sexta-feira, maio 12, 2017

Dallagnoll ri a tôa do “chefe” e de Iolanda - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 12/05
Dilma confiava no tesoureiro do PT, João Vaccari. Para ter um canal sigiloso de comunicação com o casal Santana, Dilma criou o endereço eletrônico iolanda2606@gmail.com

Na quarta-feira 14 de setembro de 2016, o mundo desabou na cabeça do procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Naquele dia, durante uma entrevista coletiva em Curitiba, ele projetou um gráfico que apresentava Lula como o “comandante máximo do esquema de corrupção” na Petrobras.

Logo os termos PowerPoint e PPT chegaram aos trending topics do Twitter. Desatou-se a maior produção de memes da história da internet brasileira. As redes sociais enlouqueceram. Dallagnol foi exaltado pela turba anti-PT. E escrachado pelos que defendiam Lula. A batalha durou semanas a fio. E o assunto jamais seria esquecido.

O curioso é que o gráfico de tanto sucesso apenas traduziu o que de certa forma dissera quatro meses antes o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. Em denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot apontara Lula como membro da “organização criminosa” que deveria serr investigada pelo assalto à Petrobras.

Pois bem: em depoimento de delação premiada despachado, ontem, pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, para o juiz Sérgio Moro, o marqueteiro João Santana revelou que o acerto para pagamento de dívidas eleitorais das campanhas presidenciais do PT entre 2003 e 2010 sempre dependeu “da palavra final do chefe”.

E quem era o chefe? Lula, segundo ele. Lula e Dilma sabiam do uso de recursos de caixa dois, dinheiro não declarado à Justiça. "Lula e Dilma sabiam que as dividas que possuíam com João Santana seriam saldadas com recursos de caixa 2 da Odebrecht", diz o resumo de uma gravação em vídeo do depoimento de Santana.

A mulher de Santana, Mônica Moura, contou, por exemplo, que recebeu cerca de R$ 5 milhões em espécie em caixas de sapato e de roupas em uma loja de chá do Shopping Iguatemi, em São Paulo, referentes a parte dos serviços prestados pelo marido à campanha de reeleição de Lula em 2006. Naquele ano foram R$ 10 milhões pagos por fora a Santana.

Dilma preferiu controlar por meio do então ministro Guido Mantega, da Fazenda, os pagamentos feitos com dinheiro ilícito, revelou Mônica. A ex-presidente não confiava no tesoureiro do PT, João Vaccari. Para ter um canal sigiloso de comunicação com o casal Santana, Dilma criou o endereço eletrônico iolanda2606@gmail.com.

Foi por meio dele que Dilma informou ao casal, que na época estava no exterior, que ele seria preso pela Lava Jato quando desembarcasse no Brasil. A prisão, de fato, aconteceu no ano passado. Mas antes o casal teve tempo de se livrar de informações e documentos embaraçosos. Iolanda – ou melhor: Dilma – nega tudo. Lula também. Dallagnol acha graça.

Um ano de impopularidade e de algum avanço - CELSO MING

ESTADÃO  - 12/05

Não é na aprovação do povo que Temer pretende ganhar pontos


Até mesmo quem apostou no “Fora Temer” e nas “Diretas Já” parece convencido de que não há o que mudar: ruim com ele, pior sem ele. E, assim, nesta sexta-feira, o governo Temer chega ao segundo outono.

Um ano é um ano e suas circunstâncias. Temer completa 12 meses de forte impopularidade e, como Dom Quixote, não é nesse quesito que pretende conquistar pontos. Uma passagem que não consta do livro de Cervantes relata que, ao chegar à primeira aldeia logo após iniciada a grande viagem, a comitiva foi recebida com intenso ladrar de cães. Foi quando o confiante Quixote disse para seu fiel escudeiro: “Ladran, Sancho, es señal que avanzamos”.

Do ponto de vista político, Temer conquistou a façanha de obter boa maioria no Congresso e, com ela, aprovar leis também impopulares, que levam ao início do saneamento das contas públicas.

Seu governo herdou a maior recessão da história recente e o mais alto índice de desemprego. Mas segue avançando nos ajustes e nas reformas, em ritmo mais lento do que o anunciado, mas segue avançando, Sancho, apesar das avarias políticas produzidas pela oposição e pela Operação Lava Jato.

Mais do que resultados imediatos, a equipe econômica, agora constituída por profissionais notáveis, conseguiu juntar grande capital em credibilidade que afastou a ameaça iminente de novos rebaixamentos pelas agências de classificação de risco. Em um ano, o Credit Default Swap, o título que mede o índice de risco do País no mercado financeiro internacional, baixou dos 327 pontos para os 204,9 registrados nesta quinta-feira, dia que também trouxe a boa notícia de virada nos resultados da Petrobrás.

O Banco Central, antes desacreditado, voltou a comandar as expectativas do mercado. Há quem ainda critique a direção de Ilan Goldfajn por excessivo conservadorismo na condução da política monetária, mas não de seguir com a enrolation com que se caracterizou a administração anterior.

O fundo do poço pode ter sido atingido, como assegura o ministro da Fazenda, mas ainda não há evidências suficientes de que a recuperação tenha se iniciado. O desemprego continua recorde e não parece que tão cedo dê sinais de virada. Mas há pelo menos três grandes feitos a exibir e mais dois com provável avanço.

Já não há represamento de preços e tarifas e, no entanto, a inflação despencou dos 9,28% em 12 meses registrados no final do governo Dilma para os atuais 4,08%. Nesse rastro, os juros também começaram a cair. As contas externas, ponto de grande vulnerabilidade nas crises passadas, mostram grande robustez. E, na área produtiva, o setor do agronegócio dá show. Deverá apontar neste ano aumento de produção física de 26% (veja o Confira), conjugado com bons preços em moeda estrangeira.

Embora mais lentamente do que o desejado, os leilões de concessão de serviços públicos e de áreas de petróleo foram retomados e deverão se intensificar no segundo semestre.

Mas não há ilusões a embalar. Os riscos reais de um desastre de enormes proporções continuam aí. A recuperação é frágil e a maioria no Congresso também. Um fracasso na aprovação das reformas pode pôr tudo a perder. Nesse caso, nem o ladrar dos cães apontará para algum avanço.

CONFIRA:

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» Supersafra

Mês após mês, os dois organismos encarregados de avaliar o comportamento das safras aumentam as estimativas. Para o IBGE, a produção física de grãos aumentará neste ano 26,2%, para 233,1 milhões de toneladas. E para a Conab, 24,3%, para 232 milhões de toneladas. Contribuirão para isso tanto o aumento da área agricultável como o da produtividade, graças, em parte, à boa distribuição de chuvas. Em faturamento bruto, R$ 550 bilhões deverão irrigar a economia a partir do interior.

A fim do tríplex - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 12/05

RIO DE JANEIRO - O ex-presidente Lula fez bem em não querer comprar o tríplex do edifício Solaris, na praia das Astúrias, em Guarujá, que o empreiteiro Léo Pinheiro insistia em lhe vender. Imagine o dono de uma das maiores empresas do país, com faturamento de R$ 50 bilhões por ano e atuação em vários continentes, sair de seus cuidados para dar uma de corretor, abotoar pessoalmente um cliente e tentar empurrar-lhe um imóvel no valor de reles R$ 1 milhão e quebrados. Alguma coisa devia estar errada —com o comprador, com o vendedor ou com o imóvel.

Pois aconteceu que o ex-presidente, ao visitar o tríplex ainda em obras e fazer um tour pelas dependências, em 2014, logo enxergou tudo. O imóvel tinha mais de 500 defeitos —que ele fez questão de apontar para Léo. Havia problemas na área gourmet, espaço habitualmente reservado à churrasqueira, na escada e na cozinha. Léo concordou, exceto quanto à cozinha —afinal, do mesmo fabricante e modelo da que fora instalada no sítio em Atibaia que não é do ex-presidente e que o ex-presidente usou nas 111 vezes em que pernoitou nele a partir de 2012.

Além disso, alegou o ex-presidente, o tríplex, com seus 215 metros quadrados, era muito pequeno para abrigar sua família, composta do casal, cinco filhos e seus cônjuges, oito netos e, agora, um bisneto. Como se sabe, os filhos do ex-presidente ainda moravam com ele, embora todos tivessem mais de 40 anos, fossem casados e comandassem grandes e prósperas empresas, cada qual com dois ou três funcionários.

Para completar, disse o ex-presidente, o tríplex ficava em frente à praia, que ele só poderia frequentar na Quarta-Feira de Cinzas —único dia em que não seria atazanado pela plebe.

Léo Pinheiro entendeu. Quem não entendeu foi dona Marisa, que, sem avisar ao ex-presidente, continuou a fim do tríplex.

A Petrobras quase quebrou, mas Lula tem orgulho do que fez - RAQUEL LANDIM

FOLHA DE SP - 12/05

Nas considerações finais de seu depoimento ao juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva traçou o roteiro de sua campanha para a Presidência em 2018.

Ele disse que é "vítima de uma caçada jurídica", que está sendo "julgado por um power point mentiroso", que "ninguém nunca foi tão atacado pela imprensa" e que "tem orgulho de ter feito a Petrobras ser uma empresa extraordinária".

Não vou entrar nos dois primeiros pontos, porque só o andamento dos processos em que o ex-presidente é réu vão demonstrar se o Ministério Público tem provas suficientes para condená-lo por algum crime.

Sobre o papel da imprensa, é natural que Lula se torne o foco da cobertura pela envergadura política que teve e tem no país, embora também seja verdade que existe muita notícia enviesada para ambos os lados.

Mas o que mais me choca é a declaração sobre a Petrobras, que é um absurdo de qualquer ponto de vista. Só não deu para entender se ele diz o que diz por ignorância, oportunismo político ou algo pior.

Nesta quinta-feira (11), a Petrobras divulgou um lucro líquido R$ 4,45 bilhões no primeiro trimestre, que marca o início da recuperação da companhia, depois de acumular R$ 71,6 bilhões de prejuízo em 2016, 2015 e 2014.

As gestões Lula e Dilma foram um desastre para a Petrobras. Não apenas pela corrupção (que não começou com o PT, mas que tomou proporções impressionantes com o partido), mas também por conta de má gestão.

Em seu depoimento a Moro, Lula diz que "tem orgulho de ter elevado os investimentos da Petrobras de US$ 3 bilhões para US$ 30 bilhões", mas esquece que isso provocou uma explosão na dívida da estatal, que chegou a US$ 100 bilhões.

Também não menciona que boa parte desses investimentos são projetos de refinarias que foram abandonados ou reduzidos, porque se tratavam de promessas políticas sem viabilidade econômica, que se tornaram apenas uma torneira de recursos para corrupção.

Lula afirma ainda que tem "orgulho da contratação de funcionários pela Petrobras". Nos governos Lula e Dilma, a Petrobras dobrou seu número de funcionários, chegando a mais de 400 mil pessoas, um inchaço enorme em relação a suas concorrentes.

Ainda vale lembrar que as investigações apontaram que o PT tinha um esquema com as terceirizadoras de mão de obra na estatal, que repassavam parte do dinheiro dos contratos para o partido.

"Se dentro da Petrobras, teve alguém que roubou, que pague pelo roubo, mas eu tenho orgulho do que fiz", arremata Lula.

Ele garante que não tinha ciência dos crimes na estatal, mas não explica porque quis perguntar a Renato Duque, ex-diretor da Petrobras preso há dois anos em Curitiba, se ele tinha conta no exterior e porque pediu ao tesoureiro do seu partido para marcar a reunião.

As desventuras do viúvo - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 12/05

O País pôde ver Lula por inteiro, como ele é. Se não fosse repugnante, seria apenas de dar dó



Sempre achamos um exagero que o senhor Lula da Silva fosse por alguns alcunhado de “o apedeuta”, por sua profissão de fé na ignorância e por sua confessa indisposição para a leitura, que ele sempre, orgulhosamente, assumiu como contraponto aos “doutores” das “elites”. O depoimento que o senhor Lula da Silva prestou, na condição de réu, ao juiz federal Sérgio Moro demonstrou que estávamos errados: o líder petista comprovou de viva voz, com o que disse na oitiva, que não é ignorante apenas a respeito das coisas da cultura e da ilustração. Pelo que declarou em juízo, Lula é um completo ignorante. Não sabe de nada. Desconhece absolutamente tudo.

Do depoimento depreende-se que o senhor Lula da Silva desconhecia tudo o que fazia sua falecida mulher Marisa Letícia. Segundo o ex-presidente, foi a ex-primeira-dama quem quis comprar o triplex no Guarujá que, diz a acusação, foi adquirido e inteiramente reformado por um empreiteiro camarada para servir como propina ao ex-presidente. Na versão do senhor Lula da Silva, nem as visitas de Marisa Letícia ao apartamento nem a negociação para a reforma eram de seu conhecimento. Quando Moro pediu que ele explicasse melhor a relação da falecida mulher com o apartamento e com o empreiteiro camarada, o senhor Lula da Silva, depois de praticamente incriminá-la, disse que para ele era “muito difícil” ouvir o juiz Moro falar sobre Marisa Letícia “sem ela poder estar aqui para se defender”.

Conclui-se, pelo depoimento, que Marisa Letícia mandava no senhor Lula da Silva em todos os planos de sua vida – pessoal, doméstico, familiar, político e administrativo. A menos, é claro, que o viúvo, além de mentiroso, seja daqueles tipos que não consideram vício de caráter atribuir a autoria de ilícitos à própria mulher, desde que ela esteja morta e, portanto, calada.

Mas a muito conveniente ignorância do viúvo é abrangente. Questionado pelo juiz Sérgio Moro se em algum momento, como grande líder do PT, pediu ao partido que investigasse o envolvimento de correligionários no esquema de corrupção detalhado posteriormente pela delação de executivos das empreiteiras e da Petrobrás, o viúvo disse que em 2014, quando vieram à tona as denúncias da Lava Jato, ele era apenas um ex-presidente, comparável a um “vaso chinês”. Moro insistiu em que, mesmo na condição de ex-presidente, o depoente tinha evidente influência no PT, ao que o chefão petista respondeu, para espanto geral: “Eu não tenho nenhuma influência no PT”.

Aquele cujos seguidores julgam ser o melhor presidente da história do País também afirmou que não tinha como saber da corrupção na Petrobrás cometida por executivos por ele nomeados e por empreiteiros com os quais tinha relações pessoais. “Quem monta cartel para roubar não conta para ninguém. O presidente da República não participa do processo de licitação da Petrobrás, de tomada de preços da Petrobrás. É um problema interno da Petrobrás”, justificou o senhor Lula da Silva ao juiz Sérgio Moro.

A propósito das declarações do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, apadrinhado pelo PT, segundo as quais o senhor Lula da Silva mandou que ele destruísse provas da existência de contas secretas no exterior abastecidas com o dinheiro do petrolão, o ex-presidente teve de confirmar o encontro – mas, é claro, tem uma outra versão para os fatos. “A pergunta que eu fiz para o Duque foi simples: tem matéria nos jornais, tem denúncias de que você tem dinheiro no exterior, está pegando da Petrobrás. Eu falei: ‘Você tem conta no exterior?’ Ele falou: ‘Não tenho’. Eu falei: ‘Acabou’.” Simples assim: além de viúvo, é amigo fiel e confiante.

O senhor Lula da Silva parece apostar que todos os brasileiros são tão ingênuos e inocentes quanto ele tentou parecer diante do juiz Sérgio Moro. Mas o depoimento do petista em Curitiba teve o efeito contrário: com exceção da mirrada claque arregimentada pelos sindicatos para lhe dar apoio, o País finalmente pôde ver o senhor Lula da Silva por inteiro, exatamente como ele é. E o que se viu, não fosse repugnante, seria apenas de dar dó.

A crua realidade - MERVAL PEREIRA

O Globo - 12/06

Nem bem os militantes lulistas comemoravam uma suposta superioridade do ex-presidente sobre o juiz Sergio Moro no seu depoimento em Curitiba, novas delações surgem, liberadas pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, para acabar com a enganosa sensação de vitória da véspera. São declarações divulgadas pelo STF, não vazadas para a imprensa.

Trata-se da íntegra das declarações do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura que revelam, com riqueza de detalhes e contas bancárias em diversos países, os meandros do financiamento de campanhas presidenciais no Brasil (de Lula e Dilma) e na Venezuela (de Chávez) pelas empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez sob a coordenação direta dos ex-presidentes Lula e Dilma e do ditador da hora na Venezuela, Nicolás Maduro, nossa trinca bolivariana.

A fugaz sensação de vitória se baseia mais na capacidade histriônica do ex-presidente Lula do que nas suas declarações, que foram vagas quando tratavam de sua pessoa, e peremptórias quando se referiam à falecida dona Marisa Letícia. Lula nunca sabia de nada, dona Marisa era quem dava as ordens.

Lula se sai bem sempre que não precisa dar atenção aos fatos, aos números, essas coisas concretas da realidade. Quando se trata de tergiversar, discursar e enrolar, o ex-presidente é uma espécie de Rolando Lero, o personagem de Chico Anysio interpretado pelo ator Rogério Cardoso, em um eterno palanque.

Ou, para elevar o rumo dessa prosa, da espécie de Teodorico Raposo, o Raposão, de “A Relíquia”, de Eça de Queiroz, que se faz passar por beato para enganar a tia carola Titi, e se tornar o herdeiro de sua fortuna.

Raposão, ao final da vida, se convence de que não teria sido deserdado se afirmasse sempre que a relíquia que havia trazido da Terra Santa era a camisola de Maria Madalena, e não a de Miss Mary, uma prostituta que conhecera durante a viagem.

Os detalhes contados por João Santana e sua mulher, Mônica Moura, também colocam por terra a fama de “presidenta honesta” de Dilma Rousseff, ou do republicanismo de seu governo. A presidente tinha sempre informações sobre as operações da Polícia Federal, e avisava aos marqueteiros quando o cerco apertava.

Sugeriu que passassem um tempo no exterior e chegou a criar um sistema de mensagens em código para informá-los das investigações. Era Dilma também, segundo o relato dos dois, quem comandava as negociações para pagamento de caixa dois para sua campanha eleitoral.

João Santana chegou a contar que o próprio Lula autorizava os pagamentos mais altos, tendo o ex-ministro Antonio Palocci dito sempre que a última palavra era “do chefe”. O ex-presidente tinha uma maneira maliciosa de se referir aos pagamentos da Odebrecht, contou Santana. Perguntava se “os alemães” o estavam tratando bem.

Todos os detalhes estão lá, até mesmo o pagamento de contas pessoais da então presidente Dilma, e todos os relatos batem com outros, de outros delatores. A retórica palanqueira de Lula pode se impor em determinados momentos, mas suas contradições e as histórias dos que o rodearam nesses anos todos de corrupção organizada pelo seu governo não deixam dúvidas de que ele estava sempre no comando do esquema.

Até mesmo um documento rasurado encontrado em seu apartamento, demonstrando que já havia a intenção de ficar com o tríplex do Guarujá em vez da unidade simples, serviu para que colocasse a culpa nos policiais que estiveram lá para a condução coercitiva. “Quero saber quem rasurou”, disse Lula, jogando a culpa para quem encontrou o documento.

Os mesmos a quem ele já havia ameaçado, dizendo que voltaria à Presidência e não se esqueceria da cara de nenhum deles. Lula vai ser processado pela Associação dos Delegados de Polícia Federal.

Justiça cumpre seu papel em depoimento de Lula - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 12/05

O fato de um ex-presidente, com histórico de liderança popular, ter de se explicar a um juiz de primeira instância ajuda a reforçar a ideia de que a lei vale mesmo para todos


Um dos importantes saldos do depoimento do ex-presidente Lula, quartafeira, em Curitiba, ao juiz Sergio Moro, é que a Justiça e os demais poderes da República continuam a cumprir bem seu papel na Lava-Jato. Pois Lula, que já foi muito popular — e continua no imaginário de um segmento da população —, apresentou-se a um juiz de primeira instância, para se explicar sobre acusações feitas pelo Ministério Público, a partir de investigações convertidas em denúncias de corrupção e outras. É assim que funciona nas maiores democracias, às quais, neste caso da Lava-Jato, o Brasil se equipara, pelo menos até agora.

Deu-se o anticlímax para quem esperava um dia tumultuado em Curitiba. Com serenidade, o Poder Judiciário e as autoridades do Paraná e da cidade agiram de forma adequada, a fim de garantir a livre manifestação de apoiadores e opositores do ex-presidente, e sem prejudicar o curitibano. O juiz Sergio Moro, por sua vez, com apoio de instâncias superiores — o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre e o Superior Tribunal de Justiça —, soube evitar a intenção de Lula, de sua defesa e do PT de converterem o depoimento num ato político-eleitoral.

Não apenas vetando a incabível gravação paralela do depoimento — sabe-se do que seriam capazes de fazer com este material os marqueteiros lulopetistas —, como também mantendo as cinco horas de perguntas e respostas num devido tom sereno e objetivo, como deve ser qualquer testemunho.

Neste sentido, o juiz Moro fez bem, logo na abertura da sessão, ao explicar a Lula o objetivo da tomada de depoimento, na qual não haveria a possibilidade de ele ser preso, tema de exploração política pelo lulopetismo.

O ex-presidente saiu do depoimento e foi ser aclamado por militantes que se deslocaram para saudá-lo. Mas não foi um dia positivo para Lula. Como esperado, ele demonstrou a conhecida verve, mas, de substância, nada que possa afastar de maneira convincente as denúncias em torno do tríplex do Guarujá.

Instruído pela defesa, por certo, Lula jogou a responsabilidade em torno do imóvel sobre Marisa Letícia, que morreu há pouco tempo. Não é manobra desconhecida no mundo da justiça criminal. Talvez pela excessiva preocupação de converter o tribunal em palanque, o ex-presidente perdeu tempo ao responsabilizar a imprensa pela denúncia da posse secreta do tríplex, com a citação, entre outros, de veículos do Grupo Globo. Foi-lhe, então, explicado que quem o acusa é o Ministério Público, não jornais, TVs e revistas.

Diante do conjunto da obra já edificada pelas delações premiadas, algumas respostas de Lula foram risíveis. Como dizer que não interfere em decisões do PT e que chamara o ex-diretor da Petrobras Renato Duque para saber se ele tinha contas no exterior para guardar dinheiro roubado na estatal. Segundo Duque, houve a conversa, mas para Lula aconselhá-lo a ter cuidado. Mais uma evidência de obstrução da Justiça.

Cinco horas de depoimentos deverão repercutir durante algum tempo. Ressalte-se que também resta desta quarta a constatação de que organismos de Estado demonstraram maturidade na condução de um momento difícil. Bastou seguir lei e normas. Precisa servir de modelo para situações semelhantes que deverão acontecer.

Chefe ou comandante? - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 12/05

Se há um complô contra Lula, é dos marqueteiros, amigos e empreiteiros



Lula continua disputando corações e mentes na política, mas na seara jurídica prevalece uma regra bem menos subjetiva: contra fatos, não há argumentos. Se no seu interrogatório não surgiram uma prova avassaladora ou um gesto definitivo, o problema está nos detalhes. Ou nas contradições, até nas que parecem desimportantes. E, após o depoimento, vem a público a delação de João Santana sobre “o chefe”.

Lula diz que recusou o triplex, apertado, cheio de defeitos, mal localizado e de pouca valia para a família. “Dona Marisa” (como se referiu à mulher) nem gostava de praia... Mas por que, então, um empreiteiro poderoso como Léo Pinheiro virou “um vendedor” qualquer e se apressou a corrigir os defeitos, instalar um elevador dentro do apartamento, providenciar aquela cozinha bacana, igualzinha, aliás, à do sítio que também não é da família Lula da Silva? E por que Marisa Letícia foi com o filho vistoriar as obras meses depois da recusa?

Como previsto aqui de véspera, Lula não ouviu, não viu, não falou e não sabia de nada. Foi tudo à sua revelia, a nomeação de Renato Duque para operar na Petrobrás para o PT, a roubalheira do século na principal estatal brasileira sob suas barbas, as peripécias do partido em que ele, apesar de agora negar, sempre mandou e desmandou. E assim como o mensalão, que existiu com uma finalidade: comprar votos no Congresso para o seu próprio governo.

De repente, o presidente da República não sabia de nada do governo, o eterno líder do PT não tinha nada a ver com o partido e o cidadão não tinha a menor ideia do que ocorria na própria casa. É crível? As perguntas de Sérgio Moro, mais eficazes do que a dos procuradores, foram curtas, coloquiais, empurrando Lula para essas contradições, esses, digamos, deslizes.

Na Justiça, isso tem um peso enorme, porque vai construindo uma narrativa, uma história com princípio, meio, fim. E a história de Lula tem dezenas de personagens, histórias mal contadas, milhões de origem duvidosa, relações mais do que perigosas com os grandes empreiteiros do País.

E a profusão de notícias não para. Lula, que já era apelidado de “comandante” por Renato Duque, agora é chamado de “o chefe” por João Santana e Mônica Moura, que jogam Dilma Rousseff no turbilhão, confirmam a importância de Antonio Palocci no esquema e introduzem um novo nome na confusão, o de José Eduardo Cardozo.

Como defesa, ele diz que era ministro da Justiça e prestava contas à presidente. Faz sentido, mas é uma forma de lavar as mãos em relação a Dilma, acusada pelos marqueteiros de criar um e-mail fake para trocar mensagens nada republicanas com eles. Uma delas, grave, repassando uma informação da Justiça: que a Lava Jato estava fora do controle e eles deveriam ficar o maior tempo possível fora do País, para escapar da prisão.

Tudo somado, Lula está virando uma ilha: ele dá uma versão, todos os demais dão outra. Os empreiteiros da Odebrechet e da OAS, o operador do PT na Petrobrás, o pecuarista amigão, os marqueteiros das campanhas do PT em 2006, 2010 e 2014. Como na história do soldadinho, será que todos estão marchando com o pé errado e só “o comandante” e “o chefe” com o pé certo?

Quem é contra Lula já concluiu há tempos que ele tem culpa no cartório. Quem defende fantasia que há um complô da justiça, do MP, da PF e da mídia contra ele, ou que tudo não passa de pequenas traquinagens absolutamente perdoáveis ou que Lula, “o migrante que cuidou dos pobres” e “o melhor presidente do Brasil”, é inimputável: tem direito a fazer qualquer coisa.

O problema é que a Justiça não é contra nem a favor de Lula e tenta se ater aos fatos. Os fatos e os amigos é que conspiram contra Lula.


Um ano do governo Temer - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 12/05

À sua maneira, Temer conseguiu, nesse curtíssimo intervalo de tempo – dos 12 meses à frente da Presidência, quase 5 foram em caráter interino –, deixar plantadas algumas importantes bases para que o próximo presidente da República tenha condições mínimas de governabilidade



O governo do presidente Michel Temer completa um ano marcado pela determinação de realizar as reformas necessárias para impedir que a economia entre em colapso e, ao mesmo tempo, para incentivar a retomada dos investimentos e do crescimento. Mesmo seus mais ferrenhos adversários deverão reconhecer no presidente Temer a habilidade política necessária para construir, num Congresso acossado por denúncias e muito malvisto pela opinião pública, uma maioria suficiente para aprovar as urgentes mudanças constitucionais, todas elas extremamente impopulares.

À sua maneira, Temer conseguiu, nesse curtíssimo intervalo de tempo – dos 12 meses à frente da Presidência, quase 5 foram em caráter interino –, deixar plantadas algumas importantes bases para que o próximo presidente da República tenha condições mínimas de governabilidade. Não é um legado qualquer, considerando-se que a presidente Dilma Rousseff caiu justamente porque, além de cometer crime de responsabilidade, havia perdido completamente a capacidade de dar rumo a sua administração. O governo da petista, que já vinha funcionando mal desde que ela chegou ao poder, estava paralisado, aprofundando a brutal crise econômica que ela ajudou a criar.

Michel Temer assumiu em 12 de maio de 2016 exatamente com o discurso da “salvação nacional”. Não era força de expressão. Naquela ocasião, o País caminhava para seu segundo ano seguido de recessão profunda, com a redução de mais de 3% do PIB, e o desemprego havia atingido 11,2% – quando Dilma recebeu o governo, em 2011, o índice era de cerca de 6%, e terminou 2014, quando a petista conseguiu a reeleição, em torno de 4%. A inflação, por sua vez, atingiu 9,62% nos 12 meses encerrados naquele maio de 2016, contra 5,9% no ano de 2011, quando Dilma assumiu a Presidência. A alta de preços chegou a 10,67% em 2015, um indicador evidente da degradação da economia.

Mas havia mais. A dívida bruta do País, medida em relação ao PIB, subiu de 60% em 2013 para 74% em 2015, evidenciando o descontrole das contas públicas. Nesse cenário de recessão, desemprego, inflação e amadorismo administrativo, a desigualdade social – contra a qual o governo petista dizia lutar – parou de cair e a renda média dos brasileiros recuou 5,4% em 2015 ante 2014, fazendo com que muitos voltassem a procurar um segundo emprego, o que pressionou ainda mais o mercado de trabalho. Não havia pedaladas ou maquiagem contábil, especialidades do governo Dilma, capazes de esconder o tenebroso fato de que o País estava a caminho da ruína.

Não bastasse a situação catastrófica na economia, Temer ainda teve de conviver, desde o primeiro minuto de seu governo, com o desconforto de ver ministros e assessores acusados de corrupção. Foram oito ministros afastados em um ano e há outros tantos que frequentam listas de suspeitos. O próprio presidente foi citado em parte das dezenas de delações que assombram o mundo político.

É nesse ambiente insalubre, no qual a maioria dos enrascados luta apenas para sobreviver politicamente, enquanto outros se preocupam somente em se manter fora da cadeia, que o governo vem trabalhando, junto com o Congresso, para reduzir os danos causados pela irresponsabilidade do lulopetismo. E até agora, diante das circunstâncias, se pode dizer que foi muito bem-sucedido.

O ajuste fiscal promovido pelo governo Temer adotou o gradualismo, contrastando com a forma destrambelhada com que o governo Dilma tentou retomar o controle das contas. O aspecto mais vistoso dessa estratégia foi a aprovação da emenda constitucional que impôs um teto para os gastos públicos, limitando sua expansão à variação da inflação. Além desse salto civilizatório no trato das contas públicas, o governo Temer encaminhou duas reformas fundamentais, a trabalhista e a previdenciária.

Conforme prometeu há um ano, o presidente tem apostado no diálogo com o Congresso para fazer avançar essas medidas, sem as quais a recuperação da economia é simplesmente impossível. Diante do fato de que não será mesmo popular durante seu mandato e de que as reformas são naturalmente amargas, Temer parece convencido de que seu papel é colocar a casa minimamente em ordem – o que, diante das circunstâncias, já lhe garantirá um lugar de destaque na história.