, certamente, chegará ao seu término. Percalços não me desanimam, sobretudo quando estão embasados na mentira e no atentado à honra pessoal. Sinto-me, isso sim, revigorado! Ganho nova energia para mudar o País.

Tive neste ano de governo enorme apoio de parlamentares que estão apoiando as reformas. Todos os que sonham com um País melhor sabem dos esforços que estamos empreendendo. Em pouco tempo, muito fizemos: a Lei do Teto do Gasto Público, a reforma do ensino médio, a Lei da Terceirização, entre outras iniciativas.

Se os que não pensam no futuro do nosso país cogitam que vamos parar, estão profundamente enganados. Continuo firmemente empenhado em prosseguir com a modernização da legislação trabalhista e as demais reformas em curso.

É curioso constatar que todos querem o prosseguimento dos projetos que estou levando adiante em meu governo.

Durante muito tempo se pregou a divisão da sociedade com clivagens artificiais. Aos crimes contra a economia e a minha honra soma-se, agora, uma nova tentativa de divisão da sociedade, com evidentes prejuízos para todos. Desde o primeiro dia tenho trabalhado pela pacificação do País e harmonia dos brasileiros. Não podemos desperdiçar nossas energias na luta entre brasileiros, mas nas convergências de objetivos em prol do bem comum.

A mensagem que quero deixar à Nação é: defenderemos o Brasil, tendo como missão a entrega de um novo País às próximas gerações.

*Presidente da República

Golpe de mestre - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 22/05

Para os irmãos Batista, que moram em Nova York e cujos negócios estão, em sua maior parte, no exterior, pouco importa o caos que sua irresponsabilidade criminosa ajudou a criar no Brasil


O Brasil está sofrendo prejuízos incalculáveis com as delações dos donos da JBS. Mas houve quem saísse no lucro – em especial os próprios delatores. E que lucro.

O acordo para a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, fechado com o Ministério Público Federal, prevê imunidade completa para os dois. Eles não passarão um minuto sequer na cadeia nem terão de usar tornozeleira eletrônica, podendo deslocar-se pelo mundo como bem entenderem, inclusive com residência fora do País. Tampouco serão obrigados a deixar o comando da JBS. A única punição para os Batistas será o pagamento de uma multa, além da entrega dos negócios ilegais da JBS.

Foi um negócio da China. A ser verdade o que relataram aos procuradores, os Batistas cometeram diversos crimes. Na gravação que chegou ao conhecimento do público e que está no centro da crise enfrentada pelo governo de Michel Temer, Joesley comenta com o presidente que comprou políticos e até um procurador da República para obter informações sobre investigações contra a JBS. Em outros anexos, o empresário relata como corrompeu dúzias de parlamentares, servidores públicos e partidos.

Tudo isso deveria ser suficiente para condenar os irmãos Batista a uma longa temporada na cadeia e a JBS a perdas proporcionais aos estragos que causou, a exemplo do que está acontecendo com Marcelo Odebrecht e a empreiteira que leva seu sobrenome. Mas, por razões que somente a Procuradoria-Geral da República será capaz de explicar, nada disso vai acontecer.

Para quitarem a multa e saírem livres, os irmãos Batista poderão recorrer aos estonteantes ganhos que certamente obtiveram ao comprar entre US$ 750 milhões e US$ 1 bilhão no mercado de câmbio antes da divulgação das primeiras informações comprometedoras sobre Michel Temer. Enquanto a notícia sobre o presidente circulava e causava estragos, o dólar subia quase 8,5%. Fazendo-se as contas, os donos da JBS, que tinham a informação privilegiada sobre a delação que eles mesmos fizeram, podem ter embolsado mais de R$ 260 milhões.

Mas não foi só isso. Em abril, quando já haviam negociado a delação, os irmãos Batista, decerto cientes de que o escândalo faria despencar as ações da JBS, venderam R$ 329 milhões em papéis à espera da divulgação do depoimento. A Comissão de Valores Mobiliários, é claro, abriu investigação.

Não foi apenas esse tino para os negócios que construiu o império dos irmãos Batista. Eles contaram com o farto financiamento do BNDES nos governos petistas – foram mais de R$ 10 bilhões em operações prejudiciais ao banco, que acabou se tornando sócio da JBS. Nenhum grupo empresarial foi tão beneficiado – em troca, agora se sabe, de propinas pagas à fina flor do condomínio que se instalou no poder com o PT.

Depois de tudo isso, para coroar a desfaçatez, Joesley Batista divulgou uma nota em que pede “desculpas” por ter recorrido a “pagamentos indevidos a agentes públicos”. Afirmou ainda que, em razão de seu “espírito empreendedor” e de sua “imensa vontade de realizar”, teve de se submeter a um sistema que “cria dificuldades para vender facilidades”. Segundo informou o empresário, cujos negócios cresceram astronomicamente à base de dinheiro público e corrupção, “em outros países, fora do Brasil, fomos capazes de expandir nossos negócios sem transgredir valores éticos”. Agora, ele assume o “compromisso público” de ser “intolerante e intransigente com a corrupção”. Esses termos, que aparecem com palavras equivalentes em outros documentos de igual efeito, têm uma única e suspeita inspiração, indissociável de órgão público cujos membros insistem em que as instituições nacionais estão podres, exceto a que os abriga.

Para saírem impunes e salvarem suas empresas, os irmãos Batista sabiam que tinham de entregar ao Ministério Público o prêmio mais cobiçado – a possibilidade de destruição integral do mundo político, tão desejada pelos procuradores. Para os irmãos Batista, que moram em Nova York e cujos negócios estão, em sua maior parte, no exterior, pouco importa o caos que sua irresponsabilidade criminosa ajudou a criar no Brasil. Para os que aqui ficam, resta a duríssima tarefa de proteger as instituições democráticas dos muitos aventureiros que nessas horas sempre se oferecem para salvar a pátria.