segunda-feira, julho 25, 2016

Vai ter Olimpíada? - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 25/97


A 11 dias do início dos Jogos Olímpicos, o Brasil é destaque na imprensa internacional. E não é por nenhuma razão esportiva. No encerramento da corrida de obstáculos em que se transformou a preparação do País para o evento, o comitê organizador tropeçou em mais uma pedra: depois da zika, da contaminação das águas da baía de Guanabara, do desmoronamento da ciclovia, a questão agora é o despreparo das instalações da Vila Olímpica. As delegações se queixam de vazamentos de água, fios desencapados e de outros problemas prosaicos nos alojamentos destinados aos atletas

As escaramuças trocadas entre o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e os chefes da delegação da Austrália foram o principal tema “olímpico” deste final de semana. Exatamente aquele em que o tour da tocha por São Paulo e a inauguração da Vila Olímpica no Rio deveriam marcar o começo da festa. Paes cometeu mais uma impropriedade, ao ironizar que deveria ter providenciado “cangurus” para os apartamentos dos australianos, e estes responderam, de bate-pronto, que melhor seria chamar encanadores.

Pode ser só mais um incidente. Afinal de contas, segundo testemunhas oculares de outras Olimpíadas, obras incompletas às vésperas do início dos jogos, não são nenhuma novidade. Foi assim, por exemplo, na Olimpíada de inverno de Sochi, na Rússia. O que preocupa, no entanto, é que a “crise” com a delegação australiana seja apenas mais um indicador das atribulações do evento. Que, é voz corrente, tornou-se grande demais para o momento da economia brasileira.

Segundo dados divulgados no final do semestre pela Prefeitura do Rio, o orçamento total dos jogos é de R$ 39 bilhões: R$ 7 bilhões foram despejados na organização do evento, com investimento do próprio comitê organizador. Outros R$ 7 bilhões destinaram-se às instalações olímpicas e R$ 24 bilhões foram aplicados em obras que devem ficar como legado para a cidade. É o caso da revitalização do porto e das obras de transporte público como VLT, BRT e ampliação do metrô.

A grande diferença em relação à Copa do Mundo, como Paes insistia em destacar durante toda a preparação, é que, na Olimpíada, a iniciativa privada bancaria a maior parte das despesas: 60% dos gastos na construção de arenas e estádios seriam assegurados por meio de parcerias com a Prefeitura do Rio.

É claro que, num país polarizado como o Brasil dos últimos tempos, a Olimpíada virou uma oportunidade e tanto para ataques de um lado e de outro. Assim como na Copa, as redes sociais vocalizam a grande disputa entre os contra e os a favor dos Jogos Olímpicos. Só não se recorreu ao slogan “Não vai ter Olimpíada”, por razões óbvias. Teve Copa e o principal vexame não ocorreu fora, mas sim dentro do campo. Exatamente ao contrário do que se esperava e do que se gabavam alguns responsáveis pelo futebol brasileiro.

Vai ter Olimpíada. E é possível até que ela supere os temores de que “nada vai funcionar” e de que o País vai pagar um mico histórico. Até porque, assim como aconteceu na Copa, há uma concentração de esforços no sentido de viabilizar o evento – força-tarefa para terminar as obras, força-tarefa para segurança, esquemas alternativos de transporte e o que mais for preciso.

Sem contar o “astral” dos brasileiros – ainda mais no Rio –, que acaba contaminando as delegações e os turistas. Na Copa, o Brasil já mostrou que é bom nisso. Só não é bom no chamado legado. Sobram dívidas, sobram obras de infra-estrutura incompletas, sobram obras esportivas sem utilização garantida. Nessa parte, não há bom astral que dê jeito.

Afetos morais - LUIZ FELIPE PONDÉ

GAZETA DO POVO - PR - 25/07

Do que eu preferiria morrer? De tristeza ou de culpa? Proponho a você a mesma indagação. Muita gente pensa que filósofo é “racional”. Tem muito filósofo assim mesmo. Que acredita nas ideias. Mas, nem sempre é assim. Para mim, as ideias seguem as taras e as emoções, se acomodam a elas, que fazem o que podem para sobreviver num mundo muitas vezes hostil aos sentimentos. Penso, como os românticos, que o centro da vida são os afetos.

Dias atrás, uma amiga me pôs uma questão de ordem moral muito instigante: do que eu preferiria morrer? De tristeza ou de culpa? Proponho a você a mesma indagação. Qual seria, entre as duas, a pior forma de morrer (ou viver)?

Caso fosse dada a você a necessidade imperativa de fazer uma escolha desta ordem, morrer de tristeza ou morrer de culpa, qual você escolheria? Não tenha pressa em responder. Afinal, nas duas alternativas está a palavra “morrer”, palavra esta que exige cuidado ao ser manipulada. Nessa questão está pressuposta a escolha entre dois males (como me dizia outra amiga dias atrás).

As duas alternativas transitam pelo que na filosofia chamaríamos de experiência estética e moral. Estética em filosofia não significa a priori algo a ver com a arte, mas com as sensações por conta da palavra grega “aesthesis” ser traduzida por sensações (”anestesia” significa perda das sensações não por acaso...). Uma experiência estética toca os afetos, o gosto, as sensações.

Moral, por sua vez, fala do comportamento, da norma, da boa ou da má conduta, do certo ou do errado, enfim, do que é esperado de nós no tocante ao convívio normatizado em sociedade.

É comum imaginar-se que haveria um conflito inevitável entre uma experiência estética e uma experiência moral, já que a segunda pressupõe alguma forma de constrangimento da primeira a fim de torná-la “civilizada”. Autores como os românticos alemães dos séculos 18 e 19 sonhavam com um encontro profundo entre estética e moral, no qual “o que sentimos existiria em harmonia com nossa ação moral”.

Utopia? Sim, creio ser uma utopia. Somos demasiadamente contraditórios para termos qualquer forma de harmonia nesse nível. Harmônicos só os cadáveres ou os mentirosos.

Voltando a nossa questão. O que você escolheria, morrer de tristeza ou morrer de culpa?

Tristeza é um afeto, um sentimento, um estado de alma advindo da perda de algo que nos dá prazer, felicidade, gosto pra viver. Impossível esgotar os sentidos da tristeza. São Tomás de Aquino (século 13) achava a tristeza uma forma de pecado porque o mundo, segundo o Criador, é bom. Você acredita que seja bom mesmo?

Culpa, por sua vez, é um afeto essencialmente decorrente da vida moral. Muita gente acredita, como os filósofos ingleses dos séculos 18 e 19, que a base da vida moral seja o afeto, portanto, haveria uma relação profunda entre a moral e a estética. No caso, a culpa seria um afeto moral decorrente da consciência de que fizemos sofrer alguém que não merecia sofrer.

Mas na questão em si está o fato de você poder morrer de uma das duas, tristeza ou culpa. Vejamos um pouco de contexto hipotético para ajudar em sua decisão.

Imagine que essa tristeza fosse causada pela certeza de que você deve abrir mão de algo que você ama muito ou deseja profundamente. Algo ou alguém que você sinta ter buscado a vida inteira, mas que não pode ou deve ter com você a não ser que seja às custas de muito sofrimento para outras pessoas que não merecem tamanho e atroz sofrimento. Você deveria abrir mão desse seu desejo em favor do que seria o esperado em termos de normas sociais e de cuidado para com os “inocentes”. Ao fazê-lo, optaria por ser triste, mas fiel ao que é certo, daí minha amiga falar em “morrer de tristeza”. Escolheria a infelicidade em nome do que é moralmente justo.

Por outro lado, se você optar pelo desejo, levaria a agonia para o coração daqueles que não deveriam viver essa agonia. Daí a ideia de “morrer de culpa”. Morrer de culpa seria o preço por ter sido fiel ao seu desejo. Abrir mão da felicidade em nome do “certo” pode lhe fazer infeliz. Mas, a infelicidade pode ser um dos hábitos mais profundos em nossas vidas.


Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.

Batatadas - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 25/07

"O deputado que faltar sessões da Câmara durante a Olimpíada será descontado", diz o locutor matinal do rádio. Quem errou? O redator do programa, que não sabe ou se esqueceu de que o correto é "o deputado que faltar às sessões" ou o locutor que, mal saído da cama, leu distraído o texto? Tanto faz. O desprestígio ou mau uso da preposição "a" já é tal que temo pelo seu futuro na língua.

Os fatos novos com que estamos lidando no país têm levado a gramática a perder de goleada para as construções mais estapafúrdias. Jornalistas, políticos e economistas se revezam na arte de cometer batatadas. Uma das mais frequentes é escrever ou dizer que fulano "faz apologia a" alguma coisa. Até há pouco, e conforme os melhores autores, fazia-se a apologia "de" alguma coisa.

E as pessoas que se concentram na Cinelândia ou na avenida Paulista "em protesto a" isso ou aquilo? Sempre pensei que se protestava "contra", não "a" o que quer que fosse. São as mesmas que se acham no "direito a protestar", e não "de protestar" —não admira que os protestos atraiam cada vez menos gente. O mesmo quanto às que se mobilizam "em celebração a" alguém, e não "de alguém". De onde saem esses estrupícios?

Repórteres se referem ao político xis como "aliado ao" deputado fulano. Como se pode ser aliado "a alguém", e não "de alguém"? E não se pode acusar o ex-presidente Lula e seus sócios de "obstrução à Justiça" —mas de "obstrução da Justiça". E os interrogatórios e prisões de cachorros grandes, "inéditos ao" sistema judicial brasileiro? Inéditos "no sistema", diriam os mais atentos.

Sim, eu sei, não passam de filigranas. Como estamos em plena temporada de "questionar a" qualquer coisa —e não apenas "questionar" essa mesma coisa–, talvez o alvo da vez seja a pobre e abandonada língua portuguesa.

Mãos à obra - PAULO GUEDES

O GLOBO - 25/07

Finalmente uma agenda construtiva para exame do Congresso: a reforma política, o teto de gastos públicos e os ajustes na Previdência Social


O novo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do DEM, anuncia finalmente uma agenda construtiva para exame do Congresso. A reforma política é uma exigência da opinião pública informada. Já o teto de gastos públicos e os ajustes na Previdência Social são imprescindíveis ao combate à inflação e à retomada do crescimento. É importante que a classe política saia da paralisia em que se encontra desde que as investigações da Lava-Jato confirmaram a existência de degeneradas suas mais importantes práticas envolvendo lideranças. boa parte de

É urgente dever dos congressistas uma reforma da legislação eleitoral e a aprovação da cláusula de barreira, bem como de uma cláusula de votação em bloco, para valorizar a fidelidade partidária e viabilizar apoio parlamentar, orgânico e no atacado, sem a necessidade de se recorrer à compra disfuncional e no varejo desse apoio "mercenário", como hoje ocorre. Essas matérias precisam avançar não só por seu fundamental interesse para a população brasileira mas também pelo próprio interesse dos atuais deputados e senadores. Pela simples razão de que, sem uma condenação explícita das práticas atuais por meio dessas reformas, a opinião pública seguirá insaciável ante a sequência de execuções 
pela guilhotina pelo midiática e a sucessão de encarceramentos pelo efeito e dominó das delações premiadas. 

A volta da confiança na economia depende, da mesma forma, da admissão explícita de que tem faltado o apoio da política fiscal aos esforços anti-inflacionários da política monetária.  Mesmo quando o governo acena com a aprovação de um teto para os gastos públicos, usa como referência a inflação passada (mais alta), quando deveria usar as expectativas de inflação futura (mais baixa) para romper com a inércia da realimentação inflacionária. Se o setor privado mergulha no desemprego em massa, por que o funcionalismo público, que usufrui a estabilidade no emprego e privilegiados benefícios previdenciários, deve ter reajustes automáticos indexados à inflação passada? Principalmente se considerarmos que isso traria um aumento do salário real médio no setor público caso a taxa de inflação efetivamente mergulhasse dos quase dois dígitos atuais para os 4,5% do centro da meta do Banco Central. Mãos à obra, senhores.

Mais gestão e menos governo - CHARLES HOLLAND

VALOR ECONÔMICO - 25/07

Para atingir o crescimento sustentado só precisamos de menos intervenção do governo nos negócios


O 21º presidente dos Estado Unidos, Warren G. Harding, foi eleito usando a plataforma e slogan de campanha: "Menos governo nas atividades empresariais e mais atitudes empresariais no governo".

Todas as 4,8 milhões de empresas adotam a meritocracia, fazem continuamente cortes de gastos, aperfeiçoam os processos, promovem inovações e procuram encantar os seus clientes. E o governo?

O governo federal nos últimos 20 anos sempre aumentou seus gastos acima de suas receitas. Os gastos públicos estão engessados por leis e regulamentos que asseguram aos serviços públicos muitos direitos adquiridos, inviabilizando ajustes, cortes de pessoal e eliminação de gastos redundantes. A sociedade brasileira arca sempre com o ônus.

Os salários e benefícios dos funcionários públicos concursados são substancialmente maiores do que os do setor privado. Os três poderes do governo, principalmente federal - Executivo, Legislativo e Judiciário - estão todos inchados. Se houvesse atitudes empresariais no governo seria viável reduzir drasticamente logo seus gastos.

É praticamente impossível demitir funcionários públicos, mesmo quando são preguiçosos e incompetentes. Todos os benefícios e vantagens de aposentados do setor público são preservados por leis. São direitos adquiridos ad eternum, supostamente intocáveis.

Pela Constituição Federal, segundo o artigo 5º, todos são iguais perante a lei. O acima citado mostra que a prática e interpretação estão bem distantes dos princípios da lei maior. A nossa Constituição com mais de 80 mil palavras contempla muitas exceções e direitos para minorias em contradição ao artigo 5º acima.

De onde procedem os recursos para o crescimento contínuo dos gastos do governo federal? Até 1996, o Brasil tinha uma carga tributária compatível com a média mundial - 26% em relação ao Produto Nacional Bruto (PIB) -, sendo que esta aumentou gradativamente até 2001, atingindo 32%. Atualmente é de 35% em relação ao PIB. O governo federal arrecada e consome quase 70% do total dos impostos do Brasil. Os municípios, onde tudo acontece, estão todos à míngua de recursos.

A carga tributária atual no Brasil é incompatível com países semelhantes. Por exemplo, a carga de impostos sobre PIB no Chile é de 21%, no México é de 20%, no Paraguai, 12%, em Cingapura é de 14%, e nos Estados Unidos é de 27%.

O governo federal também cresceu muito por meio de empresas estatais. Das atuais 149 estatais federais, 44 foram criadas a partir de 2002. Segundo se noticia, muitas são usadas como cabides de empregos para indicados políticos. Neste período nenhuma estatal foi privatizada. Hoje há promessas de previsões de privatizações num futuro próximo. É uma fonte imediata disponível de recursos para o governo federal. O governo pode reduzir o seu endividamento, criando mais empresas abertas e o fortalecimento do nosso mercado de capitais.

O Brasil é um país onde advogados ditam cada vez mais os rumos do país, sendo eles maioria no Legislativo e Executivo federal. Há 1300 faculdades de direito, enquanto o resto do mundo tem 1100 faculdades. Temos dois advogados para cada médico no Brasil. O custo da Justiça no Brasil é de 1,2% do PIB. Nos EUA é de 0,14 e na Itália é de 0,19. O nosso Judiciário emprega 430 mil, enquanto as forças armadas tinham cerca de 330 mil servidores em 2014. Há 105 milhões de ações judiciais em andamento, sendo que mais de 70 milhões são na área trabalhista - em litígios trabalhistas somos o número 1 no mundo.

O Brasil é um dos poucos países que tem fóruns trabalhistas. Há excesso de advogados e estímulos para a Justiça ser lenta, aceitando apelações e protelações quase "ad eternum". Muitos prejudicados morrem antes da sentença final. Ações que tenham o mesmo fato motivador de pedido e a mesma causa não são julgadas por meio de um único ato decisório. A ineficiência conveniente é fonte dos elevados custos de honorários advocatícios e de aumento de emprego de advogados. Pessoas ricas e políticamente influentes dificilmente são condenadas no Brasil.

Se houvesse um enxugamento de pessoal no governo federal dos atuais 600 mil servidores para menos de 500 mil, onde os mesmos poderiam ser bem aproveitados?

Muitos funcionários no governo federal são subutilizados. Temos soluções ao nosso alcance para os problemas do gigantismo do governo, principalmente federal. O país como um todo está trabalhando pouco. Temos poucas obras em andamento. O desemprego efetivo é crônico, substancialmente maior do que o reportado.

Como abolir a ociosidade e desemprego crônico no Brasil? Desde 2011 o Brasil tem mais de US$ 300 bilhões de reservas cambiais aplicadas em títulos da dívida do governo americano rendendo 1% ao ano. Estamos financiando a dívida do governo americano. Enquanto isto, as empresas brasileiras são obrigadas a fazer captações de recursos no exterior ou no Brasil sempre com juros reais salgados.

O setor privado no Brasil, corretamente monitorado e vigiado, poderia captar empréstimos do governo federal no limite de US$ 300 bilhões para promoções de obras de interesse de desenvolvimento nacional. O governo federal deveria aplicar via BNDES e outros as nossas reservas cambiais no desenvolvimento do país por financiamentos de longo prazo para empresas no Brasil.

Temos condições num futuro próximo de criar até 10 milhões de empregos internalizando as reservas cambiais paradas no exterior rendendo juros negativos. Objetivo: fazer as obras necessárias de infraestrutura - estradas, ferrovias, hidrovias, aeroportos, etc. Também estamos atrasados em educação e saúde. Somos ricos em necessidades, e pobre em realizações.

Para sair da ociosidade para o desenvolvimento e crescimento contínuo e sustentado só precisamos de "menos intervenção do governo nas atividades empresariais e mais atitudes empresariais no governo".

Charles Holland é contador, conselheiro, diretor executivo e coordenador do Comitê de Governança Corporativa da ANEFAC.

Cegueira deliberada - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 25/07

Dilma diz que, se houve, não tinha conhecimento. Já João Santana afirma que recebeu de caixa dois de campanha presidencial da petista, mas não sabia a origem. E o PT nega até o insofismável e diz que tudo foi registrado legalmente.

Casos típicos de cegueira deliberada, cada um no seu devido grau de fingimento sobre o ato irregular, o pagamento de uma dívida de campanha de 2010 para o marqueteiro.

Dilma pode até não saber quem pagou Santana, mas sabia, no mínimo, que havia algo suspeito no ar. Afinal, ela queria distância de João Vaccari Neto, o ex-tesoureiro petista. Preso em Curitiba, foi quem acertou, segundo recebedor e pagador, a quitação da dívida do marqueteiro.

Em 2014, Dilma proibiu que Vaccari integrasse seu comitê. Foi além. Avisou empresários que ele não falava em seu nome ao ser informada que o tesoureiro estava pedindo doações para sua campanha. Um deles contou-me a conversa e disse que a petista foi taxativa no veto.

O que Dilma sabia de Vaccari para vetá-lo em seu time eleitoral? E, pelo que é dito nos bastidores empresariais, mesmo assim ele ajudou na tarefa de buscar recursos, de caixa dois, para a campanha de 2014.

João Santana ergue a tese do "todos fazem o mesmo". Só que caixa dois é dinheiro de crime. Praticado por um ou por mil. Neste caso, de propina. Depositado no exterior, ganha contornos mais graves de criminalidade. Quem recebe, finge não saber porque não quer ficar fora do mercado. Até a casa cair. E caiu.

Já o PT é um caso extremo de cegueira deliberada. Fiquemos apenas neste último caso. Quem recebeu, João Santana, diz que o pagamento, de caixa dois, foi feito por um operador do petrolão, seguindo ordens do então tesoureiro petista.

O operador confirma e vai além. Revela que o dinheiro vinha de propina do petrolão. Mas o PT nega tudo. Daqui a pouco, vai negar a si mesmo. Logo ele, que veio para mudar tudo isto e nisto se lambuzou.

O começo do fim dos bloqueios? - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 25/07

Na semana passada, pela quarta vez, uma juíza mandou o WhatsApp ser bloqueado em todo o Brasil –nessa ocasião, uma magistrada de Duque de Caxias (RJ).

Trata-se de péssimo sintoma: bloqueios de sites na infraestrutura da internet estão virando procedimento "normal" no país. O que é inaceitável.

Temos mais de 15 mil juízes de primeira instância. Se cada um puder interferir na infraestrutura da rede e desligar os sites, aplicativos ou serviços que bem entender, será melhor parar de chamar a rede brasileira de internet.

Ela se tornará uma caricatura da rede mundial de computadores, em que alguns juízes decidem no lugar dos cidadãos o que podem acessar ou não.

Bloquear sites, aplicativos e serviços de internet é conduta típica de países autoritários, como a Arábia Saudita ou a Coreia do Norte. Não é algo que seja compatível com o Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, o Conselho de Direitos Humanos da ONU emitiu uma resolução, em 27 de junho, condenando o bloqueio de sites por órgãos estatais.

Nas suas palavras: "[O Conselho] condena inequivocadamente medidas que intencionalmente impeçam ou interfiram no acesso ou disseminação da informação on-line e conclama os Estados a abdicar de tais medidas e cessá-las".

Felizmente, esse quadro começou a mudar desta vez. Não só a decisão foi revertida algumas horas depois de ser proferida como quem a reverteu foi o Supremo, por decisão monocrática de Ricardo Lewandowski.

O ministro argumenta que bloquear sites viola o direito de livre expressão e comunicação previsto na Constituição. Viola também o Marco Civil da Internet, que assegura a "garantia da liberdade de expressão e comunicação" na internet e a "preservação da estabilidade, da segurança e da funcionalidade da rede". Com isso, espera-se que a decisão ajude a inibir outros juízes de ordenar novos bloqueios.

Outro fato relevante foi a entrevista em que o ministro da Justiça disse que o governo irá propor projeto de lei para que empresas "detentoras de informações" sejam obrigadas a ter sede no Brasil, permitindo que "forneçam essas informações".

A questão do acesso a dados para investigação judicial é importante e precisa ser equacionada. Esse é um problema global, não só brasileiro. No entanto, obrigar empresas a ter sede no país pode produzir o efeito contrário do esperado.

Mais de 99% das empresas de internet não têm sede no país. Se forem obrigadas a se estabelecer aqui, irão optar por não oferecer serviços no país ou simplesmente ignorar a lei. Tal medida tem o potencial de isolar ainda mais a rede brasileira da internet global.

Vale lembrar que o Marco Civil já possui mecanismos mais do que contundentes para investigação policial. O que deveria estar sendo debatido é se de fato precisamos de ferramentas ainda mais intrusivas, em um mundo em que a vigilância é a regra, e a privacidade, a exceção.

JÁ ERA confiabilidade internacional na estabilidade da internet brasileira

JÁ É migrar para o Telegram quando o WhatsApp é bloqueado

JÁ VEM migrar para o Signal quando o WhatsApp é bloqueado


Medalha de lata - RENATO ALVES

CORREIO BRAZILIENSE - 25/07

Quando você vai receber um hóspede muito aguardado, o que faz? Deixa a casa arrumada. O mesmo serve para um país, para uma cidade. Brasília vai gastar R$ 25 milhões em função das Olimpíadas. O valor inclui despesas com a passagem da tocha pela capital, que aconteceu em maio, e com as forças de segurança na cerimônia e nas partidas no Estádio Mané Garrincha, que receberá 10 jogos de futebol. A alegação do governo local para a destinação da verba pública para um evento esportivo, em meio à maior crise financeira da capital, é a oportunidade de mostrar a cidade ao mundo, com a expectativa(exageradamente otimista) de receber 300 mil turistas. No entanto, a casa está uma bagunça. E ela não será totalmente arrumada até a chegada dos atletas e dos torcedores.

Além do estádio, que, mesmo sendo o mais caro do país, sofre com a falta de manutenção no gramado e em parte das instalações, pouco está pronto para o início das 10 partidas, entre 4 e 13 de agosto. Não há obra alguma nos decadentes setores hoteleiros Sul e Norte, que sequer oferecem calçadas e jardins aos hóspedes. Nem as tão propagadas obras de mobilidade no Plano Piloto, com calçadas e ciclovias, anunciadas para a Copa de 2012, estarão concluídas para a Olimpíada. Assim como BRT (com estações fechadas) e o projeto paisagístico pensado por Burle Marx, entre a Torre de TV e a Rodoviária do Plano Piloto. Monumentos como o Itamaraty e a Torre de TV Digital devem permanecer fechados. Para terminar, dos 10 Centros de Atendimento ao Turista (CAT), só três funcionam. E não há programação cultural pública alguma prevista para entreter os visitantes.

Em meio a esse cenário, os jogos do torneio olímpico de futebol vão atrair delegações, jornalistas e turistas de países visados por terroristas, como o Iraque, a Alemanha e os Estados Unidos. O Senado Federal começa a votar a cassação de Dilma Rousseff em 9 de agosto, mas o resultado deve sair só duas semanas depois, ou seja, durante as partidas no Mané Garrincha.

Mesmo com os dois eventos, policiais civis e militares de Brasília se mobilizam por aumento de salário e melhores condições de trabalho. As delegacias estão, há três semanas, em Operação Legalidade, com agentes deixando de colher depoimentos. Agentes e escrivães ameaçam uma greve geral. Na PM, praças organizam uma Operação Tartaruga, para atender só casos de extrema gravidade.

Portanto, cá para nós, estimado e atento leitor, sabendo de tudo isso, você compraria um pacote turístico para visitar Brasília em agosto, para assistir a jogos de futebol das equipes C de países com quase ou nenhuma expressão no cenário mundial? Eu, certamente, não. Nem convidaria parente ou amigo algum. Não quero que tenham uma imagem negativa da cidade onde escolhi morar.


O motivo da saída - RAPHAEL MIRANDA

O Globo - 25/07

Dilma Rousseff está sendo removida da cadeira para a qual foi eleita porque não conseguiu cumprir as funções exigidas de um presidente da República



O Senado prepara a decisão final sobre a presidente afastada, Dilma Rousseff. Previsões políticas são sempre arriscadas, mas, no momento em que escrevo este artigo, a probabilidade maior é o afastamento definitivo e a posse de Michel Temer para governar até — se não houver imprevisto — o fim de 2018.

Este episódio de nossa história vem reacendendo um debate que volta e meia ressurge no presidencialismo. Como conduzir a remoção do chefe do governo sem ferir o estado democrático de direito? Aliás, a defesa da legalidade, como a entendem os aliados da presidente afastada, está no centro da estratégia do “Volta Dilma”.

O texto constitucional é ao mesmo tempo abrangente e genérico ao definir crime de responsabilidade. Isso permite que valha entre nós a máxima de que há crime de responsabilidade quando a maioria qualificada da Câmara e Senado considera haver crime de responsabilidade. E só.

Duas pernas sustentam um governo: a legitimidade e a legalidade. É ato de violência antidemocrática extirpar um governo sem respeitar as leis que definem como isso deve ser feito. Felizmente, apesar do alarido em torno do suposto golpe, episódios golpistas parecem ter ficado no passado. São hoje apenas registros nos livros de História do Brasil.

Qual o problema central da presidente afastada? Na vida real, nenhum governo consegue se manter apenas com base nos apelos pela legalidade. Se o governo e o governante mostram-se incapazes de cumprir minimamente suas funções, se não têm apoio suficiente no Congresso e na sociedade, se não conseguem conduzir a economia de maneira confiável, o resultado natural é a sociedade e o sistema político buscarem alternativas.

Dilma apostou todas as fichas numa recuperação relativamente rápida da economia mundial. Decidiu gastar o necessário para atravessar esse desfiladeiro que supunha curto, e emergir lá adiante com a economia, a popularidade e a força política em alta. Além de gastar o que fosse preciso, decidiu também esconder a realidade. Algo como curar o paciente sem este nem ficar sabendo que estava doente.

Deu errado. A crise mundial é mais longa do que previam os otimistas. Nossa principal fonte de receitas, as commodities estão em baixa, e a má produtividade da nossa economia impede uma recuperação mais rápida pelo lado das exportações. Em resumo, a bonança não veio, e a realidade apresenta sua fatura cruel. Antes de se recuperar, o Brasil quebrou.

Diante disso, a sociedade percebeu ter sido vítima de um estelionato eleitoral. A popularidade da mandatária foi ao solo. E como não havia construído nos anos de fartura os laços políticos que poderiam protegê-la quando viesse a escassez, ela viu-se de repente sozinha e sem chão.

Aí seus adversários sentiram a oportunidade de interromper a hegemonia do PT.

Assim é a política. Ao fim e ao cabo, é uma atividade regida pela correlação de forças. Dilma Rousseff está sendo removida da cadeira para a qual foi eleita porque não conseguiu cumprir as funções exigidas de um presidente da República. Não conseguiu mais governar.

A presidente não foi afastada por causa do impeachment. O impeachment foi o instrumento disponível para remover um governo que não governava mais. Porque tinha perdido a confiança da sociedade, do Congresso e até de boa parte dos seus correligionários.

Todo impeachment é uma ruptura, e carrega alguma dose de violência. Esse é um fato. Debater isso é legítimo. Mas o debate em torno da legalidade só ilumina uma parte do problema. O que os defensores de Dilma não explicam, talvez porque não possam, é por que seria bom para o Brasil reconduzi-la ao Planalto.


Raphael Miranda é advogado

Coalizões do bem - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 25/07

Proibir o comércio de armas de fogo no Brasil. Ratificar a inclusão do Reino Unido na União Europeia. Derrotar Donald Trump nos EUA. Em comum, cada um dos enunciados tem o poder de galvanizar alinhamento automático dos atores e organizações que mais têm voz no mundo contemporâneo.

Veículos de mídia, jornalistas, artistas, intelectuais, empresários e executivos globalizados aglutinaram-se a favor das três proposições. Foram batidos nas urnas nas duas primeiras —no referendo brasileiro, em outubro de 2005, e no plebiscito britânico, em junho de 2016.

O coro anti-Trump que essa coalizão do bem entoa agora ajuda, provavelmente, a subestimar na opinião pública as chances de vitória do republicano em novembro.

A dissonância entre o consenso das fatias mais vocais da sociedade, de um lado, e o sentimento do eleitor médio, do outro, funda-se na heterogeneidade dos valores. A paleta de crenças, mesmo nas democracias ricas e maduras, comporta mais cores do que os liberais enxergamos.

O "World Values Survey", um dos mais profundos e extensos painéis sobre o tema, mostra que apenas algumas nações escandinavas realizam os ideais de máxima autonomia do indivíduo e de largo domínio do secularismo racional.

Nos EUA, ainda se dá mais peso relativo a valores como religião, laços familiares tradicionais e nacionalismo, apesar de esse traço ter-se atenuado nas últimas décadas. O Reino Unido pouco se desloca da característica de sua ex-colônia americana.

Países anglófonos ficam muito distantes do perfil secularizado das nações asiáticas influenciadas pelo confucionismo, como Japão, China e Coreia do Sul.

O Brasil, mais tradicionalista que os EUA, ombreia-se com nações islâmicas menos radicais, como Argélia e Iraque. Brasileiros são mais ligados a valores tradicionais que argentinos, chilenos e uruguaios.


Judicialização da política - MURILLO ARAGÃO

ESTADÃO - 25/07

Existe risco de conflito entre o Congresso e o Poder Judiciário, uma guerra institucional



Um fenômeno importante na cena institucional brasileira da pós-democratização é a judicialização do processo político. Luís Roberto Barroso é quem assina, no Brasil, os textos mais relevantes sobre o tema. Em Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática Barroso afirma, entre outras coisas, que a “judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo”. Simples assim.

Não se trata, porém, de fenômeno novo, explica Barroso; ele ganhou força no pós-guerra do século passado, estando presente ainda em decisões políticas de grande relevância nos Estados Unidos, no Canadá e na Argentina, entre outros países. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a existência da “judicialização” confirma a fluidez das fronteiras entre a Justiça e a política.

O professor Lenio Streck pondera que judicialização não é um mal em si. O problema é o ativismo judicial que seria a “vulgata” da judicialização. Enquanto a judicialização pode ser produto de uma disputa política natural, como o questionamento de uma lei por partido político, o ativismo é um problema de comportamento, em que o juiz pode substituir os ditames constitucionais pela sua própria subjetividade.

O primeiro aspecto que devemos reconhecer a respeito da judicialização é que ela é crescente no cenário institucional brasileiro. Nos últimos anos, o STF decidiu, por exemplo, que a fidelidade partidária não seria obrigatória para detentores de mandatos majoritários. Decidiu, também, proibir as doações empresariais nas campanhas. E deliberou, em pelo menos três ocasiões, acerca de ritos processuais do Congresso Nacional. Em todas as ocasiões, as decisões tiveram amplo impacto político.

Nos anos anteriores, a presença do Judiciário em decisões com impacto político também foi relevante. Em 2006, o STF declarou inconstitucional a cláusula de barreira, que obrigava os partidos políticos a ter 5% dos votos nas eleições. Em 2007, o Supremo decidiu que o mandato dos parlamentares é dos partidos. A mudança de partido, antes livre, passou a poder ser feita só mediante regras emanadas por essa decisão.

O segundo aspecto a ser abordado é o porquê da relevância da judicialização na política brasileira. Barroso, em seu supracitado texto, explica que a principal causa da judicialização foi a redemocratização do País. Com ela houve a recuperação das garantias da magistratura, ela mesma garantidora do cumprimento da Constituição de 1988, e o fortalecimento do Ministério Público.

A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que resultou em um texto detalhado com cerca de 250 artigos, que transformaram matérias típicas de políticas públicas em direito constitucional. Diz Barroso: “Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial”. Tal situação provocou uma inundação de ações judiciais visando a garantir o cumprimento pelo Estado de direitos e garantias estabelecidos na Constituição.

A terceira causa da judicialização, para Barroso, reside no fato de o sistema brasileiro de controle da constitucionalidade ser um dos mais abrangentes do mundo. Tanto um juiz quanto uma Corte podem deixar de aplicar uma lei se a considerarem inconstitucional, a partir de ações específicas de declaração de inconstitucionalidade. A Constituição de 1988 ampliou sobremaneira o rol de legitimados a propor ações de inconstitucionalidade. Além das esferas de poder, entidades de classe de âmbito nacional e confederações sindicais de trabalhadores também podem propor ações diretas de inconstitucionalidade.

Temos, ainda, uma causa adicional, que decorre da excessiva fragmentação partidária: a dificuldade de o Congresso produzir consensos em temas polêmicos, como, por exemplo, uniões homoafetivas, nepotismo e anencefalia fetal, entre alguns outros. Na falta de consenso para aprovar um diploma legal, a sociedade demanda o STF para decidir temas que poderiam ter sido resolvidos pela via legislativa.

Considerando que tanto o judicialização da política quanto o ativismo judicial são relevantes para a conjuntura política, quais as consequências para o sistema político?

A primeira, já comprovada, é que o processo de reforma do sistema político nacional, entendido como as frequentes mudanças de regras eleitorais e partidárias, está sendo decisivamente moldado, e não apenas influenciado, por decisões judiciais.

A segunda consequência é que não se pode fazer análise política ou cálculos políticos sem deixar de considerar a possibilidade de interferência decisiva da Justiça.

A terceira consequência é que o fenômeno da judicialização tende a manter-se relevante nos próximos anos, seja por causa da existência de uma grande operação policial como a Lava Jato, seja pela própria retroalimentação que a atual judicialização da política causa no sistema.

Posto que a judicialização veio para ficar, é razoável supor que o mundo político não assistirá a tais interferências sem algum tipo de reação. Existe risco de conflito – leis podem ser aprovadas que afetem a atual situação e investigações no Congresso podem visar a constranger o Judiciário. O Judiciário, por seu lado, pode exacerbar o mero ativismo judicial testando limites ou mesmo os ultrapassando. Caberá às esferas superiores dos Poderes analisar a situação, tendo o equilíbrio e o reconhecimento dos limites institucionais de cada poder. E, sem dúvida, promover o diálogo, por meio de um pacto entre os Poderes, para que não venhamos a sofrer uma guerra institucional.

*Advogado, cientista político e consultor, é mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela UNB

Novo projeto para agências merece receber prioridade - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 25/07

Se realmente deseja atrair mais investimentos e destravar as concessões de infraestrutura, o governo deve engajar-se na reforma das agências reguladoras, que atravessaram um tenebroso período de descaso e enfraquecimento. Um passo importante para reverter o desmonte das autarquias é a nova versão do PLS 52, projeto de lei em tramitação no Senado desde 2013, cujo texto foi reformulado sob orientação da Casa Civil e que agora ganha o apoio declarado do Palácio do Planalto. Sabe-se que a agenda legislativa, após meses de virtual paralisia, acumula um estoque considerável de propostas à espera de deliberação e o governo precisará calibrar suas prioridades no Congresso Nacional. O esforço para aprovar uma lei geral das agências, porém, não pode ficar na condição de promessa.

Do loteamento entre partidos à escassez orçamentária, sobram episódios no passado recente para demonstrar como essas autarquias têm sido debilitadas. Interferência e perda de atribuições ajudaram a constituir, de maneira às vezes sutil, um cenário de fragilização dos órgãos reguladores.

Tome-se o exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma das mais bem estruturadas em recursos humanos, felizmente preservada de indicações políticas na era petista e mantida sob qualificado comando técnico. Nem isso foi suficiente para fortalecê-la. No fim do ano passado, por meio de emenda incorporada à Medida Provisória 688 com a bênção do governo da presidente afastada Dilma Rousseff, a palavra final sobre "excludentes de responsabilidade" saiu da esfera da Aneel e passou para o Ministério de Minas e Energia.

Parece um assunto complexo - e é. Trata-se de perdoar ou não os consórcios responsáveis pela construção de empreendimentos faraônicos, como as usinas hidrelétricas de Belo Monte (PA) e Jirau (PA), por atrasos na conclusão das obras. Uma decisão sobre os pedidos encaminhados pelas empresas, que alegavam não ter responsabilidade por esses atrasos, requer aprofundados estudos técnicos. Não cabem interpretações de cunho político. Em uma canetada e atropelando a agência, o ministério simplesmente chamou para si a tarefa de dar um veredito. No mês passado, o estrago foi corrigido pela MP 735 e a Aneel recuperou o poder decisório.

O substitutivo ao PLS 52 amplia as perspectivas de maior autonomia dos órgãos reguladores. Em termos financeiros, prevê que as autarquias sejam consideradas como unidades independentes no Orçamento Geral da União, sem ficar à mercê dos cortes impostos pelos ministérios aos quais estão vinculadas. Isso não chega a blindá-las contra a falta de recursos que se espalha por toda a administração pública, mas certamente impede que sofram contingenciamento desproporcional como forma de represália por decisões incômodas ao governo.

O maior avanço na proposta discutida pelo Senado, entretanto, diz respeito ao processo de indicação dos diretores das agências. Eles serão escolhidos com base em lista tríplice elaborada por uma comissão a ser instituída por decreto presidencial. A seleção ocorrerá por chamamento público. Os candidatos precisarão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na área ou, alternativamente, quatro anos em posições de chefia em empresas do setor regulado pela agência. O presidente da República terá, então, que remeter o nome de sua preferência ao Senado - para sabatina e apreciação - com antecedência suficiente para evitar uma situação de vacância no primeiro escalão. No governo Dilma, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) chegaram a ficar mais de dois anos sem suas diretorias completas.

Em meio a vários aperfeiçoamentos, convém lamentar uma ausência. Infelizmente, o projeto não aborda sugestão feita recentemente pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Em documento entregue ao governo, a entidade tocou em um ponto quase esquecido nas discussões sobre as agências reguladoras: a necessidade de maior suporte jurídico para amparo dos servidores. Eles sofrem pressões constantes e correm o risco de enfrentar ações administrativas ou judiciais por causa de deliberações de caráter eminentemente técnico. Apesar disso, são desprovidos de resguardo da Advocacia-Geral da União (AGU). Sem proteção jurídica, podem adotar postura excessivamente conservadora, a fim de evitar dores de cabeça no futuro.


Visto sem fim - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/07

Como efeito da crise econômica, tornou-se ainda mais distante o dia em que os brasileiros não precisarão de visto para viajar aos Estados Unidos. Aconstatação é de Sérgio Amaral, indicado para ser o novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, em entrevista a esta Folha publicada na última quarta (20).

De acordo com o diplomata, a atual recessão levou a um crescimento do número de postulantes que tiveram a entrada nos EUA negada. O motivo é a suspeita de que intentassem se estabelecer e trabalhar ilegalmente naquele país.

Com isso, o Brasil superou recentemente o percentual de rejeição de pedidos de visto abaixo de 3%, condição necessária, ainda que não suficiente, para entrar no pequeno grupo de países isentos —40 ao todo, dos quais apenas um, o Chile, está na América Latina.

Se a conjuntura brasileira não ajuda, o clima político norte-americano em torno da imigração tampouco é favorável —basta notar a grande ressonância no eleitorado do discurso xenófobo promovido pelo agora candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump.

A isenção de vistos entrou com força na agenda bilateral em 2012, por pressão de Brasília. Na época, a economia aquecida e o dólar barato fomentaram uma escalada do turismo brasileiro ao exterior. Naquele ano, houve 1 milhão de pedidos de vistos, um recorde até então.

Do outro lado, contudo, não houve esforço para que as negociações chegassem a bom termo. Os norte-americanos evitaram dar prazos e preferiram centrar os esforços na melhoria do serviço consular —o que de fato aconteceu, embora o processo continue custoso e desagradável, principalmente para quem mora em cidades distantes.

Os entendimentos foram atrasados por uma série de exigências burocráticas, como o acesso a informações tributárias dos viajantes e a liberação de nomes de pessoas investigadas pela polícia.

A exigência de visto constitui uma excrescência. Mesmo com a recessão atual, a esmagadora maioria dos brasileiros tem sua entrada nos EUA autorizada. No ano passado, 2,2 milhões deles visitaram aquele país e lá gastaram US$ 13,6 bilhões, segundo o Departamento de Comércio.

Pelo princípio da reciprocidade, não resta alternativa ao Itamaraty além de também exigir o visto de cidadãos norte-americanos. Em que pese o impacto negativo na indústria de turismo, trata-se de uma política condizente com o peso diplomático do Brasil no mundo.


Nem Dilma, nem Temer - RICARDO NOBLAT

O Globo - 25/07

“Estou preparadíssimo”. 

MICHEL TEMER, sobre a possibilidade de ser vaiado na festa de abertura da Olimpíada do Rio.


Salvo o inesperado, como uma delação premiada que ponha abaixo o governo interino de Michel Temer, o impeachment de Dilma é jogo jogado. Ela será cassada. E por saber disso, Dilma gostaria de acabar logo com os dias de agonia que faltam para retornar a Porto Alegre, onde morava. Se dependesse, porém, da maioria dos brasileiros, esta história teria outro desfecho: a eleição de um novo presidente.


A MEU PEDIDO, entre os últimos dias 20 e 23, o Instituto Paraná Pesquisas fez duas perguntas a 2.020 brasileiros maiores de 16 anos de 158 municípios de 24 estados, e também do Distrito Federal. O grau de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro, de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Foi registrada na Justiça e está à disposição dos partidos políticos.

À PERGUNTA ESTIMULADA: “Atualmente, o que você prefere...”, 11,1% dos entrevistados responderam que preferem a volta de Dilma à Presidência da República. A permanência de Temer como presidente foi a resposta de 23,8%. Pouco mais de 62% disseram preferir a realização de novas eleições. Esse percentual é igual ao encontrado pela mais recente pesquisa do Instituto Datafolha.

PARA QUE houvesse novas eleições, o Congresso teria que mudar a Constituição. Não há, ali, vontade suficiente para tal. Nem mesmo há dentro do PT e entre seus aliados. Um grupo de senadores sugeriu a Dilma que adotasse a ideia. Sem entusiasmo, ela fala na convocação de um plebiscito para que o povo decida sobre novas eleições, mas... mas desde que a Presidência lhe seja devolvida antes.

COM ENTUSIASMO dia sim e outro também, Dilma fala sobre o suposto golpe parlamentar que a derrubou. Está convencida de que passará à História como a primeira mulher eleita presidente do Brasil e vítima de uma clamorosa injustiça. O PT quer vê-la pelas costas o mais breve possível. Até concorda em antecipar a votação do impeachment, por ora marcada para o final de agosto próximo.

À OUTRA pergunta estimulada, essa sobre o futuro de Lula, 15,2% dos entrevistados pelo Instituto Paraná Pesquisas responderam que preferem a volta dele à Presidência da República. Contra 34,1% que disseram preferir que ele simplesmente se aposentasse da política. E 47,7% que fosse preso pelo juiz Sérgio Moro. Não souberam ou não quiseram responder, 3%.

“O INÍCIO DA administração de Temer está indo melhor, pior ou igual ao que o senhor ou senhora esperava?”, perguntou o instituto. Melhor, responderam 20,9%. Pior, 20,8%. Igual, 51,8%. E 6,4% não souberam ou não quiseram responder. “De uma maneira geral, diria que aprova ou desaprova a administração de Temer até o momento?”, insistiu o instituto.

LEVANDO-SE em conta pesquisa de junho passado, a aprovação passou de 36,2% para 38,9%. A desaprovação caiu de 55,4% para 52%. Aumentou de 8,3% para 9,1% o percentual dos que não souberam ou não responderam à pergunta. O governo Temer ainda não completou três meses. Sua principal meta é fechar o ano com menos desemprego e inflação mais baixa. A conferir.

POR ENQUANTO, a população continua cética. Digamos: cética, mas esperançosa. E quando se lhe indaga se sua situação financeira melhorou, piorou ou permaneceu igual depois que Temer assumiu o governo no lugar de Dilma, responde: melhorou (11,3%), piorou (20,7%), permaneceu igual (65,9%). Não sabem ou não responderam, 2,1%.