quinta-feira, agosto 18, 2016

As sete lições olímpicas - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR

Na segunda-feira teremos de acordar para a dura realidade. E é isso que o brasileiro mais detesta na vida



A Olimpíada do Rio se aproxima do fim, e podemos tirar algumas importantes lições do megaevento. Em primeiro lugar, o Brasil é sim capaz de organizar uma grande festa. Mas essa nunca foi a dúvida real. Nós, como as cigarras da fábula, somos bons de farra mesmo. O que não sabemos fazer tão bem é construir um país civilizado, de primeiro mundo.

E isso fica claro logo com o segundo ponto: essa foi a Olimpíada das vaias. Como dizia Nelson Rodrigues, brasileiro vaia até minuto de silêncio. No calor da disputa de futebol entre nós, tudo bem. Mas na Olimpíada deveria ser diferente. Somos os anfitriões recebendo nossos convidados. Vaiar os outros o tempo todo é simplesmente falta de educação.

O caso do francês Renaud Lavillenie, que perdeu a medalha de ouro do salto com vara para o brasileiro Thiago Braz, foi o mais escandaloso. Mas vaiamos tudo, até tênis! Para quem tem um pingo de educação, isso foi motivo de profunda vergonha. O Brasil às vezes parece uma grande tribo, que só enxerga “nós” contra “eles” o tempo todo.

Por falar nisso, eis a terceira lição: sofremos do complexo de vira-latas mesmo, como sabia Nelson Rodrigues. Qualquer elogio que vem de fora, ainda que falso, é motivo de extrema felicidade, e logo abanamos o rabo pedindo mais. Enquanto isso, qualquer crítica, ainda que verdadeira, é motivo de revolta, com nosso orgulho ferido de morte.

Essa é a postura de quem não tem autoestima e precisa do termômetro alheio o tempo todo. O caso mais patético foi o da enorme controvérsia por trás de um famoso biscoito de polvilho carioca, que um jornalista do New York Times considerou sem gosto. Parecia que a mãe de cada um estava sendo xingada dos piores termos. Uma postura um tanto jeca, convenhamos.

Uma quarta lição pode ser extraída do quadro de medalhas. Os americanos, líderes com folga, não têm um Ministério dos Esportes. O governo não se mete tanto no assunto, o esporte não é refém da politicagem, e justamente por isso pode prosperar. No Brasil, onde todos esperam tudo sempre do governo, temos Leonardo Picciani como ministro. E muitos gastos públicos. E poucas medalhas.

Das poucas que conquistamos emerge a quinta lição: a imensa maioria veio de atletas treinados pelos militares. Seria pura coincidência? Creio que não. Os militares cobram mais disciplina, determinação e humildade, características necessárias para um vencedor.

O que nos remete à sexta lição: o espírito olímpico é liberal, valoriza o mérito, o resultado, rejeitando a vitimização típica dos perdedores. Quem fica de “mimimi”, buscando bodes expiatórios para seus fracassos, nunca avança na vida. Os atletas de alto rendimento lapidados pelos militares sabem disso.

E demonstram esse reconhecimento prestando continência no pódio, o que nos leva à sétima lição: só mesmo os jornalistas “progressistas” viram tanta polêmica nesses atos, considerados normais pela população. Se tivessem erguido os punhos cerrados e gritado “Fora Temer”, a imprensa teria achado mais natural do que o respeito à nossa bandeira e aos militares. A mídia vive numa bolha esquerdista.

São essas as setes lições básicas que podemos extrair da nossa Olimpíada. Fecho com uma extra: depois da festança vem a ressaca. Brasileiro gosta de só pensar no aqui e agora, de forma hedonista, e “deixar a vida nos levar”. O problema é que isso costuma ter elevado custo.

Qual o legado que fica dos gastos bilionários para realizar os jogos? Qual foi seu custo de oportunidade? Houve retorno sobre esses investimentos ou o país tinha outras prioridades? Sabendo que estamos literalmente quebrados, o impacto desse evento está mais para Barcelona ou para Atenas?

Na segunda-feira teremos de acordar para a dura realidade. E é isso que o brasileiro mais detesta na vida...


Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal

O ópio do povo - CORA RÓNAI

O Globo - 18/08

Foi bom parar de falar na crise e na política. Não quero nem pensar na próxima segunda-feira, essa espécie de quartafeira amplificada que nos aguarda ali na esquina, sem Olimpíada, sem uma festa emendando na outra, sem todas as línguas do mundo se misturando no calçadão e no Boulevard; não quero nem pensar na cidade sem Guarda Nacional, ou nos estádios vazios; não quero nem pensar na conta.

Fui contra a realização da Olimpíada no Rio, assim como fui contra a Copa do Mundo: acho que o país tinha, e continua tendo, outras prioridades. Não me conformo com o desperdício dos estádios construídos para a Copa nos lugares mais inviáveis, e me revoltam as muitas demolições e reconstruções do Maracanã, em particular, assim como a arrogância da Fifa e do COI, em geral, exigindo equipamentos insustentáveis de primeiro mundo num país com tantas dificuldades. A lista de absurdos é imensa, e algo me diz que ainda vamos ter muitas surpresas desagradáveis ao longo do tempo à medida que formos contabilizando os prejuízos.

Por outro lado, não posso negar que foi bom viver essa pausa na enxurrada de más notícias dos últimos tempos. Foi bom parar de falar na crise e na política, dois motivos de permanente depressão, e usar um pouco de indignação para defender o Biscoito Globo.

Foi bom ver as redes sociais cheias de especialistas em esportes aos quais nunca prestamos atenção, e ver o Rio transformado em centro do mundo; apesar de todas as reportagens negativas, valeu ver a nossa cidade sendo filmada com amor e, eventualmente, sendo descrita com entusiasmo. O Rio não é só beleza, mas também não é só violência; agradeço aos colegas de todos os países que se deram ao trabalho de tentar explicar a nossa complexidade aos seus leitores sem cair nos velhos chavões. ______ Foi bom — é sempre bom — ver como os outros nos veem. Ao contrário do que imaginam as pessoas que não convivem com estrangeiros, têm horror a estrangeiros e acham que qualquer cortesia feita a um estrangeiro é um golpe no amor próprio da Pátria, descobrir o olhar do outro é sempre interessante, ainda que às vezes nos cause desconforto.

Tenho uma secreta inveja de cidades como Veneza ou Nova York, que têm vastas bibliografias em qualquer língua conhecida, e são cenário de tantos filmes e romances diferentes. Gosto de comparar versões e experiências, e adoro saber como tanta coisa que me parece familiar e trivial é vista por gente para quem tudo é novidade. ______ Não sei se o Rio já foi uma cidade mais turística do que é hoje, se o Brasil já foi mais educado e gentil, mas foi triste ver a repercussão do post de uma universitária que, apesar de falar inglês, se vangloriava de ter negado informações a um estrangeiro: “Gringo tá no Rio e eu que tenho que falar inglês?”.

Para muita gente imbuída de uma noção perversa de patriotismo, a moça tomou a decisão certa. Como assim, dar informação a uma pessoa que, visitando o Brasil, não se deu ao trabalho de aprender português?! Coisa tão fácil, tão simples...

Quero ver como essa turma vai se virar na próxima Olimpíada, em Tóquio. ______ Por falar em patriotismo — segundo o dr. Johnson, “o último refúgio dos canalhas” —, a medalha da vergonha vai, sem dúvida, para o judoca egípcio que se recusou a apertar a mão do rival israelense. Ela pode ser compartilhada com todos que acharam a atitude louvável.

O Comitê Olímpico do Egito fez o que se esperava e desligou o infame El Shehaby da delegação. Parabéns para o comitê. E parabéns para a nossa torcida, que o cobriu de vaias.

Essa foi a única vez, aliás, que concordei com as vaias. Na maioria dos casos me senti profundamente envergonhada: nenhum atleta que esteja competindo de forma limpa e digna, dando o melhor de si, merece vaia. Torcer pelos brasileiros é uma coisa, vaiar as demais equipes e demais atletas é o suprassumo da baixaria.

Não entendi os comentaristas que tentaram relativizar o péssimo comportamento das nossas arquibancadas. Não há “alegria”, “espontaneidade” ou “autenticidade” que justifique isso. ______ A medalha da crueldade vai para o cavaleiro brasileiro Stephan Barcha, desclassificado na disputa do salto por abusar das esporas e ferir seu parceiro Landpeter do Feroleto. Ele tem muito a aprender com Adelinde Cornelissen, da Holanda, que desistiu da competição para poupar o cavalo Parzival, que havia estado doente. Pode começar a aprendizagem pela leitura do post que ela escreveu no Facebook:

“Desisti, para protegê-lo... Meu camarada, meu amigo, o cavalo que sempre fez tudo por mim na sua vida não merece isso... De modo que saudei (a plateia) e me retirei da arena”.

A ferida de Landpeter foi considerada “uma fatalidade” pela equipe. Questiono esse tipo de “fatalidade” na barriga de um animal que, para começo de conversa, nunca pediu para competir. ______ As casas dos vários países foram um dos pontos altos da Olimpíada. Queria que elas ficassem aqui para sempre, com a sua música, os seus sabores, a sua troca de culturas e o seu jeitinho de Feira da Providência. ______ Levo um saldo pessoal muito positivo da Rio-2016: conheci Buzz Aldrin, o astronauta, um dos meus ídolos da vida toda, vi o primeiro jogo da nossa seleção feminina contra a Suécia (aquele, o bom!) e tive o privilégio de ver Simone Biles ganhar uma medalha de ouro.

Nunca pensei que tudo isso pudesse acontecer num espaço tão curto de tempo.

Dilma e a corrupção - CELSO MING

ESTADÃO - 18/08

O que vale a presidente dizer que a luta contra a corrupção “é um compromisso inegociável” se ela deixou as águas rolarem?



No mesmo dia em que a presidente Dilma declarou em sua Mensagem ao Senado e ao Povo Brasileiroque “é fundamental a continuidade da luta contra a corrupção”, o Supremo mandou investigá-la por tentativa de obstrução da Justiça na apuração de casos de corrupção.

O que significa esse compromisso com a luta contra a corrupção, assumido em documento solene, quando o PT, a presidente Dilma e o ex-presidente Lula atuaram de diversas formas para sabotar o trabalho da Justiça?

Não foram a presidente Dilma, Lula e os dirigentes do PT que tantas vezes acusaram a Operação Lava Jato de parcialidade e de ação seletiva, como se uma investigação dessa envergadura pudesse nascer completa e não como um fio de meada a ser puxado, o que leva tempo?



E não foi ela quem repudiou a delação premiada, um dos principais instrumentos de investigação contra a corrupção, quando declarou, em junho de 2015, “que não respeita delator” – justo quem havia sancionado a lei da delação premiada?

E não foi o ex-presidente Lula que recorreu à ONU contra o juiz Sérgio Moro, acusando-o de abuso de poder, parcialidade e violação de direitos, com o objetivo de cercear sua atuação e de bloquear a Operação Lava Jato?

Que valor tem a palavra da presidente Dilma quando diz que a luta contra a corrupção “é um compromisso inegociável” se ela, no exercício da Presidência – e mesmo antes dela – deixou as águas rolarem, nunca soube de nada e nunca viu nada a seu redor que pudesse apresentar indícios de corrupção e de desvio de recursos públicos?

Uma das contradições das esquerdas infantis brasileiras, as mesmas que exerceram e exercem forte influência no PT e nos últimos três governos de que participaram, é a opção por uma ética que rejeita compromissos com valores republicanos e que, no entanto, tem de conviver com o que chamam de “instituições e princípios burgueses”.

Para essas esquerdas, os fins justificam os meios, desde que o objetivo final, a ditadura do proletariado ou o que viesse em seu lugar, seja preservado. É o que justifica a ocupação dos organismos e das instituições públicas; a “desapropriação” de recursos do Estado; e a compra de legisladores, juízes e servidores públicos com o objetivo de garantir decisões que os favoreçam politicamente.

Sempre haverá quem pergunte: mas não são também burgueses os que corrompem e se deixam corromper? Não haverá aí uma comunhão de interesses? Infelizmente é o que há, embora por motivos diferentes. A política tradicional do Brasil também corrompe e se deixa corromper, em nome de valores patrimonialistas para os quais não há distinção entre recursos públicos e recursos pessoais. É o que está levando os políticos a boicotar as novas medidas contra a corrupção que tramitam no Congresso.

Para gente que pensa como essas esquerdas, a luta contra a corrupção e contra desvios de recursos públicos não faz sentido. Como também não fazem sentido acusações de obstrução da Justiça, que para eles não passa de instituição burguesa, como burguesas são também a imprensa e o objetivo da maioria das leis.

CONFIRA:



Este é o gráfico do IBGE que rastreia o índice de desocupação no Brasil.

Recorde
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) - Contínua prefere apresentar os números do desemprego por trimestres móveis. É um indicador mais preciso do que o mensal porque tende a relevar distorções. Por esse critério, a desocupação atingiu 11,3% da força de trabalho. É recorde e atinge a todas as grandes regiões do Brasil. O coordenador do setor, Cimar Azeredo, observa que nem a informalidade vem conseguindo absorver a população desocupada.


Acesso a plano de saúde despenca - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/08

Acesso a plano de saúde despenca; saúde pública sofre com crise e ministro sinistro


Quanto menos emprego formal, com carteira assinada, menos gente tem plano de saúde. Mais pessoas passam a recorrer à saúde pública. Óbvio.

O descalabro administrativo quase geral e a queda da receita de impostos limitam ao mínimo obrigatório, se tanto, os recursos para o SUS. O desempregoainda deve aumentar pelo menos até o fim de 2017. A aguda crise fiscal vai durar ainda uns três anos, para ser otimista.

Desde dezembro de 2014, começo da fase horrenda da recessão, o número de empregos formais no país diminuiu 2,07 milhões. O número de "beneficiários de planos privados de assistência médica" baixou 1,91 milhão.

O número de empregos formais e de segurados que têm planos de saúde por meio de empresas é muito parecido (39,2 milhões e 38,6 milhões, respectivamente). Outras tantas pessoas ficam descobertas também por não poderem pagar seus planos particulares, por desemprego ou quebra de seus pequenos negócios. Óbvio.

O prognóstico é, pois, de desgraça. Óbvio.

A fim de enfrentar essa crise angustiante, temos a liderança sinistra do ministro da Saúde, despreparado mesmo para conceder entrevistas jornalísticas elementares.

Até agora, entre tantos disparates, o ministro foi capaz apenas de propor a criação de um plano de saúde marca barbante vagabundo, um remendo de interesse apenas das empresas prestadoras de serviços de saúde. Não é novidade.

Faz década e meia, os ministros da pasta são uns tipos indizíveis, vários deles enrolados em corrupção ou ignorantes grosseiros. "Bom dia, garotada. Tudo legal? Deixa eu fazer uma pergunta: vocês acham que têm o crânio normal?", disse o último tipo que ocupou o cargo sob Dilma 2, quando fazia campanha de "esclarecimento" sobre a zika.

Faz tempo, inclusive na quase década e meia de governo "de esquerda", não há discussão nacional sobre a reorganização do SUS, desconjuntado depois de quase 30 anos de existência, intervenções pontuais de governos marqueteiros, privatizações parciais e outras mexidas que tiraram o caráter de "único" do sistema, entre outros problemas.

No entanto, o problema imediato é o dos efeitos diretos da recessão, do desemprego e do colapso financeiro e administrativo dos governos e de tantos plano de saúde.

O "modelo" está pifado. Empresas quebram. Algumas boas têm dificuldades de equilibrar as contas. As empresas, no geral, são vendedoras de seguros, não companhias dedicadas à saúde.

Especialistas da área não cansam de dizer que o sistema é ruim e custoso também porque as empresas não tratam de saúde. Isto é, de cuidados rotineiros e preventivos que evitam doenças perigosas e caras: é um problema casado de saúde e economia.

Há quem ainda aponte (economistas) a necessidade de haver algum tipo de copagamento ou franquia (como em outros seguros), a fim de limitar uso excessivo de serviços. Sim, parece feio falar do assunto, mas há desperdício e tentativas de criar incentivos a fim de evitá-los mesmo em sistemas públicos razoáveis, como o francês e o britânico.

Há discussão séria e urgente a fazer, ainda mais agora, na agonia da crise. Mas, além de besteira variada, o que o ministro da Saúde tem a dizer é propaganda de plano de saúde gambiarra.


A nova era dos juros - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 18/08

Ao aceitar uma taxa real neutra mais baixa, Fed estaria admitindo crescimento menor



Quando os principais banqueiros centrais do mundo se reunirem na próxima semana durante o prestigiado simpósio anual de Jackson Hole, no Estado americano de Wyoming, um assunto deverá dominar as discussões: as economias desenvolvidas podem estar na iminência de uma nova e longa era de taxas de juros significativamente baixas.

O debate ganhou peso nesta semana após a publicação de um artigo do presidente do Federal Reserve (Fed) de São Francisco, John Williams. Ele defende que a taxa de juros real neutra estaria próxima de zero nos Estados Unidos. Os juros reais neutros permitem que a economia cresça conforme seu potencial de expansão sem causar pressões inflacionárias. Segundo Williams, esses juros vêm caindo nos últimos anos em razão de uma série de fatores econômicos, entre eles uma mudança demográfica, um excesso de poupança global, um ritmo mais lento de crescimento da produtividade e um Produto Interno Bruto (PIB) potencial mais baixo.

Assim, ele argumenta que uma política monetária convencional – ou seja, subir ou baixar os juros básicos – tem menos espaço para estimular a economia durante futuras recessões. Seria preciso o auxílio de outros instrumentos, como os de política fiscal. Ele sugere até elevar a meta de inflação, que hoje se encontra em 2% nos EUA, ou fixar como objetivo uma taxa nominal de crescimento do PIB. Para o presidente do Fed de São Francisco, se antes da mais recente recessão o nível “normal” para os juros básicos de curto prazo estaria entre 4% e 4,5%, a queda da taxa real neutra levou o novo “normal” para os juros básicos de curto prazo para entre 3% e 3,5%, ou ainda mais baixos.

Williams não tem voto nas decisões do Fed sobre juros neste ano, mas a sua voz carrega enorme peso não somente entre outros dirigentes da instituição americana como entre autoridades dos principais bancos centrais ao redor do planeta.

A implicação do artigo de Williams é enorme para os próximos passos de política monetária do Fed. Se a taxa de juros real neutra caiu, de fato, para próximo de zero, não só o ritmo de aperto monetário pelo Fed poderá ser mais lento do que inicialmente previsto como o tamanho total de alta de juros será menor. Isso porque, ao aceitar que a taxa real neutra está mais baixa, o Fed estaria admitindo um crescimento econômico menor no futuro. Ou seja, o BC americano hesitará mais em elevar os juros básicos de curto prazo.

Juros de longo prazo. Se os outros dirigentes da instituição, em particular a sua presidente, Janet Yellen, encamparem os argumentos de Williams, os juros de longo prazo podem cair ou, no mínimo, seguir no nível atual. A taxa paga pelos títulos do Tesouro americano de 10 anos está ao redor de 1,56%, enquanto os papéis de 30 anos pagam juros de 2,27%. Se essas taxas de longo prazo caírem ou permanecerem baixas, haverá um efeito imediato sobre o valor do dólar frente às principais moedas internacionais, inclusive o real brasileiro. Isso porque uma era de juros baixos, possivelmente próximos de zero, tornaria as aplicações nos Estados Unidos menos atrativas, levando a um período prolongado de um dólar enfraquecido.

A postura recente de estímulos monetários por parte de vários bancos centrais, como os do Japão e da zona do euro, aumentou bastante a liquidez internacional, incentivando os investidores a buscar maior taxa de retorno em aplicações de países emergentes, como o Brasil.

Em razão disso, o dólar chegou a cair abaixo de R$ 3,13 neste mês. Se prevalecer a visão de John Williams de juros baixos por um período prolongado e da adoção de novas ferramentas de estímulos, não seria uma surpresa surgir pressão para o dólar cair abaixo de R$ 3,00. Com isso, as expectativas inflacionárias no Brasil poderiam ceder mais rapidamente, abrindo espaço para cortes agressivos da taxa Selic.

Corrupção no setor nuclear expõe o Brasil à comunidade internacional - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 18/08

O resto do mundo achou que o Brasil fosse construir uma bomba atômica durante quase 20 anos. Como consequência disso, o país sofreu pressão, boicote e sanção. Hoje ninguém vê aqui um risco de proliferação. O que preocupa, desta vez, é o risco de gestão opaca e fraudulenta do programa nuclear.

No início deste mês, o ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço à investigação, evasão de divisas e organização criminosa. Seu substituto não durou dez meses no cargo, afastado por permitir que diretores da empresa retirassem documentos e objetos de salas já lacradas pelas autoridades investigativas.

De fato, o Ministério Público terminou fazendo uma devassa na Eletronuclear: foram denunciados executivos que comandavam as áreas técnica, de administração e finanças, de planejamento, de gerenciamento de empreendimentos e de construção.

A velha ideia de privatizar a Eletronuclear ganhou fôlego renovado naqueles dias. Mas quem conhece o setor sentiu o mau cheiro à distância. Afinal, a principal proposta de emenda à Constituição (PEC) para privatizar a área foi apresentada em 2007 à Câmara dos Deputados por Alfredo Kaefer (PSL/PR), acusado de gestão fraudulenta, crime contra a ordem tributária, crime contra o patrimônio público e formação de quadrilha. E o presidente da entidade de classe que mais advoga pela privatização foi convocado coercitivamente a prestar depoimento à Lava Jato por suspeita de repasse de propina de empreiteiras a funcionários da Eletronuclear.

A chegada da Lava Jato ao programa nuclear brasileiro pode abrir uma nova área de fragilidade internacional para o Brasil. A corrupção no setor atômico cria medo de sabotagem ou desvio de material físsil, além de enorme risco ao meio ambiente e à saúde globais. Para reverter a situação, nada é mais urgente agora que um choque de boa governança.

Não será fácil. O Brasil é o único país cujo programa nuclear civil é controlado por uma força militar — a Marinha. O sigilo praticado serve para proteger segredos tecnológicos tanto quanto para acobertar práticas ilícitas.

Além disso, nosso caso é raro: a mesma Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que promove e fomenta a indústria é responsável por supervisioná-la e regulá-la. Trata-se de uma prática que contraria a Convenção sobre Segurança Nuclear, instrumento que o Brasil assinou há 20 anos.

A Lava Jato promete manter o tema em pauta, pois vem aí nova delação sobre os contratos do submarino nuclear, capítulo central dessa novela.

É hora de o governo agir, antes que seja tarde demais.


O público aprendeu com o impeachment? - MARCO ANTONIO ROCHA

ESTADÃO - 18/08

Se o público aprendeu e melhorou sua percepção, é algo que se pode tirar de mais positivo de tudo o que o País vem vivendo



Terá o público brasileiro, particularmente o eleitorado, absorvido alguma nova dose de ensinamentos? Terá aumentado o seu nível de consciência política, aprofundado o de informação econômica, melhorado sua atenção e interesse sobre a questão básica para o País que é a das finanças públicas? Ou não terá acontecido nada disso durante este descabelado, longo e tumultuado processo de impeachment, que dentro de poucos dias poderá, ou deverá, acabar de vez com a descabelada presença da infeliz Dilma Rousseff na política brasileira e com a lembrança da sua errática e mal inspirada governança?

Pergunto porque, se isso de fato aconteceu, se o público aprendeu e melhorou sua percepção, é algo que se pode tirar de mais positivo de tudo o que o País vem vivendo com muita tensão e pouca esperança.

Tenho abordado amigos economistas, políticos e colegas jornalistas com essa indagação que, parece-me, tem escapado em geral das muitas tentativas de análises, sociológicas inclusive, que buscam apurar as possíveis contribuições – digamos – positivas ou negativas que o traumático período nos oferece e que ainda pode deixar para a Nação. Lembremos que o impeachment do presidente Fernando Collor, há apenas 24 anos, foi também por crime de responsabilidade fiscal, e não por corrupção. Na verdade, nunca ficou provado, na Justiça, que Collor tenha abocanhado parte ou o todo do que seu tesoureiro, PC Farias, amealhou na campanha eleitoral, achacando empresas e empresários sob a lenda de que era preciso evitar o mal maior, isto é, o imprevisível Lula da Silva. Ninguém diz, também, nem se provou, que Dilma Rousseff tenha se beneficiado de qualquer parcela do dinheiro que seu tesoureiro, Edinho Silva, amealhou na campanha. O crime dela é de responsabilidade fiscal – como o de Collor –, e não de corrupção. E o repúdio a ela é por mau governo, que ela diz ser injustiça.

Mas, deixando de lado os paralelos, o que de fato o público brasileiro pode ter aprendido durante o impeachment de Dilma? O que não significa que tenha amadurecido.

Uma das coisas importantes, a meu ver, é sobre as astronômicas quantidades de dinheiro que partidos e candidatos requerem para se eleger. E o corolário desse ensinamento é que não dá para acreditar que um candidato cujo nome nunca apareceu em campanha nenhuma despeje fantásticas somas em busca de votos, ou se endivide para isso, para depois não tentar recuperar os gastos ou tentar pagar a dívida apenas com seus rendimentos pessoais de antes da campanha, sejam quais forem. Ou o sujeito é um bilionário do nível de Donald Trump, ou um estelionatário do mesmo nível, ou terá de abraçar a rendosa carreira de corrupto.

Outra é que a demagogia com dinheiro público tem duas etapas: a da bonança aparente, que alegra o público, seguida de inflação, recessão e desemprego, que afetam mais os mais pobres. É a grande lição do período Lula/Dilma, quando a bonança financiada irresponsavelmente do primeiro período deu lugar às agruras que indústria, comércio e trabalhadores em geral vivem hoje. A bonança socialmente distribuída resulta em agruras individualmente colhidas. Disso deveria decorrer a segunda lição: a gestão austera das contas públicas e o uso responsável dos recursos são fundamentais para o progresso continuado da economia, enquanto saltos para cima seguidos de mergulhos no fosso nada asseguram para o País e para as famílias.

Na pequena enquete pessoal que fui fazendo, decepcionou-me o fato de que na maioria das vezes – maioria significativa – a resposta era que o público não aprendeu nem aprende nada e não amadurece coisa nenhuma, apesar dos muitos debates, explicações, estudos e pronunciamentos feitos durante o impeachment. Não aceitei essa opinião da maioria. Preferi ficar com a opinião otimista da minoria de que o público é muito mais capaz de aprendizado do que se imagina. E que as lições principais ministradas por este processo de impeachment, mais do que o de Collor, já começarão a ter efeitos positivos nas eleições municipais. Veremos.

*É jornalista.

Militares olímpicos - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 18/08

Diferencial das Forças Armadas é apoiar os atletas por vários anos. Os brasileiros já estão se acostumando a que o atleta no pódio, ao ver subir a bandeira, bata continência. “É natural que o militar ao ver o pavilhão nacional faça continência, não é obrigatório, claro, mas ele foi treinado assim”, diz o ministro Raul Jungmann. O gesto chamou a atenção para a presença das Forças Armadas na Olimpíada. Os militares são 33% dos atletas e 81% das medalhas.

Um dos segredos do sucesso do programa militar é que os atletas passam a ter um patrocínio por oito anos, diz o ministro da Defesa. — Alguns dos nossos atletas não teriam como se dedicar ao esporte se não fosse o apoio das Forças Armadas porque aqui eles têm estabilidade e segurança. Daí deriva o sucesso. O patrocínio privado normalmente é do tipo “stop and go”.

Eles são convocados através de edital público, e escolhidos após análise do currículo. Se forem selecionados, fazem um curso compacto de entrada nas Forças Armadas e passam a ser terceiro-sargento com um salário de R$ 3.200 e apoio de treinador, psicólogo, serviço médico, odontológico e acompanhamento do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Fisiologia Desportiva. São reavaliados anualmente. Podem ficar oito anos, ou sair no momento que queiram. Se decidirem permanecer, fazem um concurso.

— Mas existe também um programa chamado Força no Esporte que atende a 21 mil crianças, que passam a ter acesso às unidades militares, alimentação, ensino de esportes. E agora estamos começando um projeto, que ainda está na fase piloto, de apoio ao esporte paralímpico.

O custo do programa de atletas de alto rendimento e mais o de apoio às crianças no esporte é de R$ 48 milhões por ano; baixo se for levado em conta o benefício.

Há lições a se tirar disso. Primeiro que o apoio ao esporte deve ter essa constância, dar ao atleta uma renda estável para que ele possa se dedicar aos treinamentos, segundo, que a vantagem de apoiar o esporte é muito maior do que o que é possível mensurar. É intangível o retorno para a imagem das Forças Armadas ter uma medalhista de ouro no judô que enfrentou todo o tipo de preconceito, como a sargento da Marinha Rafaela Silva. Ou ter o sargento da Aeronáutica Thiago Braz com a coragem de por o sarrafo a uma altura que nunca havia atingido antes e assim alcançar o ouro no salto com vara. Ou ter o sargento da Marinha, Robson Conceição, que ao ganhar o ouro diz que se não fosse o boxe ele poderia não estar vivo. E ainda a exposição favorável na mídia da nossa primeira medalha, que foi conquistada pelo sargento do Exército Felipe Wu, prata no tiro.

Para além da rentabilidade financeira ou de marketing, o que fica claro num evento como a Olimpíada é que o apoio do país ao esporte é pequeno demais para a dimensão do ganho que se pode ter com isso. Nosso desempenho depende várias vezes de histórias dramáticas de superação, luta e esperança dos atletas. Alguns poucos se destacam, mas há milhares de histórias de dedicação sendo vividas. Só nas Forças Armadas são 670 atletas treinando.

O Programa de Atletas de Alto Rendimento começou em 2008 com a meta de obter medalhas nas Olimpíadas Militares, que seriam realizadas no Brasil em 2011. O Brasil ficou em primeiro lugar em medalhas, e quatro anos depois ficou em segundo, perdendo apenas para a Rússia. Para a Olimpíada de Londres foram 51 atletas militares. Na do Rio, há quase três vezes mais competidores.

O Ministério da Defesa já tem programação para os Jogos Mundiais Militares de 2019 e para a Olimpíada de 2020, com o objetivo de apoiar mais atletas e trazer mais medalhas. O que outras instituições e empresas do país devem fazer é ter programas assim de longo prazo, com metas e a mesma constância no apoio aos atletas e às diversas modalidades de esporte.

Pode-se tentar calcular a vantagem do marketing esportivo, mas os ganhos do investimento em esporte são tão grandes que é fácil entender as Forças Armadas, difícil é entender como não existem outros programas como esses, inclusive financiados pelas empresas privadas. A inconstância do patrocínio, tanto no esporte quanto na cultura, faz com que bons programas sejam abandonados ou tenham que cumprir um calvário para obter anualmente a renovação do apoio.

Quem vai querer? - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 18/08

Estreia do governo Temer nas privatizações deve ter frustrado expectativas



Quem se debruçou sobre o estudo a respeito da multiplicação de estatais nos governos do PT, e não é do ramo, certamente tomou um susto. Só para começar a conversa, entre 2003 e 2015 foram criadas 41 empresas, que produziram um prejuízo acumulado de R$ 8 bilhões, algumas claramente dispensáveis, como é o caso da Empresa de Planejamento e Logística, que nasceu para cuidar do trem-bala. Mas, visto por outro ângulo, esse levantamento pode até ter inspirado algum ânimo. Afinal de contas, está aí nesse acervo de empresas uma fonte de economia de dinheiro público, providencial nesses tempos de “tudo pelo ajuste fiscal”. Vender o que tem comprador e não é estratégico e acabar com o que é desnecessário ajudam – e como – a acertar as contas.

Por isso mesmo, a estreia do governo Temer nas privatizações deve ter frustrado algumas expectativas. O leilão da distribuidora de energia Celg, de Goiás, marcado para esta sexta-feira, foi cancelado, por absoluta falta de candidatos. O argumento do mercado é que o preço mínimo estabelecido para a venda da empresa, de R$ 2,8 bilhões, está muito elevado.

Claro que esse descompasso tem uma série de justificativas. A principal delas é que o preço e o modelo de venda da empresa foram definidos pela equipe de Dilma Rousseff. E, no programa de concessões de Dilma, dizem seus críticos, as condições fixadas nos editais muitas vezes mais atrapalhavam do que regulavam a matéria. Mais ou menos como aquele proprietário que põe sua casa na imobiliária para vender, mas faz tantas exigências, que não aparece nenhum comprador.

O governo Temer, porém, foi que definiu a data do leilão da Celg, provavelmente confiando que a simples troca de comando no Planalto seria suficiente para trazer os investidores de volta. Na hipótese mais otimista, errou o timing. Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e homem forte da gestão Temer, tratou de minimizar o fracasso do leilão da Celg qualificando-o como “resto do governo anterior” e, mais ainda, apresentando-o como prova da necessidade de mudanças na política de concessões.

Nesse sentido, o que interessa mesmo é fechar o ciclo das concessões “a la Dilma” e partir para um programa de desestatização com a cara de Temer. Com lançamento inicialmente programado para o dia 25 deste mês, tudo indica que será adiado para não coincidir com os capítulos finais da novela do impeachment.

De todo modo, já são conhecidas as linhas-mestras do programa: deixar a chamada taxa de retorno mais a cargo do mercado, reduzir o papel do BNDES tanto no financiamento como na indução da escolha do vencedor e aumentar o prazo para os leilões. Tudo em nome de garantir a atratividade dos investimentos, a competitividade entre os candidatos e a maior transparência do processo.

Ainda que o fracasso do leilão da Celg não possa ser tomado como um termômetro das privatizações – e possa até ter servido aos propósitos do governo na edição de novas regras --, ele indica pelo menos um ponto de atenção. Talvez ainda seja cedo para contar com a volta do apetite dos investidores. O problema é que o governo precisa de um volume farto de recursos com origem nas concessões/privatizações para “mostrar serviço” no ajuste fiscal e os interessados talvez estejam esperando que o governo “mostre serviço” antes de voltarem às compras. Além disso, não se pode esquecer que há investidores e investidores. Por enquanto, o cenário parece mais favorável para os investidores no mercado financeiro do que para investidores na economia real. E embora não se possa descartar uma contribuição do quadro político no Brasil, o que tem determinado mesmo essa melhora no humor dos mercados são fatores externos, que vêm beneficiando o conjunto dos países emergentes.

Como retomar o crescimento? - LAURA PITTA E LOURENÇO PAIVA

O Globo - 18/08

Se as medidas que buscam o reequilíbrio da economia brasileira persistirem, o país pode experimentar uma retomada surpreendente à frente


OBrasil enfrenta atualmente uma recessão profunda. Em 2015, o PIB contraiu 3,8% e uma queda semelhante é esperada para este ano. À medida que aparecem alguns sinais de estabilização da atividade econômica, a pergunta que surge é como pode ser a recuperação da economia brasileira.

Uma maneira de responder a pergunta é olhar para experiências anteriores do Brasil e de outros países, em momentos em que a economia apresentou uma queda semelhante àquela que estamos vivendo hoje. Ou seja, verificar na história econômica como ocorreu a recuperação em países que tiveram, como o Brasil, uma queda acumulada do PIB de no mínimo 5%.

Olhando para uma amostra composta por 26 países e 34 eventos de recessão, é comum encontrarmos episódios de recuperação intensa. Em média, a taxa de crescimento do PIB nos três anos após a recessão é de 4,7%. Se considerarmos apenas os países emergentes e da América Latina, o ritmo de crescimento após uma recessão é ainda maior, entre 5% e6%.

Outro ponto importante para o ritmo da recuperação é considerar o tamanho da queda anterior. Considere, por exemplo, uma economia que produzia cem carros. Após dois anos de recessão, que levou a uma queda de 10% da produção, a economia passa a produzir 90 carros e precisa crescer aproximadamente 11% para recuperar o patamar pré-recessão. Ou seja, produzindo os mesmos dez carros perdidos na recessão, teríamos um ritmo de crescimento durante a recuperação mais forte do que a queda do produto. Desta forma, além da taxa de crescimento do PIB, é importante analisar quanto tempo as economias demoram para recuperar o nível do PIB antes da recessão. Encontramos que, em média, o período de contração da economia dura 3,6 anos, e a retomada ao nível de produto pré-recessão atinge 4,6 anos. Desta forma, o ciclo total do início da queda até a recuperação completa leva, em média, oito anos.

A forma como algumas variáveis oscilam durante o ciclo tem uma influência importante no processo. Os nossos resultados mostram que países cujo juro real da economia cai em relação ao período pré-recessão apresentam um crescimento pós-recessão mais forte, e o mesmo vale para os países que tiveram uma depreciação em termos reais da taxa de câmbio.

Na recessão atual, o Brasil possui alguns elementos semelhantes aos países que tiveram uma retomada mais acelerada, como a depreciação cambial. Além disso, alguns dos desequilíbrios do período de boom de crescimento foram endereçados e a economia parece estar mais ajustada, notadamente no que se refere aos preços relativos. No entanto, é preciso que o processo de ajustes econômicos — principalmente no âmbito fiscal — continue ganhando forma, para que o país possa voltar a ter taxas de crescimento mais fortes.

O desempenho passado não é garantia do que acontecerá no futuro. Mas, em economia, olhar para experiências anteriores costuma ser um guia valioso. Se as medidas que buscam o reequilíbrio da economia brasileira persistirem, o país pode experimentar uma retomada surpreendente à frente.

Discutindo a relação - MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/08

Ontem à noite, mais uma vez, a cúpula do PSDB reuniu-se com Temer para uma DR (discutir a relação). A relação PMDB-PSDB, o maior aliado de Temer no Congresso, passa sempre por altos e baixos; agora mais notadamente, pois o governo de transição deságua necessariamente no pleito de 2018 em que as 2 siglas devem ter candidato próprio.

Os tucanos têm três candidatos potenciais em disputa interna, o senador Aécio Neves, José Serra, ministro das Relações Exteriores, e o governador Geraldo Alckmin (SP). O projeto de cada um depende do fracasso do outro, numa equação difícil de fechar.

Além disso, se o governo Temer der minimamente certo, haverá pressão no PMDB para que ele tente a reeleição, embora o compromisso de não concorrer seja repetido a cada momento em que a hipótese é levantada.

O lance mais recente foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que lançou a ideia de candidatura de Temer, sugerindo que, nesse caso o DEM, tradicional aliado dos tucanos, também o apoiaria.

Mas há outro candidato potencial no governo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aliás oriundo do PSDB. Tucanos já veem nas concessões que faz no Congresso para aprovar a lei de limite de gastos sinais de que ele estaria mordido pela mosca azul e, por isso, não teria a disposição devida para realizar reformas estruturais de que o país precisa, muitas delas impopulares.

Aos boatos que dão conta de que os tucanos pediriam uma declaração formal de Meirelles e Temer de que não serão candidatos a presidente, Aécio Neves, presidente do PSDB, responde que a questão central não é essa, mas a disposição de fazer as reformas, que não podem estar subordinadas aos projetos políticos pessoais. Um dos assessores mais influentes do governo, o secretário das privatizações, Moreira Franco, por sinal sogro por afinidade de Rodrigo Maia (sua enteada é casada com o presidente da Câmara), havia saído na semana passada em defesa de Meirelles, dizendo que ele estava sendo vítima de uma manipulação política dos tucanos.

Todo esse desentendimento pontual não impede que a aliança se mantenha, mas demonstra as dificuldades que temos com governo de coalizão, mesmo esse, baseado em projetos políticos similares. Governos de coalizão equivocados como os de Dilma, por exemplo, geram relacionamentos políticos frágeis, pois, como já escrevi anteriormente sobre governos petistas, os ministérios eram transferidos a grupos “de porteira fechada”, e, especialmente Dilma, deixava os ministros em paz para usar politicamente seu feudo desde que a deixassem em paz. Esse comportamento arredio às negociações políticas, por fastio, e não por honradez, como costuma insinuar, vai criar constrangimentos na reunião do Senado que julgará o impeachment, já que vários ex-ministros estão hoje do outro lado.

O cientista político Carlos Pereira (FGV Rio), estudioso dos governos de coalizão, analisa aspectos do que chama de “gerência de coalizão” de governos recentes, em estudo com Samuel Pessoa e Fred Bertholini, que distanciam de modo claro o “petismo” do que considera o “normal” no presidencialismo multipartidário de coalizão brasileiro. Ao compararem aspectos relativos a tamanho, heterogeneidade ideológica, fragmentação partidária, compartilhamento de poder e recursos com parceiros da coalizão, e distância de preferências entre a mediana da coalizão e a mediana do Congresso, “fica claro que as coalizões do PT (não apenas do governo Dilma) se distanciaram marcadamente do que chamamos de ‘normal’ em governos de coalizão, gerando toda a sorte de animosidades e problemas com os parceiros, acarretando alto custo de governabilidade e necessidade crescente de recursos ilegais de recompensa”.

Por outro lado, ele considera que o governo Temer retoma o padrão de normalidade (muito claro nos governos FH), ao montar “a coalizão mais homogênea e mais proporcional desde a transição para a democracia brasileira”. Pereira registra que, “além do mais, a preferência mediana de sua coalizão se aproxima da preferência mediana do Congresso”, o que apontaria maior probabilidade de aprovação de reformas complexas e impopulares. Mas Pereira adverte: “Ainda é muito cedo para previsões definitivas ou mesmo se as escolhas de gerência de Temer serão consistentes ao longo do tempo. Mas é provável se esperar mais sucesso legislativo e menores custos de gerência do novo governo com seus parceiros, a despeito de maior fragmentação partidária”.

Mercosul, a hora do divórcio - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 18/08

O Mercosul, como se sabe, está acéfalo desde o dia 1º. A acefalia, conforme compara um competente embaixador, equivale a uma greve geral do funcionalismo público, inclusive dos mais altos escalões. Ou seja, nenhuma decisão pode ser tomada, desde as triviais (convocar uma reunião, por exemplo) até as mais complexas (negociar acordos comerciais).

É, pois, um problema sério, mas não é o mais grave na crise que levou o bloco ao pântano.

Antes de passar ao mais grave, examinemos a quadratura do círculo que o Mercosul está tentando.

Argentina, Brasil e Paraguai opõem-se à transferência da presidência de turno para a Venezuela, que, pela ordem alfabética, deveria assumi-la no segundo semestre.

O pretexto utilizado para o veto é o de que a Venezuela não adotou internamente, no prazo a que se comprometeu, o compêndio de regras do bloco.

De fato, não cumpriu, o que todos reconhecem, inclusive a própria Venezuela, que, no entanto, alega ter adotado mais regras até do que países fundadores do bloco, sem especificar qual ou quais.

Se não cumpriu, Argentina, Brasil e Paraguai querem que a Venezuela seja rebaixada para uma espécie de segunda divisão, o que lhe tiraria o direito de presidir o bloco.

Está até marcada para dia 23 uma reunião em que será debatido o rebaixamento e como ficaria a presidência. A proposta da Argentina, encampada pelo Brasil, é de uma presidência colegiada até o fim do ano (em 2017, a Argentina assumiria, retomando a ordem alfabética).

Dois problemas surgem: primeiro, a obrigatoriedade de adotar decisões por consenso.

O Uruguai já anunciou que não aceita a presidência colegiada e avisa que não existe, nas regras do conglomerado, a punição por não cumprimento de normas.

Ou, posto de outra forma: a Venezuela não pode ser rebaixada a menos que se adote uma gambiarra jurídica a que o Uruguai se opõe.

A quadratura do círculo não está, pois, à vista, o que tende a prolongar a paralisia do Mercosul.

Passemos agora ao verdadeiro problema, que é a incompatibilidade ideológica entre a Venezuela e seus pares, explicitada, de resto, em comunicado oficial da própria chancelaria venezuelana.

Diz a nota, emitida na terça-feira (16): "A República Bolivariana da Venezuela denuncia à comunidade internacional a persistência destes governos [Argentina, Brasil e Paraguai] em vulnerar os tratados constitutivos do Mercosul, fazendo prevalecer suas preferências políticas e ideológicas neoliberais sobre os genuínos interesses dos povos e seus processos de integração".

Traduzindo: para a Venezuela, o neoliberalismo, suposto ou real, de seus parceiros é incompatível com a integração regional. Supõe-se, por extensão, que a integração tem que ser feita sob a égide do socialismo do século 21, adotado pela Venezuela e que é um dos mais redondos fracassos do século.

Não basta, pois, discutir a relação (ou a presidência, no caso) no dia 23, se o problema é claramente de divórcio. A ver quem será o primeiro a reconhecer a realidade.


Dilma e sua demissão por justas causas - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 18/08

Golpes mesmo vieram da presidente agora afastada, jogando o País nas cordas da crise



Tudo indica estar bem próxima a demissão de Dilma Rousseff como presidente da República. Impeachment é um anglicismo desnecessário e mesmo traduzido não é de entendimento geral. Demissão todo mundo sabe o que é.

Dilma fez por merecê-la pelos crimes de (ir)responsabilidade cometidos na sua calamitosa gestão das finanças públicas federais. Eles estão no cerne da imensa crise econômica e social que o País sofre. Quem a vê como inocente, ou se confunde quanto a esta questão, ou é porque não se ateve aos crimes de que é culpada, citados mais à frente. Há também a minoria que a inocenta por convicções ideológicas que obscurecem a visão do que se passou.

Também é fundamental entender o processo de demissão. É essencialmente político e seus juízes são os deputados federais, numa primeira instância, e os senadores, na etapa final, que se aproxima. A presença do presidente do STF no julgamento pelo Senado tem por objetivo apenas presidir às reuniões e garantir que sigam os trâmites legais. Mas não vota, e assim os juízes são políticos por natureza.

São 513 deputados federais e 81 senadores. Primeiro na Câmara e depois no Senado, para aprovar uma demissão presidencial é preciso arregimentar dois terços dos membros, 342 deputados e 54 senadores. Assim, a demissão não teria passado na Câmara se 172 deputados federais houvessem votado contra, não comparecessem à votação ou se abstivessem de votar. Mas só 146 deputados assim se comportaram. No Senado, na última votação sobre o assunto, só houve 21 votos favoráveis a Dilma, sem ausências nem abstenções, exceto a do presidente da Casa. E seriam necessários 28. Ou seja, Dilma não tem apoio político para se sustentar no cargo.

E mais: seus defensores alegam que o processo só começou na Câmara porque seu desafeto, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, forçou esse caminho. Mas tal iniciativa não teria prosperado se Dilma tivesse apoio político para interrompê-la. Cunha nunca teve força para arregimentar dois terços dos deputados só por sua vontade. No Senado, Renan Calheiros sempre se aliou a Dilma, mas abandonou-a quando viu que o quórum para a demissão estava assegurado.

Passando às razões, predominantes na avaliação do Congresso, elas são fortíssimas e a defesa de Dilma não conseguiu desmontá-las. São dois crimes. Seu governo tomou empréstimos de bancos estatais, como BB, Caixa e BNDES. Tais operações de crédito, financeiramente incestuosas, pois que realizadas numa mesma família institucional, são conhecidas como pedaladas. Outro crime foi abrir créditos orçamentários suplementares, ou autorizações de mais gastos, sem aprovação do Poder Legislativo, o que chamo de aceleradas fiscais.

Do lado dilmista, argumenta-se que tais ações foram meros atos administrativos. Mas a Lei Complementar 101, de Responsabilidade Fiscal, proíbe pedaladas (artigo 36) e a Constituição federal (artigo 167, V) veda explicitamente as aceleradas. A Constituição também diz (artigo 85, VI) que são crimes de responsabilidade os atos presidenciais atentatórios ao seu texto e, especialmente, contra a lei orçamentária, impactada pelas pedaladas e aceleradas. E mais: a Lei 1.079, que trata da demissão (artigo 10, 4), repete esse dispositivo de proteção à lei orçamentária. E também diz (artigo 11, 2) que as aceleradas fiscais são crimes “contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”.

Tais ações tiveram origem no propósito dilmista de a qualquer custo se reeleger em 2014 e desembocaram na crise que dura até hoje, a qual também influenciou a posição do Congresso. Quem o assessora nas contas públicas é o Tribunal de Contas da União. E seus juízes, por unanimidade, condenaram as contas da presidente em 2014, pelas razões citadas, e ela continuou pedalando no seu mandato seguinte, em 2015.

Outro argumento contra Dilma não vi usado no debate. Em dezembro de 2015 a União pagou R$ 72,4 bilhões de suas pedaladas no BB, BNDES, Caixa e FGTS. Se não via nada de errado nesses débitos, por que pagá-los? Além disso, o debate sobre o assunto teria sido ainda mais esclarecedor se chamada como testemunha a repórter Leandra Peres, do jornal Valor Econômico. Ela ganhou recentemente um prêmio de jornalismo pela extensa matéria que publicou em 11/12/2015, intitulada O aviso foi dado: pedalar faz mal. Mostrou que desde meados de 2013 técnicos do Tesouro Nacional advertiam seus superiores sobre irregularidades fiscais que Dilma perpetrava (www.valor.com.br/pedaladas).

Mais recentemente, Dilma mostrou falta de sintonia com sua defesa, ao dizer que o PT precisa reconhecer todos os erros que cometeu em suas práticas de “... condução de todos os processos de uso de verbas públicas”.

Em síntese, ela se revelou uma estranha no ninho dos políticos e se mostrou irresponsável ao conduzir o governo e suas contas, no que infringiu as leis do País e lhe causou imensos danos. A propósito, no prefácio que escreveu em livro recente, o economista Edmar Bacha lembrou frase atribuída ao então governador paulista Orestes Quércia: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”. Bacha sugere que Dilma parafraseasse Quércia afirmando: “Quebrei o País, mas me reelegi presidente”. Caberia acrescentar: “E depois fui demitida”.

“Inequívoco golpe” contra si, conforme a carta que divulgou anteontem? Ora, não houve ruptura institucional que caracterizasse golpe. Tudo vem transcorrendo em respeito às leis brasileiras. Golpes mesmo vieram de Dilma, pois socou o País até jogá-lo nas cordas da crise. Lamentos quanto à demissão até cabem, mas porque ela veio atrasada, estendendo a agonia em que o Brasil se encontra, e sem uma punição mais dura.

Na mesma carta, de novo ela se diz inocente. Ficaria menos mal na História se anunciasse sua renúncia.

*Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

Debates desfalcados - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 18/08

As campanhas municipais mal começaram e já vivem a primeira polêmica. Em São Paulo e no Rio, candidatos bem colocados nas pesquisasprotestaram nesta quarta (17) porque serão barrados nos debates de TV. O veto atingirá Luiza Erundina e Marcelo Freixo, ambos do PSOL. Na capital paulista, também prejudicará Ricardo Young, da Rede.

A proibição é fruto da minirreforma eleitoral aprovada no ano passado, sob a regência do deputado Eduardo Cunha. Pela nova lei, as emissoras só devem convidar candidatos de partidos com mais de nove deputados federais. Isso exclui PV, PSOL e Rede, que nada têm a ver com as chamadas legendas de aluguel.

A regra produzirá uma distorção evidente nos debates. Em São Paulo, Erundina está em terceiro lugar no Datafolha, com 10% das intenções de voto, e não poderá participar. O deputado Major Olímpio tem apenas 2%, mas seu lugar está assegurado, como já observou meu colega Hélio Schwartsman. O major pertence ao Solidariedade, sigla do notório Paulinho da Força.

No Rio, onde Datafolha e Ibope ainda não divulgaram pesquisas, Freixo é tido como um dos candidatos mais competitivos à prefeitura. Em 2012, ele terminou a disputa em segundo lugar, com 28% dos votos.

Defensores da nova lei sustentam que ela permite a participação de candidatos de siglas menores quando houver aval de dois terços dos demais concorrentes. No primeiro teste, essa janela se mostrou inócua. Em São Paulo, Marta Suplicy (PMDB), João Doria (PSDB) e Major Olímpio vetaram Erundina. No Rio, Pedro Paulo (PMDB), Indio da Costa (PSD) e Flávio Bolsonaro (PSC) impediram o convite a Freixo.

Se não for derrubada pelo Supremo, a regra resultará em disputas ainda mais desiguais. O eleitor também sairá perdendo. É nos debates, e não na propaganda obrigatória, que podemos ver como os políticos reagem quando são confrontados e sofrem o mínimo de pressão.

A simbologia de dois presidentes investigados - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 18/08

Dilma e Lula passam a ser suspeitos de tramoias contra a Justiça, em inquérito no STF, e patrocinam algo de que não se tem notícia na República


A força-tarefa criada para investigar o petrolão e desdobramentos, a LavaJato, enumera suas ações em etapas. Também se pode decompor esta enorme operação do MP e da Polícia Federal, em conexão com a Justiça paranaense, em uma infinidade de enredos, com diversos personagens da política, do sindicalismo, do universo de estatais, do mundo dos negócios.

Um desses enredos mais sugestivos ganhou na terça-feira um complemento relevante, com o anúncio do ministro do Supremo Teori Zavascki, responsável na Corte por processos de acusados pela Lava-Jato com direito a foro privilegiado, de que aceitara o pedido de abertura de inquérito para investigar, entre outros, a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o expresidente Lula, acusados de tentar obstruir a Justiça em investigações coordenadas de Curitiba. Há mais ilustres arrolados no processo: o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Falcão; o ministro da Corte Marcelo Navarro; o ex-senador Delcídio Amaral, os ex-ministros José Eduardo Cardozo, defensor de Dilma no impeachment; e Aloizio Mercadante. Por envolver dois presidentes, já não seria mesmo um inquérito qualquer.

Na sua ponta inicial, está Delcídio, cuja colaboração premiada feita à Lava-Jato mancha a imagem de Dilma — tão protegida por ela —, ao citá-la nas engrenagens que se moveram em Brasília para prejudicar a Lava-Jato e livrar empreiteiros companheiros no STJ.

Daí a inclusão no processo de ministros da Corte, um deles, Marcelo Navarro, acusado pelo então senador de aceitar proposta de Dilma de trocar a indicação ao STJ por voto favorável a pedidos de habeas corpus de empreiteiros encarcerados.

O ex-senador é, ainda, protagonista de manobras com a participação de Lula para a compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, maneira de também prejudicar o trabalho da Lava-Jato.

Mesmo que o ministro Teori tenha desqualificado como prova o grampo em que Dilma e Lula conversam sobre a nomeação do ex-presidente na Casa Civil, o MP considera que outros elementos nessa história permitem que haja investigações acerca da manobra para blindar Lula contra o risco de prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro, colocando-o num cargo sob a proteção do foro especial.

Entre as incontáveis histórias desabonadoras, de que fazem parte autoridades sem pudor, levantadas pela Lava-Jato, estas são emblemáticas, porque envolvem dois presidentes, um senador, um candidato a ser nomeado ministro do STJ a qualquer custo e o presidente da própria Corte.

Uma trama de alto escalão que perpassa os três poderes. Exemplo bem lapidado de como, nestes últimos anos, além de se assaltar empresas públicas como a Petrobras, manobrava-se sem limites para intervir no Judiciário, a fim de soltar empreiteiros companheiros detidos em Curitiba.

Este inquérito, dentro do conjunto da obra da Lava-Jato, tem a especial característica de desvendar tramoias articuladas, sem o mínimo respeito à independência constitucional da Justiça e do Legislativo.

Algo nunca visto relatado com tantos detalhes. Sabia-se que existia, mas não se imaginava que uma conspiração como esta chegaria a constar de um inquérito.


Porta aberta para a impunidade - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 18/08

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá em breve uma boa oportunidade para voltar atrás e desfazer o equívoco que cometeu no dia 10 passado, quando decidiu que a competência para julgar as contas dos prefeitos é exclusiva das Câmaras Municipais

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá em breve uma boa oportunidade para voltar atrás e desfazer o equívoco que cometeu no dia 10 passado, quando decidiu que a competência para julgar as contas dos prefeitos é exclusiva das Câmaras Municipais. Espera-se que, quando vier a apreciar o embargo de declaração a ser impetrado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral para contestar essa decisão, o STF aproveite a chance e reconheça que não deveria ter comprometido dessa maneira os efeitos da Lei da Ficha Limpa, dando a gestores comprovadamente irresponsáveis o aval legal para que disputem eleições.

Por 6 votos a 5, o Supremo, ao julgar dois recursos extraordinários, entendeu que os Tribunais de Contas devem desempenhar a função de meros auxiliares do Poder Legislativo, fornecendo-lhe pareceres opinativos sobre as contas dos prefeitos. Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, entendeu que somente os vereadores têm a prerrogativa de julgar o administrador municipal, pois detêm mandato obtido nas urnas.

Já o ministro Luiz Roberto Barroso, relator de um dos recursos, considerou que o julgamento do prefeito depende do tipo de conta que está sendo julgado. Se as contas forem de gestão – isto é, relativas aos ordenadores de despesas, portanto eminentemente administrativas –, devem ser julgadas pelo Tribunal de Contas. No caso de contas de governo – aquelas concernentes ao resultado anual da atuação governamental no trato das finanças, especialmente o cumprimento do disposto no Orçamento –, o julgamento é do Legislativo, amparado por pareceres de Tribunais de Contas.

A maioria dos ministros entendeu que, caso a Câmara Municipal decida não julgar o prefeito que cometeu irregularidades em sua administração, essa omissão anula os efeitos do dispositivo da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis aqueles que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”.

Está claro que tal decisão rasga a Lei da Ficha Limpa, pois permite que as Câmaras Municipais concedam a administradores desonestos – justamente aqueles que deveriam ser alijados da política, conforme estabelece o espírito da Lei da Ficha Limpa – aval para disputar eleições e manter intacto o sistema que lhes dá poder e dinheiro em detrimento do interesse público.

Decerto não era essa a intenção do Supremo, mas tal é o resultado de sua sentença. Quando o ministro Gilmar Mendes, relator de um dos recursos, argumenta que o “controle externo” das contas do prefeito deve ser exercido pela Câmara Municipal, por sua legitimidade como representante do povo, ele não leva em consideração que não se trata de um julgamento político, mas técnico, que deve ser exercido justamente por instituição que, ao menos em tese, não está à mercê do usual toma lá dá cá da política fisiológica.

Gilmar Mendes acrescentou que não se pode dar tanto poder aos Tribunais de Contas, porque estes “podem rejeitar as contas de maneira banal para causar a inelegibilidade de um prefeito”. De fato, esse é um risco que se corre, especialmente devido à qualidade duvidosa de diversos Tribunais de Contas País afora. No entanto, é preferível esse risco à anulação de um dos pilares da Lei da Ficha Limpa.

Se o problema é a eventual má-fé dos Tribunais de Contas, que se providenciem mudanças capazes de mitigar essa possibilidade. O que não se pode é deixar que a tal sentença produza um efeito indesejado. Pois, ao reduzir drasticamente o alcance das decisões dos Tribunais de Contas, para evitar eventuais injustiças e supostamente privilegiar os representantes do povo no julgamento das contas de prefeitos, o Supremo deu carta branca para que centenas de administradores comprovadamente irresponsáveis ou corruptos possam disputar eleições como se nada de ilegal tivessem feito.

O fracasso da defesa de Dilma - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 18/08

Ao sugerir que o julgamento seja feito pela população, em um plebiscito, a presidente ataca o STF e o Congresso, que não seriam dignos, a seu ver, para conduzir seu impeachment



Em sua carta ao Senado, a presidente afastada Dilma Rousseff não desistiu de tentar impor ao país a tese fracassada de que está sendo vítima de um golpe. Reconhecendo sua incapacidade de reverter o processo de impeachment que lhe tomará o mandato, Dilma usou a última carta que tinha à mão: a proposta de se fazer um plebiscito. Uma ideia desesperada que, no fundo, desmascara seu desrespeito pelas instituições brasileiras.

O processo de impeachment foi conduzido dentro das regras constitucionais, com acompanhamento do Supremo Tribunal Federal e com todos os prazos e votações respeitados pelo Congresso. Cabe aos senadores julgar a presidente, contra quem há provas indiscutíveis de crime de responsabilidade. Foi ela quem em última instância autorizou a adoção de vários expedientes para maquiar as contas públicas, entre eles o uso das chamadas “pedaladas fiscais”. O descumprimento da lei está provado e não houve por enquanto qualquer evidência na defesa de Dilma que a isentasse de culpa.

Ao sugerir que o julgamento seja feito pela população, em um plebiscito, Dilma ataca o STF e o Congresso, que não seriam dignos, a seu ver, para conduzir seu impeachment. Ela reforça essa visão ao argumentar que sua inocência é conhecida por todos e ao dizer que seu governo foi alvo de um movimento obsessivo de desgaste. Em vez de se defender, a presidente afastada preferiu apontar os culpados pelo fracasso de seu governo, pela falta das reformas prometidas à população e pela maquinação de um golpe de estado que só existe em sua cabeça.

O governo Dilma fracassou por seus próprios méritos. Optou por uma política econômica torta, que tinha na maior intervenção do Estado sua linha condutora. Na prática, concedeu benefícios setoriais duvidosos, fez planos mirabolantes de investimentos (como o que levou a Petrobras a se tornar a petroleira mais endividada do mundo) e fez a injeção forçada de crédito na economia. Tudo isso custou caro aos cofres da União, que não suportaram essa política. Para evitar que a implosão das contas públicas fosse notada, o governo Dilma recorreu à maquiagem orçamentária. O crime de responsabilidade do qual a presidente afastada é acusada tem a mesma origem que a recessão mais profunda da história.

Não bastasse sua inabilidade econômica, o governo Dilma optou pelo caminho do isolamento político, inclusive dentro de seu partido. Ao mesmo tempo, fez pactos que não poderia cumprir sozinha, como a intenção de fazer a reforma política apresentada após os protestos de 2013 e o ajuste fiscal iniciado em 2015. Se o Congresso não aprovou algum de seus projetos, foi por uma combinação de falta de disposição do governo para o diálogo, com a contrariedade de um PT que ainda esperava alcançar o controle total sobre a vida política e econômica do país. Não houve conspiração nem sabotagem, como ela diz.

O máximo que Dilma tem a afirmar em sua defesa é que não pode ser condenada pelo “conjunto da obra”. Ela tem razão. Sua condenação será pelo crime de responsabilidade do qual é acusada. O mais melancólico em sua carta é que, neste momento, Dilma não tem uma obra a defender, nem argumentos para evitar sua cassação.