segunda-feira, novembro 07, 2016

Politização de estudantes e professores colabora para educação ser um lixo - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/11

Sei que muitos inteligentinhos vão ficar nervosinhos, mas, no que se refere a esta onda de invasões que tomou conta das escolas, os professores que apoiam e os estudantes autoritários que realizam o fazem, antes de tudo, porque uns não querem dar aulas e os outros não querem ter aulas. Casamento perfeito sob a "bênção" do blá-blá-blá da "luta pela educação". Uma das formas mais cínicas de ser um professor ruim é sê-lo em nome de um mundo melhor. Você pode passar a vida inteira sendo esse professor ruim e enrolar todo mundo. Para isso, basta dizer que "acredita na educação para formar cidadãos do futuro".

Antes, um pequeno reparo: claro que a educação no Brasil é um lixo. Mas a politização dos estudantes e dos professores é uma das causas para ela ser um lixo. Um modo chique de torná-la um lixo, dizendo que a está salvando. Como violentar alguém dizendo que está fazendo aquilo porque ela gosta.

Fiz parte de movimento estudantil. Nunca vi gente tão autoritária e manipuladora. Aliás, foi ali que comecei a desconfiar que o problema da esquerda era um problema de caráter, ainda que no contexto da ditadura não havia como não ser contra ela. "Ser de esquerda" era óbvio para todo jovem. Na época, optei por ser anarquista, pois sempre desconfiei de quem queria fazer assembleias, comitês burocráticos e decidir pelos outros. Além do mais, ser anarquista era mais chique e pegava mais meninas. Sexo ainda é um grande motivo (talvez um dos poucos sinceros) para se fazer movimento estudantil.

A educação se tornou, de certa forma, um dos grandes fetiches do mundo moderno. Não que não seja essencial (antes que algum bonitinho tenha um ataque de nervos), mas defendê-la, muitas vezes, é um modo de não realizá-la. A própria palavra "educação" vai, aos poucos, caindo no mesmo tipo de uso da palavra "energia": todo mundo sabe que é importante, que existe, mas ninguém sabe direito o que é.

Umas das melhores formas de matar a educação é dar a ela missões demais. Outra é dizer que ela forma "cidadãos do futuro". Como são do "futuro", ninguém sabe direito o que são. Desconfio de quem diz "eu acredito na educação". Para mim, soa como dizer "eu acredito em energia ruim" –ou seja, não quer dizer nada.

Eu "não acredito na educação", apenas gosto de dar aula. Aliás, grande parte do problema da educação é que muitos professores não gostam de dar aulas ou não gostam de jovens. Risadas? Que tal um cirurgião que não gosta de sangue? Além do eterno problema de grana, você envelhece, torna-se irrelevante e, num dado momento, nem sabe mais o que está fazendo ali. Ao final, está apenas ganhando uma graninha fazendo um negócio que dá um trabalho do cão.

A educação se tornou um fetiche (no sentido freudiano) porque ela serve para você gozar apenas com uma "parte" da experiência humana, "parte" esta que exclui todo o resto da realidade; "parte" esta que faz os professores, pedagogos e alunos gozarem em sua vaidade de se dizerem do bem. A experiência ampla, o enfrentamento da própria humanidade que nos une e nos inferniza, essa ninguém mais quer saber. Refiro-me aqui, claro, à educação não apenas como informação técnica, mas como formação humana (aquela mesma que os picaretas da "educação para a política" dizem representar na sua condição de novo clero hipócrita do mundo).

Outro problema com essas ocupações é que são levadas a cabo por uma parte mínima dos alunos se dizendo representar a totalidade do alunos. Representa nada. O movimento estudantil sempre foi uma excelente escola para você virar um daqueles "políticos de Brasília": alienado do resto do mundo, mentiroso e manipulador de sonhos. Essas invasões sequestram a escola dos outros, apenas.

Há pouco tempo, recebi um e-mail de um aluno de mestrado de uma grande universidade em que ele contava como um professor de sociais deu aos alunos duas opções de trabalho para nota: a primeira, ir a uma manifestação contra o Temer (e, assim, "fazer política" de fato); a outra, não ir e fazer prova oral. O que você escolheria se não estivesse a fim de estudar?


Sossega leão - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO -07/11

A delação de Cunha é tudo de que o governo Temer e os principais caciques do PMDB não precisam



Procuradores da Lava Jato e advogados que atuam na operação concordam num diagnóstico: a reabertura imediata do programa de repatriação de ativos no exterior, agora com a possibilidade de ser extensivo a políticos, tem como principal motor a necessidade de Michel Temer e próceres do Congresso mandarem um recado para Eduardo Cunha. Esse recado é: aguente calado que estamos cuidando da sua situação aqui fora.

Apesar de as contas do casal Cunha e Cláudia Cruz na Suíça já estarem rastreadas, procuradores acham que, uma vez que ela não foi denunciada por corrupção nos processos, pode se abrir uma brecha para que ela tente trazer de volta parte dos recursos.

A mulher do ex-deputado responde por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Na hipótese de repatriar os recursos, há dúvida se ela poderia se beneficiar da anistia concedida pela repatriação. “Há todo um movimento de bastidores para acalmar o homem. Ela já está tentando regularizar os recursos. Essa reabertura tem endereço certo”, diz um integrante do Ministério Público.

A delação de Cunha é tudo de que o governo Temer e os principais caciques do PMDB não precisam.

TEFLON

Sem previsão para denúncias de Renan

Renan Calheiros, que respirou com o adiamento do julgamento da ação que questiona se um réu pode ocupar cargo da linha sucessória da Presidência da República, pode terminar o ano sem ser incomodado pela Lava Jato. Rodrigo Janot não deve apresentar ao Supremo denúncia em nenhum dos inquéritos contra o presidente do Senado em 2016.

MARCHA LENTA

Acordo da Odebrecht atrasa outras linhas de investigação

A justificativa para o atraso nas investigações contra vários políticos da “lista do Janot” é a mega delação da Odebrecht. Os procuradores estariam “sem braços” para cuidar de outras frentes.

BUMERANGUE

Advogados dizem que decisão do STF pode barrar candidatos

Advogados estão de olho no julgamento da ação da Rede sobre a presença de réus na linha sucessória. Avaliam que a decisão pode impedir réus até de ser candidatos — o que tiraria Lula do páreo de 2018.

JUDICIÁRIO

Ministros do STF preveem divisão na Segunda Turma

Ministros do STF preveem que os próximos julgamentos da Segunda Turma da Corte, encarregada dos processos da Lava Jato, podem começar a apresentar placares apertados. A nova configuração do colegiado, que passou a contar com o ex-presidente Ricardo Lewandowski, começaria a ter decisões por 3 votos a 2. O risco, apontam esses magistrados, é que a maioria estreita comece a ser contra o andamento de muitos processos.

MÉTIS

Janot deve opinar sobre competência de operação

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve se manifestar nesta semana sobre se o juízo federal de primeira instância poderia ou não ter determinado a Operação Métis, que levou à prisão agentes da Polícia Legislativa do Senado e foi paralisada por Teori Zavascki. O Ministério Público tende a ver certa “exorbitância” de competência, pelo fato de haver ordem direta de senadores em algumas missões ilegais denunciadas pelos policiais legislativos.

SÓ EM 2017

Previdência não vai tramitar neste ano

O governo pode até mandar a proposta de reforma da Previdência ao Congresso neste ano, mas sua tramitação ficará integralmente para 2017. O Planalto culpa os governadores, que estariam querendo enfiar no projeto federal todas as “maldades” que precisam fazer em casa. A ordem é centrar fogo na emenda que fixa o teto de gastos e deixar a batalha previdenciária para depois.

RECEITA EM RISCO

Governo deixa correr solta desfiguração de projeto

O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) e o secretário da Receita, Jorge Rachid, assistem passivamente à desfiguração total do Projeto de Lei 5.864/16, que dispõe sobre a reestruturação salarial e funcional da Receita. O relator da matéria, o deputado Wellington Roberto (PR-PB), um dos últimos fiéis escudeiros de Eduardo Cunha, enfiou contrabandos na proposta que abrem a Receita à ingerência política e acaba com a autonomia de fiscalização dos auditores.

Para sair do buraco, cidadão adota "PEC do teto" em casa - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 07/11

Em meio a uma crise sem precedentes e com o desafio de restabelecer o equilíbrio das contas públicas, os agentes do governo federal recorreram, pela primeira vez, ao método mais básico e elementar conhecido: limitar os gastos, uma medida simples, óbvia e muito salutar para a boa gestão das finanças pessoais, empresariais e públicas.

O limite impõe o exercício da escolha. Como não há recursos suficientes para investir em todas as áreas e setores da economia, é preciso priorizar, escolher o que será feito primeiro e o que fica para depois.

Para investir em educação, será preciso reduzir ou adiar investimentos em infraestrutura, por exemplo. Para investir em saúde, talvez seja preciso cortar gastos na segurança, outro setor também carente de investimento. A cada escolha uma renúncia será feita.

Sem um limite, é muito fácil gastar mais do que podemos, afinal, tudo é importante. Sem limite, não haverá responsabilidade na gestão dos recursos públicos. Um benefício de curto prazo para alguns pode representar um problema no médio prazo para todos.

Um dos grandes benefícios dessa medida é a transparência com que as decisões serão tomadas e tornadas públicas, de conhecimento de toda a população. Os partidos e os deputados terão de revelar os setores que consideram prioritários para receber os investimentos.

Assim, saberemos como pensam e agem os deputados e os senadores eleitos pelo povo e que interesses representam.
Será que a solução adotada pelo governo pode ser replicada por nós, cidadãos? Com certeza.

José não consegue interromper um círculo vicioso no qual se deixou enredar. Ele não encontra uma saída e, sem mudar seu padrão de comportamento de consumo, agrava mês a mês sua já complicada situação financeira.

Como tardou em enfrentar e corrigir o problema, encontra-se agora em um beco sem saída. Com dinheiro finito, limitado ao salário já parcialmente comprometido com empréstimos consignados, não consegue pagar por tudo o que a família precisa e deseja.

Pedir empréstimo? Impossível, está sem crédito na praça. Os atrasos, antes tolerados pelos credores, se transformaram em inadimplência, falta de pagamento. Assim, suas linhas de crédito foram cortadas.

José tem uma única saída: limitar os gastos, como fez o governo, e cortar, reduzir despesas. Vai fazer o que nunca foi feito antes, listar as prioridades, avaliar a importância e urgência de cada uma, e escolher.

Escolher significa abrir mão de alguma coisa em detrimento de outra. No processo de escolha, uma coisa será definida como mais importante ou urgente do que outra. Equivale a dizer que o projeto que foi adiado ou excluído é menos importante e pode esperar.

Escolher não será uma tarefa simples. A cada escolha prestes a ser feita pense no que está sendo rejeitado e em alternativas para atenuar esse corte.

Decidir pela compra e manutenção de um carro pode significar deixar de investir na educação do filho que não foi matriculado em uma escola particular de qualidade. Será que vale a pena? A despesa exagerada com o celular equivale ao custo de plano de saúde com melhor cobertura para a família. Qual o significado e impacto de cada projeto?

Como a decisão afeta a família inteira, é importante que todos sejam envolvidos no processo de
escolha. Um aprendizado muito valioso para as crianças e os adolescentes que talvez só valorizem o mecanismo mais tarde, quando forem responsáveis pela gestão de seu próprio orçamento.

Certamente se lembrarão das lições aprendidas com os pais. Educação financeira começa em casa. E o bom exemplo, apesar dos sacrifícios, é a melhor lição.

Quando a crise for superada, mantenha a sábia decisão de limitar os gastos e inicie a formação de uma reserva financeira, necessária para atravessar novos períodos de instabilidade e incerteza.

Anistia ao caixa dois é presente de Natal antecipado - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 07/11

BRASÍLIA - A defesa da anistia para os crimes de caixa dois, tema que era tratado de forma envergonhada até pouco tempo, vai se tornando cada vez mais explícita e ganha certo sentido de urgência no Congresso Nacional diante da proximidade do acordo de delação da Odebrecht.

Um dos defensores da ideia me explica o motivo da pressa. A empreiteira baiana, segundo ele, era a que mais fazia doações por meio de dinheiro de caixa dois –em tempos de eleições e fora delas. Quando vier a público sua delação, pouca gente do mundo da política ficará de fora.

Aí, diz este parlamentar, melhor aprovar a anistia antes que a Lava Jato oficialize o acordo com a empreiteira. Depois, a pressão contra a proposta só tende a aumentar.

A anistia virou o presentão de Natal que a turma da política quer se dar antes do final do ano. O objetivo é um só. Livrá-la das garras da Lava Jato, que tem descoberto várias operações de uso de caixa dois para bancar as últimas eleições.

O agrado de Natal vai ser embalado num pacote de medidas moralizantes. Será colocado no conjunto de projetos de combate à corrupção, entre eles o da criminalização do caixa dois. Mas só daqui para a frente. Em relação ao passado, a estratégia é anistiar todo mundo.

A proposta une governistas e oposição, incluindo aí o PT. Estão fora praticamente apenas o PSOL e a Rede. O discurso em favor da ideia é o velho "todo mundo fazia" e "não vai sobrar ninguém" se o caixa dois do passado for realmente punido.

O problema é que essa turma sabia muito bem estar praticando um crime ao aceitar dinheiro frio. Tem mais. Nas delações da Lava Jato, empresários têm confessado que faziam esse tipo de doação com grana fruto de corrupção em estatais.

Ou seja, anistiar o caixa dois pode livrar a cara de muita gente que meteu a mão em dinheiro público. Os defensores da ideia dizem que essa turma não seria poupada. Alguém aí acredita em Papai Noel?


Quando o simples é errado - GUSTAVO LOYOLA

VALOR ECONÔMICO - 07/11

O prudente é deixar as reservas em paz. O BC sempre terá a opção de gerenciá-las no âmbito da política cambial

Na discussão sobre o uso das reservas internacionais, o que mais se vê são propostas que lembram a célebre frase atribuída ao crítico americano Henry Louis Mencken: "Para todo problema complexo, existe uma resposta que é clara, simples e errada". Frequentemente, as reservas são tratadas como uma espécie de elixir universal, capaz de, em uma tacada, resolver velhos males da economia brasileira, tal como o da reduzida taxa de investimento. Contudo, no mundo real, desembaraçar-se de uma parte das reservas, ainda que com propósitos louváveis, pode trazer muitas complicações macroeconômicas.

Não é a primeira vez que a questão do uso milagreiro das reservas vem à baila. No início de 1993, quando eu era presidente do Banco Central, um prestigiado ex-ministro da Fazenda do regime militar tentou convencer o presidente Itamar Franco a utilizar parte das parcas reservas internacionais do país à época (cerca de 10% do seu valor atual) para a recuperação de estradas. O bizarro esquema previa o BC depositar dólares em agências do Banco do Brasilno exterior, que internalizaria os recursos, emprestando-os para o governo (federal e dos Estados) realizar obras nas rodovias. Não apenas seria um escancarado financiamento do BC ao Tesouro (vedado pela Constituição), como também um moto contínuo de emissão de moeda. Felizmente, o presidente Itamar ouviu nossas vozes de bom senso e não deu seguimento à ideia.

Mas deixando a história de lado, uma questão preliminar e fundamental hoje é saber se as reservas internacionais brasileiras - na casa dos US$ 378 bilhões - são de fato excessivas. Se o forem, o natural seria considerar a possibilidade de sua redução de algum modo, tendo em conta o oneroso custo representado pelo diferencial positivo entre as taxas de juros doméstica e internacional. Obviamente sem desrespeito à Constituição!

Muito embora não exista um consenso na teoria sobre o nível adequado (ou ótimo) de reservas internacionais, é praticamente consensual que as economias emergentes devem manter reservas acima do nível que seria requerido para as economias maduras. A razão é a maior exposição dos emergentes a choques de origem externa, principalmente os do tipo "sudden stops" em que há uma queda abrupta e não antecipada do financiamento externo.

De todo modo, não caberia neste espaço uma discussão ampla sobre o nível ótimo de reservas, pelo que fiquemos com a métrica empregada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que leva em conta fatores como a renda das exportações, o volume dos agregados monetários, a dívida de curto prazo e outros passivos externos do país. Pela tal métrica, o Brasil deveria ter no mínimo e de maneira conservadora algo como US$ 280 bilhões em reservas. A redução das reservas para tal nível poderia trazer uma economia fiscal da ordem de 0,6% do PIB ao ano.

Portanto, o Brasil teria cerca de US$ 100 bilhões de reservas excedentes a julgar pelos parâmetros do FMI. Mas o que fazer com este "excesso"? A ação "plain vanilla" seria desfazer-se dele por meio de vendas pelo BC de dólares no mercado cambial, com esterilização dos efeitos monetários por meio do resgate de títulos da dívida pública, em operações definitivas ou compromissadas.

Ocorre que as consequências macroeconômicas desse movimento estariam longe de ser triviais. No regime de taxas flutuantes de câmbio, a intervenção vendedora do BC apreciaria o câmbio, pelo menos de maneira transitória. A redução da taxa de juros básica poderia ser a solução para reequilibrar o mercado, mas o BC está constrangido pelo regime de metas de inflação.

Outra opção que tem sido aventada seria a utilização do "excesso" de reservas no financiamento de investimentos em infraestrutura, compensando assim a insuficiente oferta de recursos de longo prazo para o setor. Para tanto, fala-se na constituição de um fundo que canalizaria recursos para os projetos de infraestrutura, por meio da aquisição de debêntures ou por meio de outros instrumentos. Ocorre que tal tipo de ideia incorre fundamentalmente nos mesmos defeitos da sugestão feita a Itamar Franco nos idos de 1993. A primeira complicação surge na transferência das reservas do BC para o tal fundo.

Qual seria a contrapartida dada pelo Tesouro ao Banco Central? Títulos públicos? E isso não configuraria um financiamento vedado constitucionalmente? Alternativamente, poderia o Tesouro utilizar os recursos da Conta Única com tal propósito? Mesmo que ultrapassado esse óbice, há ainda a questão do descasamento de moedas. Os gastos em infraestrutura ocorrem majoritariamente em moeda nacional, o que implica a necessidade de venda de dólares pelo fundo (ou pelo tomador dos recursos) no mercado. O BC terá de optar entre deixar a moeda se apreciar ou comprar esses dólares que neste caso voltariam para as reservas internacionais! E para esterilizar sua intervenção - a fim de evitar que a taxa de juros no mercado monetário caia abaixo da meta da taxa Selic - o BC deve vender títulos, voltando a expandir a dívida em mercado. Bye-bye economia fiscal...

Por tudo isso, o prudente é deixar as reservas em paz. O BC sempre terá a opção de gerenciá-las no âmbito da política cambial, mas se desviar desse propósito pode trazer mais dor de cabeça do que se imagina. Seria um simplesmente uma resposta errada a um problema complexo.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

Iluminador da história - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 07/11

Reportagem com rosto humano é o que atrai e faz do jornalismo uma atividade perene


O jornalista Carl Bernstein – famoso no mundo inteiro depois da série de reportagens, escrita com Bob Woodward, que revelou o escândalo Watergate e derrubou o presidente Richard Nixon, em 1974 – não forma com o time dos corporativistas. Sua crítica, aberta e direta, aos eventuais desvios das reportagens representa excelente contribuição ao jornalismo de qualidade. “O importante é saber escutar”, diz Bernstein. “As respostas são sempre mais importantes que as perguntas que você faz. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.”

O comentário é uma estocada nas atitudes de engajamento, arrogância e prejulgamento que corroem e desfiguram a reportagem. “Os jornalistas, hoje, trabalham com um monte de preconceitos”, sublinha. “Fazem quatro ou cinco perguntas para provocar alguma polemicazinha de nada, mas evitam iluminar a cena, fazer compreender.” Com a autoridade de quem sabe das coisas, Bernstein dá uma lição de maturidade profissional.

O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de ranços ideológicos invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de faz de conta.

A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se fundamenta na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.

Certos setores da imprensa, vez por outra, têm caído nessa tentação antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando a credibilidade. O leitor não é tonto. A verdade, cedo ou tarde, acaba se impondo. O brilho da pauta construída com os ingredientes da fraude é fogo de artifício. Não é ético e não vale a pena.

Ainda não conseguimos, infelizmente, superar a síndrome dos rótulos. Alguns colegas não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro clichês: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas.

Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes, que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.

A reportagem de qualidade é sempre substantiva. O adjetivo é o adorno da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta da apuração. É importante que os responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a imparcialidade (que não é neutralidade) é o melhor investimento.

A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros anestesiados pelo clima rarefeito de certas redações, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.

Autor do mais famoso livro sobre a história do jornal The New York Times, Gay Talese, vê alguns problemas a partir da crise que atingiu um dos jornais mais influentes do mundo. Embora faça uma vibrante defesa do Times, “uma instituição que está no negócio há mais de cem anos”, Talese põe o dedo em algumas chagas que, no fundo, não são exclusividade do diário norte-americano. Elas ameaçam, de fato, a credibilidade da própria imprensa. “Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mails, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava o telefone. Queria ver o rosto das pessoas. Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando”, conclui Talese. Reportagem com rosto humano. Com cheiro de asfalto. É isso que atrai e faz do jornalismo uma atividade perene.

A autocrítica interna deve ser acompanhada por um firme propósito de transparência e de retificação. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legenda é fácil. Mas admitir a prática de prejulgamento, de engajamento ideológico ou de leviandade noticiosa exige pulso e coragem moral.

Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

O voto virou veto - PAULO GUEDES

O Globo - 07/11

Curtas janelas de tempo eleitoral e novas tecnologias conspiram para estratégias de cerco e desconstrução dos adversários


O voto virou veto. Nas curtas janelas de tempo eleitoral, é sempre mais fácil destruir do que construir. As novas tecnologias de informação e comunicações conspiram também para estratégias de ataque, cerco e desconstrução dos adversários. O foco é nos vícios do outro, e não nas próprias virtudes. O eleitor de Hillary está convencido de que sua missão é impedir que chegue à Presidência um candidato sem consideração por mulheres, negros e latinos. E que pode, além de suas inadequações morais, arrastar o mundo a uma guerra nuclear. Já o eleitor de Trump tem o propósito de rejeitar a candidata do establishment, por sua insensibilidade à destruição de empregos industriais, aos gastos excessivos de incompetentes burocratas e ao declínio econômico e político dos americanos. A “comprovada” incapacidade de Hillary teria alimentado maus acordos comerciais, indesejáveis ondas de imigrantes e aumento do terrorismo.

São grosseiras simplificações em detrimento dos adversários, para direcionamento dos vetos. E não a construção de agendas positivas para mobilização dos votos. “A civilização está sob a constante ameaça da ruína. A sociedade não se manteria apenas por interesses econômicos; as paixões determinadas por impulsos são mais fortes do que os interesses racionais”, diagnosticava Freud, em seu clássico “O mal-estar na civilização” (1930). O atual desconforto dos ocidentais com a globalização se manifesta em diversas dimensões. Na perda de competitividade industrial, na falência do welfare state, na guerra mundial por empregos, na estagnação dos salários e no aumento das desigualdades dentro das fronteiras nacionais no Ocidente. Pouco se importam com a melhor distribuição de renda global pela redução da miséria entre bilhões de órfãos eurasianos do finado socialismo real.

Serão enormes e assimétricos os efeitos econômicos e políticos da eleição de Hillary ou Trump. Mas as modernas democracias liberais têm mecanismos de correção dos excessos. Uma sociedade aberta tem maturidade institucional para processar mesmo uma escolha da “pessoa errada” nas eleições presidenciais. Se o Brasil, uma democracia emergente em construção, exibiu essa flexibilidade institucional, é irônico que não possam hoje dormir tranquilos os norte-americanos.


Ajuste fiscal não pode ser dissociado de uma agenda social prioritária - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 07/11

No momento em que o Brasil enfrenta o inadiável debate sobre as medidas de saneamento das contas públicas e as reformas capazes de ancorar a retomada do crescimento, é importante alertar para a prioridade que precisa ser dada à questão social. A agenda do ajuste fiscal não pode ser dissociada de uma agenda social igualmente prioritária.

A gravidade da situação econômica brasileira é maior do que se imaginava. Novas estatísticas do IBGE mostram que falta trabalho para 22,7 milhões de brasileiros. Isso significa que as portas estão fechadas para 13,6% da população em idade produtiva, o que atinge diretamente a vida de milhões de famílias. São dívidas que se acumulam, jovens que abandonam os estudos para ajudar os pais, sonhos que são adiados.

É para essa população mais vulnerável que precisamos olhar no momento de implantar as medidas essenciais do ajuste das contas públicas. Nos últimos dois anos, estima-se que a nossa economia encolheu em torno de 7%. A renda per capita caiu e os brasileiros já estão mais pobres. Recolocar o país nos eixos após anos de descalabro vai exigir, portanto, novos sacrifícios.

Em tal contexto de crise, é fundamental minimizar os impactos da recessão econômica, aperfeiçoando os gastos sociais e projetando programas de inclusão mais sustentáveis. Trata-se de proteger os mais frágeis no momento em que enfrentamos o desafio de construir um arcabouço de desenvolvimento responsável.

O tempo da demagogia se esgotou. O país dá provas de amadurecimento quando a questão das reformas é colocada pelo governo de forma transparente para a sociedade. A PEC que limita os gastos públicos, já aprovada na Câmara dos Deputados, é o primeiro passo, apenas. Faz mais de década que as despesas públicas crescem à frente do PIB em um percurso letal. O déficit do setor público ficará próximo dos R$ 170 bilhões este ano.

Limitar o teto para gastos é, portanto, o marco zero de qualquer projeto sério de mudança. A próxima reforma a ser enfrentada pela nação será a da Previdência. O populismo impediu que fosse feita há alguns anos, quando o problema ainda não era tão grave. Agora, não há escapatória.

São questões como essa que devem ser debatidas com responsabilidade e maturidade. Sem prejuízo para a população mais fragilizada, que carece de uma rede de proteção efetiva. O mesmo governo que defende com propriedade medidas duras para salvar o país deve ser enfático na busca de mais eficiência e de foco nos investimentos sociais.

É urgente a definição dessa agenda responsável, debatida com prefeituras, Estados e organizações, e que tenha compromisso com a proteção e a inclusão daqueles que, longe das estatísticas marqueteiras, permanecem excluídos.

Inconformados com a democracia - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 07/11

Um verdadeiro democrata é aquele que sabe ganhar e sabe perder uma eleição


Um verdadeiro democrata é aquele que sabe ganhar e sabe perder uma eleição. Os caciques petistas, praticamente desde a fundação de seu partido, já demonstraram inúmeras vezes que não sabem nem uma coisa nem outra. Quando vencem, atiram-se às mais repugnantes práticas políticas para se manter no poder e destruir a oposição; quando perdem, dedicam-se não a fazer oposição, mas a sabotar o País, na presunção de que, quanto pior a crise, maiores serão suas chances de retomar o poder, que julgam lhes pertencer por direito e por determinação histórica. Depois da derrota eleitoral sofrida na disputa pelas prefeituras, o PT, se fosse mesmo democrata como alardeia, poderia ter reconhecido seus erros e deflagrado um processo de reformulação de suas práticas, amplamente rejeitadas pelos eleitores. No entanto, a natureza autoritária desse partido mais uma vez se revela: surrados impiedosamente nas urnas depois que os brasileiros se deram conta de suas patranhas, os petistas partiram para a negação da política partidária, apelando para a violência e para o desrespeito ao Estado de Direito como forma de interferir na realidade que lhes é hoje tão madrasta.

Um exemplo dessa disposição foi dado por um grupelho de sem-teto denominado Frente de Luta por Moradia (FLM). Mais um dos tantos movimentos truculentos ligados ao PT, a tal organização invadiu na segunda-feira dez imóveis nas regiões central, sul, leste e norte de São Paulo, numa mobilização que pode ter envolvido cerca de 2 mil pessoas. Segundo uma das coordenadoras da FLM, Janice Ferreira, trata-se de um “recado” para o prefeito eleito, João Doria (PSDB) – que só assume no dia 1.º de janeiro.

Portanto, é uma invasão exclusivamente política, sem nenhuma relação com as necessidades imediatas dos sem-teto que esses grupos alegam defender. Mesmo sem saber exatamente quais serão as medidas que Doria pretende adotar no setor de habitação, os militantes do PT e os parceiros do partido trataram desde logo de criar um clima de guerra. O chefe do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o notório Guilherme Boulos, já avisou que haverá mais invasões, enquanto o líder da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bomfim, disse que a mobilização de sem-teto é “um aviso ao prefeito eleito Doria de que não terá vida fácil se tentar brigar com os sem-teto”.

Como se observa, não se trata de uma luta por melhores condições de moradia para a população carente de São Paulo. Os grupos que dizem representar os sem-teto servem apenas como peões do PT, que os move conforme sua necessidade e sua agenda. Inconformados com a derrota eleitoral, os petistas apostam na conflagração, terreno em que eles ganham e a democracia perde.

O mesmo acontece com os estudantes que invadiram escolas em vários Estados do País para protestar contra as mudanças no ensino e contra a imposição de um teto para os gastos públicos. Está claro, a esta altura, que esses garotos estão sendo usados pelo PT para lhe servirem como porta-vozes e, na marra, disseminarem um discurso que os petistas foram incapazes de sustentar pela via das instituições democráticas.

No site do PT na internet, até ontem, quase não havia referências às eleições municipais nem aos planos do partido para se recuperar da derrota. O grande destaque, além das já tradicionais patacoadas sobre a “perseguição política” ao chefão Lula da Silva, era dado justamente à ocupação das escolas. Eis aí o que o PT tem a oferecer à sociedade como partido político: o elogio à ruptura democrática, caracterizada pelo apoio estridente a um movimento minoritário de estudantes que, na base da força, impede a maioria de completar o ano letivo.

A musa do movimento, uma menina de 16 anos, levada por petistas ao Congresso, chegou a dizer que ela e seus colegas vão “desenvolver métodos de desobediência civil” – e foi aplaudida efusivamente por aqueles que só invocam a democracia quando lhes convém. Escuse-se a ignorância da menina acerca dos limites legais de seus atos; já os marmanjos que a exploram – Lula e os pais dela, especialmente –, esses sabem muito bem o que estão fazendo.

Pressão da realidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/11
A Consolidação das Leis do Trabalho, assinada nos anos 40 por Getúlio Vargas, é um inflexível amontoado de regras trabalhistas. Tornou-se um documento anacrônico tanto pelo tempo em que já vigora quanto pelo engessamento com que, desconectado de uma realidade bem distinta da época em que a lei foi criada, regula as relações entre empregadores e empregados.

Somente pelo poder de um pensamento e de práticas sindicais dogmáticos se mantém esse arcaísmo da legislação trabalhista brasileira — ao preço, inclusive, da perda de direitos e conquistas dos trabalhadores diante das pressões da crise — como balizador de acordos, dissídios e campanhas salariais no país.

Com o Brasil na marca de 12 milhões de desempregados, a caminho dos 13 milhões, numa recessão adubada pela irresponsabilidade fiscal do lulopetismo, é imperativo que o país procure fugir da deletéria equação que resulta da crise, e ao mesmo tempo a alimenta. Diante das seguidas quedas do PIB, as empresas demitem e a economia entra numa ciranda de fechamento de postos de trabalho, redução da renda em circulação, encolhimento da captação de impostos e, fechando a roda, agravamento da crise fiscal do Estado.

Esse é o pano de fundo de um quadro em que se torna imperativo romper as correias de transmissão da crise, de uma situação que cobra uma reforma trabalhista de modo a adequar a legislação ao desafio de modernizar as relações do trabalho no país. Há um problema que reforça a necessidade de se rever a legislação: conter o desemprego. Outro pressuposto, mas com efeitos permanentes, é a imperiosidade de se tornar menos onerosa a criação de novos postos de trabalho. São dois aspectos de um mesmo desafio — criar condições para expandir o mercado de trabalho, de modo a reduzir danos provocados pela recessão decorrente do prolongado ciclo de desaquecimento da economia.

A ambos contempla um dos pontos-chave da reforma — o princípio de o negociado se sobrepor ao legislado. Ou seja, aquilo que empregadores e empregados contratarem de comum acordo, com sanção da Justiça do Trabalho, passa a valer mesmo em desacordo com a CLT. Ainda que não seja norma consolidada, esse entendimento já foi chancelado pelo STF em duas ações trabalhistas recentes, positivo sinal de que o Judiciário comunga com o imperativo de a Justiça do Trabalho ser menos paternalista.

A ideia de reconhecer, sobre a CLT, o negociado nas relações trabalhistas (e em evidência de que a realidade se a impõe a fantasias) nem chega a ser mais heresia entre os que defendem a anacrônica lei getuliana. Com o avanço do desemprego, a própria Dilma Rousseff, na Presidência, lançou o Programa de Proteção ao Emprego, prevendo a redução negociada de salário e jornada. O PPE, em vigor, mas muito voltado ao setor automobilístico, é um exemplo, extensível ao mercado de trabalho, de caminho a tomar na reforma trabalhista. A crise força o Brasil a entrar em novo ciclo de reformas, algumas já em negociação. Bom sinal. A modernização das relações trabalhistas é uma delas.