terça-feira, setembro 13, 2016

Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 13/09

Depressão com o café da manhã: eis o meu histórico da semana. Leio o jornal e encontro Bruce Springsteen, uma grata memória da adolescência. O "Boss", hoje com 66 anos, tem autobiografia na praça ("Born to Run", obviamente). E confessa no livro que luta contra a depressão há 30 anos. Há momentos bons, há momentos maus. E depois vêm os bons, e depois os maus. Pelo meio, psicoterapia e medicação.

No dia seguinte, é a vez de Andrés Iniesta, um dos gênios do futebol. Quando o Barcelona venceu a Champions League em 2009 e a Espanha foi campeã do mundo na Copa de 2010, Iniesta afirma que estava destroçado. Havia uma sombra que sugava toda a sua "joie de vivre" e o jogador não via fim para tão longa noite.

Não sei que figura pública irá surgir amanhã para falar do "cachorro negro". Apenas sei que todas essas histórias vêm sempre embaladas com um secretismo envergonhado. Springsteen aguenta há 30 anos uma depressão crônica. Iniesta venceu os principais troféus da carreira quando habitava o abismo –e relatou o fato com uma mistura de culpa e alívio. Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos.

Alguns dirão que fingir é necessário: o público gosta da máscara, não do rosto que existe por detrás. Aceito. Mas se Springsteen fosse diabético ou Iniesta tivesse um problema na tireoide, alguém acredita que a doença seria secreta durante anos ou até décadas?

A depressão habita um território à parte. E, no caso dos homens, um planeta a anos-luz dos terráqueos. Por quê?

O escritor Andrew Solomon, ele próprio um deprimido crônico, investigou o assunto em "O Demônio do Meio-Dia". O livro é uma mistura de relato pessoal sobre a doença e estudo histórico e científico apurado. Mas é a história que me interessa –ou, melhor dizendo, a forma como a "melancolia" foi sendo olhada ao longo dos séculos pelos "sábios" de cada época.

Nem sempre a depressão foi uma mancha indigna: no Renascimento e, sobretudo, com o Romantismo, a figura do deprimido transportava uma aura de genialidade e incompreensão que era, ao mesmo tempo, uma afirmação de humanidade (e autenticidade) acima da banalidade das massas.

Para os românticos, aliás, a grandeza de um homem era inseparável de uma certa inconstância do espírito, diagnóstico que assenta perfeitamente em líderes eminentes como Abraham Lincoln ou Winston Churchill.

Mas o interesse maior do livro de Solomon está na parelha que ele estabelece entre dois momentos do pensamento humano que sempre nos pareceram antagônicos: a religiosidade medieval e o racionalismo iluminista.

Para os medievais, a tristeza do espírito era contrária à vontade de Deus. O deprimido pecava porque sofria –ou, em alternativa, sofria porque pecara. Nas palavras da religiosa Hildegarda de Bingen, "no momento em que Adão desobedeceu à lei divina, nesse preciso instante, a melancolia coagulou no seu sangue".

Sempre que o homem deixa entrar no seu espírito "o demônio do meio-dia", ele apenas experimenta o que Adão sofreu quando se afastou do Pai.

O racionalismo iluminista apenas secularizou uma mensagem geneticamente cristã. Com uma diferença: a depressão, entendida como um insulto à graça de Deus, era agora um insulto à majestade da Razão.

A proliferação de asilos para os alienados a partir do século 18 não se explica apenas por motivos "médicos" ou "securitários". A filosofia tem uma palavra maior: era preciso remover da paisagem seres humanos que eram a negação visível do otimismo progressista. O futuro era solar; e um futuro solar não pode permitir criaturas lunares.

Hoje, no esplendoroso século 21, gostamos de afirmar que os tabus fazem parte da mobília de nossos antepassados. Mentira, claro. O estigma da depressão é uma cópia dos preconceitos religiosos e racionalistas de tempos idos.

"Depressão é moleza." "Depressão é fraqueza de caráter." "Seja forte." "Comporte-se como um homem." "Você tem de ser racional." "Tanta tristeza é pecado." Quantas vezes o leitor disse isso a um familiar ou amigo deprimido?

Passaram anos, e até décadas, para que Andrés Iniesta ou Bruce Springsteen confessassem suas dores.

Outros não tiveram tanta sorte: terminaram a vida balançando na corda, derrotados pela doença mas também pela culpa, só porque nós gostamos de falar merda de vez em quando.

A destruição das contas públicas - MARCOS CINTRA

ESTADO DE MINAS - 13/09
O regime de metas de superávit primário (saldo do orçamento antes do pagamento de juros) foi um avanço para a gestão governamental brasileira. Criado em 1999, esse mecanismo contribuiu para impor um princípio fundamental no trato do dinheiro público, que é a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, permitiu controlar a dívida pública e reduziu o risco Brasil apurado pelas agências internacionais. De um modo geral, serviu como uma das bases para o processo de estabilização econômica iniciado nos anos 1990.

No ano de 2009, esse mecanismo começou a ser desmontado com a exclusão, pelo governo federal, dos gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dai em diante, inúmeras invenções contábeis destruíram este fundamento macroeconômico. Em pouco tempo, saímos de superávits primários nas contas públicas para déficits primários crescentes. Segundo um levantamento da consultoria Tendências, o governo manipulou, apenas entre 2009 e 2012, R$ 590 bilhões para obter o resultado que queria. As metas foram alcançadas por conta de uma contabilidade criativa , mas a realidade era outra.

Entre 1999 e 2008 o governo federal registrou superávits primários médios de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB). No período de 2009 e 2013, o saldo superavitário foi reduzido para 1,7% do PIB, tendo como um dos motivos o expressivo aumento de gastos. O resultado só não foi pior em função das manobras contábeis que esconderam a degradação orçamentária. Passada a eleição presidencial, veio a realidade da situação financeira do país. O superávit primário virou um déficit primário de 0,36% do PIB em 2014 e 1,98% do PIB em 2015. A dívida pública se tornou explosiva e abalou a confiança dos investidores. Entre 2013 e 2015, o endividamento saltou de 34% para 44% do PIB.

O novo governo terá uma missão árdua para reequilibrar as contas do país, a partir de agora. É bem possível que os responsáveis pela destruição das contas públicas brasileira passem a dizer que a atual gestão está levando o país à bancarrota.

Em 2015, o déficit do governo federal foi recorde, chegando a R$ 115 bilhões. Este ano, o rombo deve superar R$ 170 bilhões e, de acordo com o Projeto de Lei Orçamentário para 2017, o saldo no próximo exercício será de R$ 139 bilhões negativos.

A má gestão orçamentária dos últimos anos criou uma situação de descalabro nas contas públicas e, por conta disso, o país está convivendo com um severo ajuste fiscal e uma profunda recessão. É o preço que o brasileiro está pagando por causa de intervenções desastradas do governo na economia e pelas ações populistas e irresponsáveis que destruíram fundamentos que levaram anos para serem consolidados.

Em junho de 2013, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, exaltava a política econômica, dizendo que não há como questionar a solidez das contas do governo . Foram palavras sem fundamento que hoje cobram seu preço, através de inflação, desemprego e recessão.

A irresponsabilidade fiscal do governo do PT fez o país andar para trás. Será preciso recuperar novamente a credibilidade das contas públicas, obtida a duras penas a partir dos anos 1990. A retomada do crescimento econômico sustentado depende muito desse processo de reparação do orçamento da União.


Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Uma mulher na Corte - MÍRIAM LEITÃO

O Globo 13/09

O Supremo Tribunal Federal passa a ser presidido por uma mulher pela segunda vez na história da Corte. Isso significa um passo a mais no esforço de se quebrar o espaço de poder quase que completamente masculino, mas não significa que ela deva ser cobrada ou elogiada por ser mulher. O que levou Cármen Lúcia ao posto é sua competência jurídica. Sua posse foi um ato político, pelos discursos e ambiente.

Opresidente Michel Temer e o ex-presidente Lula ficaram na mesma sala antes de entrar no plenário. Lula chegou antes. Os dois sequer se olharam durante os minutos que aguardaram o início da cerimônia. O discurso do ministro Celso de Mello deu o tom político. Fez uma longa e forte condenação da corrupção, com palavras contundentes. Atrás dele, estava o ex-presidente Lula. O discurso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi na mesma linha, acrescentando a defesa das 10 medidas anticorrupção. O representante dos advogados também falou do tema, mas argumentando que não se pode aceitar provas de origem ilícita mesmo que de boa-fé. A Lava-Jato estava presente o tempo todo, nas entrelinhas, ou em referências diretas.

A nova presidente foi republicana logo na lista de saudações. Quebrou o protocolo e primeiro fez homenagem à sua excelência o cidadão. Admitiu que ele, o cidadão, não está satisfeito com a Justiça. Usando a poesia de Cecília Meireles, Drummond e Guimarães Rosa defendeu uma Justiça mais eficiente.

Cármen Lúcia tem visão crítica de alguns dos benefícios que têm os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores como auxílio moradia, por exemplo. Não está no momento disposta a abraçar a causa do aumento do Judiciário, como fez o ministro Ricardo Lewandowsky. Em outro momento, talvez. Por outro lado, espere-se dela a defesa intransigente dos ritos e da independência da Justiça.

Em um fim de semana tormentoso da vida do país, o ministro Lewandowsky viajara para fora do Brasil, e ela ficou na presidência. Um integrante do alto escalão do governo Dilma lhe telefonou para dizer que ela não se preocupasse, porque qualquer urgência que houvesse eles poderiam recorrer ao ministro no exterior.

— A presidência do Supremo Tribunal Federal não viaja, por isso gostaria de informar que é a mim que devem recorrer. Exatamente pela conjuntura política eu cancelei até a viagem a Minas, e ficarei de plantão. Se houver qualquer problema vocês poderão me encontrar domingo no meu gabinete — respondeu.

Ela assume em momento de extrema judicialização da política. A Segunda Turma do STF, sem Cármen Lúcia, pode ter outra tendência. Serão tomadas decisões cruciais, como o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Quem julga é o pleno da Corte, mas ela presidirá, e o mundo jurídico está totalmente dividido sobre isso.

Sua posse é oportunidade para se entender um pouco mais da questão de gênero, tão desentendida. Certa vez, conversando sobre a obtusa e desatualizada decisão de nomear um ministério todo masculino, ouvi de um integrante do governo Michel Temer que o importante é o “mérito”. Fica parecendo então que não havia talentos ao alcance desse mérito.

Há um fenômeno bem conhecido que é a invisibilidade do grupo discriminado. O mérito do ex-presidente Lula foi ver o talento de Cármen Lúcia e do ministro Joaquim Barbosa, como o ex-presidente Fernando Henrique viu o mérito de Ellen Gracie. Não é verdade que não haja mulheres com méritos, é que é preciso ter olhos de ver. Cada vez que uma mulher assume cadeira no comando do país, as mulheres dão um passo a mais no esforço coletivo para quebrar o monopólio exercido pelos homens desde sempre.

Em Espinosa, no sertão de Minas, onde Cármen cresceu, sua mãe Anésia plantava flores na quintal. Mas o tempo seco e o excesso de sol costumavam destruir todo o trabalho. Ela plantava novamente. Um dia “seu” Florival disse para a mulher que aquele trabalho incessante era inútil, já que a seca destruía suas flores. Ela respondeu: “Pois eu continuarei plantando, porque não tenho vocação para cultivar erva daninha.” As flores da ministra Cármen Lúcia podem não prosperar, mas não se peça à filha de dona Anésia que ela cultive erva daninha.


Aos ‘indignos do poder’ - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 13/09

Com um discurso planejadamente morno, próprio talvez de uma ex-aluna de colégio interno, aplicada e chegada aos clássicos e à poesia, a nova presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, abriu espaço para que o decano da Corte, ministro Celso de Mello, desse todos os recados políticos com o calor e a contundência que o momento merece e as barbaridades havidas exigem. Enquanto Mello falava, a ilustre palestra fazia um silêncio sepulcral.

Ao lado do também ex-presidente José Sarney (que nomeou Mello para o STF), Luiz Inácio Lula da Silva (autor da nomeação de Cármen Lúcia) ouviu calado, quase sem se mexer, não fosse o tique de cofiar o bigode. Na terceira poltrona, o governador de Minas, Fernando Pimentel. Na mesa de honra, o presidente do Senado, Renan Calheiros. Mais adiante, o ex-ministro Edison Lobão. O que não faltou na posse da nova presidente do Supremo foi político enrolado de alguma forma com a Justiça.

Celso de Mello não se fez de rogado, nem de diplomata: “Os cidadãos desta República têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis”. E advertiu: “Que deste tribunal parta a advertência, severa e impessoal, de que aqueles que transgredirem tais mandamentos expor-se-ão (...) à severidade das sanções criminais, devendo ser punidos (...) esses infiéis da causa pública e esses indignos do poder”.

Os recados foram de uma coragem rara, de uma clareza inquestionável e para alvos evidentes, bem ali, a poucos metros. Segundo Mello, “impõe-se repelir qualquer tentativa de captura das instituições de Estado por organizações criminosas para dominar os mecanismos de ação governamental, em detrimento do interesse público e em favor de pretensões inconfessáveis”. Ainda mais direto, referiu-se a “uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do poder público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício (confraria)...”.

Esse, segundo o decano, é um “contexto de criminalidade organizada e de delinquência governamental”. E citou Ulysses Guimarães, ainda hoje um exemplo de político, enquanto a Câmara se preparava para cassar Eduardo Cunha: “A corrupção é o cupim da República. (...) Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública”.

A cerimônia – considerada a posse mais concorrida, no mínimo uma das mais, em 25 anos – teve ainda discurso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembrando o quanto o País precisa mudar e saudando: “Parabéns, ministra Cármen Lúcia, o Brasil precisa mais do que nunca do seu caráter”.

No encerramento, a nova presidente circundou o protocolo para começar seu discurso saudando não o presidente Michel Temer, ali ao seu lado, ou qualquer outra das muitas autoridades presentes, mas, sim, “Sua Excelência, o povo brasileiro”. E é em nome desse povo que ela tem proferido seus votos de vanguarda, a favor, por exemplo, das biografias não autorizadas, das células-tronco embrionárias, da união homoafetiva.

Na guerra das redes sociais, não faltaram os que condenaram a presença de Lula e o convite a Fernando Collor, mas esse foi mais um recado de ontem, nessa nova fase do Supremo: Cármen Lúcia, mesmo nomeada por Lula, mantém-se distante da política partidária, da polarização PT-PSDB. Pronta, portanto, para mais um momento histórico – e inédito – do STF e da vida nacional: o da investigação, julgamento e eventual condenação dos políticos na Lava Jato. Republicana, ela convidou para sua posse os ex-presidentes da República e do Supremo, mas, “amizade, amizade, negócios à parte”. Ou “convite, convite, julgamentos à parte”.

O cinema do terror - ARNALDO JABOR

ESTADÃO - 13/09

Anteontem, o mundo mudou para sempre. Há 15 anos. Isso.



No filme Godzilla, há uma imagem da rua por onde multidões fugiam do grande macaco. É a mesma rua que vimos depois, sob a nuvem de pó dos prédios caindo no 11 de Setembro. Já era a previsão do que aconteceria em 2001.

Osama usou o Ocidente contra si mesmo. Melhor que os filmes catástrofes que o inspiraram, Osama inventou o espetáculo como arma.

Osama inventou o “cinema do terror”. Isso. Vejam seu legado cinematográfico: o EI decapita os infiéis em fila bem enquadrada, vestidinhos, rostos cobertos, com botas amarelas e macacão azul, todos chiquérrimos, como num filme. Daí para frente, todos os atentados foram cinematográficos: ataque em Nice, Áustria, Londres, Paris metralhado por sua beleza...

Osama mudou o mundo com as armas do Ocidente – os aviões transformados em mísseis contra o WTC. Osama inaugurou a “Época da Normalidade Perdida”, como nomeou Martin Amis, e nos legou a imagem das torres caindo por toda a eternidade; ele fez a “mise-en-scène” de um importante momento histórico, como a queda da Bastilha, o fim do Império Romano, sei lá.

Passaram-se 15 anos e o mundo só piorou. A disseminação dos horrores nos faz sentir que algo mais terrível pode acontecer. Estamos num tempo em que se enterram vivas crianças pelo Boko Haram, em que um porco como o ditador da Coreia do Norte já tem mísseis, um mundo em que um rato psicótico como o Trump pode ser candidato a presidente. Tudo isso ameaça as amarras, as traves que sustentavam a estrutura da nossa vida social. O mundo está fora do eixo, declarou Hamlet. Pois está.

Estamos vivendo um suspense histórico, com trágicos conflitos descentralizados no mundo todo.

Como isso começou? Alguma coisa ou alguém deflagrou este tempo.

Foi o George W. Bush, nossa besta do apocalipse.

É impressionante como ninguém fala mais do Bush. Ele é culpado por tudo que acontece no mundo atual e ninguém fala nele.

Começou com a absurda invasão do Iraque, em 2003. Qualquer ser pensante sabia que a invasão do Iraque seria um erro tão grave quanto, digamos, atacar o México por causa do bombardeio a Pearl Harbour, como disse o Kerry.

Mas, aconselhado por seu vice-papai Dick Cheney, Bush resolveu mentir que o Iraque teria “armas de destruição em massa”. Todo mundo sabia que não tinha; só havia interesses de Cheney por petróleo e outras jogadas. E Bush virou o “presidente de guerra”, comandando a paranoia americana; invadiu o Iraque e derrubou o Saddam (um canalha, sem dúvida), mas que ainda era o único a refrear os jihadistas. A partir daí, os homens-bomba floresceram como papoulas, iniciando a série de atentados na Espanha, Inglaterra, Índia, Bali, Boston e outros que vieram e virão. O criminoso Bush (esse pré-Trump) devia ser julgado pelo dano que fez ao mundo, mentindo, matando 50.000 jovens e quebrando o país, com trilhões em gastos de guerra.

Foi o pior presidente americano de todos os tempos, ignorante, alcoólatra e mau estudante, coisa de que se orgulhava. Até que um dia, para seu azar e sorte, o Osama derrubou as torres gêmeas e deflorou os Estados Unidos, nunca atacados dentro de casa. Além de estimular a crise da economia, o ataque de 11/9 acabou com a fama de infalibilidade dos EUA. Acabou com a ideia de solução, com a ideia de vitória, impossível diante de inimigos sem rosto.

De uma forma repugnante, a verdade do mundo atual apareceu. Estão irrompendo todas as misérias do planeta para além do circuito Helena Rubinstein: uma religião da vingança e da morte, formada pela ignorância milenar de desgraçados no deserto, sofrendo com imensa inveja das conquistas do Ocidente.

Não me esqueço da cara do Bush em 11/9, quando lhe contaram a tragédia, em uma palestra para um colégio. A cara do Bush foi de gesso, paralisada, sem uma rala emoção, sob o olhar das criancinhas em volta. A partir daí, a América quis vingança e Bush iniciou uma linha reta de erros para um futuro apavorante. Foi nessa época que a direita republicana mais degenerada começou a se articular.

Osama nos jogou numa era pré-política, em busca de algum “futuro”, mas os islâmicos já chegaram lá, já vivem na eternidade. Suas multidões jazem na miséria, conformadas, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida. Sua obediência ao Corão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar “cães infiéis”. Como disse o “mulá” Mohammad Omar, com desdém: “Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver...”.

Se Bush não tivesse invadido o Iraque, o mundo seria outro. Mas o “se” não existe na História. Foi o que foi.

Osama morava fora da História, contemplando-a com ódio e fascinação lá da eternidade desértica de sua terra. Osama desmoralizou nossas ilusões de continuidade, de lógica, de finalidade. E nos trouxe a morte, atacando feito cachorro louco.

Osama atacou a contemporaneidade com um estilo bem “contemporâneo”. Ele trouxe o “intempestivo” para o início do século 21 que, achávamos, seria confortável, seguro, controlável.

Por outro lado, Bush continuou sua trajetória de boçalidade e cumpriu todos os desejos de Osama, como um lugar-tenente burro. Tudo que o terrorista queria Bush fez. Essa invasão absurda estimulou o terror.

Osama morreu, mas sua obra foi bem sucedida. Ele semeou o terrorismo e Bush legitimou-o para sempre. Bush veio para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Só faltava um pretexto; Osama deu-o.

Mais tarde, Obama conseguiu matar o Osama. No entanto, a morte de Osama no Paquistão indispôs mais o Oriente Médio contra nós e fragilizou a liderança dos Estados Unidos como potência.

Daí, Irã, Egito, Líbia, guerra da Síria contra seu povo, apoiada claro, pela China e (oba!) pela Rússia da KGB. E hoje, 15 anos depois, por causa desse homem e sua estupidez nefasta, estamos perdidos nessa briga de foice em quarto escuro.

A era pós-verdade - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/09

SÃO PAULO - No caso de Eduardo Cunha, não colou. Acho que nem seus amigos acreditaram que ele ganhou o dinheiro que abastecia suas contas na Suíça vendendo carne enlatada aos africanos. Já Dilma Rousseff teve mais êxito em convencer parte da opinião pública de que a ruína econômica em que ela nos meteu é fruto só da crise internacional.

Cunha e Dilma não são casos isolados. O semanário "The Economist" deu a capa de sua última edição para uma interessante reportagem sobre a política "pós-verdade". Ilustra o conceito com Donald Trump afirmando que Barack Obama é o criador do Estado Islâmico e a campanha do Brexit dizendo que a permanência do Reino Unido na União Europeia custa US$ 470 milhões por semana aos cofres britânicos. Não é preciso mais do que alguns neurônios e um computador para descobrir que ambas as afirmações são falsas, mas, ainda assim, elas prosperaram.

Obviamente, a centenária publicação reconhece que governantes sempre mentiram, mas conjectura que vivemos uma era em que está ficando cada vez mais fácil para políticos inventar qualquer coisa e se dar bem.

Parte do problema é a natureza humana. Nossos cérebros têm uma perigosa inclinação por acreditar naquilo que nossos sentimentos dizem que está certo e evitam o trabalho de conferir a veracidade das teses de que gostamos. E, se nunca foi fácil estabelecer o que pode ser considerado um fato na política, isso está se tornando cada vez mais difícil.

Para "The Economist" são dois os motivos. Primeiro, instituições que se encarregavam de facilitar a formação de consensos como escolas, ciência, Justiça e mídia vêm sendo vistas com mais desconfiança pelo público. Além disso, passamos a nos informar através de algoritmos que, em vez de nos expor ao contraditório, nos enterram cada vez mais fundo naquelas versões que já estávamos mais dispostos a acreditar. Daí aos reinos mágicos é só um pulinho.


Festa da democracia MERVAL PEREIRA

O Globo - 13/09

Cármen Lúcia assumiu a presidência do Supremo em estilo muito próprio, de comportamento, mas, sobretudo, literário. Em momento de conturbado clima político e social, deixou para o decano Celso de Mello e para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, as referências mais diretas aos casos de corrupção que abalam a sociedade, e tratou de conceituar o que entende por Justiça, conceitos que balizarão a gestão à frente da mais alta Corte.

Começando por saudar “o cidadão brasileiro”, colocando-o no topo da hierarquia das autoridades que lotaram as dependências do STF, a nova presidente do Supremo deixou claro, em linguagem às vezes figurada, às vezes objetiva, mas com a suave severidade que lhe é peculiar, que, se o sistema judiciário não serve ao cidadão, ao jurisdicionado, com presteza e eficiência, não faz Justiça.

Com sinceridade contrastante com pompas de cerimônias que geralmente relegam a 2º plano a realidade, em troca de comemoração formal, Cármen abriu mão da festa após a posse pois considera que o momento não é para comemorações, e o Judiciário ainda está a dever muito à sociedade. A melhor maneira de comemorar é acelerar os trabalhos para conseguir que o STF, como todo o sistema judicial brasileiro, chegue ao cidadão com celeridade, garantindo o cumprimento da lei.

“Minha responsabilidade é fazer acontecer as soluções necessárias e buscadas pelo povo brasileiro. Estamos promovendo mudanças, e é preciso que elas continuem e cada vez com mais pressa, diminuindo o tempo de duração dos processos, sem perda das garantias do devido processo legal, com amplo direito de defesa e garantia do contraditório. Mas com processos que tenham começo, meio e fim e não se eternizem em prateleiras emboloradas”, disse, indicando que a tendência do STF será manter a decisão de cumprimento de penas a partir da condenação em 2ª instância.

A nova presidente do STF fez questão de dar sua marca nas citações literárias do discurso — citou Carlos Drummond, Paulo Mendes Campos, Guimarães Rosa e Cecília Meireles, a única não mineira do grupo, e convidou Caetano Veloso para tocar o Hino Nacional — e exemplificou sua visão de mundo com frases como “o cidadão quer sossego, trabalho, trilhas livres para poder sonhar”, ou, como diz a música, “não queremos só comida, queremos comida, diversão e arte”. Fez homenagem à escritora Nélida Piñon, secretária-geral da Academia Brasileira de Letras, que representava.

O tom político propriamente dito surgiu de vez em quando, como na frase “O tempo é também de esperança. Homens e mulheres estão nas praças por um Brasil mais justo. Cansamos de ser o país do futuro”. Mas na maior parte das vezes tratou da grande política, como ao dizer: “Lei não é aviso, pois deve ser cumprida por todos. A História de cada povo ele mesmo a constrói. Justiça não é milagre, e fazer justiça não é ciência. Constituição não é utopia, cidadania não é aspiração”.

Coube ao decano Celso de Mello, como tem acontecido nos recentes julgamentos, as frases mais cortantes sobre a situação atual do país. “Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube: eis o 1º mandamento da moral pública”, disse ele, que se referiu aos “profanadores da República”, aos “marginais da República”, aos “demagogos da República”, muitos presentes à solenidade, alguns em lugares de destaque.

Referindo-se às “práticas delituosas — que tanto afetam a estabilidade e a segurança da sociedade, ainda mais quando perpetradas por intermédio de organizações criminosas”, salientou que elas “enfraquecem as instituições, corrompem os valores da democracia, da ética e da justiça e comprometem a própria sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, notadamente nos casos em que os desígnios dos agentes envolvidos guardam homogeneidade, eis que dirigidos, em contexto de criminalidade organizada e delinquência governamental, a fim comum, consistente na obtenção, à margem das leis da República, de inadmissíveis vantagens e de benefícios de ordem pessoal, ou caráter empresarial, ou, ainda, de natureza político-partidária”.

Coube a Janot falar da Lava-Jato, que, diz ele, nos fez descobrir “a latitude exata do entrocamento entre o submundo criminoso da política e o capitalismo tropicalizado de compadrio, favorecimento e ineficiência”.

Janot, diante de vários réus, indiciados e investigados na plateia, denunciou: “Tem-se observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava-Jato”.

O início da era Cármen Lúcia no Supremo foi uma festa de gala para a democracia brasileira. Cármen Lúcia assumiu a presidência do STF saudando “o cidadão”, colocando-o no topo da hierarquia das autoridades. Abriu mão da festa após a posse; considera que o momento não é para comemorações. A nova presidente do STF fez questão de dar sua marca nas citações literárias.


Golpe para quem? - DENIS ROSENFIELD

ZERO HORA - 13/09

O discurso petista do golpe já está ultrapassando qualquer índice de poluição sonora. O som estridente da verborragia atinge até os ouvidos menos sensíveis. Os defensores do meio ambiente deveriam protestar contra tamanho disparate barulhento!

Certamente, para os países mais desenvolvidos do Planeta, o novo governo foi plenamente reconhecido. O G-20 expôs um presidente no pleno exercício de suas funções, tornando-se interlocutor dos Estados que representam mais de 85% do PIB global.

Para os países mais importantes da América Latina, a saber, Argentina, Colômbia e México, o novo governo goza de pleno reconhecimento. Os que se insurgem são Venezuela, Equador e Bolívia, que deveriam ser mais propriamente enquadrados na América Latrina. Eles representam, hoje, a maior poluição de ideias do mundo.

O processo de impeachment demorou longos nove meses, com a ex-presidente exercendo todos os seus direitos. Apesar das chicanas de seu advogado, nenhum de seus recursos para anular o julgamento foi acatado pelo Supremo.

Aliás, o julgamento foi presidido pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, conhecido por sua simpatia pelo PT e indicado para o cargo pelo ex-presidente Lula. O presidente do Senado, Renan Calheiros, por sua vez, foi um fiel escudeiro da ex-presidente e, em várias ocasiões, demonstrou o seu profundo apreço por ela. Seriam golpistas?

O rito do processo foi determinado pelo Supremo, tendo sido, no início, objeto de sérias disputas envolvendo os grupos favoráveis e contrários ao impeachment. Neste contexto, o PT chegou a festejar as regras finalmente adotadas. Será que o PT também seria golpista?

Talvez o seja, por não aceitar o resultado de todo um processo institucional, em que o país mostrou a vitalidade de suas instituições democráticas. Talvez o seja, também, por não acatar a própria Constituição brasileira, esta mesma sob a qual governou por 13 anos. Renegou a Constituição quando de sua promulgação, usufruiu dela e, agora, se volta contra ela.

O partido não possui, tampouco, nenhum pudor em denegrir o país na esfera da política exterior, sem se importar, minimamente, com o que isto poderia eventualmente significar internamente em termos de investimentos e emprego. A sua política é a do quanto pior melhor.

Golpe, então, para quem? Para o narcisismo petista, os incautos, os militantes e para os quadros partidários que procuram fugir da Lava-Jato e de suas consequências.


Balanço da política externa do governo Dilma - RUBENS BARBOSA

ESTADÃO - 13/09

Nunca antes o interesse nacional foi deixado em segundo plano como nos últimos anos



Para que a opinião pública saiba a extensão da crise em que o Brasil se encontra depois de 13 anos de governos do PT, cabe fazer um balanço em outras áreas, como está sendo feito na economia. A política externa foi um dos pontos mais vulneráveis do governo Dilma, pelos erros e equívocos que se repetiram e pelos minguados resultados que apresentou. Pouco restou das bravatas repetidas por Lula de querer liderar a América do Sul, de mudar o eixo da dependência externa econômica e comercial do Brasil e de contribuir para modificar a geografia política no mundo.

Durante os cinco anos de seu governo, a presidente Dilma Rousseff resumiu sua política externa como a “busca de inserção soberana do Brasil no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns”. Ela manteve intacta a política externa dos oito anos do presidente Lula. Essa política foi diferente das anteriores não pelas prioridades – que eram as mesmas –, mas pelas novas ênfases como resultado da forte influência partidária sobre o Itamaraty.

Na realidade, demos as costas a importantes nações democráticas e abraçamos regimes de clara inclinação totalitária, em flagrante contraste com as melhores tradições da nossa diplomacia. A partidarização da política externa teve consequências severas na política de comércio exterior: acentuou o isolamento do Brasil e do Mercosul nas negociações comerciais; empobreceu nossa pauta de comércio, ao invés de dinamizar trocas e oportunidades. Foi mantida a estratégia de negociações comerciais, que isolou o Brasil. Deixaram de ser cumpridos os princípios constitucionais de não ingerência e defesa da soberania, seguidamente desrespeitados nos governos do PT no altar da ideologia. A credibilidade, a independência, o equilíbrio e os valores (democracia e direitos humanos), que o PT dizia apoiar internamente, não foram respeitados na política externa.

No concerto das nações, nos últimos cinco anos o Brasil retraiu-se e baixou a voz, reduzindo sua contribuição nas grandes discussões do cenário internacional. Na região, assumiu uma agenda que não é a nossa e, por isso, a ação do Itamaraty se tornou passiva e reativa, deixando o Brasil a reboque dos acontecimentos: prevaleceram as afinidades ideológicas e a paciência estratégica, que prejudicaram o processo de integração regional e paralisaram e desfiguraram o Mercosul, deixando-o sem nenhuma estratégia. O isolamento do Brasil, que em 13 anos negociou apenas três acordos de livre-comércio, prejudicou os interesses públicos e privados nacionais. As ações de política externa nas negociações comerciais continuaram a privilegiar os interesses político-partidários, e não o interesse nacional. O governo Dilma não buscou inserir os setores industriais e de serviços nos grandes centros difusores de tecnologia. Deixando de participar das negociações de acordos preferenciais de comércio e das cadeias produtivas de alto valor agregado, o Brasil perdeu espaço no comércio global.

Partidária, a política externa do PT quebrou o consenso interno porque faltou equilíbrio entre a defesa de princípios permanentes e do interesse nacional. Os resultados da política externa, nos últimos cinco anos, não corresponderam à importância que o Brasil tem na região e no mundo. Deve-se reconhecer que houve avanços e alguns êxitos quando o Itamaraty pôde atuar como principal formulador da política externa. Os retrocessos ocorreram nas áreas em que as políticas tradicionais foram influenciadas por tendências partidárias, como no Mercosul, na integração regional, nas relações comerciais com a África e com o Oriente Médio, na estratégia de negociações comerciais, no sumiço do Brasil no cenário internacional causando a perda de credibilidade do Itamaraty, tanto interna quanto externamente.

Talvez o incidente diplomático mais grave durante o governo Dilma tenha sido a questão da espionagem da NSA no governo e em empresas brasileiras. A decisão final do governo brasileiro de adiar a visita de Estado a Washington fez com que acordos e interesses brasileiros não avançassem, assim prejudicando nossos interesses.

Alguns exemplos mostram como o interesse nacional foi sempre deixado em segundo plano nos últimos anos: o financiamento de cerca de US$ 950 milhões para o porto de Mariel, em Cuba, pelo BNDES; o perdão de US$ 900 milhões de dívidas de 12 países africanos (só o autoritário Congo se livrou de US$ 352 milhões); o pagamento de US$ 434 milhões adicionais ao governo boliviano pela compra do gás natural, como parte de acordo de 2007 entre Lula e Evo Morales; e a suspensão do Paraguai para permitir o ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul.

Nunca antes na História deste país a Presidência influiu tanto nas questões que cabe ao Itamaraty analisar e recomendar cursos de ação à chefia do Executivo para as tomadas de decisão. Não é segredo o desapreço com que o Itamaraty foi tratado pela presidente Dilma Rousseff nos últimos anos e a pouca importância que foi dada às posições tradicionais recomendadas pela Chancelaria nos problemas que afetam diretamente o interesse nacional. O Itamaraty deixou de ser o primeiro formulador e coordenador em matéria de projeção internacional do País, em razão de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios.As novas diretrizes de política externa do governo de Michel Temer afastam a influência partidária e retomam as prioridades do interesse brasileiro. As decisões de ampliar a coordenação na área externa com a transferência da Apex para o Itamaraty e da Camex para a Presidência da República, com a secretaria executiva na Chancelaria, recolocam agora o Ministério das Relações Exteriores no lugar central que havia perdido.

*Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Uma jornada republicana - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 13/09

Na peculiar cena de posse da nova presidente do Supremo, Cármen Lúcia, sobraram evidências de que vem aí um trimestre pródigo em emoções fortes na política



Vai ser um trimestre pródigo em emoções fortes na política, por iniciativa do Judiciário e do Ministério Público. Isso ficou evidente, ontem, na peculiar cena da posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

Escolhido porta-voz do colegiado de juízes, Celso de Mello avisou: o Supremo escolheu a ocasião para emitir uma “advertência, severa e impessoal” sobre sua determinação de “repelir qualquer tentativa de captura das instituições do Estado por organizações criminosas constituídas para dominar os mecanismos de ação governamental”.

Desenhou a formação de “uma estranha e perigosa aliança” entre agentes públicos e empresariais “com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos, profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado”.

Acrescentou: “Tais práticas delituosas — ainda mais quando perpetradas por intermédio de organizações criminosas — enfraquecem as instituições e comprometem a própria sustentabilidade do estado democrático.”

Na audiência destacavam-se o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Sarney, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel — entre outros citados, envolvidos ou investigados na meia centena de inquéritos sobre corrupção supervisionados pelo tribunal.

Há 27 anos Mello integra a corte onde juízes são, na essência, políticos vestidos de toga. Seria imprudência apostar que o seu discurso, combinado e revisado em cada palavra, foi mera peça de retórica destinada ao acervo do tribunal.

“Práticas desonestas de poder”, insistiu, “deformam o sentido democrático das instituições e conspurcam a exigência de probidade inerente a um regime de governo e a uma sociedade que não admitem nem podem permitir a convivência, na intimidade do poder, com os marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental, degradando-as, e transformando-as em um meio desprezível de enriquecimento ilícito.”

Aplainou a trilha para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na sequência, para quem “o sistema da Nova República está em xeque”. Responsável por inquéritos sobre 49 personalidades com foro privilegiado, Janot acha que o país precisa escolher entre duas alternativas: “A primeira, danosa e inaceitável, consiste numa reação vigorosa do sistema adoecido contra as instituições que combatem a sua estrutura intrinsecamente patológica. A segunda, mais auspiciosa, revela-se em um movimento virtuoso de tomada de consciência da sociedade e de autodepuração do próprio sistema político-jurídico, na busca de um novo arranjo democrático.”

A cena ganhou adorno irônico quando a nova presidente do Supremo, Cármen Lúcia, pediu licença para cumprimentar, primeiro, não a principal autoridade convidada, Temer, mas “Sua Excelência, o povo”. Terminou com juízes admitindo ser “muito difícil” o STF recuar na decisão sobre prisões depois da condenação em segunda instância. Enquanto isso, o pôr-do-sol surpreendia a Câmara, no outro lado da Praça dos Três Poderes, abrindo o ritual para cassação do mandato de seu ex-presidente, Eduardo Cunha, alvo central em múltiplos inquéritos sobre corrupção.

A fábula do golpe - ZANDER NAVARRO

ESTADÃO - 13/09

Qual será o preço da farsa ora em curso, seja a artimanha do Senado ou o delírio golpista?



Em 1571 Michel Eyquem, conhecido como Montaigne, o nome das terras que herdou, decidiu dedicar-se à interpretação da natureza humana. Legou-nos um livro brilhante, Os Ensaios” (Companhia das Letras). Foi escolarizado primeiramente em latim e leu todos os clássicos do pensamento social. O volume deveria ser leitura compulsória para todos os que almejam desvendar os mistérios e significados da ação humana.

A versão definitiva e póstuma é de 1595 e nela Montaigne impôs a si próprio explicar por que “os que se empenham em examinar as ações humanas jamais ficam tão atrapalhados como para juntá-las sob a mesma luz, pois comumente elas se contradizem de modo tão estranho que parece impossível que venham da mesma matriz”. A inconstância humana foi um dos seus temas favoritos, pois “nosso modo habitual é seguir as inclinações de nosso desejo, para a esquerda, para a direita, para cima, para baixo, conforme nos leva o vento das ocasiões”. Em consequência, “não vamos, somos levados, como as coisas que flutuam, ora suavemente, ora com violência”.

Os episódios políticos recentes em nosso país, até chegar ao impeachment e ao inacreditável “fatiamento” da decisão final, nos remetem à sabedoria contida naquele livro de quase cinco séculos e à explicação que nos propõe acerca das escolhas humanas – “em quem se fiar para saber o que é louvável?”. Ou, então, será que “os que tentaram reformar os costumes do mundo por novas opiniões reformaram os vícios da aparência, (mas) os da essência os deixam lá” e, assim, o que no passado seria condenável passou a ser naturalizado, como temos observado regularmente em outros aspectos da vida social, segundo os “vícios de outrora, costumes de hoje”? Se a presidente foi apeada do poder, por seus malfeitos, mas pode seguir na vida pública, por que todos os demais em situação análoga não serão igualmente beneficiários de tamanha bizarrice? Que maquinações teriam sido urdidas, que os cidadãos, em sua inocência política, desconhecem? Como seria importante saber as reais razões que motivaram a estapafúrdia decisão, pois “é justo que se faça grande diferença entre os erros que vêm de nossa fraqueza e os que vêm de nossa maldade”, destacaria o filósofo seiscentista. Se houve má-fé e intenções inconfessadas, muito em breve a fatura será cobrada e nós, os brasileiros, vamos pagar a conta, como tem sido o costume.

Similarmente, a difundida fabulação de um suposto golpe atende aos mesmos indisfarçados interesses, seja de Dilma, a personagem principal da trama, ou, então, do campo petista diretamente atingido. É a estratégia ideal, que os anos vindouros comprovarão. Os petistas sabem, como alertou Montaigne, que “assim como o prato da balança pende necessariamente quando foi carregado, assim o espírito cede às coisas evidentes” e o uso repetido, ad nauseam, do incriminatório “golpista”, em todos os momentos e situações, acabará se enraizando no coletivo social e se tornará uma “coisa evidente”. É sina da qual o governo Temer não se livrará, pois sempre surgirá um militante para gritar o bordão e gerar o embaraço público. O comportamento social tende à simplificação, aqui se diferenciando dos pensadores, não se aplicando aos cidadãos a frase de Dante que Montaigne cita em Os Ensaios, a qual nos ensina: “não menos que saber, duvidar me agrada”.

Aqui existe outro aprendizado consagrado: na vida social, a repetição, ainda que absurda, acaba aprofundando suas raízes e a vasta maioria dos cidadãos prefere viver sob argumentos dúbios, ou até falsos, a seguir sob incertezas. Se a sintaxe do “golpe” é insustentável, pouco importa, pois é preferível viver em acordo com algum catecismo, qualquer que seja, porque “a alma que não tem objetivo estabelecido se perde”. E com aguda percepção Montaigne ainda insistiu sobre a leveza das decisões humanas, segundo as quais “é preciso tudo explorar e comprar de cada um segundo sua mercadoria, pois em casa tudo serve; e até a tolice e a fraqueza alheia o instruirão”. E assim, infelizmente, “todos nós estamos fechados e encolhidos em nós mesmos e temos a visão limitada ao comprimento de nosso nariz”. O comportamento dos indivíduos, dessa forma, acaba sendo equívoco e sujeito a erros, pois “é em meio de brumas e às apalpadelas que somos levados ao conhecimento da maioria das coisas”.

Encurralado pelos acontecimentos, o campo petista precisa da verborragia do “golpe” para não desaparecer. Sua ambição é a conquista do poder e se se curvar deixará de ser um partido político. Por isso a vitimização servirá tanto à biografia de Dilma como ao partido, segmentando o mundo da política, aos olhos dos cidadãos, entre os “golpistas” e os “perseguidos” petistas. E na política, binômios simplificadores sempre são mais promissores.

É uma fábula pobre, mas em ambiente rebaixado como o nosso será suficiente e talvez em 2018 alguns efeitos do arranjo terminológico já possam ser colhidos. Afinal, como destacou o filósofo das terras de Montaigne, em tais contextos os escrúpulos não contam, porque “quem opõe o custo ao fruto da virtude, este é, decerto, bem indigno de sua companhia e não conhece suas graças nem seu bom uso”. Ao campo petista não interessará, nesta conjuntura, “que sua consciência e sua virtude reluzam em suas palavras, e tenham apenas a razão como guia”. A mentira, esta, sim, tem sido mais produtiva em seus resultados.

Qual será o preço da farsa ora em curso, seja a artimanha do Senado ou o delírio do golpe? Não sabemos, mas novamente o genial pensador nos ensinou: “A maldade absorve a maior parte de seu próprio veneno e envenena-se (…), pois a razão apaga as outras tristezas e dores, mas engendra a do arrependimento, que é mais grave, uma vez que nasce no interior, como o frio e o quente das febres”.

*Sociólogo e pesquisador em ciências sociais

Fora da ordem - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 13/09

A posse da ministra Cármen Lúcia virou um grande encontro de investigados e investigadores da Lava Jato. Seguindo o protocolo, a nova presidente do Supremo convidou os próceres da República para a solenidade. O plenário do tribunal ficou pequeno para tantos personagens do petrolão.

Do lado direito da ministra, sentou-se o senador Renan Calheiros, indiciado em oito inquéritos. Do esquerdo, o presidente Michel Temer, citado por ao menos três delatores. Outros alvos da operação, como os ex-presidentes Lula e José Sarney, circularam pela corte recebendo abraços e tapinhas nas costas.

Como ninguém aparentava constrangimento, coube ao ministro Celso de Mello instaurar algum desconforto no salão. Em discurso incisivo, ele criticou a "captura das instituições do Estado por organizações criminosas" e chamou os políticos corruptos de "delinquentes", "marginais da República" e "indignos do poder".

"Os cidadãos desta República têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, legisladores probos e juízes incorruptíveis", disse. Ministro mais antigo do Supremo, ele afirmou que os "infiéis da causa pública" enfrentarão a "severidade das sanções criminais" e serão "punidos exemplarmente" por "práticas desonestas".

Diante dos chefes dos Três Poderes, o procurador Rodrigo Janot proclamou a "falência do nosso sistema de representação política" e disse que "forças do atraso" tentam parar a Lava Jato. Ele pediu apoio para enfrentar o que chamou de "reação vigorosa do sistema adoecido".

Em tom mais brando, Cármen Lúcia também deu seu recado ao cumprimentar "Sua Excelência, o povo" antes das autoridades. Ela disse que o país vive "tempos tormentosos" e, por um instante, pareceu comentar a presença dos investigados na festa. "Alguma coisa está fora da ordem", disse, citando a música de Caetano Veloso. Os políticos ouviram tudo em silêncio.


Em defesa de um governo republicano - MARCO ANTONIO VILLA

O Globo - 13/09

É inegável que a tarefa de Michel Temer não é fácil. O panorama de hoje é muito distinto em relação a 1992


O governo Michel Temer tem apenas duas semanas. Não parece. Dá sinais de envelhecimento precoce. O curioso é que a área econômica vai bem. O mesmo se aplica às relações exteriores. Já no restante dos ministérios vai muito mal. A falta de coordenação política sinaliza para a sociedade que Temer ainda é apenas o presidente interino. Cada ministro administra a sua pasta como se não houvesse uma autoridade maior, o presidente da República. Continuam enclausurados, não viajam, não divulgam suas ações e, mais grave, priorizam cada um o seu projeto político. Assim, o ministério assemelha-se a uma federação de ministros, isolados uns dos outros, sem uma ação coletiva.

Paradoxalmente, a relação com o Congresso Nacional vai bem. Temer tem maioria nas duas casas. Até o momento, a desarticulação no interior do governo não se refletiu no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas a necessidade de dar um rumo seguro é indispensável para garantir apoio congressual às reformas e demais ações do governo. Nenhum Congresso apoia presidente fraco — ou, quando isto ocorre, há uma sarneyzação, uma paralisia do Executivo. E na situação que vivemos — em plena depressão econômica — não há cenário pior que esse. A economia necessita da estabilidade política. É uma condição sine qua non para retirar o país da crise e buscar, no ano que vem, um crescimento positivo do PIB.

Hoje, a instabilidade não é produto da insatisfação na sociedade. As ações do PT e de seus asseclas eram esperadas. Afinal, perderam milhares de cargos na estrutura de Estado e as facilidades para negócios lesivos ao interesse público, como vimos no mensalão e no petrolão. Não há resistência ideológica. Nada disso, a resistência é financeira. Perderam a boquinha, daí a ira. No conjunto da sociedade, as manifestações têm pouco expressão. Mas desqualificá-las significa dar a elas um protagonismo que não têm. Depois do impeachment, a sociedade aguarda um governo responsável, atuante, que respeite as leis, garanta a ordem pública e que enfrente a crise. A preocupação do governo não deve ser com os representantes do derrotado projeto criminoso de poder. Não. Seu foco é o povo brasileiro, especialmente os pobres, os que mais sofrem com a crise produzida pelo petismo.

É inegável que a tarefa de Michel Temer não é fácil. O panorama de hoje é muito distinto em relação à 1992. Naquele momento, Itamar Franco assumiu e formou um governo de união nacional. Permaneceram na oposição o PT e Antonio Carlos Magalhães. Agora, a situação é mais complexa. O PT não é o PRN. Dilma conseguiu 20 votos contra o impeachment, Collor apenas três. E o leninismo tropical tomou durante 13 anos e cinco meses o aparelho de Estado. Usou, abusou e deixou na estrutura estatal seus militantes-funcionários não só nos cargos de confiança, mas também como servidores concursados. Despetizar o Estado é tarefa essencial não apenas para o sucesso do governo, como também para a sobrevivência da democracia no nosso país.

É inegável que nestas duas semanas o governo se comunicou mal, muito mal. Os boatos espalhados pelo PT tomaram conta do país. E a pecha de que Temer pretende acabar com os direitos sociais e trabalhistas acabou assumindo ares de verossimilhança. É evidente que o país precisa urgentemente das reformas. A questão central é como construí-las dialogando com a sociedade e apresentando seus benefícios. Isso é mais importante do que obter — o que não acontecerá — o apoio das centrais sindicais. Enfrentar as corporações é uma tarefa democrática. Mas é preciso demonstrar que governa para todos e que não admite qualquer tipo de privilégio, independentemente de quem é favorecido.

O Ministério é ruim. Necessita ser modificado. A justificativa para a sua formação — a aprovação do impeachment — já passou. Os ministros têm de estar afinados com as reformas e com o espírito do governo. E serem competentes, o que poucos são. Por outro lado, o presidente tem de evitar, neste momento, deslocamentos ao exterior. A viagem à China foi em má hora e teve um péssimo efeito interno. Foi um anticlímax após a grande vitória do impeachment. Quem assumiu? Rodrigo Maia. Muitos se perguntaram: Rodrigo o quê? E agora Temer ameaça ir à ONU. Que importância tem discursar na ONU? E, pior, na eventual ausência de Maia, quem assumirá o governo será Renan Calheiros!

Ainda há tempo para Temer efetuar os acertos necessários. Necessita apresentar ao país a situação em que encontrou o governo. É fundamental retirar do PT a bandeira recém-alçada de defesa dos direitos dos trabalhadores. Entregaram o país com 12 milhões desempregados e em meio à maior crise econômica da nossa história. É preciso se lembrar da Lava-Jato e de que altos dirigentes petistas foram condenados pela Justiça, alguns pela segunda vez em um lustro — como José Dirceu.

Faz bem para o governo exercer a autoridade — e ainda mais ao Brasil. É preciso dar um basta à baderna. Os criminosos derrotados pelo impeachment não podem ditar o ritmo das mudanças. São uma minoria barulhenta, é verdade, mas apenas uma minoria. Cabe ao governo assumir a direção das reformas, explicá-las à população, convencer os brasileiros de que elas são indispensáveis para o futuro do país. Mas também deve mostrar que não transigirá frente ao grande capital espoliador. Tem de eliminar as benesses recebidas pela burguesia petista, a do capital alheio. E pode começar esta tarefa revelando os criminosos empréstimos do BNDES.

Michel Temer, não tema. A maioria da população brasileira quer que seu governo dê certo.


Tempo de reconstruir - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 13/09

Reconstruir o País e abrir caminho para uma nova etapa de vigor, dinamismo e criação de oportunidades é a grande tarefa, depois de rompido o desastroso domínio do PT. Não basta haver encerrado a longa fase de populismo, mentira, irresponsabilidade e pilhagem do Estado. O resgate só será completo com a retomada do trabalho, interrompido por mais de dez anos, de modernização das instituições, de reforma do governo e de revalorização da seriedade e do esforço produtivo e criativo em todos os setores de atividade – públicos e privados. Tirar da UTI a economia nacional é o desafio mais urgente, mas o novo governo e seu sucessor terão de levar em conta uma pauta muito mais complexa e ambiciosa.

Os grandes temas dessa agenda serão explorados peloEstado na série A Reconstrução do Brasil, iniciada na edição do último domingo. A reforma política, a modernização trabalhista, a revisão das normas da Previdência, a atualização do sistema tributário, a reavaliação das funções do Estado e da operação do governo são temas obrigatórios de qualquer discussão consequente sobre o futuro do País. Serão, portanto, explorados de forma ampla e articulada nesse conjunto de reportagens.

Questões institucionais envolvem muito mais que direitos básicos, obrigações, forma de governo e regras de operação dos chamados Poderes da República. Exemplo: nem todos percebem, no dia a dia, como as normas constitucionais afetam os custos da economia brasileira e limitam – de fato, severamente – as possibilidades de crescimento da produção e de criação de empregos decentes e úteis.

Coleção de nobres princípios e de bons propósitos, a Constituição de 1988, tanto na forma original quanto depois de grande número de emendas, engessa as finanças públicas, facilita o desperdício, dificulta o equilíbrio fiscal, cria ambiente favorável à inflação e impõe obstáculos ao crescimento econômico.

A chamada Constituição Cidadã estabelece direitos e impõe obrigações ao Tesouro Nacional sem cuidar de como financiá-las. Distribui recursos e tarefas entre os níveis de governo sem levar em conta as proporções entre meios e fins. Consagra um sistema tributário mal concebido e incompatível com as necessidades de uma economia aberta à concorrência internacional.

A estrutura de impostos e contribuições encarece o investimento e a produção e diminui a competitividade brasileira. A reforma desse sistema já virá com muito atraso.

A proposta de um teto para o aumento da despesa pública, enviada ao Congresso pelo presidente Michel Temer, é só um passo inicial para a correção de algumas dessas – para usar uma palavra suave – inadequações. Mas a Constituição formulada com bons sentimentos e belas intenções é só uma das fontes de problemas legais, a começar, é claro, pelas vinculações criadas sem pragmatismo, sem visão de futuro e sem racionalidade administrativa. Erros desse tipo se multiplicam facilmente, quando se propõem, por exemplo, planos educacionais com metas de despesas mínimas, como se a solução dos grandes problemas dependesse apenas do volume de despesas – ideia contrariada pela experiência dos países mais avançados.

Eficiência e qualidade são pelo menos tão importantes quanto as somas destinadas aos vários programas. De modo geral, determinam os graus de sucesso ou de insucesso. Comparem-se, por exemplo, os gastos e os padrões educacionais da Coreia e do Brasil.

Mas eficiência e qualidade são atributos de ações governamentais. A incompetência e o desleixo na elaboração e na execução de programas, no caso brasileiro, são irmãos gêmeos do desperdício de recursos e da fragilidade fiscal. A qualidade da administração pública tem sido um problema crônico do governo brasileiro, atenuado ocasionalmente com ações de reforma sempre abandonadas em pouco tempo. A ineficiência da infraestrutura, para citar um exemplo, é componente desse quadro, assim como o baixo desempenho dos estudantes brasileiros em testes internacionais.

Os brasileiros têm mais uma oportunidade, agora, de atacar essas questões e de reconstruir o País segundo modelos melhores para todos. Se for desperdiçada, quem sabe quando surgirá a próxima?

Invenções na economia - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 13/09

Sempre que tentam inventar práticas mirabolantes e desprovidas de suporte teórico, os governos destroem suas próprias finanças e jogam a economia nacional em crise


A economia é uma ciência social que, por isso mesmo, comporta divergências quanto ao funcionamento de determinadas partes do sistema e quanto às medidas de política econômica adequadas para o enfrentamento de situações indesejáveis. Ainda que funcione com sua lógica espontânea, o sistema econômico nacional já foi descrito e compreendido em sua essência pelas teorias, e as explicações científicas básicas da economia estão à disposição da humanidade. Em seus aspectos físicos (como o desgaste dos materiais e dos objetos com eles produzidos) e em suas relações matemáticas (como a relação entre custos de produção, preços de oferta e tributos), a economia é uma ciência cuja administração exige conhecimento e comporta escolhas.

Pois foi por ignorar as teorias e os conceitos básicos mais elementares que o período de Dilma Rousseff na Presidência foi marcado por rotundo fracasso com seu experimentalismo na gestão econômica, culminando com a recessão agravada nos últimos quatro anos. A ex-presidente é tida como autoritária e pouca disposta a ouvir opiniões, e nunca foi reconhecida por deter conhecimentos profundos de teoria econômica. Esses dois traços de Dilma, somados à personalidade subserviente e de pouco brilho intelectual de seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, abriram espaço para que o governo se dedicasse a invencionices na economia com péssimos resultados.

Um governo pode contribuir com o ambiente jurídico, institucional e econômico se respeitar os limites econômicos e adotar uma política econômica com bom senso técnico. Sempre que tentam inventar práticas mirabolantes e desprovidas de suporte teórico, os governos destroem suas próprias finanças e jogam a economia nacional em crise. Como não há milagre capaz de dar ao povo um nível de bem-estar acima do permitido pela produção desse mesmo povo, a única forma de melhorar o padrão de vida médio é pelo sacrificante e demorado crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do crescimento populacional.

O Brasil entra o ano de 2017 com o Banco Central (BC) prevendo crescimento do PIB em 1,7% sobre o ano anterior, cessando a sequência de queda da produção e o agravamento da recessão. Entretanto, mesmo que a previsão do BC venha a se realizar, a recessão não terá sido revertida ao fim de 2017, pois o PIB acumulará queda acima de 9% de 2014 a 2016. A considerar que ao término de 2017 o país terá 6,4 milhões de habitantes mais que no fim de 2013, o produto por habitante estará longe de retornar ao padrão de 2013. Assim, a remoção completa da recessão levará alguns anos mais, com o risco de, conforme preveem alguns especialistas, a renda por habitante em 2020 ser menor do que era em 2010. Enfim, uma década de empobrecimento.

Em todo esse panorama, é preciso que este e os próximos governos não cedam à tentação de inventar soluções fora dos manuais de economia e que sejam capazes de levar adiante a tarefa de remover os estragos feitos nos últimos anos, sobretudo os gigantescos déficits públicos e a explosão da dívida do setor público. A equipe econômica escolhida pelo presidente Michel Temer, afora qualquer consideração ideológica ou partidária, é composta por economistas de boa formação, dirigidos por um ministro da Fazenda respeitável e bem-sucedido nos cargos que ocupou. Resta saber se o presidente terá apoio no Congresso Nacional para fazer o que é preciso e resistir ao rosário de promessas demagógicas que sempre emanam da classe política.


O reajuste e a cascata - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 13/09

Referência para o teto de vencimentos do funcionalismo público, os salários de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão no centro de um debate exatamente no momento em que a principal corte de Justiça do país troca de comando. A posse da ministra Cármen Lúcia, reconhecida pela defesa da austeridade, é um bom momento para a rediscussão de um sistema que já se tornou insuportável para os cofres públicos: a cascata deflagrada pelos aumentos dos ministros da Suprema Corte.

Hesitante em relação ao tema durante a interinidade, o presidente da República, Michel Temer, uniu-se agora aos que se manifestam contrários ao reajuste, sob a justificativa de que "gera uma cascata gravíssima". De fato, o reajuste dos subsídios mensais dos ministros do STF, elevando os ganhos para R$ 39,2 mil a partir de 2017, teria um impacto de R$ 4,5 bilhões ao ano para o país. Isso porque serve de parâmetro não apenas para os vencimentos de servidores da União, mas também para os dos Estados — no caso das contas do Tesouro gaúcho, o impacto é fulminante — e dos municípios.

Desvincular os subsídios do STF de demais cargos públicos, como chegou a defender o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pode reduzir o impacto financeiro, mas não o político. Um governo determinado a aprovar um teto rígido para o orçamento, com impacto em áreas como saúde e educação, além de medidas de impacto nas aposentadorias, passaria no mínimo um sinal preocupante ao consentir com reajustes para categorias que hoje já se incluem entre as de melhor remuneração.


Expectativas otimistas com Cármen Lúcia no STF - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 13/09

Posse de ministra na presidência da Corte permite que sejam dados duros recados contra a corrupção, na presença de vários interessados no tema


Em entrevista ao GLOBO publicada no domingo, véspera da posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República, Michel Temer, se colocou contra o aumento dos ministros da Corte, cujos vencimentos subiriam de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. O argumento de Temer, correto, é que estes R$ 5,5 mil de reajuste provocariam uma “cascata gravíssima” sobre as finanças públicas em todos os níveis, União, estados e municípios, devido aos mecanismos de atrelamentos salariais. Aumente-se um juiz que o salário do porteiro do fórum seguirá o reajuste e assim por diante em toda a burocracia.

Ora, não há qualquer sentido, na situação de crise fiscal em que se encontra o país, em patrocinar-se um ato que representaria, para a Federação, uma despesa a mais, por ano, de algo acima dos R$ 4,5 bilhões. Um despautério.

A afirmação de Temer vai contra o que consideram próceres do PMDB, como Renan Calheiros e Eunício Oliveira, mas coincide com a opinião da nova presidente do Supremo.

A ministra assume já em meio a um debate em que ela se diferencia de forma radical do antecessor, Ricardo Lewandowski, ministro que, nos dois anos de mandato à frente do STF, atuou mais como um representante classista dos magistrados, em defesa de salários e vantagens maiores, bem como no esvaziamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela emenda da reforma do Judiciário, no primeiro governo Lula, para ser importante órgão regulador da Justiça, nos aspectos administrativos e éticos, sem, claro, reduzir a independência dos juízes. Mas nem todos magistrados gostam do Conselho.

A posição assumida por Temer e a posse de Cármen Lúcia são duas boas notícias, aparentemente sem qualquer relação entre si, mas que têm em comum, nos respectivos poderes, Executivo e Judiciário, a expectativa de um exercício nos cargos de forma adequada ao momento crítico por que passa o país.

No Executivo, uma postura firme a favor do estratégico ajuste fiscal; na Justiça, independência — a ser reafirmada quando o Pleno decidir sobre o mérito da capciosa cassação de Dilma Rousseff pela metade, contra a Carta — e distância das corporações.

Sentado ao lado esquerdo de Cármen Lúcia na solenidade de posse, Temer ouviu duros recados do ministro decano da Corte, Celso de Mello, e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

A principal mensagem, a intransigência contra a corrupção. Sentados na plateia próximos ao ministro estavam os ex-presidentes Lula, Sarney e o governador de Minas, Fernando Pimentel. Acompanharam com atenção. Celso de Mello repetiu o tom firme com que pronunciou votos contra mensaleiros. “Marginais da República”, “profanadores”, “delinquência institucional” foram termos usados ontem pelo ministro.

Enquanto Rodrigo Janot, em cujo lado estava o presidente do Senado, Renan Calheiros, fez uma defesa direta da Lava-Jato, defendeu as dez propostas de medidas anticorrupção do MP enviadas ao Congresso lastreadas em mais de dois milhões de assinaturas e ainda denunciou manobras contra a operação, numa repetição do que aconteceu na Itália no desmonte da Mãos Limpas. Renan ouviu atento. Foi uma posse de gala, adequada ao momento crítico do Brasil.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


“A corrupção traduz um gesto de perversão da ética do poder”Ministro Celso de Mello (STF), na posse de Cármen Lúcia na presidência do Supremo


NA PRÁTICA, DILMA FICA INELEGÍVEL POR OITO ANOS

Dilma ficará mesmo inelegível por 8 anos, mas não por deliberação do Supremo Tribunal Federal. No exame de “caso concreto”, uma ação civil pública será suficiente para anular a nomeação da ex-presidente para um cargo público ou o eventual registro de uma candidatura, afirmam ministros do STF ouvidos pela coluna. Juízes aplicam a Constituição, que vincula a perda do cargo à perda de direitos políticos.

ESTÁ ESCRITO

O art. 52 da Constituição, ignorado pelo Senado no julgamento de Dilma, determina inelegibilidade de presidente que sofre impeachment.

RECURSOS NO LIXO

O STF decidiu ignorar as ações contra o “fatiamento”: não é instância de recurso para o impeachment, tema exclusivo do Poder Legislativo.

OITO ANOS FORA

Se Dilma quiser se candidatar, a Justiça de 1º grau poderá enquadrá-la na Lei Ficha Limpa, que inabilita gestores públicos condenados.

UMA COISA É UMA COISA

O STF não analisará o julgamento, ainda que não se conheça um único ministro que aprove o conchavo para preservar os direitos de Dilma.

DEMISSÃO NA AGU ESTAVA DECIDIDA DESDE JUNHO

Michel Temer decidiu demitir Fábio Medina da Advocacia-Geral da União (AGU) em 4 de junho, após bizarrices como a “carteirada” para usar jato da FAB. O presidente mandou Eliseu Padilha (Casa Civil) sondar para o cargo o ex-presidente da OAB Marcos Vinícius Furtado Coelho, que declinou. Como já havia crise de sobra, com a saída dos ex-ministros Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência), ele adiou a demissão para depois do impeachment.

SÓ BOLA FORA

Temer também se irritou quando Medina quis ter acesso à Lava Jato, fazendo parecer interesse do governo de “monitorar” as investigações.

PESSOAL É PESSOAL

Furtado Coelho é advogado pro bono de Temer, que, ao contrário de Dilma, não quer a AGU fazendo eventual defesa pessoal do presidente.

SUSPEITA NO PLANALTO

Assessores do Planalto acham que Medina tentava checar eventual ligação de ministros à Lava Jato para virar “homem forte” do governo.

POLÍTICOS, NÃO

Articula-se na Câmara a alteração na lei que permitirá a repatriação de dinheiro não declarado no exterior: políticos e ocupantes de cargos públicos serão excluídos dos benefícios da norma.

RUIDOSA CELEBRAÇÃO

O ruído dos manifestantes na praça dos Três Poderes é perfeitamente audível no plenário do Supremo Tribunal Federal. Ao ser empossada a ministra Cármen Lúcia, ouviram-se gritos de alegria e fogos de artifício.

LEITURA OBRIGATÓRIA

À chegar no Supremo para a posse da ministra Cármen Lúcia, os convidados – Lula inclusive – foram recebidos com faixas do tipo “Luladrão” ou “Adeus, Lewandowski”. Não se viu “Fora Temer”.

CONSTRANGIMENTO

Abatido, o ex-presidente Lula estava nitidamente constrangido, na cerimônia de posse da ministra Cármen Lúcia. E parecia procurar um buraco para mergulhar quando o ministro Celso de Mello, em vigoroso discurso, criticou governantes que roubam e/ou deixam roubar.

FRIEZA IMPACTANTE

A decisão da ex-presidente Dilma de sacrificar o cão “Nego”, por estar “velho e doente”, não deixou indignados apenas os funcionários do Palácio Alvorada. Até nos tribunais superiores a frieza foi impactante.

CALOTE DÁ CONFUSÃO

A Polícia Militar de Alagoas foi acionada nesta segunda, 12, para conter funcionários da campanha do candidato de Renan Calheiros a prefeito de Maceió, Cícero Almeida (PMDB), queixando-se de calote.

TEMER SEM STF

Caso nenhum ministro se aposente antecipadamente, o presidente e constitucionalista Michel Temer não indicará integrante para o Supremo Tribunal Federal. Já o sucessor escolherá em seu mandato os substitutos para Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.

BOLA DIVIDIDA

O centrão não está em sintonia com o Palácio do Planalto sobre a Reforma da Previdência. Deputados do grupo prometem endurecer o tom contra a proposta, caso a discussão comece antes das eleições.

RESPONDA RÁPIDO

Quem ficou mais constrangido, na posse da nova presidente do STF: os enrolados na Lava Jato ou os ministros que vão julgá-los?


PODER SEM PUDOR

GENTE "MARROMENOS"

Dias antes de assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), a mineira Cármen Lúcia esteve em Belo Horizonte e contratou uma diarista para ajudá-la em uma faxina no seu apartamento. À chegada da mulher, a ministra subiu em um banquinho e mostrou como queria a limpeza de uma janela. A diarista ficou admirada com aquela senhora de hábitos simples, e depois de conferir se ela morava mesmo na Capital, perguntou, curiosa:

- Lá em Brasília só tem gente importante ou também tem gente assim, marromenos, que nem a gente?