quarta-feira, julho 20, 2016

Precisamos atacar rápido a dívida para não depender da sorte - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 20/07

Amélia emprestou R$ 1.000 a Bento por um ano, cobrando 10% de juros, mas passou a ter dúvidas sobre sua capacidade de pagamento. Uma amiga, Cristina, ofereceu-lhe então o seguinte negócio: caso Bento furasse, Cristina pagaria por ele; em troca da garantia, cobraria de cara 7% do valor do empréstimo, ou seja, R$ 70.

Assim, em caso de calote, Amélia receberia o valor do empréstimo (R$ 1.000), menos o que pagou a Cristina, ficando com R$ 930; caso contrário, receberia o principal e juros, R$ 1.100, o que, deduzindo o pagamento da proteção, chegaria a R$ 1.030. Já Cristina receberia R$ 70, mas, se Bento aprontasse, teria que pagar R$ 1.000 para Amélia, amargando um prejuízo de R$ 930.

Parece um negócio ruim para Cristina, mas depende crucialmente da sua percepção da probabilidade de Bento dar o calote. Suponha que seja 5%. Nesse caso, ela ganharia R$ 70 com 95% de chance e perderia R$ 930 com 5% de chance, isto é, um ganho esperado de R$ 20 (0,95 x 70 - 0,05 x 930).

Na verdade, qualquer probabilidade de calote inferior a 7% traria ganhos esperados, enquanto qualquer probabilidade superior a 7% implicaria perdas esperadas (ignoramos, por simplicidade, qualquer avaliação de como Cristina lida com risco). Caso houvesse um mercado grande de amigos de Amélia dispostos a vender seguro contra o calote de Bento, o valor cobrado refletiria a percepção de mercado sobre a chance de levar o cano, ou seja, sob concorrência o ganho esperado deverá ser zero.

Esse mercado existe. Há quem venda proteção contra calotes de países e empresas, cobrando uma taxa por isso, que, conforme argumentado acima, reflete, entre outras coisas, a percepção do risco de não pagamento, por esse motivo chamada de "prêmio de risco".

Em particular, no final da semana passada o prêmio de risco do Brasil (para um período de cinco anos) caiu abaixo de 3% ao ano pela primeira vez desde agosto de 2015, depois de chegar a mais do que 5% em fevereiro deste ano. Houve, portanto, uma reavaliação considerável da percepção de risco da dívida brasileira, muito embora ainda permaneça bem mais alta do que a observada para países sérios da América Latina, como Chile, Colômbia, Peru ou México.

Posto de outra forma, a avaliação predominante sugere que o problema ainda é grave, embora menos do que parecia ser no começo do ano.

Em que pesem fatores globais, que ajudaram a maioria dos países, há razões para crer que a maior parte desse movimento resultou da mudança de política econômica por parte da nova administração, em especial o tratamento das contas públicas para reverter o aumento persistente da dívida relativamente ao PIB.

O governo promete retomar a trajetória de superavit primários a partir de 2019, de modo a atingir os valores necessários para esse objetivo. O nó da questão, como notado por Samuel Pessôa, é que a atual estratégia, embora possa render frutos, requer disciplina por muitos anos, ao longo dos quais te- remos que torcer para que o resto do mundo continue a demonstrar paciência com nossa abordagem gradualista.

Concretamente, sem medidas adicionais do lado do gasto, muito possivelmente a dívida só fará a inflexão após 2020-2022 (se não depois). Ou tratamos de avançar mais rápido ou a sorte será a única alternativa que nos restará.


La Cobijada - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 20/07

La cobijada era a mulher que, em alguns povoados da província de Cádiz, na Andaluzia, vestia-se de trajes negros, deixando apenas um dos olhos descobertos – o direito. Na pequena cidade de Vejer de La Frontera há uma estátua em homenagem a essa antiga tradição de origem árabe, estátua negra voltada para o horizonte, misteriosa, angustiante, amedrontadora. Como o mundo.

Cobiçada é a recuperação da economia brasileira. Tão cobiçada é a retomada do Brasil que muitos se apressam em esboçar cenários para o ano que vem, alguns deles bastante otimistas. Há quem acredite que, depois de viver a pior recessão já registrada, o País seja capaz não apenas de retomar o crescimento em 2017, mas de fazê-lo com algum vigor. Previsões de expansão econômica que superam a marca de 1% começam a proliferar em meio à euforia dos mercados, sobretudo dos investidores estrangeiros, com a equipe escolhida por Michel Temer. Tenho demonstrado nesse espaço meu ceticismo em relação a tais profecias diante das dificuldades políticas que continuam a atormentar o País. Nesse artigo, abordarei outra fonte de ceticismo: o mundo.

O mundo foi sacudido nas últimas semanas pela decisão dos britânicos de deixar a União Europeia, pela carnificina terrorista em Nice no dia da Bastilha, pelo golpe frustrado e mal explicado da Turquia. Não bastassem os dois primeiros acontecimentos, o golpe turco – fracassado? – expôs a fragilidade geopolítica em sua plenitude. Autoridades americanas e europeias não sabem como reagir ao ocorrido na Turquia – principal aliado do Ocidente contra o fanatismo do Estado Islâmico –, país, até recentemente, considerado mais parte da Europa do que parte do Oriente Médio.

Sejam quais forem os desdobramentos da Turquia nos próximos meses, sejam quais tenham sido as razões para o golpe – de uma tentativa concreta de remover Erdogan, ou algo mais sinistro orquestrado pelo próprio presidente turco –, o fato é que a Turquia acaba de tornar-se foco de turbulência internacional das mais perigosas.

Em meio a essas constatações, penso na cobiçada. Como haverá de se dar a recuperação da economia brasileira? O consumo permanece ameaçado pela alta renitente do desemprego, alta que haverá de persistir ante as conhecidas reações defasadas do mercado de trabalho ao restante da economia. Dito de outro modo, ainda que a recuperação começasse amanhã, o desemprego haveria de subir por mais um tempo, já que contratações apenas se dão quando empresas estão seguras do destino que lhes espera.

Hoje, não há segurança na economia brasileira, por mais que se goste da equipe econômica, o que me leva à segunda vulnerabilidade dos cenários de retomada. Todos pressupõem que empresas voltarão a investir, já que há melhora dos indicadores de confiança, percepção de que o governo fará os ajustes e reformas necessários, e que prevalecerá ambiente condizente com a tomada de risco.

Muitas empresas, no entanto, estão excessivamente endividadas, e terão de se preocupar em manter suas obrigações em dia antes de tomar qualquer atitude mais audaciosa. Os bancos, preocupados com a situação financeira de muitas dessas empresas, não terão muita disposição de conceder novos empréstimos. Sem crédito, sem novos empréstimos, não há financiamento para o investimento. O governo, que por tanto tempo preencheu essa lacuna por intermédio do BNDES, já não pode mais fazê-lo. Sobretudo se pretende de fato levar a cabo algumas das reformas propostas, inclusive do próprio banco de fomento.

Sobra o quê para impulsionar a recuperação brasileira? Sobra o cenário externo, um cobiçado cenário externo positivo para as nossas exportações, investidores estrangeiros com vontade de financiar operações no País, não apenas de arrebanhar lucro fácil com o diferencial existente entre as taxas de juros domésticas e as que prevalecem no resto do mundo.

Diante disso, vejo apenas La Cobijada, o olho direito fixo no horizonte. Vejo La Cobijada e penso no provérbio andaluz:Escrito está en la palma lo que tiene que pasar el alma.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Agenda duvidosa - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 20/07

Invenções na economia são risco para a retomada. O governo fez uma consulta ao Tribunal de Contas da União para saber se há algum problema em se propor a securitização de dívidas não pagas ao Tesouro. Só irá adiante se o TCU concordar. O órgão nada disse, mas existem diversas dúvidas sobre se este projeto é bom ou não. De alguns devedores é fácil receber, de outros é impossível. O mercado vai querer ficar com o fácil e exigir um grande desconto.

Este é o tipo da medida que parece simples e tem uma enorme complexidade. Alguns estados pediram à McKinsey para avaliar se seria um bom negócio a securitização das dívidas. E a resposta foi que não era um bom negócio porque o estado poderia acabar ficando com uma parte pequena do valor total da dívida. Os intermediários ganhariam mais. Mesmo assim, essa proposta apareceu na lista das soluções mágicas do Ministério do Planejamento para o país retomar o crescimento.

A cada dia sai mais um sinal indicando que a conjuntura está melhorando. Ontem foi o FMI, que pela primeira vez em quatro anos fez uma revisão para cima das projeções da economia brasileira, apesar do corte que fez nas estimativas da economia mundial. Lenta e gradualmente, o país está saindo do buraco em que foi colocado pelo governo Dilma exatamente pelo excesso de poções mágicas para forçar o crescimento. O Estado tem um papel a cumprir para acelerar a retomada, mas todo cuidado é pouco na escolha das medidas.

Na lista dos maiores devedores, há créditos fáceis de serem cobrados e pagos. A Petrobras, por exemplo, deve ao governo. São impostos que a empresa contestou, alegando que houve mudança de regras na hora da cobrança. É um contencioso que, se ficar provado que a estatal tem que pagar, ela pagará. Mas existem também, nesta lista de grandes devedores, a Vasp e a Transbrasil, que todos sabem que é de difícil ou impossível recebimento. O problema é que se houver uma securitização da dívida o mercado vai querer apenas a fácil e vai exigir um grande desconto. Aí o prejuízo será público e os lucros, privados.

Além disso, o risco de haver desvios é enorme. Pode ser feito, por exemplo, um acordo entre o devedor e o intermediário. O devedor sinaliza que vai pagar, o banco compra a dívida, o governo tem a perda, e o banco e o devedor dividem o lucro. E uma coisa como essa em plena Operação Zelotes, não faz sentido algum. Há também um problema legal a ser superado: pela legislação, apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional pode fazer a cobrança das dívidas do governo federal.

Há uma lista de itens que podem integrar a “agenda positiva” do governo. Atualmente, o que tem sido feito é acompanhar um projeto já em andamento e propor um substitutivo. Isso economiza tempo de tramitação.

Um projeto que está bem adiantado é o que muda as agências reguladoras para dar a elas mais autonomia e melhor governança. As agências serão uma unidade orçamentária e não dependerão mais do ministério setorial. Elas também terão um filtro para a diretoria que exigirá dos candidatos a diretor anos de experiência e tentará impedir as indicações políticas. Haverá ainda o diretor substituto, da própria agência, para evitar o que aconteceu nos últimos anos, em que o mandato vencia e o governo não indicava para a vaga. A diretoria, muitas vezes, ficava sem quorum para tomar decisão.

Outra ideia é estabelecer um prazo maior entre o edital de uma obra e a apresentação do projeto. Por um levantamento feito, o prazo médio tem sido 35 dias e isso só criou reserva de mercado para as grandes empreiteiras amigas. Com mais tempo, deve haver mais concorrência.

Há muito que o governo pode fazer para alavancar investimentos, eliminar obstáculos ao crescimento, reduzir burocracias. Isso é a agenda positiva. Invencionices e soluções milagrosas só nos levarão ao ponto em que o governo Dilma nos trouxe: à recessão. O que está alimentando as novas projeções de crescimento para o ano que vem é a confiança. E é justamente ela a primeira vítima quando o governo decide apostar em projetos polêmicos. Todo o cuidado é pouco na hora de escolher o que fazer.


O ritmo das remadas - CELSO MING

ESTADÃO - 20/07


A concepção de Ilan Goldfajn é a de que, haja o que houver, o Banco Central tem de ser transparente



Nessa terça-feira, 19, o Comitê de Política Econômica (Copom) teve a primeira reunião de dois dias para definir o nível dos juros básicos (Selic) sob o comando do novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn.

Se houver uma queda dos juros, será surpresa total, como tempestade de neve no Saara. Os agentes econômicos auscultados semanalmente pelo Banco Central, por meio da Pesquisa Focus, esperam que nas três últimas reuniões do Copom deste ano (agosto, outubro e novembro) os juros caiam 1 ponto porcentual ao ano, para 13,25%, mas não agora.

Todos os dias, empresários e gente que acompanha a economia reclamam do que entendem que seja a pouca pressa do Banco Central para iniciar a derrubada dos juros. Argumentam que a demanda está sufocada, que por aí não brota inflação e que, portanto, é preciso tratar de facilitar a circulação de dinheiro como primeiro passo para a retomada do crescimento.

No entanto, esse é apenas um pedaço da lógica com que trabalha o Banco Central. Seu mandato mais importante consiste em enquadrar a inflação no centro da meta, por meio da calibragem da moeda na economia, medida pelos juros. E, ainda que não esteja fazendo o diagnóstico inteiramente certo, o entendimento do Banco Central é o de que a Selic ainda precisa ficar mais um tempo onde está para que possa continuar a reunir empuxo suficiente para empurrar a inflação para a meta ao final de 2017.

A principal novidade da nova administração do Banco Central é a mudança de sua política de comunicação. Ao longo do período Dilma, atuava como o deus Apolo no templo de Delfos, na Grécia Antiga, que se manifestava no meio de vapores que saíam do chão, por frases confusas e quase sempre ambíguas, articuladas por uma sacerdotisa em transe. A mensagem podia ser uma coisa ou o seu contrário, de maneira que, fosse qual fosse o desfecho do objeto da consulta, Apolo sempre tinha razão.

A concepção de Goldfajn é a de que, haja o que houver, o Banco Central tem de ser transparente. Tem de dizer na lata o que vê e o que não vê. O objetivo é transmitir credibilidade e, assim, garantir a condução das expectativas, um dos principais objetivos do sistema de metas de inflação. Antes de se tornar presidente do Fed (o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke dizia que um banco central tem de agir como o patrão de um barco a remo. Tem de cantar em alto e bom som o ritmo das remadas e o rumo a seguir para garantir a maior eficácia dos remadores. Se não for assim, cada remador faz o que bem entende e o barco navega a esmo.

Goldfajn começou por antecipar o início e o fim das reuniões do Copom para dar tempo para a avaliação dos analistas e se comprometeu a divulgar a Ata do Copom na terça-feira seguinte e não mais na quinta-feira. Espera-se que agora, também, tanto a Ata do Copom quanto o Relatório de Inflação, os documentos mais importantes pelos quais o Banco Central se comunica com o público, sejam redigidos com uma linguagem clara e acessível. É essa a política. Falta saber como vai funcionar, porque o mercado está viciado com as frases enroladas das sacerdotisas de Apolo.

CONFIRA:


Foto: Infográfico Estadão

No gráfico a trajetória dos juros básicos (Selic) desde 2009.

Melhorando

O Fundo Monetário Internacional está vendo mais ou menos o mesmo que os analistas estão vendo por aqui. A recessão deste ano não será tão braba como imaginado, provavelmente mostrará queda do PIB de 3,3%. E, para 2017, a perspectiva já é de crescimento de 0,5% – e não mais de crescimento zero. As novas projeções ajudam a melhorar a percepção dos analistas globais sobre a economia brasileira e isso, por si só, pode estimular investimentos estrangeiros no Brasil.

Michel Temer equilibrou-se - ELIO GASPARI

O GLOBO - 20/07

A velha característica de FHC voltou a Brasília, agora a crise entra no palácio e, quando sai, está menor


Antes mesmo de completar cem dias, Michel Temer conseguiu dar estabilidade ao seu governo. Começou da pior maneira possível, com um ministério pífio e contaminado, cercado de suspeitas e de ligações inconvenientes. A mágica tem um nome: calma, sangue-frio ou mesmo serenidade.

Temer chegou ao Planalto com duas décadas de vida parlamentar, uma experiência que faltou a Dilma Rousseff. Essa parece ser uma característica trivial, mas o bom parlamentar ouve, contém as emoções e, sobretudo, respeita o contraditório, mesmo quando ele carrega tolices a serviço da desonestidade. Temer não move os músculos do rosto, parece falar por meio de um sintetizador calibrado para um só tom e, apesar de gesticular com alguma teatralidade, é suave até quando bate com a mão na mesa. Convivendo com a rotina do Congresso e longos discursos inúteis, o bom parlamentar não tem pressa.

Por não ter pressa, Temer deixou que Eduardo Cunha fosse frito na própria gordura. Talvez não devesse tê-lo recebido no Jaburu, mas daqui a mais um mês ninguém se lembrará disso. A estabilidade trazida pela mágica da calma foi ajudada pela esperança que a blindagem de Henrique Meirelles levou para o Ministério da Fazenda. Por enquanto, na panela da ekipekonômica há muito pirão e pouca carne. Felizmente, o mercado compra esperança, e o novo governo mostrou que, com o afastamento dos pedalantes, pior a coisa não fica (isso admitindo-se que será interrompida a ocupação de alguns corredores do governo pela mais vulgar das privatarias).

Como calma, serenidade e experiência parlamentar não bastam, José Sarney fez um governo ruinoso. Abençoado pelas mesma virtudes, Itamar Franco queimou três ministros da Fazenda em seis meses e ia pelo mesmo caminho até que foi salvo pelo gongo ao terceirizar a gestão, entregando-a a Fernando Henrique Cardoso. Em 1993, FHC entrou numa sala onde havia um tigre, a inflação. Matando-o, conseguiu enfrentar as jaguatiricas, os lobos-guarás e as cascavéis da desordem econômica. Meirelles entrou numa sala onde não há o tigre, mas os bichos menores mandam no pedaço. Na ponta do lápis, calculando-se gastos e economias, é um ministro gastador que promete os rios de mel da austeridade.

Com calma e experiência parlamentar, Temer equilibrou o barco, mas é improvável que venha a aprovar as reformas que vagamente promete. A da Previdência, nem FHC conseguiu da maneira como queria. Vale lembrar que ele se elegeu em 1994 prometendo essa reforma e, portanto, tinha mandato popular para fazê-la. Na narrativa entristecida de FHC, Temer ajudou a aprovar o que era possível.

Temer também teve sorte. O PT ainda não acordou da pancada do início do processo de impedimento, e Dilma Rousseff percorre plateias amigas cada vez menores, com falas cada vez mais desconexas. Na última, comparou o seu infortúnio aos acontecimentos da Turquia. A voz das ruas pedindo seu retorno mostrou-se um sonho. Num toque inesquecível, artistas e intelectuais prometem dois grandes espetáculos, um no Rio. O outro, se possível, em Nova York.

Em clima de Jogos Olímpicos, o melhor que se pode fazer é torcer. Com uma vantagem: o Brasil não tem (ainda) um Donald Trump.

Elio Gaspari é jornalista

Pedra no caminho - DORA KRAMER

ESTADÃO - 20/07

Tida como questão de dias, semanas, no máximo, a cassação de Eduardo Cunha já não é a mesma fava contada de antes do início do recesso parlamentar, na última sexta-feira. À primeira vista não se trata de conspiração, acordo, manobra ou jogada combinada para impedir que o ex-presidente da Câmara perca o foro privilegiado de Justiça até quando for possível.

Embora seja prudente confiar desconfiando, salvo segunda ordem ou até que surjam sinais objetivos do contrário, a possibilidade de novos adiamentos que na prática o favoreçam decorre de uma conjugação de fatores: Olimpíada, eleição de um novo presidente da Câmara, campanha eleitoral e o consequente arrefecimento do interesse de suas excelências em atender as demandas da opinião pública depois que seus candidatos e prefeitos e vereadores tenham passado pelo julgamento das urnas.

Segundo o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, a ideia é levar o assunto ao plenário na segunda semana de agosto. Isso, em princípio. Porque, de acordo com ele, manda o bom senso que o julgamento de Cunha só entre na pauta de votação se, e quando, houver uma quantidade significativa de parlamentares na sessão.

Do contrário, o ex-presidente da Câmara pode até reunir quantidade de votos “contra” superior aos favoráveis a ele, mas ainda assim escapar da cassação por falta de quórum. São necessários 257 votos para retirar-lhe o mandato. Para isso, um número seguro seria acima de 400 presentes.

Convenhamos, trata-se de uma tarefa difícil levar tantos deputados a Brasília em plena realização dos Jogos Olímpicos. Menos pela corrida de deputados ao Rio para acompanhar tudo de perto e mais pelo natural afrouxamento da vigilância da população no período em que se imagina que os olhos, as torcidas e a atenção da maioria estejam voltados para o desempenho dos atletas e da capacidade do Brasil de sediar acontecimento dessa magnitude com sucesso. Em todos os aspectos, notadamente à recepção dos visitantes nas questões de conforto urbano, com destaque para a segurança.

Terminados os jogos, Brasília volta a tratar do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Aqui também o quórum é exigido. Mas, de senadores. Em menor número (ao todo 81 contra 513 na Câmara) e com empenho mais distante das disputas locais por prefeituras e vagas nas câmaras municipais. Já os deputados têm as respectivas sobrevivências políticas diretamente ligadas à eleição de prefeitos e vereadores.

Portanto, setembro tem tudo para ser um mês perdido em matéria de obtenção do quórum alto na Câmara. A eleição acontece no início de outubro, mas nem por isso os deputados estarão totalmente liberados devido às disputas que forem ao segundo turno nas cidades com mais de 200 mil habitantes.

Sobram o mês de novembro e os primeiros 15 dias de dezembro. Período ideal, não fosse a queda do interesse dos deputados nos ditames da opinião do público depois das eleições. O Brasil estará discutindo os resultados, avaliando as repercussões para o pleito de 2018 e nada assegura que Eduardo Cunha será tema prioritário.

Ao governo interessava ajustar a situação da presidência da Câmara; aos deputados, uma satisfação externa a fim de aliviar a tensão. De onde não se pode conferir inocência de propósito nem atribuir isenção de interesse ao adiamento da cassação para depois do recesso.

Vaias contadas. O presidente em exercício irá à cerimônia de abertura da Olimpíada no Maracanã sabendo que a recepção do público será, nas palavras de um ministro com assento no Palácio do Planalto, “uma crônica da vaia anunciada”.

Não é um desconforto? “Mais desconfortável seria não ir.”


Combate à corrupção - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/07

Pacote de combate à corrupção é desafio de Maia. Por mais apoio que tenha, e a votação que obteve é sinal positivo sobre isso, Rodrigo Maia, o novo presidente da Câmara, vai precisar de muita lábia e paciência para levar adiante o projeto de reinventar a imagem dos políticos nessa sua curta gestão de pouco mais de seis meses.

Há entre os deputados um sentimento mal disfarçado de perseguição e uma queixa generalizada sobre os que colocam o Congresso contra a parede, ou seja, o Ministério Público e seus procuradores, os juízes, especialmente os de primeira instância, como Sérgio Moro, e a imprensa de maneira geral.

Uma batalha a ser vencida será, por exemplo, a negociação em torno das dez medidas contra a corrupção apresentadas pelos procuradores de Curitiba e referendadas por milhões de assinaturas populares. Assim como a Lei da Ficha Limpa, que também foi oferecida ao Congresso através de uma iniciativa popular, as medidas contra a corrupção corriam o risco de ficarem engavetadas.

Na Ficha Limpa, houve uma mobilização da opinião pública que impediu que ela fosse esquecida ou mutilada por diversas propostas de ajustes. Desta vez, os deputados já se mobilizam para fazerem também mudanças que podem desfigurar o objetivo das propostas.

Todas as sugestões que tornam mais rigoroso o combate à corrupção, ou que deem condições às autoridades de ampliar as investigações, estão sob o escrutínio dos deputados. Existem nove projetos de lei circulando no Congresso sobre a deleção premiada, e Renan Calheiros estaria tentando interferir com emendas para fixação de prazos para os delatores apresentarem provas das denúncias; proibição de delação do réu investigado que esteja preso; anulação de delação cujo conteúdo seja vazado para a imprensa, e assim por diante.

Um dos pontos que está na mira dos deputados é o que permite à polícia e aos promotores infiltrarem agentes que possam propor ações ilegais a suspeitos, a fim de forjar um flagrante, o que já acontece em outras polícias pelo mundo.

Em conjunto com as ações para conter as medidas contra a corrupção, os deputados apoiam Renan Calheiros para aprovar a lei de abuso de autoridade, que coloca policiais, procuradores e jornalistas sob pressão quando acusarem ou denunciarem pessoas envolvidas em corrupção.

O vazamento de informações para a imprensa é um dos objetivos da legislação em estudo, tornando ilegais as informações que não forem oficiais. Seria uma maneira direta de cercear a liberdade de informação no país. Uma questão que deve ser discutida nesse contexto é a regulamentação das delações premiadas.

Hoje, por exemplo, o Ministério Público exige que o delator revele, além dos fatos que pode provar ou ajudar a encontrar provas, tudo o que "ouviu dizer", mesmo que não tenha como provar, e até mesmo que duvide da veracidade do fato. Isso porque, se outro delator afirmar que contou tal caso para fulano, ou que soube que beltrano sabia da informação, o delator pode perder as vantagens de sua delação premiada.

Este fato, realmente, leva a que muitas informações que acabam não sendo confirmadas sejam vazadas, causando prejuízos aos acusados. O novo presidente da Câmara tem consciência de que é inaceitável para a opinião pública não aprovar as medidas contra a corrupção, que já têm até mesmo uma comissão especial para analisá-las. Mas é certo que alguns detalhes das propostas poderão ser retirados ou modificados, o que certamente provocará polêmicas. Certamente há medidas que podem ser aperfeiçoadas, e outras que podem ser até mesmo rejeitadas.

Mas a lei de abuso de autoridade, analisada neste momento e sob esse sentimento disseminado entre os parlamentares, ganhará uma dimensão de tentativa de refrear as investigações que a sociedade não aceitará passivamente.

Há quem sugira que primeiro se discuta e aprove as medidas contra a corrupção, mesmo que com modificações, para só depois entrar em pauta a discussão sobre abusos de autoridade. Caso contrário, o Congresso ficará marcado pela suspeição.


Desânimo olímpico - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 20/07

BRASÍLIA - Faltam duas semanas para o início da Rio-2016, mas o espírito olímpico ainda não contagiou os brasileiros. Pelo contrário: o Datafolha descobriu que a rejeição aos Jogos dobrou em três anos.

Em junho de 2013, um quarto da população era contra a realização da Olimpíada. Agora o percentual de insatisfeitos saltou para 50%. Metade dos entrevistados diz não ter nenhum interesse pelas competições, e 63% acreditam que o megaevento vai trazer mais prejuízos do que benefícios para o país.

O mau humor parece estar ligado à situação do país e da cidade-sede. O Brasil mergulhou na maior crise política e econômica das últimas décadas, e o Rio voltou aos tempos da penúria e do bangue-bangue.

O governador interino decretou estado de calamidade pública, mas nem precisava. Basta ver a situação de descontrole na segurança, o calote nos servidores e o sucateamento da universidade estadual, a Uerj.

A fase não está boa nem para a propaganda. A turnê da tocha pelo país ficou manchada pela morte estúpida de uma onça. Em muitas cidades, os moradores parecem mais empenhados em tentar apagar o fogo do que em participar do oba-oba.

As promessas descumpridas também contribuem para o clima de desânimo. A baía de Guanabara continua imunda, as lagoas da Barra da Tijuca idem, e a expansão do metrô carioca custou o dobro do planejado, mas ainda não foi inaugurada. Se tudo der certo, entrará em funcionamento a cinco dias dos Jogos.

É possível que o início das competições anime a maioria dos insatisfeitos, como aconteceu na Copa. Mas o prefeito Eduardo Paes, que entregou suas obras a tempo, teve razão ao dizer que a Olimpíada será uma "oportunidade perdida" para o país.

Isso também vale para os políticos que festejaram a escolha do Rio como cidade-sede. Em 2009, Lula e Sérgio Cabral transpiravam euforia no anúncio do COI. Hoje os dois andam por baixo, às voltas com a Lava Jato.


Moro, candidato a ‘juizão’? - PAULO SOTERO

ESTADÃO - 20/07

A maior contribuição do magistrado paranaense talvez ainda esteja por vir


“Juizão” é como meu amigo Juliano Basile, talentoso correspondente do jornal Valor Econômico em Washington, se refere ao juiz de Direito que pauta sua conduta pelo estudo e pela aplicação rigorosa da Constituição e das leis e por uma atitude de reserva pessoal, própria à função institucional de árbitro que o magistrado exerce numa sociedade democrática. Formado em Direito nas Arcadas do Largo de São Francisco, ex-presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto e herdeiro do ofício de seu pai, o saudoso Sidnei Basile, Juliano aprendeu a respeitar os “juizões” observando-os durante os 18 anos em que cobriu o Supremo Tribunal Federal. Exemplos não faltam. No passado recente, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Entre os atuais, há vários, mas seria pretensão identificá-los. Elas e eles sabem quem são.

Pensei nos “juizões” do Juliano ouvindo o juiz Sergio Moro durante as palestras que deu em Washington em recente visita que fez à capital norte-americana a convite do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center, que dirijo desde que deixei o posto de correspondente deste jornal nos EUA, em 2006. Mais de uma vez, perguntaram a Moro se ele pensava em concorrer a um cargo eletivo. Há quem diga que o popular juiz de Curitiba seria imbatível numa eleição presidencial. Como já havia feito anteriormente, Moro desconversou, dizendo que, encerrado o julgamento do caso Lava Jato em seu tribunal, o que espera que ocorra no final deste ano ou um pouco mais adiante, quer “concorrer apenas a umas longas férias”.

Em uma ocasião, porém, ele foi adiante. Disse que escolheu a magistratura como profissão e não tem planos de mudar. O juiz sublinhou o respeito que tem pela função pública que ocupa na primeira instância do Poder Judiciário, explicando que se trocasse a toga por uma campanha política suas decisões na Lava Jato passariam inevitavelmente a ser vistas sob um novo filtro e suscitariam dúvidas quanto às suas motivações. Moro afirmou que tal gesto poderia ter impacto adverso também para seus colegas juízes, assim como para procuradores de Justiça empenhados no combate à corrupção e na afirmação do primado da lei.

Obviamente, a resposta não exclui a possibilidade de o juiz, de 44 anos, abraçar novos desafios no futuro, quando a Lava Jato for assunto dos livros de História. Suas declarações mostram, no entanto, que ele tem plena consciência de que o poder que hoje possui e exerce na luta contra a corrupção sistêmica que quase asfixiou o País decorre da autoridade e da legitimidade conferidas pelo posto que ocupa e da forma como o tem exercido – com discernimento, coragem e amplo respaldo da opinião pública. É como juiz que ele responde às críticas que políticos inescrupulosos e até mesmo alguns intelectuais têm feito à “criminalização da política”.

Indagado sobre isso no Wilson Center, ele disse que “quem criminaliza a política não é a Justiça, mas o político que comete crimes”. Reconheceu que o governo interino de Michel Temer fez declarações de apoio à Lava Jato, deixando de lado, diplomaticamente, o fato de que essas manifestações foram feitas somente depois que a imprensa expôs manobras de alguns de seus integrantes, simpatizantes e aliados no Congresso para melar ou truncar a Lava Jato e investigações futuras. Moro criticou o que chamou de “omissão” do Executivo e do Legislativo na proposição e aprovação de leis que reforcem a ofensiva contra a corrupção sistêmica. “Sejamos claros: o governo é o principal ator responsável por criar um ambiente político e econômico livre de corrupção (…) e ensinar pelo exemplo”, afirmou. “Melhores leis podem ser aprovadas para aprimorar a eficiência da Justiça Criminal e aumentar a transparência e a previsibilidade das relações entre os setores público e privado, reduzindo os incentivos e oportunidades para práticas corruptas.” Tais práticas, lembrou o juiz, causam danos à democracia e à economia do País, onerando orçamentos públicos, afastando os investimentos e dificultando a administração da política econômica.

O juiz defendeu a delação premiada como instrumento essencial não apenas para a promoção da justiça, como também para a defesa dos acusados. Elogiou a atitude das empresas incriminadas cujos diretores assinaram acordos de colaboração com o Ministério Público Federal. Mencionou também a passividade dos executivos do setor privado diante da corrupção, mas, habilidoso, ele o fez citando um raro exemplo positivo: a iniciativa recente e até agora excepcional do Itaú, o maior banco privado do País, de alertar as autoridade após ser alvo de uma tentativa de extorsão por um membro do Conselho Administrativo da Receita Federal. “A Justiça funciona quando o inocente vai para casa e o culpado vai para a cadeia”, disse. “O resultado do processo não deve depender da condição política ou econômica do acusado”, acrescentou, lembrando que “há ainda muito a fazer (no Brasil) em relação a isso”.

Moro usou a oportunidade de estar no Wilson Center – memorial nacional ao 28.º presidente dos EUA, que é nome de avenida no centro da antiga capital do Brasil – para defender sua decisão de aplicar o preceito constitucional que manda o juiz dar ampla publicidade ao processo. “Aproveito a oportunidade de falar no Wilson Center para celebrar a memória do juiz Louis Brandeis, que foi nomeado pela Suprema Corte dos EUA pelo presidente Woodrow Wilson cem anos atrás”, observou Moro. “Brandeis uma vez disse que ‘a luz do sol é considerada um dos melhores desinfetantes’.”

A menção de Moro a Brandeis, um “juizão” americano, no centenário de sua elevação à Suprema Corte, torna tentador pensar que a grande contribuição do juiz de Maringá ainda esteja por vir e ocorrerá quando um ocupante do Planalto tiver a clarividência de alçá-lo ao Supremo Tribunal Federal.

* PAULO SOTERO É JORNALISTA, DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE FO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS, EM WASHINGTON

O eterno bloqueio do mesmo - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 20/07

SÃO PAULO - Não uso WhatsApp. Na verdade, nem sequer tenho telefone celular. Também não uso drogas ilícitas. Cometo essas inconfidências para deixar claro que escrevo essa coluna sem nenhum tipo de interesse pessoal, seja na manutenção do serviço de comunicação pessoal, seja em evitar que fornecedores de entorpecentes acabem presos, com eventuais impactos negativos sobre a oferta do produto.

Confesso que não entendo a empáfia da Justiça brasileira. No caso específico da já finada decisão que suspendeu o WhatsApp, penso que a juíza errou tanto no mérito quanto no remédio escolhido para tentar resolver a situação.

Em primeiro lugar, o WhatsApp é um serviço global. Não dá para exigir que ele funcione de um jeito no mundo e de outro no Brasil. Se a empresa que administra o aplicativo oferece um sistema de comunicação encriptado que garante a privacidade dos clientes –o que não é crime–, não dá para cobrar que o produto fornecido ao Brasil tenha outras características. Aliás, a rigor, o WhatsApp nem sequer opera aqui. Tecnicamente, o usuário do serviço é quem sai do Brasil cada vez que aciona o aplicativo.

Se o Brasil quer interferir no funcionamento do que está disponível na rede global, precisa ou tomar medidas liberticidas como restringir o acesso de brasileiros a sites no exterior, ou então seguir as regras usuais de colaboração judiciária entre países, ainda que esse seja um processo mais lento e só atinja práticas que sejam crime em ambas as jurisdições.

O mais absurdo, porém, é a tentativa de enquadrar o WhatsApp suspendendo o aplicativo. Ao fazê-lo, a magistrada causa muito mais inconvenientes aos usuários brasileiros do que à própria empresa. É uma violação flagrante não apenas ao bom senso como também ao princípio, tão caro à civilização ocidental, de que a punição não deve jamais passar da pessoa do condenado. Se nem a base da Justiça percebe isso...


Distensão política ajuda nas expectativas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 20/07

País começa a sair do pessimismo, mas governo Temer e Congresso têm de trabalhar na agenda das reformas, porque a retomada do crescimento não será espontânea


Em contraste com as tensões de todo o curto segundo mandato da presidente Dilma, agravadas pelo clima de guerra criado no lulopetismo em torno da votação do afastamento da presidente, vive-se um período de saudável distensão, amplificada pelo encaminhamento ao plenário da Câmara do pedido de cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Cunha e Dilma, dois fatores de polarização na vida pública, estão, neste momento, em segundo plano, embora nada ainda tenha sido decidido sobre seu futuro. Neste quadro, a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na eleição para presidente da Casa, com um discurso apaziguador, veio reforçar a tendência ao desanuviamento.

A própria troca de Dilma por Temer, político adestrado no diálogo, de falas às vezes rebuscadas porém compreensíveis, já significou um avanço. E a escolha de uma equipe econômica competente serviu para animar os mercados.

Pesquisa Datafolha feita quinta e sexta-feiras, publicada neste fim de semana, deu números à mudança da atmosfera no país: um índice de confiança de 98 pontos é o mais elevado desde os 121 de dezembro de 2014; 38% dos entrevistados estão otimistas com a economia, contra o pessimismo de 30%; enquanto 50% querem a permanência de Temer e apenas 32% a volta de Dilma.

A melhoria de humor se reflete nas expectativas para a economia. As projeções dos analistas do mercado financeiro, colhidas pelo Banco Central (Relatório Focus), elevam, há três semanas, as taxas de crescimento do PIB em 2017: passaram de 0,24% para 1,12%. Já o Fundo Monetário, ontem mesmo, reduziu a estimativa da recessão brasileira para este ano (de 3,8% para 3,3%) e passou a apostar num crescimento, no ano que vem, de 0,5%, quando antes acreditava em estagnação.

A distensão política aplaina terreno para a economia, mas não é suficiente para resgatar o país totalmente da crise. Não há recuperação espontânea. Continuam a ser imprescindíveis medidas de política econômica adequadas, inclusive já enunciadas: teto para os gastos públicos, reforma da Previdência etc.

Não passou despercebido o apoio de PT e Lula a Rodrigo Maia, no segundo turno na eleição na Câmara, numa ação anti-Cunha, mas que pressupõe que mesmo no lulopetismo a tese do “golpe” se desidrata. A vida segue e, com a ampliação de espaços no Congresso para Temer, o lulopetismo precisa se posicionar como legenda de oposição, e não ficar imobilizado no devaneio do “golpe”. Que é aquilo que quase aconteceu na Turquia, com tiros, tanques e jatos, sem Judiciário e Congresso. Assim, Dilma parece que se desmancha no ar. A ponto de ela mesma começar aos poucos a fazer a mudança de volta a Porto Alegre.

As condições melhoram para Temer, mas, passado o recesso, é preciso trabalhar junto ao Congresso para não se perder tempo, a fim de, depois do impeachment, acelerar-se a agenda das reformas. Temer recepcionaria ontem à noite, com um jantar, o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na agenda, a construção de uma pauta para o segundo semestre, voltada à recuperação da economia. Na sua essência, ela está definida. O essencial é a base do governo entender a gravidade crise e, portanto, a necessidade da da urgência nas votações.

Travados pela ineficiência - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 20/07

O Brasil poderá sair do buraco depois de dois anos de recessão



O Brasil poderá sair do buraco depois de dois anos de recessão, de muitas quebras e muito desemprego, mas precisará de muito mais que uma fase de recuperação para crescer como outros países emergentes. É a diferença entre deixar a UTI – ou mesmo sair do hospital – e ganhar vigor e agilidade para entrar numa corrida. São necessários quatro brasileiros para produzir tanto quanto um americano. O País fica em desvantagem, no quesito produtividade, também quando comparado com muitas outras economias. Com baixa capacidade produtiva, a economia brasileira compete com muita dificuldade no mercado internacional e tem baixo potencial de crescimento. Pelos padrões internacionais, a produtividade do Brasil é a pior desde os anos 50, como informou reportagem do Estado publicada no domingo, e mudar esse quadro é o maior desafio para a administração federal nos próximos anos.

A eficiência produtiva do País cresceu de 1950 a 1980, numa fase de intensa industrialização e modernização tecnológica. Declinou nos 10 anos seguintes, marcados por uma sequência de crises. Voltou a avançar nos anos 90 e continuou em alta nos primeiros anos do novo século, até começar uma nova etapa de estagnação. A indústria foi o setor mais afetado pela perda de dinamismo. Entre 2004 e 2012, a produtividade industrial dos 15 principais parceiros comerciais do País cresceu em média 2,6% ao ano. No Brasil, o avanço anual ficou em 0,1%, segundo números compilados pelo departamento econômico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

As causas principais da baixa eficiência brasileira são conhecidas há muito tempo e pouco se tem feito para eliminá-las. Pior: alguns desses problemas se têm agravado, tanto por omissão quanto por ação do governo. O baixo nível de investimento é uma das explicações. A parcela de recursos destinada à formação bruta de capital fixo – máquinas, equipamentos – tem oscilado entre cerca de 17% e cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Em muitos outros países emergentes a taxa supera 25% e, no caso dos asiáticos, até 30%.

Investe-se pouco tanto no setor empresarial quanto na infraestrutura. As consequências são facilmente visíveis, por exemplo, nas deficiências do setor de transportes e no alto custo da logística. O agronegócio, eficiente no interior das unidades produtivas, perde parte de seu poder de competição quando tem de levar seus produtos aos portos. No caso da indústria, geralmente menos competitiva, os efeitos são especialmente desastrosos. Mas a competitividade é prejudicada por outros fatores.

A tributação irracional encarece o investimento, a produção e a comercialização de todos os tipos de bens, especialmente dos industriais. A complexidade dos impostos impõe custos enormes para o cumprimento das obrigações fiscais. Procedimentos para exportar e para importar são mais complicados que em muitos outros países. A insegurança jurídica trava negócios.

Além disso, a baixa qualidade da educação limita a oferta de mão de obra qualificada ou em condições de ser treinada nas empresas. Pelos dados oficiais, há cerca de 18% de analfabetos funcionais – pessoas com idade a partir de 15 anos capazes ler, mas não de entender um texto de instruções simples.

Empresários queixam-se muito dos juros elevados, um obstáculo ao investimento. Mas os juros são altos porque o buraco das contas públicas é grande e o governo tem de pagar caro para rolar sua dívida. Além disso, o desajuste fiscal mantém elevada a inflação e isso limita a capacidade do Banco Central de cortar os juros.

A tudo isso é preciso somar um componente nem sempre mencionado: boa parte do dinheiro investido é simplesmente perdida, porque obras são superfaturadas (veja-se, por exemplo, a Operação Lava Jato), prazos se alongam e a qualidade do investimento é baixa, como comprova, por exemplo, o despreparo de quem sai das escolas. Cada dólar de investimento no Brasil nem sempre rende tanto quanto o dólar investido em outro país.


Proteger os Jogos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 20/07


O atroz ataque terrorista perpetrado na cidade francesa de Nice, com saldo de 84 mortos, forçou o governo a intensificar os procedimentos de segurança para a Olimpíada do Rio. Ainda que ligados a um contexto externo, os temores tendem a reforçar o sentimento predominante de que o evento se tornou um estorvo para o país.

Recém-concluída pesquisa Datafolha aponta que, para 63% dos brasileiros, os Jogos trarão mais prejuízos do que benefícios para a população –há três anos, apenas 38% diziam o mesmo. Para 57%, a segurança pública será mais motivo de vergonha do que de orgulho.

Sem inimigos externos e conflitos étnicos ou religiosos pronunciados, o Brasil nunca esteve no foco de ações terroristas. Para compensar a inexperiência –e evitar ataques como os de Munique-72 e Atlanta-96–, as autoridades têm trocado informações e recebido treinamento de outros países.

Além da possibilidade de atos cometidos por iniciativa individual, o inusitado uso de um caminhão na carnificina de Nice trouxe preocupações adicionais com o trânsito. Mais barreiras e blitze policiais elevarão os transtornos para a população carioca.

A proteção aos Jogos envolverá, ao todo, 85 mil agentes de segurança, dos quais 47 mil no Rio, e os demais em outras cinco cidades onde haverá partidas de futebol.

Só o Orçamento federal deste ano reserva R$ 1 bilhão para as ações de segurança, defesa e inteligência –montante não incluído na estimativa oficial para o custo do evento, de R$ 39 bilhões em despesas públicas e privadas.

Pouco se detectou de ameaça concreta até o momento. Quatro estrangeiros vinculados a organizações terroristas tentaram obter credencial para a Olimpíada, mas foram barrados pela Polícia Federal, segundo a Rede Globo.

Apesar da aparente diligência, restam motivos para preocupação. Conforme se noticiou, a única revista do público para a entrada nas arenas ficou a cargo de uma empresa sem experiência no ramo. Além disso, a 16 dias do início, a seleção de 5.000 funcionários encarregados ainda está em curso.

Tudo considerado, parece razoável supor que o desencanto da opinião pública com os Jogos –e em particular o pessimismo com o desempenho da segurança– tenha relevante influência nas decepções acumuladas com os descaminhos políticos e econômicos do país.

Nesse sentido, não será surpresa se o início das competições vier a contribuir para desanuviar o mau humor geral. Afinal, já se espera tão pouco do evento; bastará, talvez, que transcorra em paz.