quarta-feira, julho 27, 2016

Ajuste fiscal ameaçado - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 27/07

Projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente em exercício Michel Temer, concedendo reajuste e bonificações a servidores da Receita Federal, indica que autoridades federais não estão imunes a chantagens


Além de lançar dúvidas sobre a real intenção de seu governo de colocar em prática uma rigorosa política fiscal que aponte para a redução do imenso déficit público, o projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente em exercício Michel Temer, concedendo reajuste e bonificações a servidores da Receita Federal, indica que autoridades federais não estão imunes a chantagens. É uma má lição, que tende a estimular servidores de outras carreiras do funcionalismo com razoável poder de mobilização a também pressionar o governo para obter ganhos salariais. E isso já está acontecendo.

No caso dos servidores da Receita, a concessão de bonificações a auditores e analistas fiscais implicará aumento de R$ 6,479 bilhões nos gastos com pessoal até 2019. Além desses benefícios, os funcionários da Receita terão também reajuste de 21,3% no salário-base, a ser pago ao longo dos próximos quatro anos, o que implicará despesas adicionais de R$ 2,097 bilhões até 2019. Em resumo, apenas com esses servidores o governo gastará mais R$ 8,576 bilhões. São 30.667 auditores fiscais, dos quais 20.383 (ou 66,5%) aposentados ou pensionistas; e 13.778 analistas tributários, sendo 6.612 (ou 48%) inativos.

Basta uma simples conta para concluir que, em média, cada um dos funcionários da Receita beneficiados, na ativa ou aposentado, em quatro anos ganhará praticamente R$ 193 mil além dos vencimentos que já recebe normalmente. São remunerações bem maiores do que os salários recebidos pela imensa maioria dos trabalhadores da iniciativa privada, que, além de ganharem menos, estão sujeitos à perda de renda real quando conseguem manter-se no emprego ou ao risco de cair no desemprego, que atinge mais de 11 milhões de brasileiros que precisam trabalhar.

Não é apenas a imensa disparidade entre os rendimentos e benefícios acumulados pelos servidores da Receita – que ademais gozam da vantagem da estabilidade no emprego – e a remuneração média dos assalariados do setor privado que esses fatos e números deixam claro. Do ponto de vista político-administrativo, o que assusta é a docilidade com que – no momento em que proclama, com toda a razão, a necessidade de árduo ajuste das finanças públicas que pode exigir aumento de impostos – o governo se rendeu à chantagem dos funcionários da Receita, que paralisaram alguns serviços para exigir a concessão dos benefícios que acabaram obtendo.

Se quiser reforçar a confiança que vinha conseguindo instilar nos agentes econômicos por meio de medidas adequadas de contenção do déficit público, o governo não pode continuar concordando em oferecer vantagens a diferentes carreiras do funcionalismo, como já fez com os do Poder Judiciário e acaba de fazer com auditores e analistas da Receita. Precisa mostrar disposição de cortar despesas ou de resistir ao aumento delas, sobretudo na folha de pagamentos. Gastos com pessoal tendem a crescer em termos reais por conta da acumulação de vantagens pelos funcionários. Fazê-los crescer ainda mais depressa, com a concessão de benefícios adicionais, é um sinal ruim.

É, também, um forte argumento para que outras categorias iniciem novas ações de pressão sobre o governo para também conseguir benefícios salariais, até com mais ousadia do que a demonstrada pelos funcionários da Receita. Este é o caso dos auditores fiscais do trabalho, que, por não terem sido incluídos no projeto que beneficia os servidores da Receita, marcaram greve a partir do próximo dia 2 de agosto. Nesta semana, já iniciaram o que chamam de “operação-padrão” em pelo menos 12 Estados.

Por meio de seu sindicato nacional, os auditores do trabalho se dizem “agredidos” pelo tratamento que o governo lhes tem dispensado, com o adiamento do projeto de lei aumentando seus vencimentos. Fazem ameaças e dizem que, se empregados e empregadores tiverem perdas com seu movimento salarial, a culpa será do governo. “Não somos palhaços”, proclamou o presidente do sindicato, Carlos Silva. Deve pensar que palhaços somos nós, os contribuintes, que pagamos seus salários.


Sobre confiar e esperar - CELSO MING

ESTADÃO -27/07


Em meio às expectativas, o Banco Central avisa que, antes de baixar os juros, é preciso tempo



O Banco Central (BC), presidido por Ilan Goldfajn, não faz questão de posar como superpoder nacional. Reconhece suas limitações e condiciona a baixa de juros a alguns fatores que, em última análise, determinam o ritmo da queda da inflação.

As duas condicionantes mais importantes são o sucesso do governo no controle das contas públicas e o sucesso do próprio Banco Central em conduzir as expectativas.

É o que se pode deduzir da leitura da nova Ata do Copom, mais enxuta, mais clara e mais despida de “coponês” do que as até agora redigidas. É mais um avanço da proposta de dar prioridade à transparência e à comunicação com o mercado e com os fazedores de preços.

Na administração do Banco Central do período Dilma, as questões fiscais (que dizem respeito à administração das contas públicas) eram enorme tabu. Nesse particular, o BC de então pouco se interessava em passar seu recado ao público. Limitava-se a não constranger o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que refugava qualquer crítica ao pedaço da administração sob sua responsabilidade, especialmente se viesse da instituição. E saíam as coisas mais estapafúrdias, como se nada houvesse de errado com as finanças públicas, a ponto de acabarem elas por não produzir inflação – diziam os documentos oficiais da autoridade monetária –, como se houvesse público disposto a engolir esquisitices dessa ordem.

Agora, o Banco Central adverte que a trajetória da inflação e dos juros depende de que o governo arranque deste Congresso gastador a aprovação para o Projeto de Emenda da Constituição (PEC) que proíbe reajustes das despesas acima da inflação: “A continuidade dos esforços para aprovação e implementação dos ajuste na economia, notadamente no que diz respeito a reformas fiscais, é fundamental para facilitar e reduzir o custo do processo de desinflação”, diz o parágrafo 16.

A outra condicionante tem a ver com a eficácia da capacidade (e obrigação) do Banco Central de administrar as expectativas daqueles que formam os preços da economia. Pelos levantamentos semanais realizados pela Pesquisa Focus, também do BC, ficou claro até agora que o mercado espera mais inflação do que está nos radares do Banco Central. E essa particularidade mostra duas coisas: que o mercado ainda não vem confiando inteiramente na autoridade monetária e que o Banco Central teme que essa adesão insatisfatória se torne, por si só, fator de inflação, na medida em que acione os mecanismos de reajuste automáticos de preços (indexação).

Isto posto, o Banco Central avisa que, antes de baixar os juros, tem de dar um tempo, tanto para avaliar melhor a capacidade do governo Temer de impor sua política fiscal aos políticos quanto para que o mercado aumente seu grau de confiança no próprio BC.

Quanto a este último ponto é preciso ter em conta que a atual administração não tem mais do que sete semanas de atuação. Apenas iniciou seu processo de conquista de corações e mentes. É normal que o mercado, ainda ressabiado com as lambanças da administração anterior, precise de tempo para confiar.

CONFIRA


Foto: Infográficos Estadão

Aí está a evolução do rombo das contas externas (déficit em conta corrente) medido pelo tamanho do PIB.

Contrapeso

O saldo negativo em conta corrente em junho foi maior do que o esperado em cerca de US$ 1 bilhão. Isso mostra que a nova valorização do real (baixa do dólar) começa a trabalhar pelo aumento (ou pela não redução) do déficit. Outra observação: a entrada de dólares pela conta financeira (aplicações em renda fixa) continua negativa. Ou seja, os juros altos continuam tendo pouca influência relativa na entrada de capital especulativo.

O novo papel da Apex no comércio exterior - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/07

Quando Michel Temer assumiu a presidência interina da República, o diplomata Roberto Jaguaribe estava como embaixador do Brasil na China havia apenas oito meses. Antes, comandou a representação do país em Londres, mas foi em Pequim que se sentiu recompensado por estar naquele que considera o posto "mais relevante" da diplomacia brasileira neste momento. Maior compradora de produtos brasileiros e em breve podendo tornar-se a maior investidora, a China, de fato, caminha a passos largos para se igualar ou suplantar os Estados Unidos em termos de importância para os interesses brasileiros.

Apenas um grande desafio tiraria Jaguaribe do país asiático, e isso acabou ocorrendo. Ao ser nomeado ministro das Relações Exteriores, o senador José Serra acertou com Temer a transferência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para o Itamaraty e convidou Jaguaribe para chefiá-la. A mudança está dentro de um contexto mais amplo, que é o de dar às exportações a prioridade que elas nunca tiveram.

Um sinal definitivo de que o atual governo vê o comércio exterior com interesse renovado é o fato de o presidente da República comandar a Camex (Câmara de Comércio Exterior). É uma novidade importante. País continental, o Brasil ainda carece de cultura exportadora, uma vez que as empresas, com as exceções conhecidas, se desenvolvem para atender o mercado doméstico. A Apex, que já desempenhava um papel relevante na promoção comercial, vai ampliar seu escopo.

Criada nos anos 90 no âmbito do Sebrae, a Apex funciona como um serviço social. Sua missão original era aumentar a competitividade das pequenas e médias empresas. A agência é abastecida, como o Sistema S, com contribuições parafiscais. Como não é um órgão público, seus funcionários são regidos pela CLT, o que garante à agência flexibilidade para contratar profissionais qualificados.

Durante muito tempo, cultivou-se a ideia de que a Apex dispõe de recursos abundantes para fazer ações de promoção. De fato, os recursos não são desprezíveis - mais de R$ 500 milhões por ano. Além de contar com dinheiro do Sistema S, a agência possui uma reserva técnica e recebe pagamentos em troca de prestação de serviços. Com Jaguaribe no comando, vai se tornar mais ambiciosa, tendo seu papel ampliado.

"Quero mudar esse conceito. Hoje, a Apex é procurada predominantemente porque tem recursos. Quero que ela seja predominantemente procurada porque tem competência e inteligência", disse o embaixador. "Se nós dermos o que eles [os exportadores] pedem, não estamos dando nada porque eles já sabem o que pediram. Temos que ir além do que eles pedem."

Daqui em diante, sob o guarda-chuva do Itamaraty, a Apex vai atuar na coordenação dos vários órgãos públicos envolvidos direta e indiretamente nas exportações e também das entidades empresariais, como o Sistema S e a Confederação Nacional da Indústria. Já está trabalhando intensamente, por exemplo, com o Ministério da Agricultura, que cuida do setor mais dinâmico da economia e das exportações brasileiras. "A falta de coordenação é uma das maiores deficiências do país nessa área."

Chama a atenção de Jaguaribe, por exemplo, a péssima imagem do setor agrário-exportador brasileiro no exterior. Isso resulta de desinformação, mas também de "venalidade" disseminada por grupos que se sentem prejudicados pela elevada competitividade da agropecuária nacional. O embaixador lembra que, nos últimos cinco anos, foi estabelecida uma parceria entre o setor agrário e o meio ambiente e que isso não tem rendido os devidos frutos do ponto de vista de imagem internacional. "Mesmo na área social, houve avanços no campo", sustenta.

Durante suas duas décadas de existência, a Apex sofreu de notória falta de coordenação com o Itamaraty. Jaguaribe diz que, hoje, a agência possui dez escritórios no exterior. Fazendo parte do Itamaraty, isso vai se multiplicar por 15. "Toda representação brasileira do Itamaraty no exterior é potencialmente e deve ser utilizada como instrumento de promoção do comércio e de captação de investimentos", defendeu.

A Apex vai ajudar nas negociações comerciais, a cargo do Ministério das Relações Exteriores, com informações sobre os mercados lá fora, tais como barreiras tarifárias e não tarifárias, acesso a mercados, a questão das marcas etc. Em relação ao último item, o presidente da agência conta que, por causa de um trabalho de promoção, a carne australiana tem hoje reputação melhor que a brasileira, sendo que o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de carne bovina e frango. Essa diferença de percepção se traduz em preço: o produto da Austrália vale mais.

"Não há razão para a carne australiana ter um prêmio em relação à brasileira", diz ele. "A Apex tem que ser muito mais instrumental para as negociações comerciais. Já existe uma inteligência comercial desenvolvida pela agência que vai subsidiar as negociações", acrescenta Jaguaribe, informando que, embora já produza conhecimento sobre os mercados-alvo das exportações, a Apex vai contratar estudos de terceiros. "Não temos quadros para fazer todos os estudos."

Voltando à China, o embaixador diz que o país asiático, apesar da queda da taxa de crescimento verificada nos últimos anos, apresenta grandes oportunidades para o setor exportador. Por isso, ele decidiu criar um núcleo dedicado à aquela economia na Apex. "A China nunca será autossuficiente. Terá sempre uma demanda forte por proteínas e energia. O Brasil é um dos países mais bem situados para fornecer o que a China precisa", afirmou Jaguaribe.

Com essa estratégia, os Estados Unidos, ainda o segundo mercado das exportações brasileiras, mas com um volume de vendas estagnado há muitos anos, serão relegados como ocorreu nos 13 anos de governos petistas? "De forma alguma. Os EUA hoje têm grande dose de autossuficiência [em energia, por exemplo]. É um mercado-teste para o mundo inteiro porque tem consumidores mais seletivos. Além disso, são o maior gerador de imagem do mundo", explicou. "A coisa mais determinante do 'soft power' [a capacidade de um país de persuadir outros a fazer o que lhe interessa sem o uso da força ou da coerção] é a capacidade de gerar percepções de imagem. Nenhum país tem mais capacidade de fazer isso do que os EUA."


Precisaremos de anos de trabalho para corrigir os estragos de Dilma - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/07


A proposta de criação do teto para as despesas federais é a principal iniciativa do governo na área fiscal. É também a única iniciativa do governo na área fiscal, mas seria a principal mesmo se houvesse outras. A razão é simples: há mais de duas décadas os gastos do governo vêm crescendo a um ritmo de 6% ao ano acima da inflação.

Como o PIB não cresce (nem crescerá) à mesma taxa, a tendência é que a despesa ocupe um pedaço crescente do produto. Assim, em 1997 o gasto equivalia a 14% do PIB; já em 2016 deve atingir 20% do PIB. Se esse ritmo for mantido pelos próximos dez anos, adicionaremos algo como 3% do PIB ao dispêndio federal. Tem, portanto, razão o ministro da Fazenda ao afirmar que, "se não for aprovado o teto dos gastos de despesas (...), só resta aumentar imposto (sic)".

Há, claro, quem defenda essa alternativa, mas não parecem se dar conta das consequências. O Brasil já apresenta uma das maiores cargas tributárias entre países com renda média (é o 25º no ranking de carga tributária, mas apenas 68º em renda per capita ).

Além disso, ela é extraordinariamente complexa: segundo o Banco Mundial, uma empresa brasileira típica requer 2.600 homens-hora/ano dedicados à tarefa de pagar impostos, algo como duas vezes e meia mais do que na Bolívia (a segunda colocada), ou quase 15 vezes mais do que a média dos países da OCDE. Podemos até enveredar por essa via, mas à custa de maior ineficiência e crescimento ainda mais baixo.

O caminho passa, pois, pela contenção das despesas. Em tese, valendo a regra do teto, inverteríamos a dinâmica das últimas décadas: o gasto passaria a crescer menos do que o PIB, em algum momento levando ao ressurgimento dos superavit primários. Mais à frente esses chegariam ao valor necessário para conter a elevação persistente da dívida pública e o país retornaria a uma rota de sustentabilidade fiscal, condição necessária (ainda que não suficiente) para o crescimento mais forte.

Mesmo, porém, que o teto funcione a contento, resta ainda saber quanto tempo seria necessário para que esse cenário de sonho se tornasse realidade. Obviamente há muitas variáveis envolvidas nessa resposta, como o crescimento da economia nos próximos anos, a taxa real de juros e a resposta das receitas do governo ao ciclo econômico, assim como o sucesso das iniciativas de concessões e privatizações.

Contudo, por mais complexa que seja a interação dessas variáveis, é possível simular diversos cenários para termos uma noção de como se comportaria o endividamento do governo partindo de diferentes premissas acerca do crescimento, juros etc. A conclusão, seja das simulações que fiz, seja das realizadas por outros economistas (seguindo metodologias bastante similares), é que a estabilização da dívida demandaria, no mínimo, de 4 a 6 anos, avançando sobre pelo menos mais um mandato presidencial.

A essas dificuldades somam-se os problemas de fazer o teto funcionar sem a reforma da Previdência, que adiariam ainda mais o horizonte de controle da dívida, conforme explorado recentemente por Cassiana Fernandez e Cristiano Souza.

Tivemos a chance de tratar disso já em 2005, mas havia Dilma Rousseff no meio do caminho. Agora precisaremos de anos de trabalho para corrigir os estragos; se os corrigirmos...

Eleição atípica - DORA KRAMER

ESTADÃO - 27/07

Acostumado nos últimos tempos ao ritmo de montanha-russa dos acontecimentos políticos, o Brasil assistirá neste ano a uma campanha eleitoral completamente diferente do habitual. A começar pelo acirramento dos ânimos do eleitorado, em decorrência dos escândalos e corrupção e do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

Fosse só a beligerância entre “nós” e “eles” (ou vice-versa) teríamos mais do mesmo vivido desde a última disputa presidencial. Este apenas garantirá o caráter nacional dos temas a serem debatidos nas capitais e grandes cidades. A novidade está em outros que vão distinguir das demais a eleição que escolherá prefeitos e vereadores no próximo dia 2 de outubro.

De onde, o imprevisível é a única certeza sobre o que ocorrerá num ambiente em que as empresas estão proibidas de financiar candidatos e o manejo do dinheiro “por fora” estará sob a estreita vigilância das autoridades e, por que não dizer, da sociedade.

Isso entre outras peculiaridades: redução do período de campanhas (de 90 para 45 dias), corte de dez dias na transmissão do horário eleitoral, ausência de estrelas do marketing, limite para participação de candidatos em debates, isolamento do PT por falta de parceiros dispostos a compartilhar o desgaste, ecos do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o PMDB na Presidência três décadas depois do governo José Sarney, investigações produzindo prisões nunca dantes imaginadas e empenho inédito dos maiores partidos numa reforma política que minimize o prejuízo da carência de recursos antes fartos por parte das empresas.

Agora acrescentemos a conjunção de fatores adversos: a crise econômica sem precedentes para duas gerações de brasileiros economicamente ativos, a radicalização das manifestações políticas na proporção direta da condenação à conduta dos políticos que leva ao aumento do descrédito na atividade e à falsa impressão de que existe alternativa boa ao sistema representativo. Esse tipo de cenário é terreno fértil para semeadura de ilusionistas de extrato populista e, não raro, pendores autoritários.

Temas muito complexos para uma simples eleição municipal? Podem até ser, mas são inevitáveis como consequência da conturbação em todos os setores e servirão como uma espécie de ensaio geral da disputa presidencial de 2018. Notadamente em relação ao financiamento das campanhas, restrito, pela nova regra, ao Fundo Partidário, à gratuidade (para os partidos) do horário eleitoral no rádio e na televisão e às doações de pessoas físicas, estas limitadas a 10% dos ganhos declarados no Imposto de Renda e ao teto de R$ 80 mil.

Antes mesmo do teste para saber qual o novo perfil das campanhas desprovidas dos costumeiros milhões, os maiores partidos já preparam a redução da concorrência na distribuição do dinheiro do Fundo e do tempo de televisão. O caminho seria a aprovação de emenda constitucional que impediria o acesso dos pequenos partidos a esses benefícios. A ideia seria reduzir para, no máximo, 12 as 35 legendas hoje existentes e barrar a criação de outras 29 que aguardam registro no Tribunal Superior Eleitoral.

Mas isso valeria apenas a partir de 2018. Neste ano, suas excelências vão ter que se virar. Para arrecadar e para convencer o exasperado eleitor sem a ajuda das miragens do marketing. Não por outro motivo que a escassez de recursos – sem falar na abundância de vigilância – está havendo desistência de candidatos que em outros tempos nada teriam a perder se mantendo na disputa. Por outra poderiam até ter a ganhar. Sobras de campanha. Eles e os respectivos partidos.

Gato comeu. E a tão prometida proposta de acabar com a reeleição? Nunca mais se ouviu falar. 

Mundo viverá o trilema da (re)globalização - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 27/07

Numa conhecida formulação, o economista Dani Rodrik, professor de Harvard, argumentou que a globalização se depara, inescapavelmente, com o "trilema político da economia mundial".

A provocante equação de Rodrik é simples. Cada país tem à sua disposição três dimensões a considerar. É possível combinar duas das três da forma que se desejar, mas nunca as três juntas.

Num campo, a integração econômica profunda, é dizer, a "hiperglobalização", com seus fluxos livre de bens, serviços, capitais e pessoas. E, claro, as regras a que se deve submeter a partir de instituições "globalizantes" como FMI, Banco Mundial, OMC, etc.

Noutro, o Estado-nação. A soberania que cada país exerce no desígnio de suas próprias normas, sua estrutura trabalhista, tributária e previdenciária, seus setores econômicos que deseja privilegiar por estratégia ou tradição. Na prática de tal soberania, o Estado-nação implica elevados "custos de transação", prejudicando portanto uma alocação "ótima" de recursos e talentos globais.

No terceiro, uma ordem política de natureza democrática. Se os eleitores optam por mais globalização, minam as bases do Estado-nação.

Se por mais caráter nacional, criam empecilhos ao aprofundamento da integração econômica em escala global. A solução seria a transnacionalização da democracia, atingível mediante uma espécie de "globalização federalizada", de que a União Europeia (UE) parecia fornecer um exemplo.

Há ainda a possibilidade de modelos com menor conteúdo democrático. Se alguns países são liderados por estamentos de comissários e tecnocratas, como é o caso da China, pode-se almejar um híbrido de globalização e forte estado nacional.

Mas isso depende de uma janela geopolítica (como a da Guerra Fria) em que um grupo de países (o Ocidente, por exemplo) concede a um ator específico (China) benefícios extraordinários de modo a enfraquecer um outro ator (a URSS).

Trazendo esse conceito do trilema para o "brexit", são muitas as possibilidades de interpretação.

Por um lado, há inúmeros elementos para enxergar que o plebiscito (democracia) preferiu dar as mãos à unidade nacional (Reino Unido) em detrimento de um ente globalizante (a UE).

Por outro, a mensagem do plebiscito é que uma democracia (Reino Unido) busca liberar-se de uma instituição tecnocrática e esclerosada (UE) para engajar-se numa "globalização seletiva" mediante acordos econômicos com outros países fora (e não necessariamente em detrimento) de sua vizinhança europeia.

O atual cenário mundial permite supor que, das três dimensões da conceituação de Rodrik, os países (sejam eles mais ou menos democráticos em sua ordem política interna), estão preferindo agarrar-se aos pilares do Estado-nação e, portanto, "desglobalizando-se".

Ainda assim, há ao menos três megatendências no horizonte que podem levar o cenário mundial a uma "reglobalização ". Tais tendências comportam, em si, marcadas tensões.

A primeira delas diz respeito às novas arquiteturas de comércio e investimento, de que é exemplo a Parceria Transpacífico (TPP) de que já tratamos nesta coluna. A tensão emerge do quadro político interno dos EUA, onde assombra o fantasma protecionista do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump. E, na Europa, mesmo em países como a Alemanha a retórica anti-livre comércio não pára de crescer.

A segunda refere-se as chances de continuada ascensão da China. Teme-se não apenas a real saúde da economia chinesa (em que tantos comentaristas no Ocidente continuam a enxergar "maquiagem" de estatísticas), mas também possíveis distrações geopolíticas.

Delas são exemplo as disputas marítimas que Pequim trava com vizinhos. Além é claro de quanto a China permaneceria disposta a continuar financiando os gigantescos projetos de infraestrutura na Eurásia e mesmo na África e América Latina —projetos que, em si, representam pontas-de-lança da "globalização chinesa".

A terceira consiste na delicada relação custo-benefício da tão propalada Quarta Revolução Industrial. Para ficar apenas numa das áreas dessa nova era intensiva em tecnologia, basta salientar que nos próximos anos os robôs serão muito mais responsáveis pela perda de postos de trabalho no Ocidente do que imigrantes oriundos de nações mais pobres.

"The Economist" trata desse fenômeno da robótica num relatório especial publicado em 2014 e instigantemente intitulado "Imigrantes do futuro".

Nesse aspecto, talvez a plataforma política de Trump estaria mais bem servida se, em vez de pregar a construção de um muro na fronteira sul dos EUA para inviabilizar a entrada de imigrantes mexicanos, erguesse barreiras em torno das empresas de alta tecnologia sediadas no Vale do Silício.

Assim, se integração econômica profunda, soberania nacional e democracia constituem uma conflituosa fórmula para a globalização, a equação no caminho adiante fica ainda mais complexa.

O trilema da reglobalização ampara-se no equilíbro delicado envolvendo o futuro da liderança norte-americana no comércio, a direção que a China buscará conferir a sua ascensão e e que tipo de disrupção, não apenas econômica, mas também social, as novas tecnologias implicarão para o mundo.


Assim ou assado - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 27/07

Falta saber usar o bônus de confiança que o mercado depositou nessa equipe, e a ousadia de dizer às claras que, entre assim e assado, há algo mais do que palavras



Pode ser assim, pode ser assado. Pode ser que a inflação ceda rapidamente porque há muita ociosidade – termo que os economistas usam para se referir à taxa de desemprego ou à utilização da capacidade produtiva do País quando essas se distanciam do nível considerado compatível com o potencial da economia –, assim como pode ser que demore a cair por conta da conhecida inércia inflacionária, praga nossa desde sempre. Pode ser que o ajuste fiscal pretendido e repetido à exaustão ajude a reduzir os juros caso se concretize, assim como pode ser que nada faça de útil para a política monetária caso jamais ocorra, ou mesmo caso venha a se materializar de modo menos alvissareiro do que dizem por aí. O ajuste fiscal, diz o Copom, é ao mesmo tempo um risco e uma oportunidade. Pergunto-me se algum dia isso já foi diferente.

Muito tem se falado do novo Banco Central, da melhoria da comunicação, da transparência, de como a nova equipe tem mais chances de trazer a inflação à meta do que a que antes lá estava. A comunicação, por certo, deixou de lado o laconismo, a economia exagerada de palavras que marcou a era Tombini. O comunicado divulgado após a última decisão do Copom em julho, e, em seguida, a ata da reunião recém-publicada, revelam novo estilo. Explica-se, para que não restem dúvidas, que tudo pode acontecer, inclusive nada – no caso, o nada na área fiscal.

É evidente que saber como pensa o Banco Central, ainda que seja exatamente aquilo que já imaginávamos, é um alívio. No entanto, as dúvidas sobre quando a autoridade monetária deverá reduzir as taxas de juros permanecem tão altas quanto antes de se trocar o comando da instituição.

Em momento de mudanças e algum otimismo frente à crise que nos assola, em instante de angústias ainda sufocantes perante o altíssimo nível do desemprego no País, diante das dificuldades financeiras das empresas e das famílias, não seria a hora oportuna para o Banco Central mostrar-se mais audacioso? Reconheço que a pergunta nada tem de fácil. Também reconheço que falar de longe – no meu caso, de bem longe – é sempre tarefa das mais simples. Contudo, valem algumas considerações.

Em outubro de 2015, eu e outros economistas discutimos a hipótese de a política monetária estar refém de uma situação fiscal fora de controle. Na ocasião, alguns de nós argumentamos que enquanto não fosse resolvido o problema das contas públicas, a política monetária perdera o sentido e a potência. Ou seja, podia-se fazer o que fosse com os juros que nada mudaria na economia brasileira. A inflação era apenas um dos sintomas mais evidentes de nossa aguda patologia fiscal.

Suponhamos que esse seja o diagnóstico correto para o que vivemos hoje, isto é, que a inflação esteja inexoravelmente atrelada aos rumos da política fiscal – e da política, pois da política depende a política fiscal, ao contrário do que costuma ocorrer com a política monetária. Se isso for verdade, a inflação só haverá de cair de forma persistente, sem sustos, quando a economia brasileira começar a se recuperar, logo que a sustentabilidade fiscal estiver garantida. Antes disso, o máximo que se pode esperar é uma queda por uma razão ruim: a recessão catastrófica que conosco ainda está e seus efeitos sobre a tal ociosidade – os milhões de desempregados que não têm poder de compra, por exemplo.

Diante de tal quadro, caberia ao Banco Central ir além da transparência e da retranca. Caberia ao Banco Central uma reflexão mais aprofundada sobre a possibilidade de reduzir os juros já, desafogando famílias, empresas, o próprio governo.

Não defenderia essa tese não fosse a situação brasileira tão alarmante e fora do comum. Infelizmente, a situação brasileira é tão fora do comum que os modelos usados pelos economistas para fazer previsões já não funcionam há tempos. Os comunicados assim e assado do Banco Central revelam isso com clareza inequívoca.

A nova era da política monetária brasileira começou bem, com mais elucidações, explicações. Falta saber usar o bônus de confiança que o mercado depositou nessa equipe. Falta a ousadia de dizer às claras que, entre assim e assado, há algo mais do que palavras.

Cortes a prazo - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 27/07

O Banco Central divulgou a ata de sua última reunião do Copom e ficou claro para a maior parte dos analistas do mercado que os cortes das taxas de juros não serão imediatos. Ainda que haja algumas interpretações conflitantes sobre a data do início do ciclo de redução, já se sabe que não será na próxima reunião, em agosto. O ritmo de queda da Selic depende da capacidade do governo de aprovar o ajuste nas contas públicas.

O BC argumentou que a expectativa de mercado para a inflação está acima do centro da meta em 2017 e há incertezas em relação ao ajuste fiscal. Na ata, o Copom reconhece que houve avanços no combate à inflação nos últimos meses, que as pressões dos preços administrados estão menores e que a inflação de serviços está cedendo. Mas pondera que, diante do tamanho da recessão que atinge o país, o processo de “desinflação” está abaixo do esperado:

“Em relação à inflação, os membros do Comitê também concordaram que houve progressos. Entretanto, a desinflação em curso tem procedido em velocidade aquém da almejada”, disse o Banco Central. Disse também que “uma maior persistência inflacionária requer uma persistência maior da política monetária”. Esse trecho descartou o corte de juros na próxima reunião de agosto.

Como já havia afirmado no comunicado após a reunião da semana passada, o cenário de referência do Banco Central, que mantém a Selic estável em 14,25% e o dólar em R$ 3,25, já demonstra a inflação no centro da meta de 4,5% no ano que vem. O problema é quando os técnicos do banco rodam o modelo com as premissas do Boletim Focus, estimando um corte de 3,25 pontos da Selic até o final de 2017 e o dólar em R$ 3,50, a inflação projetada sobe para 5,3%. Ou seja, ainda acima do centro.

O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco acredita que o BC fará dois cortes na Selic de meio ponto, nas reuniões de outubro e novembro, para fechar o ano em 13,25%. O banco acredita que haverá um período mais favorável para os alimentos — que têm puxado o IPCA para cima nos últimos meses — e também que as expectativas de mercado vão continuar caindo nas próximas semanas. De fato, o Boletim Focus divulgado na segunda-feira mostrou uma ligeira redução das expectativas, de 5,3% para 5,29%. Apesar de pequeno, foi a quarta semana seguida de redução nas projeções. O Itaú acredita em 0,25% de queda na reunião de outubro, e outro corte de meio ponto no encontro de novembro.

O consultor econômico da Acrefi Nicolas Tingas também avalia que a Selic começará a cair em outubro, mas em doses menores, de 0,25%. Já a economistachefe para América Latina da Coface, Patrícia Krause, apostava em queda nas taxas apenas em janeiro do ano que vem e depois da ata ficou mais pessimista, projetando corte no segundo trimestre. Um dos problemas, segundo Krause, é que o calendário político deste ano vai atrasar a aprovação de medidas do ajuste fiscal. Ainda haverá a votação do impeachment, em agosto, e em outubro, eleições municipais. Na Ata, o BC voltou a dizer que a aprovação do ajuste é fundamental para a queda da inflação.

“Todos os membros do Comitê enfatizaram que a continuidade dos esforços para aprovação e implementação dos ajustes na economia, notadamente no que diz respeito a reformas fiscais, é fundamental para facilitar e reduzir o custo do processo de desinflação. Não houve consenso sobre a velocidade desses ajustes, o que sugere que constituem, ao mesmo tempo, um risco e uma oportunidade”, disse o Copom, temendo também que haja alta de impostos com impacto sobre os preços.

O economista José Márcio Camargo acha que o BC endureceu na nota e que nas entrelinhas quer dizer que enquanto não houver mais certeza de que a inflação chegará a 4,5% os juros não vão ser reduzidos.

Diferenças de interpretação e de projeção à parte, a maioria achou que a ata elevou o tom da preocupação com os riscos inflacionários. Ela fez isso mesmo, mas em alguns outros pontos ressaltou que houve uma forte “desinflação” e que a capacidade ociosa na economia pode levar a uma queda mais forte da taxa de inflação. Diz, contudo, que o cenário depende do ritmo do ajuste fiscal. Se ele for mais lento, será mais reduzida a velocidade de declínio da inflação. É essa incerteza que terá que ser enfrentada nos próximos meses.


Moralismo olímpico - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/07
A luta contra o doping nos esportes, a exemplo da guerra contra as drogas, já está perdida. A cada Olimpíada, vemos mais e mais histórias de uso de substâncias proscritas, apesar dos crescentes esforços das agências de controle. Se antes as suspeitas de uso generalizado recaíam apenas sobre categorias específicas como o ciclismo, agora já atingem países inteiros.

Como explica John Hoberman em seu "Testosterone Dreams" (sonhos de testosterona), a contradição entre a necessidade de sempre quebrar novos recordes e o veto à ajuda farmacológica para fazê-lo é inafastável. Os argumentos por trás da ideologia antidoping —drogas fazem mal à saúde e dão ao competidor que as utiliza uma vantagem indevida sobre os demais— não vão muito longe.

Para manter-se fiel a essa lógica, drogas que melhoram a performance, mas não causam efeitos adversos importantes deveriam ser liberadas. Só que há várias dezenas delas nas listas de substâncias proibidas no esporte. De modo análogo, se todos os atletas de uma competição decidissem tomar a mesma droga, seu uso seria justo. Até onde se sabe, competidores não têm autonomia para fazer isso sem sofrer sanções. No fundo, o movimento antidoping se assenta mais num sentimento moralista, que busca uma suposta pureza no esporte, do que em bases racionais.

Para Hoberman, a questão do doping suscita uma discussão mais ampla sobre o papel da medicina e seu arsenal farmacológico. No modelo mais tradicional, médicos devem limitar-se a preservar ou restaurar funções normais do organismo que foram perdidas. No paradigma mais libertário, é o paciente que determina o que é problema para ele e, orientado pelo médico, define a que tipo de intervenção vai se submeter.

Pessoalmente, defendo o modelo mais centrado na autonomia. É o que vem avançando nas sociedades ocidentais, embora o pessoal do esporte ainda se agarre ao primeiro.

As pragas do Egito e do Brasil - LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA

O GLOBO - 27/07

O povo está cansado das obras faraônicas como as da Copa, da Olimpíada e da transposição do São Francisco. Cansado de projetos inconsistentes, como o do pré-sal


A sabedoria popular tem nos falado das pragas do Egito que estariam assolando o Brasil. Partindo dessa intuição popular, podemos encontrar no próprio império egípcio, um dos mais longos da civilização, reflexão para nosso tempo.

No Antigo Império (3.200 a.C.-2.100 a.C.), os faraós começaram a construir pirâmides para servirem de monumentos fúnebres para eles mesmos. O império estava rico e unido nesse período, apesar de manter a imensa maioria da população em situação lastimável e apenas os sacerdotes e escribas com enormes privilégios. Como a construção da Pirâmide de Quéops, a maior delas, acabou gerando revoltas, os faraós começaram a reduzi-las de tamanho, mas enriquecendo o interior das mesmas, o que ocorreu com a de Miquerinos, a menor delas no conjunto de Gizé, por temor das reações populares.

Da mesma forma, séculos depois, a monarquia francesa, incomodada com as pressões da plebe ignara no Palácio do Louvre, onde residia, resolveu construir Versalhes, a quilômetros da capital Paris. Alguém convenceu os nobres de que, afastados, eles não ficariam expostos àquela pressão permanente da capital. E que, afastados, a população não veria os signos de ostentação, riqueza e preguiça da nobreza. Deu certo com Luís XIV, Luís XV até Luís XVI, que acabou guilhotinado na Place de La Concorde. Afastada da pressão, a monarquia se distanciou ainda mais do povo e só acordou quando a Revolução já era irreversível.

A História pode nos ser útil se soubermos examiná-la com certa irreverência e pudermos extrair as lições que elas nos oferece gratuitamente com um pouco de dedicação intelectual. Brasília, de certa forma, é uma Versalhes permanente da vida brasileira. Não há como recuar no tempo, mas, se pudéssemos, veríamos que mesmo o grande Juscelino Kubitschek talvez tivesse incentivado o crescimento do país para o centro, despregando-o do litoral por onde por séculos o desenvolvimento se realizou; sem necessariamente mudar a capital. Entretanto, esse raciocínio é hoje uma hipótese sem sentido prático, logo inútil. Temos que nos ater ao campo do possível, trabalhar para fazer Brasília tornar a ter sensibilidade para o que ocorre no restante do país.

A população brasileira está possuída de total descrença na vida política e de uma grande revolta com os privilégios da classe política que age como uma casta com regras, foros e privilégios próprios. Sabemos que nossa crise é mais política do que econômica. Do ponto de vista econômico, o presidente Temer montou uma equipe da maior qualidade, chefiada por Henrique Meirelles, que traçou um roteiro claro e possível para o equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento. O futuro parece incerto e nebuloso no cenário político, que normalmente já é povoado por nuvens e que nesse momento são especialmente carregadas. Sabemos que, por isso mesmo, não adianta demonizar a classe política, nem o Congresso Nacional, porque apenas com ambos poderemos sair do imbróglio que nos encontramos de forma legítima.

O povo está cansado das obras faraônicas como as da Copa do Mundo, da Olimpíada e da transposição do São Francisco. Cansado de projetos inconsistentes, como o do pré-sal. Vamos lembrar também da Rodovia Transamazônica (1968-1974), para não sermos injustos em identificar equívocos apenas nos dias atuais. A população precisa e quer coisas simples: saúde, educação, transporte e segurança. Governos que se concentrarem nessas tarefas e governantes que exerçam suas funções com a consciência de que ocupam uma função pública e que têm que servir ao público e não a si próprios terão enorme êxito.

Prometeram a todos nós um grande legado olímpico. Ele não é claro nesse momento; ao contrário, os prejuízos dessa empreitada parecem mais nítidos que os benefícios apregoados. Vamos, entretanto, torcer que estejamos errados e que ele se materialize. Talvez o grande legado seja exatamente esse: retirar da pauta política brasileira sua tentação para o gigantismo egípcio, voltando a dirigir os investimentos públicos para a consecução dos seus objetivos fundamentais.

Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura

Adeus às ilusões - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 27/07

Confissão do casal Santana desautoriza a versão de que Dilma é ‘pessoalmente honesta’



Dilma, quem diria, logo dará adeus às ilusões. Nas campanhas eleitorais em que se elegeu e reelegeu graças aos préstimos de João Santana, inventor de patranhas, foi vendida por ele como a “gerentona” mais habilitada a pôr o País nos eixos e guiar a classe operária ao paraíso. Acusada de ter cometido crimes funcionais, o que está para interromper seu mandato, responde pela irresponsabilidade de, por culpa da roubalheira do partido que a adotou, o PT, ter gerado a quebradeira e o desemprego generalizados que condenaram a Nação às piores crises ética, econômica e política da História. E ela ainda se agarra à imagem de ser “pessoalmente honesta”, que começa a desabar.

Por ironia da História, uma grave acusação foi feita por esse gênio da lorota de fancaria, cujo depoimento ao juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, deu mais uma pista concreta de que, de fato, a campanha dela, que ele criou, produziu e dirigiu, foi financiada por dinheiro roubado, de propina de fornecedores da Petrobrás. A iminente homologação da delação premiada do mágico do marketing, de sua mulher, contadora e sócia, Mônica Moura, e de muitos executivos da empreiteira Odebrecht, entre os quais o presidente, Marcelo, prenuncia o fim do refrão com que Dilma enfrenta o impeachment: não levou vantagem financeira em nada nem tem conta em banco no exterior.

Para convencer policiais, procuradores e juiz, o marqueteiro, chamado de Patinhas na juventude pela fértil originalidade de letrista de música popular, na passagem de sucesso pelo jornalismo e na maturidade de publicitário milionário, decidiu abrir o bico como um “canário” da Máfia da Sicília em Chicago. E o faz de maneira cínica, idêntica à usada para inventar a torpe falsidade de um Brasil irreal de pleno emprego, redução da pobreza crônica e competente e honesta gestão dos recursos públicos. Tudo isso foi pago com o fruto do maior assalto desarmado aos cofres públicos da História, que levou à beira da falência a maior estatal do País.

Joãozinho Patinhas teve o desplante de confessar ao juiz que mentiu em depoimento anterior, após se entregar desembarcando do Caribe, “para não destruir a Presidência”, uma aparente expressão de lealdade. Mas que, na verdade, continha, de um lado, o compromisso com a força-tarefa de comprometê-la. E, de outro, a ameaça de que se dispunha a “cantar”, como um vil delator mafioso, que Dilma disse desprezar. “Eu, que ajudei de certa maneira a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a Presidência, trazer um problema. Nessa época já iniciava o processo de impeachment, mas ainda não havia nada aberto, e sabia que isso poderia gerar um grave problema até para o próprio Brasil”, depôs.

A primeira versão de “Tucano” (nome da cidade baiana onde ele nasceu, adotado como codinome nas planilhas do banco de propinas da Odebrecht) não se sustentava nas próprias pernas: segundo a narrativa, o dinheiro depositado em suas contas teria sido ganho em campanhas no exterior e o pago pelo PT foi sempre legal.

A história atual, endossada por Mônica Moura, é mais lógica: em 21 de julho, o casal admitiu ter recebido no caixa 2 US$ 4,5 milhões para quitar uma dívida da campanha de Dilma em 2010. Naquela mesma quinta-feira, o engenheiro Zwi Skornicki, tido pela força-tarefa da Lava Jato como operador de propina do esquema da Petrobrás (dito petrolão), contou ao juiz Sergio Moro ter depositado, de 2013 a 2014, em conta do casal no exterior US$ 4,5 milhões para saldar parte de uma dívida que o PT lhe ficou devendo durante a campanha.

O valor coincide, mas não o recurso ao “caixa 2”, conversa mole de estelionatário confesso, que sempre doura a pílula, tentando desviar a acusação para alguma infração menor. Assim fazem quaisquer flagrados em crime mais grave. Deixo ao atento leitor a decisão sobre a quem dar fé: quem pagou ou quem recebeu a bolada?

Em matéria de cinismo, marqueteiro e “presidenta” se equivalem. O “Feira” dos registros da propina da Odebrecht se arvorou a dar lições de contabilidade fora da lei ao maior especialista em lavagem de dinheiro da Justiça brasileira. Ele disse que milhares, quiçá milhões, de políticos não prestam contas de campanhas corretamente à Justiça Eleitoral. Recorreu a metáforas dignas de sua imaginação: fariam uma fila de Brasília a Manaus, equivalente à Muralha da China, ficando aptos a ser fotografados por satélite. Seria mais persuasivo se delatasse pelo menos uma centena dentre os “98%” dos candidatos, que ele considera trapaceiros como ele.

Os exageros de João do milhão o qualificam como mestre da patroa em desfaçatez. Terá sido de sua lavra a explicação que Dilma deu para o fato de, como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, ter autorizado a compra da refinaria de Pasadena à Astra Oil? Por que não ocorreu a ela, a conselho de sua protegida Graça Forster, exigir do ex-diretor internacional, Nestor Cerveró, relatório mais detalhado tecnicamente do que o que ela definiu como incompleto, antes de autorizar negócio lesivo ao patrimônio nacional?

Agora recorreu ao estilo de Lula, ao assegurar no Twitter: “Não autorizei pagamento de caixa 2 a ninguém. Se houve pagamento, não foi com meu conhecimento”. Esse argumento é fátuo. O professor José Eduardo Martins Cardozo devia ter-lhe ensinado que, no caso, ela será acusada de ter-se beneficiado do dinheiro ilegal na campanha. À Rádio França Internacional Dilma disse que, feito dois anos após o pleito, o repasse não a atinge, omitindo que a propina pagou dívida contraída para a própria eleição.

A confissão de Santana, Mônica e Skornicki revela que o mantra profano dos partidos acusados – o de terem recebido doações legais e aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – é mentiroso. Parte dessas doações se originou de propinas e as tidas como legais podem ter usado o TSE como lavanderia de dinheiro do furto.

* JOSÉ NÊUMANNE É JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Meirelles e os erros do Brasil - ELIO GASPARI

O GLOBO - 27/07

Outro dia o doutor Henrique Meirelles disse que, se o projeto de limitação dos gastos públicos não for aprovado, "o Brasil terá feito uma opção errada, grave".

"Brasil", quem, cara pálida? Se o projeto não for aprovado, os deputados e senadores terão feito uma opção errada, grave. Como o presidente Michel Temer não quer briga com o Congresso, seu ministro da Fazenda diz que o erro será do Brasil. Comporta-se como se fosse um banqueiro nascido no Afeganistão e fizesse parte de um governo presidido por um líbio.

Meirelles sabe que o governo terá dificuldades para votar o teto das despesas públicas, mas tudo indica que prevalecerá. Para a reforma da Previdência e para mudanças nas relações trabalhistas as dificuldades serão enormes. O ministro e o presidente teriam o caminho da exposição e do confronto com os adversários dessas mudanças. Boa parte desses adversários está na bancada de apoio do presidente, que se aposentou aos 55 anos como procurador do Estado de São Paulo, categoria beneficiada por penduricalhos que a maioria dos trabalhadores brasileiros nunca viu.

Pelo andar da carruagem, se Temer não conseguir fazer as reforma que defende, "o Brasil" terá feito opções erradas e, então, como o próprio Meirelles reitera, virão novos impostos. Como será impossível cobrar esses impostos do "Brasil", a conta vai para os brasileiros.

Falar mal do Brasil e dos brasileiros é um velho hábito, comum tanto ao andar de cima quanto ao de baixo. As referencias astuciosamente derrogatórias do Brasil apresentam-se com disfarces. Em alguns casos, como no de Meirelles, se algo de errado acontecer, terá sido uma opção do Brasil e não dos bípedes que estão no Congresso. Há também expressões marotas, como "só no Brasil" ou "brasileiro tem mania de...". Sempre que uma pessoa fala dos maus modos desses brasileiros fica entendido que nada tem a ver com eles. O "brasileiro" é sempre o outro.

Atualmente uma banda nacional cavalga o que teria sido uma demonstração da falta de critério dos brasileiros: os 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff (com Temer na vice). Durante a ditadura, essa banda demófoba prevaleceu e as eleições diretas foram canceladas. Em 1969, o presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, o vice foi defenestrado e os generais descobriram que não sabiam montar um sistema racional para escolher seu substituto.

Ganha uma viagem de ida ao Quênia quem souber como foi escolhido o general Médici.

Pode-se admitir que a política de Pindorama está contaminada por ladrões e palhaços, mas enquanto as coisas pioram lá fora, aqui as coisas estão melhorando. Em novembro, o eleitor americano, que há quatro anos escolheu entre Obama e Mitt Romney, terá no menu
Donald Trump e Hillary Clinton.

O hábito de deixar mal o próprio país para disfarçar algum preconceito é amplo e irrestrito. Franceses e italianos adoram falar mal de seus países. O general De Gaulle dizia que não era possível se governar um país que tinha 258 tipos de queijos. Benito Mussolini garantia que governar a Itália era fácil, porém inútil. Há um país fora dessa regra: nenhum americano fala mal dos Estados Unidos. A frase de Meirelles seria impossível em Washington.


Reagindo à desinformação - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 27/07

O Ministério das Relações Exteriores parece mesmo empenhado em rebater a campanha de desinformação sustentada pelo PT


O Ministério das Relações Exteriores parece mesmo empenhado em rebater a campanha de desinformação sustentada pelo PT para difundir no exterior a ideia de que o processo de impeachment configura um “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff. Ao menos três embaixadores do Brasil se manifestaram recentemente na defesa da legalidade do afastamento da petista, como resposta a críticas feitas nos países em que atuam, em geral baseadas em franca ignorância, quando não em má-fé, a respeito do funcionamento das instituições brasileiras.

Faz muito bem o governo em responder, de bate-pronto, às mentiras e distorções sustentadas por políticos e ativistas de outros países que se dispõem a plantar dúvidas sobre a lisura do processo contra Dilma e que, infelizmente, têm encontrado espaço para emplacar suas teses esdrúxulas na imprensa estrangeira.

No mais importante desses episódios até aqui, um grupo de 33 deputados democratas, correligionários do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, enviou ao secretário de Estado John Kerry uma carta em que expressa “inquietação” com os recentes acontecimentos no Brasil e pede que a Casa Branca “exija o respeito à democracia constitucional brasileira”.

O manifesto, endossado por sindicatos e organizações de direitos civis, afirma que o impeachment é “politicamente motivado”, é capitaneado por políticos interessados em “conter as investigações de casos de corrupção nos quais estão envolvidos” e se presta a “substituir uma administração progressista e representativa por uma formada apenas por homens brancos e que anunciou planos para impor uma agenda social de extrema direita”.

Não é a primeira vez que políticos de outros países se arvoram em paladinos da democracia no Brasil. Há pouco mais de 10 dias, 28 parlamentares franceses divulgaram um manifesto em que chamaram de “manobra parlamentar” o processo contra Dilma, colocando em dúvida a independência e a lisura do Congresso e do Judiciário brasileiros para lidar com o impeachment.

No caso dos Estados Unidos, o embuste foi prontamente rebatido pelo embaixador do Brasil em Washington, Luiz Alberto Figueiredo Machado. Em carta aos congressistas, o diplomata, que exerceu o cargo de chanceler no governo Dilma, informou que caracterizar o impeachment como ameaça às instituições democráticas é “completamente equivocado”. Figueiredo lembra o óbvio – que o processo está sendo conduzido “rigorosamente de acordo com o que manda a lei brasileira” e sob a “supervisão vigilante do Supremo Tribunal Federal”. Para o embaixador, como para qualquer pessoa sensata, é “inaceitável” que o processo contra Dilma seja qualificado de golpe. “Tais afirmações sem base revelam falta de conhecimento do sistema legal brasileiro”, escreveu Figueiredo. Ele encerra a carta dizendo que “o Brasil tem robustas instituições e um regime democrático consolidado”, razão pela qual “rejeita qualquer tentativa de desacreditar suas instituições ou de questionar a retidão com a qual um instrumento constitucional como o impeachment é aplicado”.

A atitude exemplar de Figueiredo não foi isolada. Dois outros diplomatas brasileiros, os embaixadores da Costa Rica, Fernando Magalhães Pimenta, e da Bósnia e Herzegovina, Manoel Gomes Pereira, se apressaram a esclarecer as autoridades e a imprensa daqueles países a respeito do impeachment, deixando claro que tudo está sendo feito conforme manda a Constituição. Segundo reportagem do jornal O Globo, a iniciativa baseou-se em instruções do Ministério das Relações Exteriores.

A reação imediata e firme da diplomacia brasileira é importante por pelo menos duas razões: a primeira é que é preciso deixar claro para o resto do mundo que o Brasil tem leis e as respeita; a segunda, como consequência da primeira, é que o País, ao conduzir com tranquilidade institucional um processo político tão traumático como o impedimento de seu presidente, mostra-se digno da confiança internacional.

"Ninguém quer saber do laudo" - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 27/07
O candidato do PMDB à prefeitura do Rio, Pedro Paulo, é acusado de agredir a ex-mulher a socos e pontapés. Em vez de escolher outro sucessor, o prefeito Eduardo Paes teve uma ideia para salvá-lo. Saiu em busca de uma vice que representasse o "mundo feminino", como diria o presidente interino.

Depois de algumas recusas, ele encontrou uma candidata ao posto: a deputada estadual Cidinha Campos, do PDT. O anúncio da chapa foi desastroso. Ao lado do novo aliado, a ex-radialista tratou o registro de violência como uma questão menor.

"Este é um caso resolvido. Eu sou contra a violência doméstica, mas quando é com pessoas desvalidas, que não têm como se amparar", disse. A deputada atenuou o episódio com o seguinte argumento: "Ela [a ex do candidato] está bem, está feliz, está muito mais rica do que estava com ele. O marido dela parece que é muito mais rico que o Pedro Paulo".

Além de infelizes, as declarações de Cidinha agridem os fatos. Ao contrário do que ela disse, o caso não está "resolvido". O deputado é alvo de inquérito no Supremo, e a Procuradoria-Geral da República já pediu que as investigações prossigam.

A deputada também parece ignorar que a violência doméstica não é um problema apenas nos lares mais pobres. No ano passado, o Ligue 180 registrou 749 mil atendimentos a mulheres de todas as classes sociais. Neste mês, a modelo Luiza Brunet registrou queixa de agressão contra o ex-namorado. Ele é rico e, assim com o Pedro Paulo, filiado ao PMDB.

O caso do aliado de Paes está cercado de estranhezas. Depois de relatar a agressão e fazer exame de corpo de delito, sua ex-mulher voltou atrás em novo depoimento. O laudo do IML atesta que ela sofreu várias lesões e chegou a perder um dente ao ser espancada dentro de casa.

Para a deputada Cidinha, o eleitor do Rio não vai dar importância ao documento. "A população nunca pergunta pelo laudo. Ninguém quer saber do laudo", disse ela.

Viver de ilusões - MERVAL PEREIRA

O Globo - 27/07

Já era tempo de os políticos aprenderem que jogadas de marketing gratuitas são contraproducentes, pelo menos num momento como o país vive, com alta taxa de desemprego, que não deve decrescer tão cedo, e um índice resiliente de inflação. Pois não é que o presidente interino, Michel Temer, resolveu usar a família para um golpe publicitário, e foi buscar o filho na escola, cercado de assessores e seguranças, e avisou a imprensa?

Oresultado foi um tumulto na frente da escola em Brasília, e um frustrado movimento para “humanizar” a imagem do presidente interino, que serviu apenas para mostrá-lo como político do velho estilo, que não recusa um papel desses para parecer bom pai.

Um exemplo de político moderno, que não teve nenhum acidente desses nos quase oito anos de mandato, é o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Não se ouve falar de um escândalo familiar dos ocupantes da Casa Branca, as filhas e a mulher Michelle estão sempre na mídia, mas de maneira bastante discreta e natural.

O ponto crucial está aí, na naturalidade dos atos e dos gestos cotidianos. Se, como ele mesmo admitiu aos jornalistas, somente ontem iria à escola buscar Michelzinho, para que então quis chamar a atenção para um ato completamente fora de sua rotina diária?

Qual o significado de ir buscar o filho diante das câmeras, se esse não é um ato cotidiano seu? É igual a chamar a imprensa para acompanhá-lo andando de ônibus, ou de trem, para ir a algum lugar. Se não pode repetir o gesto naturalmente no dia a dia, como fazem os ministros suecos, por que chamar a atenção para um fato anormal como se ele representasse um hábito de circular entre os populares, ou mesmo entre os pais dos coleguinhas de seu filho?

Será que a prisão do marqueteiro João Santana não quer dizer nada para os políticos brasileiros? Ninguém entendeu ainda que criar mundos fantasiosos que escondem as mazelas nacionais já não é aceitável num país que está mudando muito, apesar dos pesares?

O caso da Olimpíada é exemplar, a começar pela tentativa de autoridades locais de naturalizar os problemas, como se eles não pudessem ser evitados. Eles são a explicitação da má gestão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mas ninguém quer admitir as falhas.

Da mesma maneira, nenhum dos ex-presidentes brasileiros está disposto a aparecer na tribuna de honra do Maracanã na cerimônia de abertura. Deixaram a vaia, quase certa, para Michel Temer.

A presidente afastada, Dilma Rousseff, arranjou uma boa desculpa: diz que não quer aparecer em lugar secundário num evento que ela e o ex-presidente Lula ajudaram a trazer para o Brasil. Também o ex-governador Sérgio Cabral, outro responsável pelo evento, não deve aparecer por lá.

Somente Temer e o prefeito Eduardo Paes, por dever de ofício, vão se expor às vaias, que sem dúvida são apartidárias nesta polarização política que domina o país. Esses são sinais de nossa decadência política, que gera decisões populistas como trazer a Copa do Mundo e a Olimpíada para o país, sem que tivéssemos condições de promover esses eventos internacionais.

Construir o básico do país em todos os setores deveria ser nossa prioridade, e não viver de criar ilusões, que um dia se esfacelam diante da realidade. Pode até ser que, assim como aconteceu na Copa, os dias de competição corram sem problemas. Mas, até agora, os percalços foram muitos para receber as delegações estrangeiras com um mínimo de condições.

O que importa mesmo para o país é o depois desses megaeventos, mais que o seu decorrer, que pode transcorrer isento de transtornos (se Deus quiser). Os elefantes brancos que ficam pelo caminho, como os estádios de futebol vazios e o campo de golfe “popular”, é que são elas.


Guardem o canguru - RODRIGO CRAVEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 27/07

De nada vai adiantar colocar um canguru na entrada da Vila Olímpica. Isso não vai satisfazer os australianos nem torná-los menos descontentes. A declaração do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi - para dizer o mínimo - insensata e infeliz. As Olimpíadas nem começaram e já damos uma lição ao mundo: a de que, no Brasil, o famoso "jeitinho" e a malemolência estão arraigados em nossos valores culturais. Talvez por isso estejamos a anos-luz de sermos uma nação desenvolvida e civilizada. Somos por demais descompromissados e temos a horrível mania de procrastinar tudo, na certeza de que, no fim, tudo dará certo, como que por milagre. Afinal, acreditamos que Deus é brasileiro.

Em nossa primeira participação como sede do maior evento esportivo do planeta, temos nos revelado péssimos anfitriões. Os apartamentos que deveriam abrigar as delegações estão "inabitáveis", de acordo com os próprios atletas. Fotografias divulgadas dos locais mostram imensas poças d"água, buracos nas paredes, fiações soltas. Em muitas unidades, faltam água e gás. O serviço de coleta de esgoto não funciona. A Suécia abandonou a Vila Olímpica, a Bielorrússia divulgou foto de janela encardida. Teve quem denunciasse até mesmo furtos dentro da Vila Olímpica.

As autoridades brasileiras mereceriam uma medalha da vergonha ante tanto desleixo. Como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco, e o síndico da Vila Olímpica será afastado. Pergunto: Paes, o governador do Rio ou outras autoridades não inspecionaram o local? Uma obra desse porte não deveria ser extremamente relevante para a imagem do Brasil e dos Jogos? Mais uma vez, somos expostos ao ridículo. Na semana passada, o "complô terrorista" anunciado pela Polícia Federal foi ironizado pela mídia internacional, que contestou a periculosidade dos 11 detidos e viu um bando de marmanjos conversando no WhatsApp e tentando comprar um fuzil em site do Paraguai.

Se tivéssemos devotado o mesmo zelo e rigor com a infraestrutura da Vila Olímpica, talvez não fôssemos alvos de tanto escracho. Talvez tivesse sido melhor que um ex-presidente guardasse para si a megalomania e não apoiasse com tanto entusiasmo a realização das Olimpíadas em solo brasileiro. Temos tantos problemas a resolver. Milhões de desempregados, crianças passando fome, violência desenfreada, inflação galopante, juros estratosféricos, escândalos de corrupção a torto e a direito. E queremos provar para o mundo algo ainda tão distante de nossa realidade. Os deuses do Parthenon devem estar corados de tanta vergonha.


Privatizações precisam ir além da BR - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/07

Inexiste qualquer razão estratégica pela qual o Estado deva controlar uma distribuidora de combustíveis, tampouco as outras subsidiárias da Petrobras

Se uma pessoa física ou empresa enfrenta grave situação financeira e não tem mais condições de se endividar, põe bens à venda. Mas o que é simples fica complexo no caso da Petrobras, devido à carga emocional que grupos políticos criaram em torno dela, explorando a campanha nacionalista de sua criação, na década de 50.

A questão foi em parte superada na gestão FH, quando o monopólio estatal do petróleo terminou sendo quebrado. Mas o dogma ressurgiu no período do lulopetismo, inclusive com a instituição de um monopólio no pré-sal, prestes a ser rompido para destravar os bilionários investimentos requeridos por esta fronteira de exploração, promissora, mas que exige muito dinheiro.

Com o maior endividamento corporativo do mundo — meio trilhão de reais —, a empresa tem de se capitalizar por meio da venda de ativos. Em português claro, privatização — mas o termo é evitado na estatal, por esse caráter quase religioso com que o controle da companhia pelo Tesouro é tratado por certos grupos políticos.

A necessidade de vender ativos é tão óbvia que mesmo na administração anterior, de Aldemir Bendine, nomeado pela presidente Dilma para retomar o controle de uma empresa devastada por uma mistura de corrupção e gestão incompetente, foi instituído um programa de venda de participações em subsidiárias. E até estabelecida, para este ano, a meta de se arrecadar US$ 14 bilhões com essas operações, objetivo mantido pelo substituto de Bandine, Pedro Parente.

No governo petista, por ser um sacrilégio falar-se em privatizações, o objetivo era vender participações sem alienar o controle. Difícil, porque, depois das histórias relatadas na Lava-Jato, nenhum grupo privado tem grande interesse em ser sócio minoritário da estatal. Pois o risco é grande de pagar parte da conta de erros cometidos pela União na empresa.

A BR Distribuidora, líder no seu mercado, é ativo ambicionado. E a Petrobras de Parente percebeu que a empresa teria de abrir mão do controle da distribuidora, para atrair interessados. Chame-se o negócio de privatização ou do que for.

A Petrobras manterá 49% das ações de controle, venderá, portanto, 51%, e, do total do capital da empresa, ficará com 60%. Espera-se que o negócio quebre o dogma da “privatização” no grupo Petrobras.

É importante considerar-se que não existe qualquer razão estratégica para o Estado ter o controle de uma distribuidora de combustíveis. Ela ganhou força com o nacionalista Ernesto Geisel na presidência da Petrobras, antes de assumir o Planalto. No início da década de 70, Geisel transferiu, na marra, postos que seriam da Shell no Aterro do Flamengo para a BR. Não estava em jogo a segurança nacional. O mesmo vale para a Transpetro, sob a qual estão a frota de navios da empresa, terminais e dutos. Sua venda também não colocará a pátria em risco, tampouco se o controle de todas as demais subsidiárias for vendido.