sexta-feira, outubro 28, 2016

Fim do foro privilegiado - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/10

A decisão do ministro Teori Zavascki de suspender a Operação Métis, que prendeu quatro policiais legislativos do Senado sob suspeita de obstruir investigações da Lava-Jato, trouxe à tona mais uma vez o debate sobre o foro privilegiado para parlamentares, tema que está sendo debatido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

O ministro Teori Zavascki, ao conceder a liminar, destacou a “inafastável participação de parlamentares nos atos investigados”, dando razão, em parte, ao presidente do Senado. A decisão do relator da Operação Lava-Jato no STF não anulou a operação, como queria o senador Renan Calheiros, mas fez com que todos os computadores e material recolhido na sede da Polícia Legislativa do Senado fossem enviados ao Supremo até uma decisão final do caso, que será analisado pelo plenário.

Ao considerar que a Polícia Federal usurpou a prerrogativa do Supremo, ao fazer investigações no Senado com autorização de um juiz de primeira instância, o ministro Teori Zavascki na prática ampliou o foro privilegiado a funcionários do Senado, embora tenha acentuado que somente tomou essa decisão porque considerou que, desde o início da operação, havia conhecimento de que ela abrangeria senadores, acusados de recorrerem à Polícia Legislativa para fazerem varreduras de escutas telefônicas em seus escritórios e residências particulares, fora do prédio do Senado.

O senador Álvaro Dias, autor de proposta de emenda constitucional que acaba com o foro privilegiado, considera que a criação de uma “vara especializada” para tratar do assunto, como sugerem alguns, só é aceitável exclusivamente para “o presidente da República e ministros do STF”. Os demais casos deveriam ser tratados na Justiça comum. O relator da proposta, senador Randolfe Rodrigues, concorda com ele, mas pretende que essa “vara especializada” trate de casos envolvendo chefes de Poderes e os ministros do STF, colocando os presidentes da Câmara e do Senado nas exceções da lei, mas retirando esse privilégio dos parlamentares.

Se aprovado no Senado, em duas votações com quorum qualificado, a PEC precisa ir para a Câmara. No STF, vários ministros já se pronunciaram contra o foro privilegiado, e mesmo os que o consideram necessário são contra a ampliação de sua abrangência, como o ministro Gilmar Mendes. Em recente entrevista, ele defendeu que “autoridades encarregadas de determinadas funções devem ter prerrogativa de foro, inclusive ex-ocupantes de postos de comando devido a investigações que ocorrem depois do mandato”.

Ele lembrou que os parlamentares não tinham foro privilegiado antes da Constituição de 1988, e a situação atual é “inadministrável”, pois cerca de um terço da Câmara dos Deputados está sob investigação. A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), também defende mudanças na prerrogativa de foro, medida que, para ela, significa privilégio e “não é compatível com a República”.

Outro ministro do STF que quer o fim do foro privilegiado é Luís Roberto Barroso: “É preciso acabar ou reduzir o foro privilegiado, ou reservá-lo apenas a um número pequeno de autoridades. É uma herança aristocrática”, disse Barroso. O ministro Marco Aurélio Mello também é contra “por ele não ser republicano. Sou de concepção democrata, penso que todo e qualquer cidadão, independentemente de cargo ocupado, deve ser julgado pelo juiz de primeira instância, como ocorre nos Estados Unidos”, disse em entrevista recente.

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, já se declarou “decididamente contrário à prerrogativa de foro”. Mas admite que ele seja mantido unicamente para os chefes dos três Poderes, o procurador-geral da República e os ministros do Supremo, como órgão de cúpula do Poder Judiciário.

O ministro Celso de Mello lembrou em entrevista à revista “Época” que nos EUA não há nenhuma prerrogativa de foro, a única prerrogativa do presidente americano — e, assim mesmo, por força de decisões da Corte Suprema —é a imunidade penal temporária. Terminado o mandato, ele pode ser processado na primeira instância. Também na Itália, na França e na Alemanha a prerrogativa é muito limitada.

Nem sangue nem escalpos - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 28/10

No confronto entre poderes, Teori mostra que todos têm razão e ninguém tem razão



Balanço da crise entre poderes: como bem disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, todos os três demonstraram orgulhosamente sua independência, agora falta demonstrar também a harmonia entre eles, como determina a Constituição. Renan Calheiros deu o grito de guerra para defender o Legislativo. Cármen Lúcia reagiu na base do “mexeu com o Judiciário, mexeu comigo”. Michel Temer não desautorizou nem o Ministério da Justiça nem a Polícia Federal.

Passada uma semana, parece claro que nenhum poder está totalmente certo nem totalmente errado, e o que paira sobre todo o mal-estar é a Lava Jato: o Judiciário investiga e julga, o Legislativo e o Executivo são investigados e logo serão julgados e a sociedade quer sangue e o escalpo de Renan, presidente do Senado, segundo na linha sucessória da Presidência da República e alvo de 11 inquéritos.

Só que... não se fazem justiça e democracia com sangue nem com escalpos. A opinião pública achou o maior barato o juiz Vallisney de Souza Oliveira autorizar e a PF executar a prisão do diretor e três agentes da Polícia Legislativa suspeitos de prejudicar investigações da Lava Jato contra senadores e um ex-senador. Mas, desde o início, houve dúvidas no Legislativo, no Executivo e também no próprio Supremo sobre a legalidade da operação, chamada de Métis. A dúvida é razoável: se os senadores têm foro privilegiado, a competência para agir no Senado é do Supremo, não da primeira instância.

A avaliação é de que Renan errou feio na forma, ao chamar juiz de “juizeco”, o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e a ação de “fascista”, mas não errou no conteúdo, ao reclamar do excesso da primeira instância contra um outro poder. A seu estilo, Rodrigo Maia também defendeu a independência do Legislativo. E quem revisitar o discurso de Cármen Lúcia dando um chega pra lá em Renan vai ver que ela, ali, já deixava uma janela aberta para o questionamento da Operação Métis.

Ao condenar a agressão a um juiz, qualquer que seja, ela ressalvou que juízes “são humanos e sujeitos a erros” e indicou o caminho ao Senado: “o Brasil é pródigo em leis que garantem que qualquer pessoa questione pelos meios recursais próprios”. Foi exatamente isso que Renan acabou fazendo quando entrou com ações no Supremo pedindo a suspensão da operação e a devolução dos equipamentos da Polícia Legislativa apreendidos pela Federal.

Além do risco de se tornar réu e até de perder o cargo no julgamento do Supremo semana que vem (presidentes da República não podem responder a ações penais e ele é o segundo na linha sucessória), o que também mexe com os nervos de aço de Renan é a perícia da PF nas tais “maletas” da Polícia Legislativa, capazes de, além detectar grampos, fazer grampos. Rastreadas pelos peritos federais, elas podem revelar segredos do arco da velha sobre a “polícia do Renan”.

A liminar de ontem do ministro Teori Zavascki funciona como freio de arrumação. Não entra no mérito sobre quem extrapolou – a PF, a Polícia Legislativa ou ambas –, mas questiona se houve “usurpação ou não de competência” pelo juiz Vallisney e “a legitimidade ou não dos atos praticados”. Ou seja, até pode haver ação contra a polícia da Câmara e do Senado, mas talvez só por ordem do Supremo, até porque a ação da PF não era contra senadores, mas aparentemente era essa a intenção.

Suspensa a guerra entre poderes, hoje tem reunião sobre segurança pública com Temer, Cármen Lúcia, Renan, Maia, Moraes – ou seja, todos os principais personagens da “crise” –, além do ministro da Defesa, os três comandantes militares, o diretor da PF o chefe do Gabinete Institucional. Ainda bem que será no Itamaraty, porque todos terão de ser muito diplomáticos – ou hipócritas.

Os 'savonarolas' queimam bandidos e leis na mesma fogueira das vaidades - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 28/10

No dia 24 de setembro, André Singer, colunista deste jornal, publicou um artigo intitulado "É hora de barrar o arbítrio", em que aponta o que considera escalada autoritária na Lava Jato. Referindo-se a uma crítica que fiz à prisão-relâmpago do ex-ministro Guido Mantega, escreve: "Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo. 'Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender quando nos der na telha'". Mais adiante, Singer considera: "Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para corações liberais e conservadores."

Este coração não esperou que Moro e outros ultrapassassem os limites para reagir. Eu nunca espero. Minhas vertigens visionárias não carecem de seguidores (Caetano Veloso). Antes que Rogério Cézar de Cerqueira Leite, de quem costumo discordar absolutamente, associasse o magistrado a Savonarola, eu mesmo o fiz nesta coluna, no dia 17 de julho de 2015.

Lá está: "Os filhos do PT comem seus pais. Chegou a hora de a companheirada se tornar vítima de seus religiosos fanáticos, formados nas escolas de direito contaminadas por doutrinadores do partido e esquerdistas ainda mais obtusos.(...). O PT de 2015 está experimentando a fúria dos 'savonarolas' que criou".

Trata-se de história das mentalidades. Eu aponto o caráter esquerdizante de membros da Lava Jato, com seu pronunciado e reiterado ódio ao capitalismo, expresso em múltiplas petições. O fato de que estejam fazendo um trabalho meritório e necessário para caçar bandidos não esconde sua matriz intelectual, que apelido, fazendo uma ironia, de "TFPT", juntando, se me permitem a graça, "psyché" e "physique du rôle".

Quando é dado a seus protagonistas fazer digressões sobre a ordem legal, ouve-se o alarido do "Direito Achado na Rua", do "neoconstitucionalismo", das "constituições vivas". Em que tipo de solo moral vicejam propostas como aceitação em juízo de prova ilegal (desde que colhida de boa-fé...), teste de honestidade e a quase extinção do habeas corpus? Corações liberais e conservadores, como o meu, gostam do direito achado nas leis, do literalismo, das constituições mortas.

O mesmo PT que denuncia a um órgão da ONU a suposta agressão aos direitos fundamentais de Lula promove uma invasão homicida de escolas no Paraná, por exemplo, e declara que, nos prédios invadidos, a decisão de uma assembleia de 20 pessoas vale mais do que a Constituição e o direito de milhões de alunos.

Ainda me lembro das saliências da PF, sob o comando de Paulo Lacerda, e da reação do então presidente Lula. Segundo dizia, os corruptos e bandidos tinham mais era de perder o sono... Hoje, partidários seus fazem vigília à sua porta.

A destrambelhada e ilegal Operação Métis, no Senado, evidencia que os "savonarolas" não se importam de queimar, na mesma fogueira das vaidades, os bandidos e a ordem legal. Reagi aos arreganhos autoritários do petismo. Reajo agora. Nota: há ainda quem não tenha entendido que os equipamentos do Senado nada podiam contra eventuais escutas legais.

É pena eu não ter tido a oportunidade de escrever, no primeiro e no segundo mandatos de Lula, que até André Singer, "insuspeito de conservadorismo", com seu "coração progressista", lamentava que PF e Abin pudessem ser usados a serviço de um governo e de um partido. E foram, como se sabe.

Que tamanho tem o meu exército? O tamanho de uma convicção. Para os meus propósitos, basta.

Ponto de partida - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/10


Encerrada a tramitação na Câmara, a proposta de emenda à Constituição que limita o crescimento dos gastos públicos segue para o Senado. A crer no cronograma definido pelas lideranças partidárias, a votação será finalizada até meados de dezembro.

A PEC estabelece que as despesas crescerão em linha com a inflação por 20 anos, com possibilidade de a regra ser ajustada a partir da metade desse período. Trata-se de mudança notável em relação ao padrão das últimas duas décadas, quando os dispêndios aumentaram bem acima da inflação, exigindo maior carga tributária.

Para evitar a retirada de recursos de educação e saúde, criou-se um piso para essas rubricas. No caso específico da saúde, fixou-se o mínimo em 15% da receita líquida de 2017, valor a ser corrigido pela inflação a partir de 2018. O dispositivo garante um ponto de partida acima do que seria obtido hoje.

A despeito do intenso debate em torno da emenda constitucional, ainda persistem algumas dúvidas e muitos mitos em relação a seu funcionamento. A oposição insiste em afirmar que o limite para as despesas necessariamente levará o país à recessão e inviabilizará as funções básicas do Estado.

Ocorre que a proposta, em si mesma, não autoriza esse raciocínio. A recessão decorre de dinâmica oposta —o gasto desenfreado e maquiado da gestão Dilma Rousseff (PT). Reduzir o risco de insolvência é condição básica para que qualquer política pública possa ser sustentada.

A PEC apenas determina um nível máximo de desembolsos agregados e confere ao Congresso a tarefa de definir prioridades —algo benéfico para a democracia.

O ajuste, além do mais, é lento. Com estimativas realistas, o gasto público em relação ao PIB (hoje em torno de 20%) voltaria para a média do primeiro mandato de Dilma somente em 2021.

Há, todavia, problemas. O principal deles envolve o ritmo de crescimento das despesas com a Previdência. Se não for contido, essa rubrica achatará as demais.

A tramitação no Senado representará mais uma oportunidade para o país perceber o que está em jogo. Longe de ser linha de chegada, o teto de gastos constitui ponto de partida para outras reformas.

Além de efetuar mudanças na Previdência, o país precisará redimensionar custeio da máquina (o que implica, entre outras medidas, rever salários e benefícios do funcionalismo nos três Poderes), bem como acesso a subsídios.

É uma batalha incessante e diária. Basta ver o poder das corporações, bem-sucedidas em vender suas demandas como agenda popular. A aprovação na Câmara de aumentos de até 37% para algumas carreiras poucas horas depois da votação da PEC demonstra o tamanho do desafio.

Ataque sem conteúdo a Peres - CLAUDIO LOTTENBERG

O Globo - 28/10


Depois de 48 anos de mandatos e um Prêmio Nobel, ele não precisa de unanimidade, mas merece um mínimo de compromisso com a verdade


Oportunismo relevante, partindo de referências falsas, no sentido de ocupar espaços que jamais teriam caso se pautassem pela verdade. Isso não é novo!

De fato, existem intelectuais que questionam Israel, mas nenhum deles distorce ofensivamente a liderança de um Shimon Peres. A maior prova desta consistência está respaldada pela presença, em seu funeral, de Mahmoud Abbas e de mais de 80 outros líderes mundiais.

Um artigo crítico a Peres destoa e agride o clima de respeito mútuo em que vivem as comunidades árabe e judaica no Brasil. Isto deve ser protegido e preservado por todos nós.

Shimon Peres — depois de 48 anos de mandatos parlamentares, com um Prêmio Nobel da Paz e o reconhecimento internacional — não necessita de unanimidade, mas merece entre os seus poucos críticos um mínimo de compromisso com a verdade.

Afirmar que Peres, como presidente de Israel, ordenou a invasão de Gaza e renunciou ao cargo, em 2014, é um crime contra a História. Uma aberração intelectual.

Em Israel, o cargo de presidente é meramente protocolar e honorífico, não tendo qualquer tipo de ingerência no governo. Além disso, Peres ficou até o último dia de seu mandato constitucional de sete anos. Dizer que renunciou é uma agressão ao conhecimento elementar, chegando às raias da ignorância política.

A literatura de Shimon Peres é vasta e nunca o vi discutindo somente com quem negociava, mas também para quem negociava. E não venham me dizer ou falar falsamente dos delírios relativos a limpezas étnicas ou apartheid, pois basta conhecer Israel presencialmente para se constatar que isso não ocorre por lá.

O Estado de Israel foi o único país no mundo que tirou negros da África, não com o objetivo de escravizálos, mas para trazê-los para viver livremente na mais perfeita democracia do Oriente Médio.

A propósito, houvesse um entendimento da coexistência por parte dos palestinos que não o aceitaram, até por influência de alguns radicais do mundo árabe, e que negaram o direito a Israel de existir, em 1948, a situação hoje seria muito diferente.

E Shimon Peres sempre acreditou nisto, no resgate do plano inicial com dois estados — o que muitos se negam a aceitar. Enquanto uma proposta da coexistência verdadeira e sincera não existir, falsários seguirão tentando macular a imagem de Peres e de Israel, com o objetivo único de promoção pessoal ou para obter vantagens inconfessáveis.

Claudio Lottenberg é presidente da Fundação Jerusalém

Hackers na Internet das coisas - PEDRO DORIA

O Globo - 28/10

O ataque que atingiu a Costa Leste americana foi um dos mais graves dos últimos tempos. E pode se repetir


Há ataques hackers de todo tipo. O que atingiu um bom naco da Costa Leste americana, na última sexta-feira, foi um dos mais graves dos últimos tempos. Foi um ataque na base da força bruta. Não houve invasões, sofisticadas técnicas para burlar a segurança de sistemas, vazamento de dados de usuários. Ainda assim, simplesmente tirou do ar um bom pedaço da internet. Atingiu serviços como Netflix e Twitter localmente, troços da rede ficaram inacessíveis no mundo inteiro. E, nesta toada, demonstrou uma imensa fragilidade na Internet das Coisas. Ou seja, pode se repetir. E pode ser pior.

FOI UM ATAQUE DDOS, sigla em inglês para negação distribuída de serviço. É dos mais graves, embora simples.

Quando digitamos no computador ou celular um endereço da web e tascamos Enter, um comando parte até o servidor que buscamos. Ele manda um código: “você está disponível?”, pergunta um computador ao outro. Acaso esteja no ar, o outro responde que sim e abre uma porta digital para esperar detalhes do pedido. Pode ser o conteúdo de uma página web, um arquivo de música, talvez um vídeo. O número de portas disponíveis é finito. Portanto, é finito o número de conexões disponíveis.

O que um ataque DDoS faz é juntar muitos computadores no mundo que, simultaneamente, abrem esta consulta ao mesmo servidor. E, na sequência, não enviam pedido algum. As portas ficam abertas na espera de algo que nunca vem. Servidores potentes como os do Dyn, que gerencia o catálogo de endereços de um bom naco da internet, têm muitas portas. Para botá-lo no chão são precisos muitos computadores ao mesmo tempo. Daí a força bruta.

Essas redes de computadores do mal podem incluir, sem que o usuário sequer desconfie, até seu próprio computador. São chamadas botnets. De redes robô. Mas é melhor pensar nelas como computadores zumbis. Daquele e-mail malandro que o ingênuo clicou, ou do site escuso visitado, baixa-se sem que ninguém perceba um tipo de vírus que não ataca ninguém, apenas se instala nas entranhas da máquina. Ele fica alerta. Até que, um dia, um hacker o ativa. Ativa, ao mesmo tempo, dezenas, centenas de milhares, até milhões de computadores que farão uma única operação: abrir contato com um mesmo servidor e deixar a porta aberta. Até derrubá-lo.

O que distingue a botnet utilizada na sexta-feira é que boa parte dela não era composta de computadores. Mas de coisas. Principalmente gravadores de vídeo digital e câmeras de segurança, equipamentos domésticos ligados à internet. É muito útil podermos controlar os apetrechos de casa do celular, mas o que ficou claro, semana passada, é que são frágeis. Foram contaminados por um vírus de nome japonês, o Mirai. Um número suficientemente grande de pessoas já é esperta o suficiente para instalar no computador um antivírus. Mas e a cafeteira Wi-Fi? Como se busca código malicioso nela? E alguém lembra de fazer upgrades nestas máquinas?

A chinesa Hangzhou Xiongmai ordenou o recall de 4,3 milhões de câmeras de segurança na própria sexta. As suas máquinas estão entre as principais responsáveis pelo ataque. E, sim, há algo de desconfortavelmente irônico num exército zumbi de câmeras de segurança nas mãos de hackers.

Da Santa Efigênia, em São Paulo, ao Edifício Avenida Central, no Rio, passando pelo Mercado Livre, há produtos xingling genéricos conectáveis à rede de todo tipo. São muitas vezes baratos, curiosos, e têm níveis de fragilidade desconhecidos. Vale pensar duas vezes antes de trazer um destes para a rede Wi-Fi de casa.


O fantasma do estatismo - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/10

Plano para as novas concessões em infraestrutura, anunciado há uma semana, em parte já é uma solução, ao reduzir o brutal intervencionismo estatal



É longo e pedregoso o caminho para o restabelecimento do realismo nos contratos de concessão de projetos de infraestrutura à iniciativa privada. Depois de uma fase em que prevaleceu o populismo tarifário e o voluntarismo estatal, amplamente responsáveis pelo fracasso dos programas de rodovias, portos e aeroportos durante o extinto mandarinato petista, o atual governo lançou um pacote de concessões com regras que estimulam maior participação privada e estabelecem que as tarifas serão definidas segundo critérios técnicos, e não eleitoreiros. Assim, se tudo correr como o planejado, o futuro é promissor – mas, enquanto esse futuro não chega, é preciso lidar com o passado, em que os contratos, sujeitos ao amadorismo do governo de Dilma Rousseff, não foram integralmente cumpridos, gerando insegurança e ampliando os prejuízos das empresas envolvidas, já castigadas pelo caos econômico e, em vários casos, pela corrupção.

O governo de Michel Temer está à procura de uma fórmula para alterar as regras dos contratos em vigor para seis rodovias federais, cujas obras estão atrasadas. A ideia inicial é manter as empresas vencedoras das licitações à frente das concessões, estimulando-as a concluir as obras previstas em troca de aditivos e de mais prazo.

Na concessão, previa-se que as empresas duplicassem cerca de 2 mil quilômetros em quatro anos, mas apenas 10% disso – o mínimo necessário para permitir a cobrança de pedágio – foi entregue. As obras perderam ímpeto em razão do atraso na expedição de licenças ambientais e, principalmente, da crise econômica, que pegou em cheio o caixa das empresas.

No contrato de concessão, previa-se generoso financiamento público a juros subsidiados, especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, mas esse crédito ou demorou a sair ou ficou simplesmente travado. A promessa era que o financiamento chegasse em alguns casos a 100%, mas hoje, quando muito, não passa de 45% – e os bancos públicos ampliaram a exigência de garantias.

Tal cenário não se restringe ao setor rodoviário. As concessionárias dos aeroportos leiloados em 2013, por exemplo, também tiveram dificuldade para receber o financiamento prometido. Como resultado, as empresas, já às voltas com os efeitos da crise, entre os quais a redução do movimento nas estradas e nos aeroportos que administram, interromperam as melhorias com as quais haviam se comprometido.

Adicionalmente, algumas empresas se viram encalacradas nos tribunais, especialmente em razão da Operação Lava Jato, mas não só. Há o caso da concessionária que administra um trecho da BR-040, no Rio, que teve os bens bloqueados pela Justiça em meio a suspeitas de superfaturamento – um aditivo calculado em R$ 280 milhões está hoje em R$ 897 milhões. Essa é uma das empresas que aguardam a revisão dos contratos por parte do governo.

Decerto levando em conta o histórico de desvios, corrupção e quebra de compromissos, o Tribunal de Contas da União (TCU) entende que o melhor a fazer nesse e nos demais casos é esperar o vencimento dos contratos, firmados em 2013 e com validade de até 30 anos, para só então fazer uma nova licitação. O problema é que tal solução esbarra na necessidade urgente de concluir as obras, já bastante atrasadas, e de lidar com a penúria das concessionárias.

Cabe ao governo encontrar uma solução para o imbróglio – e solução que resguarde, antes de tudo, o interesse público –, pois o mais importante é resgatar a credibilidade da administração federal, comprometida pela gestão de Dilma Rousseff. O plano para as novas concessões em infraestrutura, anunciado há uma semana, em parte já cumpre essa função, ao reduzir o brutal intervencionismo estatal, em especial na formação das tarifas, e ao acenar com um bom ambiente regulatório. Mas a resolução dos problemas referentes aos contratos já em vigor será crucial para comprovar a disposição do governo de dar plena segurança a quem se dispõe a investir no País.