domingo, maio 14, 2017

Mães postiças - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA  - 13/05


A atual mulher do pai chega sempre como uma intrusa, mas havendo bom senso na distribuição dos papéis, logo ninguém se sentirá ameaçado e o novo núcleo se forma

Estereótipos precisam ser revisados de tempos em tempos. O da madrasta má felizmente está com o prazo de validade vencido, mas ainda assim pouco se fala no modelo que a substituiu: o da madrasta boa gente, aquela mulher madura que não tenta substituir a mãe de seus enteados e sim contribuir para que eles se sintam emocionalmente amparados.

Muitas madrastas são mães: tiveram seus próprios filhos no primeiro casamento e, entrando numa segunda relação, se depararam com a experiência de conviver com os filhos de seu novo marido. Não é uma tarefa mole, pois são crianças ou adolescentes que passaram pelo trauma da separação dos pais e não estavam exatamente ansiosos para ver uma nova pessoa entrar para a família.

A atual mulher do pai chega sempre como uma intrusa, mas havendo bom senso na distribuição dos papéis, logo ninguém se sentirá ameaçado e o novo núcleo se forma: os meus, os teus e, quem sabe, os nossos - no caso do novo casal querer ter um filho em comum. Até aí, tudo certo, é um arranjo equilibrado. Mas tenho pensado naquela mulher que sempre sonhou em engravidar e ser mãe, que alimentou esse desejo desde garota, e que um dia conhece o homem da sua vida: um cara que já teve os filhos que gostaria durante o primeiro casamento e que não cogita ter mais um. "Como não cogita? Que egoísta!" podem bradar algumas colegas de auditório, mas, convenhamos, um homem de meia-idade talvez não deseje um novo bebê.

Algum direito esses pobres portadores de cromossomos XY ainda têm. A mulher talvez pegue sua bolsa e vá bater em outra freguesia para realizar o sonho de ser mãe biológica — e deve fazer isso mesmo, caso não tenha a menor vontade de se adaptar às circunstâncias.

Mas se ela resolver ficar com este homem, poderá transferir todo seu potencial de afeto para os filhos do seu grande amor, não a fim de ocupar o espaço da mãe deles, mas a fim de inaugurar um novo espaço para si mesma - um espaço que exigirá cuidado, paciência e muita dedicação. Não é uma maternidade legítima, mas é uma experiência familiar e sentimental que também costuma impactar a vida de todos os envolvidos.

A elas, essas mulheres que abriram mão do seu desejo ancestral de ser mãe a fim de preservar o seu ideal romântico (o de não procurar um reprodutor, e sim manter uma relação amorosa com o homem pelo qual se apaixonaram e com os filhos dele), o meu mais profundo respeito. Feliz dia das mães que, do jeito possível, vocês também se tornaram.

Doria, o anti-Lula - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 14/05

Prefeito é contra prisão de Lula agora: ‘Primeiro, tem de ser derrotado pelo povo’


Por convicção, raiva ou puro cálculo político? Talvez por tudo isso, o político brasileiro que mais acidamente confronta o ex-presidente Lula e lucra diretamente com a implosão dele, de Dilma Rousseff e do PT na Justiça é o prefeito de São Paulo, João Doria, que é do PSDB, mas de um PSDB, digamos, diferenciado.

Apesar disso, e de ter liderado o movimento “Cansei” na época do mensalão petista de 2005-2006, Doria não defende a condenação e muito menos a prisão de Lula agora. Católico praticante, ele prefere outra cronologia, mas não por condescendência nem por fé cristã e sim por pragmatismo: “O Lula precisa ser derrotado antes nas urnas, para então se tornar apenável”.

Ele destrincha o próprio raciocínio: se Lula fosse preso agora, usaria isso a seu favor, posaria de vítima, mobilizaria boa parte da sociedade brasileira e até líderes internacionais. E ainda abusaria da versão de que só estaria sendo preso para não poder voltar à Presidência. “Um novo golpe”, gritariam os petistas.

Com um sorriso sarcástico, Doria provoca: “Deixem o Lula concorrer e ser derrotado. Ele precisa ser condenado primeiro pelo povo e só depois pela Justiça, não o contrário. É assim que ele tem de entrar para a história”, disse o prefeito, durante almoço na Prefeitura de São Paulo, na quinta-feira, dia seguinte ao depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro e aos procuradores.

Fica implícito que Doria se prepara para ser ele o autor da façanha de derrotar nas urnas o presidente mais popular da história recente do País e atual líder isolado nas pesquisas para 2018. Nesse campo, o incisivo Doria mede as palavras, mas dá o recado: “Eu não me apresento, mas não me ausento”.

O grande problema do partido era o excesso de presidenciáveis, mas com a Lava Jato passou a ser o oposto: Serra e Aécio foram atingidos no peito e Alckmin, por enquanto, no joelho. Se Alckmin correr para a Presidência, Doria estará fora. Mas, se claudicar e desistir, o prefeito estará pronto para pegar o bastão.

Quando a porta da sala de almoço se abre, Doria já entra saltitante, craque no marketing pessoal e lapidando, ele próprio, o perfil do candidato: jovial e ágil aos 59 anos, trabalhador e empreendedor, o bom moço que não leva desaforo para casa, mas não fala palavrão, um homem do futuro. A política e os políticos envelheceram e Doria quer ser “o novo”, a opção de centro, contra os extremos e maracutaias, o melhor prefeito da maior cidade, o que converge investimentos públicos e privados para o bem comum e aponta para educação, ciência, tecnologia e sustentabilidade.

Deliciado, mostra um vídeo direto, simples e eficaz do novo presidente da França, Emmanuel Macron, conclamando os ambientalistas do mundo para se reunirem no país. “Fantástico, né?”. Outra referência é o magnata e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, que ele visita agora em Nova York, onde recebe o prêmio “Person of the year”, da Câmara Brasil-EUA.

Bloomberg “saiu da zona de conforto e foi para o front”. Ou seja, saiu do fantástico mundo privado para se aventurar pelas agruras da vida pública. A diferença é que Bloomberg foi prefeito bem-sucedido e deu-se por satisfeito. Doria precisa ainda passar das promessas aos resultados e, depois, não se dará por satisfeito tão cedo. O céu é o limite.

Com Lula e a esquerda nocauteados, o PSDB zonzo, a rejeição a Bolsonaros, a falta de confiança na viabilidade de Marina, o temor ao destempero de Ciro, Doria passa a imagem de “sim, eu posso” e a sensação de que ele cabe como uma luva no momento, nesse clima de fim de uma era. Mas isso é só o começo. Entre a vontade e a realidade, muita água vai rolar, trazendo paus, galhos e pedregulhos.

O Estado podia não atrapalhar - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 14/05

A Uber exemplifica como a revisão de uma regulação ineficiente e a inovação do setor privado podem resultar em ganho de bem-estar para a sociedade.

Até recentemente, o transporte de terceiros por automóveis era restrito aos táxis, regulados pelo setor público. O município distribuía gratuitamente as licenças para operá-los, as quais, por lei, não podem ser vendidas. Entretanto, na prática, essas escassas licenças eram comercializadas, às vezes por centenas de milhares de reais.

Além disso, os táxis pagam menos impostos ao serem comprados, são isentos do IPVA e, em São Paulo, podem utilizar as faixas exclusivas de ônibus, o que atrai muitos passageiros.

O município fixa a tarifa a ser cobrada, que não depende da maior ou menor demanda por veículos, e previne a concorrência por preço, para prejuízo dos usuários.

Estima-se que o valor total das licenças para operar táxis chegava, no começo desta década, a R$ 58 bilhões apenas em Brasília, Belo Horizonte, Rio e São Paulo.

A outorga gratuita das licenças resulta em ganhos privados à custa do município, que deixa de arrecadar o seu valor de mercado, e do público, que paga mais caro do que o necessário pelo transporte.

A Uber revolucionou a mobilidade urbana.

Primeiro, não são necessárias licenças, e proprietários de carros, que pagam os mesmos impostos dos demais cidadãos, podem oferecer o serviço.

O preço depende da demanda e da oferta no momento da solicitação. Pode-se aceitá-lo ou optar por outro meio de transporte.

Apesar do maior pagamento de impostos, o Uber frequentemente é mais barato do que o táxi.

Além disso, os motoristas que utilizam a Uber escolhem como e em que condições trabalhar. Alguns dirigem em tempo integral; outros, nos seus momentos livres para complementar a renda.

Alguns reclamam que a qualidade dos seus motoristas decaiu recentemente. O mercado reagiu com a resposta usual: concorrência. Novos aplicativos passaram a oferecer transporte em condições distintas, e os consumidores optam pelo serviço de sua preferência.

Perdem os privilegiados pelas licenças, mas ganham a sociedade com o transporte mais barato e os estimados 40 mil proprietários de carros já beneficiados pela nova oportunidade de trabalho.

O exemplo da Uber poderia estimular a revisão das muitas outorgas concedidas pelo setor público, como os cartórios, os sindicatos e o Sistema S. A regulação impõe que a sociedade pague compulsoriamente pelos seus serviços, sem concorrência.

Os mercados podem contribuir para reduzir preços e gerar empregos, desde que a regulação seja adequada e o Estado não atrapalhe.

Carne podre no Brasil Grande do PT - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 14/05

A polícia bateu nas portas do BNDES e de Luciano Coutinho, ex-presidente do banco e um mentor intelectual do "Brasil Grande" de Lula 2 e de Dilma 1. Foi quando o bancão estatal se transformou na mãe de grandes fusões e aquisições ou fez muito empréstimo a juros de pai para filhos, entre eles a JBS, ora sob suspeita.

Sabe-se lá se a Polícia Federal atirou no que viu e acertou o que não enxergou ou se está vendo coisas. Depois da Operação Carne Fraca, a gente se pergunta se não tem mais papelão nessa linguiça.

No entanto, a JBS já discute a possibilidade de um acordo judicial, conversa que envolve delações e também o relacionamento da empresa com o BNDES. As tratativas não provam nada, mas sugerem que não é possível descartar a ação da polícia como barbeiragem, como tanta gente dizia indignada no BNDES, na sexta-feira (12).

Tudo é preliminar. Não se sabe para quais autoridades o frigorífico entregaria suas denúncias; se dispõe de material de interesse para a Justiça. Não se sabe quais de seus executivos ou proprietários falariam.

Parece muito difícil ensaboar empréstimos no BNDES. As operações envolvem muita gente de áreas e hierarquias diversas, em procedimentos diferentes de checagem e liberação do negócio. Numa hipótese benigna, que nos dias que correm passa por ingênua, uma autoridade do governo, de fora do banco, poderia vender uma facilitação inexistente e faturar um capilé em operação de resto adequada.

Tampouco é indício de rolo o fato de o banco ter ganhado dimensões exorbitantes, política do período final de Lula 2 e dos anos Dilma.

No entanto, já estão sob suspeita empréstimos do banco para a Odebrecht e para a JBS. Caso se puxe uma pena e venha uma galinha, a granja inteira fica na mira de polícia e procuradores.

Em particular depois de 2008, o BNDES se tornou credor ou sócio de empresas escolhidas para se transformarem em conglomerados, oligopólios ou parceiras vitaminadas do Estado, embora a mamata estatal viesse desde as privatizações dos anos FHC. Até firmas que em 2008 se arrebentaram em operações tão estúpidas quanto gananciosas com derivativos cambiais foram salvas pelo governo.

Bancos públicos e estatais forraram a cama de fusões, aquisições, salvações ou expansões nos setores de telefonia, carnes, celulose, petroquímica, bancos, construção civil, biocombustíveis, farmácia, software e calçados.

Petrobras, Banco do Brasil e fundos de pensão de estatais por vezes entravam também na ciranda. Das 50 maiores companhias do país, o Estado é sócio ou dono de pelo menos 22.

Empresas grandes, com acesso razoável ao mercado de capitais, receberam empréstimos subsidiados às centenas de bilhões. Mas firmas que levantaram dinheiro em outras fontes investiram tanto ou mais.

Nos anos Dilma, o aumento da despesa do governo com subsídios foi quase equivalente ao crescimento do gasto social. Porém, na soma, no agregado, não se notou aumento do investimento produtivo no país. O governo muita vez apenas barateou o custo do capital privado, sem benefícios sociais, gerais, palpáveis.

Foi um fracasso desastroso. Agora, só falta ter rolo.

Uma história de dois Planos Marshall - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 14/05

Entre 1948 e 1951, os EUA despenderam pouco mais de US$ 13 bilhões para ajudar na reconstrução de 16 países europeus, com população, à época, de 290 milhões.

O gasto do programa de recuperação da Europa, também conhecido por Plano Marshall, corresponderia a preços de hoje a cerca de US$ 100 bilhões, ou R$ 315 bilhões ao câmbio de R$ 3,15 por dólar.

Por aqui, entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a taxas muito reduzidas e em condições extremamente favoráveis, R$ 400 bilhões. Ou seja, uma quantia de dinheiro 25% maior e que atingiu uma população 31% menor do que aquela
beneficiada pelo Plano Marshall.

No nosso "Plano Marshall", diversos trabalhos acadêmicos documentaram que as firmas que se beneficiaram do crédito subsidiado eram as maiores, mais antigas e menos arriscadas. Essas empresas não investiram mais do que as empresas equivalentes não beneficiadas pelos créditos subsidiados.

A elegância dessa literatura é que a evidência foi obtida comparando empresas incentivadas com empresas com as mesmas características, mas que não tiveram acesso ao incentivo. As empresas não incentivadas funcionaram como um grupo de controle, sugerindo, portanto, que o efeito medido representa de fato a causalidade do incentivo sobre o comportamento das firmas.

Adicionalmente, as empresas beneficiadas efetivamente experimentaram redução de seu custo financeiro e aumentaram seu grau de endividamento.

Dado que essas empresas não elevaram seu investimento, mas aumentaram seu endividamento e seu custo financeiro foi reduzido, provavelmente o crédito subsidiado foi empregado para liberar recursos dos acionistas para serem aplicados no mercado financeiro com maiores retornos.

O leitor encontra resenha recente da evidência empírica no trabalho "Brazil - Financial Intermediation Costs and Credit Allocation", texto para discussão do Banco Mundial de março de 2017, preparado por diversos autores.

Evidentemente, os subsídios saíram caro para o Tesouro. Segundo cálculos de meu colega do Ibre Manoel Pires, o custo total dos subsídios foi, somente em 2015, de R$ 57 bilhões, algo próximo ao custo anual de dois programas Bolsa Família.

Também há evidência de que o crédito subsidiado dificulta a política monetária, aumentando o juro necessário para estabilizar a inflação. Segundo trabalho recente de Monica de Bolle (goo.gl/VTEunr), cada 1 ponto percentual do PIB de crédito subsidiado eleva os juros em 0,5 ponto percentual.

Esse resultado é mais sujeito a crítica. A razão são as dificuldades naturais de inferência de causalidade com dados macroeconômicos. De qualquer forma, outros estudos têm obtido resultado equivalente.

É praticamente consensual entre diversos analistas -suportando, portanto, a evidência de Mônica- que a taxa de juro neutra brasileira, aquela que estabiliza a inflação, reduziu-se recentemente por volta de um ponto percentual, em razão
da mudança de política do BNDES.

Aqui temos que desfazer nosso Plano Marshall para arrumar a casa de uma economia devastada por esta e outras iniciativas da ruinosa nova matriz econômica. Na Europa, o verdadeiro Plano Marshall estabeleceu as bases do formidável crescimento do pós-guerra.


O balanço de Temer - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/05

Ao longo de um ano no Palácio do Planalto, Michel Temer (PMDB) conseguiu estancar a degradação dramática da economia —o que não conteve o repúdio a seu governo, de impopularidade comparável à de mandatários depostos após a redemocratização do país.

O presidente sem votos se vale dessa desconexão com o eleitorado para implementar um plano de reformas ambicioso. Caso se complete a contento, tal agenda provocará transformações profundas.

Seu governo, organizado em uma espécie de semiparlamentarismo, conseguiu que propostas controversas fossem votadas pelo Congresso em ritmo raro.

Aprovou-se o teto para as despesas federais. Alterou-se a gestão das estatais e do setor de petróleo. Reviram-se normas de concessões de obras e serviços públicos. Avançam projetos destinados a evitar a falência iminente de Estados e a flexibilizar a CLT.

O sucesso de tal programa ainda depende muito da aprovação da reforma da Previdência, fundamental para o equilíbrio orçamentário a longo prazo e, de imediato, para a retomada da confiança de empresários e investidores.

Em conjunto, as medidas redesenham as relações de trabalho e seguridade; restringem a intervenção e o tamanho do Estado. Talvez não haja mudanças tão profundas desde a Constituição de 1988.

O motor das transformações é a brutal crise econômica, cuja superação se dá de forma claudicante. O rombo nas contas do Tesouro Nacional foi contido, a inflação está em queda e os juros podem ser cortados em maior velocidade.

Por deficiências de gestão e limitações políticas, o governo faz menos do que deveria pela retomada. O plano de concessões em infraestrutura, essencial para compensar a míngua do investimento público, mostra pouco resultado.

A permissão para saques de contas inativas do FGTS foi, ao menos, uma ideia original para atenuar a recessão, embora nem a medida de apelo popular tenha melhorado o prestígio presidencial.

Afora a economia, é medíocre o desempenho da maior parte do ministério de nomes pouco expressivos, no qual predomina um conservadorismo arcaico. Exceções honrosas são a reforma do ensino médio e o avanço da base curricular nacional da educação.

Apesar de suspeitas difundidas desde antes de sua posse, Temer não conteve investigações de corrupção. Ao menos seis ministros, porém, caíram em meio a casos rumorosos; oito são alvos da Lava Jato (um deles ganhou foro privilegiado ao ser alçado ao posto).

De todo modo, considerado o imenso desafio de restaurar a governabilidade e evitar um desastre econômico ainda maior, o governo tem cumprido as tarefas centrais. Uma eventual derrota na reforma previdenciária colocará muito a perder —bem mais, diga-se, do que um balanço presidencial.

Pressão estrutural por gastos públicos (3) - PEDRO MALAN

ESTADÃO - 14/05

O Brasil, já dizia Fernando Henrique Cardoso não é um país pobre, é um país injusto


Este é o terceiro artigo com o título acima, tentativa de contribuir para um borgiano “não impossível diálogo” sobre três fatores operando no longo prazo, que exercem pressão estrutural por maiores gastos públicos no Brasil. Como não haverá possibilidade de atender a todas as demandas derivadas dessa pressão, o País terá de fazer algo a que não esteve muito acostumado: fazer escolhas e definir prioridades.

O primeiro artigo procurou tratar do pano de fundo: os processos de transição demográfica e de urbanização que nos transformaram, em poucas décadas, na terceira maior democracia de massas urbanas do mundo – chegaremos às eleições de outubro de 2018 com quase 150 milhões de eleitores em princípio aptos a votar. O Brasil é um case study de relevância e interesse global.

O segundo artigo tratou das exigências e demandas por mais e melhor infraestrutura “física” (energia, transporte, comunicações, portos), num País que tende a ver nossas flagrantes necessidades e carências nessas áreas como exigindo respostas e ações “intensivas em Estado”. E são, não para o Estado investidor direto, mas para um Estado eficaz e competente na criação de regras estáveis e previsíveis, que reduzam riscos e o custo de capital para investidores privados.

O presente artigo trata de outra forma de pressão estrutural que também exige respostas em termos de ações de governos, que são as demandas e exigências por infraestrutura “humana” (educação, saúde, segurança), incluídas as legítimas pressões pela redução da pobreza absoluta e da excessiva desigualdade na distribuição de renda e de oportunidades – que são, também, tidas como exigindo intensa ação do Estado.

Há razões históricas para tais demandas: em seu imperdível livro Cidadania no Brasil: o Longo Caminho, José Murilo de Carvalho nota que o processo de constituição da nossa cidadania seguiu lógica inversa à do caso clássico, da sequência inglesa, “na qual as liberdades civis vieram primeiro, garantidas por um Judiciário cada vez mais independente do Executivo. Com base no exercício das liberdades, expandiram-se os direitos políticos consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. Finalmente, pela ação dos partidos e do Congresso, votaram-se os direitos sociais, postos em prática pelo Executivo”.

Aqui, no Brasil, mostra José Murilo, “primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão de direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular”. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra: a maior expansão do direito de voto deu-se em outro período ditatorial. Finalmente, vieram os direitos civis.

O autor nota que seria tolo achar que só há um caminho para a cidadania plena. Seu ponto é que caminhos diferentes afetam o produto final, o tipo de cidadão e de democracia que se gera. Isso é particularmente verdade quando há inversão da sequência. Das várias consequências dessa hipótese, tão bem analisadas no livro, uma é particularmente relevante para nosso debate atual e nossos futuros possíveis. É a que afirma que a “sequência inversa” favoreceu uma visão corporativista dos interesses coletivos desde pelo menos o Estado Novo e da clara influência que sobre ele exerceram, por exemplo, os corporativismos italiano e alemão nos anos 1930. Como nota o autor, “o grande êxito de Vargas indica que sua política atingiu um ponto sensível da cultura nacional”.

Com a “distribuição dos benefícios sociais por cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores, os benefícios sociais não eram considerados como direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade passou a se organizar para garantir os direitos e privilégios distribuídos pelo Estado”. E este passou a ser um distribuidor de recursos públicos, sempre escassos relativamente à miríade de demandas com que se defronta.

O formal discurso de posse (1/1/2011) da ex-presidente Dilma Rousseff é mais que ilustrativo: “O Brasil optou, ao longo de sua História, por construir um estado provedor de serviços básicos e de previdência social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade”. Preço a pagar pela “garantia do alento da aposentadoria para todos, e de serviços de saúde e educação universais”.

A esse respeito vale relembrar o que denomino “paradoxo de Bacha-Schwartzman”, os quais assim o expressaram: “Temos, entre nós, uma peculiar, mas disseminada interpretação dos princípios constitucionais da universalidade e da igualdade, segundo a qual as desigualdades dos benefícios sociais não devem ser corrigidas com o redirecionamento dos gastos públicos, mas sim pela expansão dos gastos e a extensão, para os demais, dos benefícios já conquistados por uma minoria [dos 20% mais ‘ricos’] que são considerados direitos adquiridos”. E que geram expectativas – fadadas a ser frustradas – de direitos por adquirir.

Os autores notam, corretamente, que “é claro que não há dinheiro suficiente para tal expansão”, que boa parte dos gastos sociais já beneficia os 20% mais bem situados (que detêm quase 60% da renda total) e que para poder praticar uma política social que beneficie os 80% mais “pobres” é preciso confrontar os privilégios dos 20% “mais ricos”, o que significa enfrentar as corporações que representam seus interesses. O Brasil, já dizia FHC, não é um país pobre, é um país injusto.

Mas tentativas de lidar com multifacetadas injustiças “en nuestra America” (aí incluído o Brasil) desfraldando a bandeira do “gasto (público) é vida” não costumam dar certo. Ao contrário. E com frequência acabam por impor custos significativos àqueles que pretendiam favorecer, em termos da recessão e do desemprego que acabam causando.

Concluo relembrando uma observação crucial de José Guilherme Merquior: “O bom combate não é contra o Estado, é contra certas formas (espúrias) de apropriação do Estado”.

Mães, feliz dia!

*Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC. E-mail: malan@estadao.com

Corrupção também rima com recessão - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 14/05

Sergio Moro assina prefácio de novo livro sobre infraestrutura. Alguém se espanta?



Corrupção do tipo mais conhecido no Brasil, o assalto ao bolso do contribuinte é um dos grandes temas de um novo livro sobre infraestrutura, produzido com a participação de um time respeitável de economistas, advogados e especialistas em administração. O volume foi lançado em São Paulo um dia antes de comparecer à Justiça Federal, em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de governo durante os primeiros oito anos da mais ampla e organizada pilhagem do Estado nacional, conhecida, em sua face mais vistosa, graças à Operação Lava Jato. O depoimento de Lula será lembrado por mais tempo do que a noite de autógrafos.

Ele converteu o evento em algo muito especial quando atribuiu exclusivamente à sua mulher, a falecida Marisa Letícia, qualquer interesse em relação ao triplex do Guarujá. Além disso, apontou o empresário Léo Pinheiro, da OAS, uma das maiores empreiteiras do País, como um esforçado vendedor de apartamentos. Morta em fevereiro, a ex-primeira-dama apareceu também com destaque numa declaração do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Dela partiu, segundo Bumlai, a solicitação de compra do terreno para o Instituto Lula. Os dois depoimentos serão apenas mais um exemplo notável de coincidência casual?

Um dia antes do interrogatório de Lula no tribunal federal de Curitiba, o nome do juiz Sergio Moro chamou a atenção, em São Paulo, de quem foi ao lançamento do livro Infraestrutura – Eficiência e Ética, organizado pelo economista e consultor Affonso Celso Pastore, professor da USP, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-presidente do Banco Central. O nome de Moro aparece na capa do volume, indicando o autor do prefácio.

É, no mínimo, incomum a presença de um juiz como prefaciador de um livro sobre investimentos em pontes, estradas, portos, aeroportos, centrais elétricas e redes distribuidoras de energia. A participação de advogados e professores especialistas em Direito Público e Comercial, como Carlos Ari Sundfeld, Claudia Polto da Cunha e Modesto Carvalhosa, é muito mais previsível. Eles podem tratar de assuntos como a lei de concessões, a segurança contratual e o risco regulatório associado à excessiva intervenção do Estado, alguns dos temas de Sundfeld. Podem também discutir a importância de instrumentos de garantia como os performance bonds, em uso nos Estados Unidos desde 1894 – assunto explorado pelo professor Modesto Carvalhosa.

Instrumentos desse tipo servem para proteger o contratante – no caso, o Estado – contra o descumprimento ou cumprimento imperfeito das cláusulas contratuais. Protegem contra o desleixo e a inépcia, mas também contra a malandragem. A discussão tem sabor teórico, mas o texto do professor Carvalhosa contém uma seção sobre a corrupção sistêmica e o capitalismo de laços, bem caracterizados, no Brasil, na atuação de grandes empreiteiras envolvidas na execução de projetos públicos e na exploração da infraestrutura.

Um capítulo inteiro, escrito por Maria Cristina Pinotti, é dedicado aos efeitos econômicos da corrupção – como desperdício de recursos, perda de produtividade e redução do crescimento econômico. A ineficiência resultante da associação criminosa entre empresários e agentes públicos é muito mais devastadora que outros problemas associados à propina, mostra o texto. Não por acaso a Itália tem permanecido estagnada há anos, com um dos piores desempenhos da Europa, enquanto outros países da região ganharam produtividade e elevaram seu potencial de crescimento. A Operação Mãos Limpas foi um dos temas de estudo da economista Maria Cristina Pinotti, nos últimos anos.

Ela já publicou artigos sobre o assunto e seu conhecimento da história – do sucesso inicial ao declínio das investigações e dos processos – ilustra o texto preparado para o livro. O exame é essencialmente econômico e evidencia o contraste entre a racionalidade do criminoso – corruptor ou corrupto – e o desajuste introduzido na economia pelo jogo da corrupção.

A maior parte dos textos é dedicada a questões mais comuns nos manuais técnicos. São discutidos esquemas de financiamento, vantagens econômicas das parcerias, formas de atração do capital privado, modelagem de concessões. Há estudos de caso e um bom resumo da experiência paulista com o programa de parcerias. O capítulo, assinado pela advogada Claudia Polto da Cunha e pelo economista Tomás Bruginski de Paula, explora, entre outros detalhes, as características da Companhia Paulista de Parcerias e o funcionamento do fundo financeiro usado como garantia das contraprestações previstas. Cinco de onze contratos assinados já estão em operação, como a Linha 4 do Metrô e o sistema de manutenção e modernização dos trens da Linha 8 da CPTM.

Quando se examina o conjunto, nada parece mais apropriado que um prefácio escrito pelo juiz Sergio Moro. Ele começa lembrando o trabalho do presidente americano Theodore Roosevelt, no começo do século 20, para conter a corrupção. A estratégia incluiu mudanças no financiamento de campanhas eleitorais. Em 1907, o Tillman Act proibiu a doação de empresas.

O texto contém uma análise da experiência americana, passa pela Operação Mãos Limpas e examina mais extensamente os esforços de combate à corrupção no Brasil. Lembra o enfraquecimento da Operação Mãos Limpas e chama a atenção para ameaças à Operação Lava Jato. São citados projetos para restringir a colaboração premiada, impedir a execução da pena antes da condenação final e constranger policiais, promotores e juízes.

Corrupção, é bom lembrar, envolve muito mais que imoralidade e crime. Desperdício, perda de crescimento e de empregos são efeitos muito mais amplos e dolorosos. Fraudes, compadrio e queima de bilhões contribuíram para a crise ainda presente. Corrupção é parte da história da recessão.

*É jornalista

Além da cortina de fumaça - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 14/05
Escrevo no avião vindo de Curitiba. Não sei se ganhei ou perdi meu dia, vagando pela cidade numa quarta-feira cinzenta e com uma garoa esporádica. Para mim, Curitiba ia viver uma batalha de Itararé, aquela que não aconteceu, nos anos 30, apesar de alguns choques e escaramuças. É uma cidade fascinante, sobretudo agora que ganhei um belo livro de Rafael Greca, com quem convivi em Brasília. Poucos prefeitos conhecem tão bem a história de sua cidade.

Andei de um lado para outro e trago na lembrança o guardador de automóveis do Parque Birigui. Disseram que iam soltar mil balões verde e amarelos às cinco horas da tarde. Fui ver e não havia nada, por causa do mau tempo. O guardador me consolou dizendo: veja os quero-quero comendo na minha mão. E deu comida aos pássaros.

O essencial do dia, o depoimento de Lula, não me trouxe surpresas. Ainda no fim da tarde, gravei algo dizendo que ele ainda estava sendo interrogado, Moro deveria estar fazendo perguntas e Lula fazendo campanha. Ao sair para o discurso noturno na Praça Santos Andrade, Lula afirmou que seria candidato e que a votação popular iria absolvê-lo.

É o núcleo da história. A suposição de que a popularidade absolve, não importa o que diga a Justiça do país: o número de eleitores define o grau da inocência de um político. Em casos clássicos, como o de Paulo Maluf, as sucessivas eleições não o absolveram, mas trouxeram o conforto da lentidão dos processos no Supremo, uma esperança de impunidade.

Lula não conta com isso. Num dos seus discursos, já afirmou que vai enquadrar a imprensa e insinuou que prenderia os procuradores que hoje o denunciam. Entra aí um pouco da minha análise que previa calma em Curitiba, apesar de toda a sensação de confronto que alguns setores da imprensa esperavam.

Tenho pensado em aviões e estradas, um pouco aos solavancos. Nas longas viagens por terra, cochilamos e a fronteira entre a vigília e o sono constantemente se dissolve. Uma campanha política cujo objetivo é livrar o candidato da polícia pode ter êxito no Brasil de hoje?

A Justiça será tão lenta a ponto de não julgar o caso de Lula, em segunda instância, antes das eleições de 2018? São fatores que não pesam agora porque 2018 está longe. O país vive uma crise de liderança, e quando olhamos para o universo político não vemos nele capacidade de encontrar um caminho.

Mas são problemas que podem ser resolvidos com o tempo. A sociedade mudou, está mais informada, dispõe de instrumentos nunca vistos para compartilhar suas ideias. Talvez essa mudança na sociedade facilite a aparição de novos nomes, gente que ouça, de verdade, o que pedem as ruas e, em casos raros, seja também capaz de, por razões estratégicas, desafiar o senso comum.

No momento, tudo parece difícil e complicado. As últimas decisões no Supremo indicam resistência ao curso da Lava-Jato e despertam a ilusão de que nada vai mudar, o velho esquema de corrupção vencerá de novo. Digo ilusão, porque é impossível dirigir uma sociedade como a brasileira a partir dos velhos métodos. O próprio Temer, que precisa realizar reformas, tem percebido como é difícil conduzi-las diante da desconfiança generalizada.

Fala-se tanto em ódio, ressentimento, mas a quarta-feira em Curitiba foi calma. Houve apenas um incidente na madrugada, um ataque de rojões a um acampamento dos simpatizantes do PT.

O forte esquema policial, a insistente garoa e um número de simpatizantes abaixo do esperado contribuíram para a calma. Mas a cidade, com seu pulsar cotidiano, voltada para o trabalho num dia útil, acabou absorvendo tudo e transformando o anunciado espetáculo num episódio menor. Na verdade, era apenas um interrogatório. Outros virão e, talvez, a vantagem do episódio da semana tenha sido a de desdramatizar, tornar um encontro como o de quarta-feira mais uma etapa do processo penal.

Quando afirmo a viabilidade das mudanças, muitos contestam com as pesquisas. Segundo elas, nada de mais profundo aconteceu. No entanto, as pesquisas têm falhado às vésperas de campanha. Com quase dois anos de antecedência elas tratam de algo mais imprevisível ainda.

É uma estratégia desesperada buscar a eleição para fugir da Justiça, ou para anular suas decisões. O Brasil precisa de perspectivas. Boa parte das pessoas hoje acredita que a capacidade de manipulação política é infinita e que o povo brasileiro será, nos próximos anos, prisoneiro da demagogia. São apostas mais amplas que estão em jogo. Mudar ou não, vencer ou não os populismos de direita e esquerda. Cada um lê o futuro de acordo com suas possibilidades.

O que vi na calma de Curitiba, na sua imersão na vida cotidiana enquanto lhe ofereciam o espetáculo do ano, me deu a esperança de que, no momento certo, o país responderá da mesma maneira. Enganar as pessoas será tão difícil como enganar a Justiça.

Como escreveu Samuel Beckett, não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber, desde que suportemos as dores. Eu diria, desde que consigamos ver além da cortina de fumaça.

Segredos e mentiras - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 14/05
A semana foi pantanosa para os ex-presidentes Lula e Dilma. Ele não aproveitou o depoimento para esclarecer as dúvidas que pairam sobre seus bens e atitudes. Os dois, pela versão dos seus íntimos Mônica e Santana, sabiam dos pagamentos da Odebrecht a eles via caixa 2. Dilma, quando presidente, teria usado emails secretos e o codinome Iolanda para informar o casal sobre o avanço da Lava-Jato.

A linha de defesa dos dois ex-presidentes entrou num beco sem saída quando passou a se concentrar na tese de que eles estão sendo acusados por pessoas que têm sido induzidas, forçadas ou ameaçadas pelos investigadores. Dilma já vinha dizendo isso, quando afirmou que Marcelo Odebrecht estava sofrendo “uma forma de tortura”. Lula enfatizou a tese durante seu depoimento ao juiz Sergio Moro e disse que está sendo vítima de uma “caçada jurídica”. Pelo que dizem, tudo o que lhes é atribuído por Marcelo Odebrecht, João Santana, Mônica Moura, Renato Duque, Leo Pinheiro e outros é falso testemunho e só foi dito porque estão sendo forçados. Fazem uma acusação forte, mas genérica contra a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Procuradoria-Geral da República e Justiça Federal. Todos os órgãos e instituições estão em etapas diferentes do esclarecimento dos fatos. Como Lula e Dilma vão provar o que dizem?

A acusação de que os investigados estão sendo coagidos a inventar mentiras é derrubada pela riqueza dos detalhes e naturalidade com que Mônica Moura falou no vídeo divulgado. Ela explicou com segurança o estratagema da conta de email inventada junto com a ex-presidente para ser usada sem deixar rastros. As conversas com a ex-presidente Dilma e com o ex-presidente Lula deixavam claro que todos sabiam que a Odebrecht pagava todas as contas, estava presente no financiamento de todas as campanhas. Quando faltou a contraparte do PT, Lula avisou que resolveria, e convocou outro amigo: Eike Batista. Entre as várias surpresas da semana, nessa interminável lista de novidades que tem sido a Lava-Jato, foi a informação de que a própria presidente Dilma avisou por telefone do Alvorada o casal de marqueteiros de que a ordem de prisão deles estava assinada.

A semana começou com Lula no foco e termina iluminando uma Dilma que a maioria dos brasileiros não achava que existia. Era conhecida a Dilma que provocou a crise econômica, ou a que tomou decisões intervencionistas que quebraram o setor elétrico e levaram ao tarifaço, ou a que aceitou que seu secretário do Tesouro maquiasse as contas públicas. Mas não era conhecida a que usa computador da presidência para criar email secreto com codinome, a que alerta alvos da Justiça de que serão presos, a que no exercício da presidência propõe mudança de domicílio de conta no exterior para escapar dos olhos dos investigadores.

Por mais que se saiba, outro fato que espanta é o volume de dinheiro que sustentou o marketing das eleições. O negócio de fazer campanhas eleitorais é tão promissor que o casal João Santana e Mônica Moura conseguiu suportar enormes prejuízos. E se não quebraram é que os preços eram mesmo exorbitantes. A Andrade Gutierrez ficou de financiar a campanha de Hugo Chávez, não pagou e ele morreu um ano e meio depois. Só na Venezuela perderam US$ 15 milhões. No caso da campanha de Fernando Haddad, Mônica Moura disse que eles “quase perderam dinheiro” e a conta foi de R$ 50 milhões. E com todo esse dinheiro, os dois faziam, de forma eficiente, seu trabalho de distorcer a democracia, de manipular o voto, de destruir a imagem dos adversários políticos. E tudo isso a preço abusivo. No fim, o que fizeram vai sair barato para eles: um ano e meio de prisão domiciliar fechada, e outro bem menos restrito.

A situação do ex-presidente Lula já tinha se agravado com os depoimentos de empresário Leo Pinheiro e o do ex-diretor da Petrobras Renato Duque. E agora vem os Santana, especialmente Mônica que cuidava do dinheiro do casal. “Minha garantia era o Lula”, disse. Era ele que estava por trás de toda a mobilização para o financiamento ilegal de campanha, era ele que dava a “palavra final”. Quanto à ex-presidente Dilma, Mônica revela um outro lado, uma identidade secreta, da mulher que governou o Brasil.

A generosa folha de pagamentos do Estado - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/05

Estado de dimensões exageradas, insaciável na arrecadação de impostos, não reduz desigualdades. Ao contrário, serve para concentrar renda



Aimagem do Estado brasileiro é de um ente de avantajadas dimensões, insaciável na arrecadação de impostos junto à população, para arcar com despesas crescentes. Não há reparo a fazer. Os números das contas públicas e estatísticas econômicas em geral correspondem à imagem.

São mais de 100 empresas estatais, com dezenas de milhares de empregos, e que movimentam bilhões em compras e vendas. Algumas têm ações em Bolsa, o que não impede que o sócio controlador, a União, tome decisões de gestão políticas, sem preocupação com os acionistas. Vide a Petrobras. Outras, incapazes de gerar lucros, vivem de dinheiro do Tesouro, ou seja, do contribuinte, numa relação incestuosa nada transparente.

Por qualquer ângulo que se olhe o Estado brasileiro, veem-se excessos. Na edição de domingo, o GLOBO trouxe o tamanho da folha de pagamentos pública, do Estado como um todo — salários do funcionalismo da União, estados e municípios, benefícios sociais, bolsas, pensões, aposentadorias. Ao todo, 57,9 milhões de pessoas, 28% da população, dependem, em alguma medida, dos governos. Quase a soma das populações de Argentina e Chile.

De servidores ativos e inativos da União, estados e municípios, são 10 milhões que recebem cheques mensalmente; aposentados e pensionistas do INSS somam 33,8 milhões e há ainda 13,4 milhões no Bolsa Família. Esta folha de pagamentos, de R$ 941 bilhões no ano passado, representa 15% do PIB.

Especialistas garantem não haver paralelo em qualquer país desenvolvido. Além dos aspectos econômicos e financeiros, há o político. Porque esta enorme massa de dinheiro nas mãos de governantes lhes confere um poder incomensurável. Num país de cultura patrimonialista como o Brasil — em que dinheiro público é usado para atender a interesses privados, de partidos e pessoas —, poder usar a caneta que abre esses cofres é passe livre para tentativas de perpetuação no poder, e a construção de mitos populares. A história atual do Brasil ilustra bem este ponto.

Muitos equívocos administrativos se explicam a partir deste Estado provedor. Está aí a causa da demora excessiva para a realização da reforma da Previdência. A despesa com o INSS chega a 7% do PIB, índice elevado para um país com população ainda jovem. Mas o político populista prefere não atualizar as regras à nova realidade demográfica. Opta por não contrariar os milhões de segurados (e eleitores) do sistema.

É outra balela que este gigantesco guichê funciona para reduzir desigualdades. É o oposto, ele concentra renda. A Previdência é exemplo cristalino: os 28 milhões de aposentados e pensionistas do INSS consomem 7% do PIB, mas os apenas 4 milhões de servidores públicos inativos levam 4% do PIB.

Se há algo positivo na crise fiscal, é chamar a atenção para esses porões do Estado brasileiro. Confisca cerca de 35% do PIB em impostos, a mais alta carga tributária entre os emergentes, uma das mais elevadas do mundo, e usa o dinheiro de forma a agravar desníveis de renda, e deixa em plano inferior despesas com investimento, por exemplo. O Estado é usado para atender a demandas que garantam votos ao governante de turno, como se não houvesse um futuro de carências que requerem a tomada de decisões hoje. Mas estas não garantem apoio eleitoral imediato, e assim perpetuam-se as carências. Esta é a fórmula do subdesenvolvimento econômico, social e político.

Dilma bolada - MERVAL PEREIRA

O Globo - 14/05

Não há nada mais conhecido do submundo dos clandestinos do que esse sistema de se comunicar com outra pessoa por e-mail sem ser rastreado, utilizado por Mônica Moura e a então presidente Dilma, agora denunciado pela marqueteira.

O sistema é denominado de Dead Drop ou, mais frequentemente, Dead Letter Box. Muito utilizado na espionagem internacional, ganhou notoriedade nos anos 1930 com o caso dos Cinco de Cambridge (Cambridge-Five), assim denominados os participantes de uma célula de espiões britânicos a serviço da URSS (Anthony Blunt, Kim Philby, Donald MacLean, Guy Burgess e John Cairncross) durante a chamada Guerra Fria. E popularizou-se por meio dos livros de espionagem do escritor britânico John Le Carré.

Os que trocavam informações secretamente deixavam o documento em algum lugar previamente combinado (uma parede com tijolo solto, um buraco de árvore) para que fosse resgatado. Assim, não se encontravam e poderiam até mesmo não se conhecer.

Com a revolução tecnológica, chegou-se ao sistema atual, no qual uma pessoa cria conta falsa em um provedor gratuito (Yahoo ou Gmail) e compartilha essa conta com sua contraparte. Deixando a mensagem no rascunho, a pessoa que a recebe só precisa saber o nome da conta e a senha.

No caso de Dilma e Mônica, a conta era 2606iolanda@gmail.com. O nome fictício foi uma freudiana lembrança de Iolanda, mulher do General Costa e Silva, presidente na época em que Dilma esteve presa por atividades guerrilheiras contra a ditadura militar.

Esse sistema já era utilizado pelos executivos da Petrobras para combinarem suas falcatruas, e eu noticiei isso aqui na coluna em junho de 2016. O texto dizia que “os envolvidos na venda de Pasadena trocavam mensagens em uma rede de e-mails do Gmail que não era rastreável, pois as mensagens ficavam sempre numa nuvem de dados, sem serem enviadas. Numa dessas mensagens, na véspera da reunião decisiva, há a informação de que “a ministra” já estava ciente dos “arranjos dos advogados”. Essa primeira parte foi confirmada mais adiante, quando surgiram novas revelações da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Ele disse que Dilma Rousseff mentiu quando declarou que não sabia da propina cobrada na compra da refinaria de Pasadena. Segundo ele, não apenas sabia de Pasadena como tinha informações de que políticos do PT recebiam propina do esquema da Petrobras.

Na mesma coluna, que tinha o título “Por conta da Petrobras”, está dito que, “em outras mensagens, há informações sobre pagamentos de itens pessoais da presidente pelo esquema montado na Petrobras, como o cabeleireiro Celso Kamura, que viajava para Brasília às custas do grupo. (...) Há também indicações de que um teleprompter especial foi comprado para Dilma sem ser através de meios oficiais, para escapar da burocracia da aquisição”.

Com a delação dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, fica-se sabendo que todas as informações estavam corretas, com exceção do teleprompter. Não houve compra de um aparelho, mas a contratação de uma equipe de operadores de teleprompter, os irmãos Votmannsberger, que trabalharam na campanha de Dilma e eram os únicos técnicos de teleprompter que acertavam o ritmo de fala da presidente.

Para que também trabalhassem fora da época de campanha, foi pedido a João Santana e Mônica Moura que fizessem os pagamentos, pois o Palácio do Planalto não poderia arcar com as despesas. Os técnicos chegaram a acompanhar a presidente em viagens ao exterior, e recebiam em dinheiro vivo.

Segundo Mônica, a presidente Dilma mandou também pagar o cabeleireiro Celso Kamura. Contratado oficialmente na campanha de 2010, já presidente, Dilma usava seus serviços para eventos importantes e o governo não poderia arcar com um valor tão alto para o cabeleireiro, pois, em ambos os casos, “não tinha rubrica e nem tempo para superar a burocracia”.

Esses “favores” eram prestados por se tratar de uma cortesia a uma cliente importante que já havia feito com eles a campanha de 2010 e existia a possibilidade de virem a fazer a campanha de 2014. A presidente mandou Mônica Moura pagar também sua camareira, “Rose alguma-coisa”, que morava com ela e “fazia seu cabelo, fazia unha, fazia maquiagem”. Foram R$ 4 mil por mês, por quase um ano, segundo relato de Mônica. O favor mais político de todos foi o pagamento de R$ 200 mil, também do caixa 2 segundo a delação, para o publicitário Jeferson Monteiro que criou o personagem Dilma Bolada, na campanha de 2014, para que mantivesse sua página nas mídias sociais como se fosse apoiador independente.

O resgate da Petrobrás - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/05

Sob a nova gestão, inaugurada por um governo com padrões diferentes do anterior, estatal deixou para trás – de forma definitiva, espera-se – fase de empresa privatizada em benefício de um agrupamento político



Saqueada durante anos por uma das mais articuladas e vorazes quadrilhas instaladas no setor público brasileiro, a Petrobrás, maior estatal do País, começa a ressurgir como empresa administrada segundo padrões normais de profissionalismo e decência. Seu retorno à condição de companhia voltada para objetivos típicos do mundo empresarial, em busca de eficiência, de geração de caixa, de saúde financeira e de lucros para seus acionistas, continua sendo a notícia mais importante. O lucro de R$ 4,45 bilhões e outros dados positivos contidos nas contas do primeiro trimestre confirmam a permanência no rumo fixado a partir da mudança no governo federal e da renovação de sua diretoria, no ano passado. O objetivo se mantém, a recuperação avança e o sucesso dessa política reforça a convicção e a esperança de quem aposta no programa de ajustes e reformas iniciado há um ano.

Racionalidade e clareza de objetivos são valores desse programa, assim como da nova gestão da Petrobrás. A melhora de resultados apontada nas demonstrações financeiras do primeiro trimestre é atribuível basicamente ao compromisso com esses valores. A elevação das cotações internacionais contribuiu, sem dúvida, para a melhora do desempenho da empresa, mas boas condições de mercado fariam pouca ou nenhuma diferença se a gestão continuasse orientada por objetivos e critérios errados.

Com a nova administração, a política de preços foi subordinada a padrões empresariais, depois de ter sido usada, durante anos, como instrumento de contenção voluntarista da inflação. Além disso, os novos dirigentes empenharam-se na redução de gastos, criaram um importante programa de venda de ativos, baseado em critério de racionalização de objetivos e de custos, e ajustaram o ritmo dos investimentos às condições de sustentabilidade financeira. As despesas de vendas, gerais e administrativas diminuíram 27% em um ano e 21% na passagem do trimestre final de 2016 para o primeiro de 2017.

Durante o período petista, a Petrobrás seguiu uma programação mal calibrada de investimentos. Foi prejudicada pela interferência política na fixação de preços. Sujeitou-se a exigências irracionais de participação em todos os contratos de exploração e ainda suportou uma absurda imposição de conteúdo nacional mínimo em suas compras.

A combinação dessas políticas afetou severamente seu fluxo de caixa e sua capacidade de investir sem um crescente e mal planejado endividamento. Mesmo sem a pilhagem promovida por uma combinação criminosa de interesses políticos e empresariais, a estatal estaria condenada a graves problemas financeiros.

Durante alguns anos a Petrobrás notabilizou-se como a companhia mais endividada do mundo. Com a nova administração, o endividamento líquido caiu 18% em um ano e 4% entre o fim de 2016 e o fim do primeiro trimestre deste ano. Com essa melhora, reduziu-se a alavancagem, isto é, a relação entre a dívida líquida e o resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização, conhecido pela sigla Ebitda.

A redução da alavancagem foi facilitada pela valorização do real, isto é, pela diminuição do valor em dólares da dívida. Mas, na direção oposta, houve o aumento do Ebitda, com um ganho de 25% em um trimestre. Este ganho é atribuível essencialmente à mudança dos padrões administrativos. A persistência nesse rumo permitirá à empresa continuar reduzindo o peso do endividamento, com ou sem auxílio das oscilações cambiais. Se essas oscilações forem desfavoráveis, o efeito negativo será menor do que seria se as condições financeiras da empresa fossem prejudicadas por uma administração de qualidade inferior.

Sob a nova gestão, inaugurada por um governo com padrões diferentes do anterior, a Petrobrás funciona de novo como uma empresa estatal de capital aberto, cumprindo uma função estratégica para o Estado e buscando proporcionar lucros a seus acionistas. Ficou para trás – de forma definitiva, espera-se – a fase de empresa privatizada em benefício de um agrupamento político e de seus aliados e comensais.

Os males do marketing político - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/05

O acessório foi tomado como principal, resultado direto da atual carência de lideranças políticas



Um dos efeitos mais perniciosos da ausência de lideranças políticas genuínas é a frivolidade do debate público, evidenciada de maneira cabal durante as campanhas eleitorais. Em raríssimas ocasiões se veem contrapostos visões e projetos substanciosos para o País, caminhos pelos quais aos eleitores é dado optar nos regimes democráticos. Um ato essencialmente político, um fundamento da democracia representativa, como é a campanha eleitoral, é transmutado em uma espécie de show circense para escamotear a pobreza de conteúdo do que se apresenta ao escrutínio público.

Diante desse cenário desolador, não surpreende o elevado custo das campanhas eleitorais, nem que tanto dinheiro acabasse sendo buscado no indecente contubérnio entre partidos, empreiteiros e lambazes de todo tipo. Por não terem condições de oferecer uma proposta clara, planejada e inteligível aos eleitores, os candidatos preferiram contratar os famosos marqueteiros, que, ao invés de suprirem eventuais deficiências de comunicação de seus contratantes, passavam, eles mesmos, com a ajuda de institutos de pesquisa de opinião pública, a pautar o debate. E por este trabalho eram regiamente remunerados por meio de caixa 1, caixa 2, caixa 3 ou tantas caixas quantas fossem necessárias para viabilizar uma eleição dessa natureza. Pode-se mesmo dizer que a ilegalidade do meio de pagamento se tornou, com o tempo, irrelevante, pois o que era essencialmente desonesto era a subtração, ao povo, do debate político e das oportunidades de fazer uma escolha sensata dos governantes.

O custo descomunal para chegar ao poder no Brasil tem feito com que o eleito não se ocupe de outra coisa a não ser a busca incessante dos meios de financiamento de sua permanência no cargo – não raro por mecanismos escusos, como se vê pela sucessão de escândalos –, dedicando pouco tempo de seu mandato para legislar ou governar pautado unicamente pelo interesse público. Quando a inspiração de agir visando ao bem comum – traço distintivo de uma legítima liderança política – não se faz presente, abre-se espaço para a tentação dos privilégios e benesses do poder. Cria-se, assim, o ambiente para a perpetuação de um sistema que não medirá esforços para isso e não verá a lei como um anteparo dissuasório, e sim como uma pequena barreira a ser transposta.

Esse marketing, tal como tem sido feito, contribui decisivamente para o abastardamento da política, ao impor um debate sobre questões irrelevantes – quando não fantasiosas –, privando os eleitores de conhecer verdadeiramente as ideias e planos daqueles que lutam por seus votos. Não é um bom sinal de vigor democrático, e menos ainda da substância de nossas lideranças políticas, quando marqueteiros passam a ser figuras públicas, tratadas na pauta corrente do noticiário e das conversas populares. Pior ainda quando seus nomes aparecem vinculados à prática de crimes.