segunda-feira, abril 04, 2016

Sociologia do mimimi - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 04/04

Você sabe o que é "ficar de mimimi"? Imagino que sim. Mas, posso explicar: minimi é o que todo mundo hoje faz porque se ofende fácil e exige algo em troca. Mimimi é derivado do ressentimento.

Mas, existem dois tipos de mimimi. O do senso comum, "frescurinha básica" (não vou falar dele aqui) e existe o sofisticado, sustentado em alguma teoria besta derivada da maior picaretagem intelectual dos últimos 250 anos: refiro-me a famosa teoria picareta (que será comparada por nossos descendentes a leitura medieval de vísceras animais como mapa do futuro) segundo a qual o mundo está dividido entre opressores e oprimidos.

Quer um exemplo?

Imagine que você dá seu lugar para uma mulher no metrô. Daí, aparece um cara e pergunta para você a razão de você fazer aquilo. Você explica que foi educado dessa forma. Deve-se dar o lugar para as mulheres. Aqui abrem-se várias linhas de argumentação mimimi, e todas elas poderiam ser sustentadas em aulas de sociologia nas faculdades e nas escolas por aí.

A primeira, a do cara que te interpela, podemos chamar de novíssimo sintoma do mimimi geral que tomou conta de grande parte das ciências humanas dominadas pela teoria picareta descrita acima. Refiro-me ao novo espécime, "o machinho mimimi". O carinha te pergunta, afinal de contas, por que as mulheres deveriam receber tratamento especial no metrô uma vez que todos ali são cidadãos iguais e que competem no mesmo mercado de trabalho.

Nosso machinho mimimi avançaria, então, na direção de que dar lugar para uma mulher, por ser simplesmente mulher, seria uma forma de discriminação contra os machinhos como ele, deixando, inclusive, que ela tivesse mais descanso do que eles, e fazendo dela, assim, uma competidora mais "descansada".

Sei o que você está pensando: "Que mundo ridículo é esse que você está descrevendo hoje?". Mas, sim, a "crítica social" fez das pessoas "críticas" seres meio ridículos mesmo, não? Quando me convidam para um jantar onde estarão pessoas "críticas", prefiro Netflix.

Por trás da fala de nosso machinho mimimi está a ideia de que eles e elas têm o mesmo direito ao seu lugar no metrô.

E aí você tem a (super) infeliz ideia de dizer que as mulheres são mais frágeis e por isso precisam descansar mais no trajeto Santana-Paraíso do metrô. Nesse instante, salta uma menina de uns 20 anos, carregando nas mãos o livro "O Segundo Sexo" da Beauvoir (uma Bíblia das mina mimimi), com olhos de fúria contra você. Como você pode ceder o lugar para aquela moça, se você a oprime há séculos por meios que você nem imagina?! E a oprimirá sempre com presentinhos assim! E aí, usa aquela palavra, que, como "energia", serve para tudo: "Seu machista!".

Aliás, a mina mimimi (que faz sociais "somewhere") diz mesmo que o ato de você dar o lugar para a moça (que aceitou, agradeceu e sorriu aquele sorriso doce que só uma mulher sabe dar, e que faz o dia de um cara ficar mais azul...) é um ato opressor porque, além de enganá-la com sua falsa bondade, era um presente por ela aceitar ser oprimida e ficar feliz com seu lugarzinho na linha azul do metrô.

A moça que aceitara seu lugar, coitada, que, apesar de não vir das classes abastadas, vestia-se muito melhor do que nossa furiosa das sociais (que andava de metrô por ser um ato político e não por necessidade) e era muito mais bonita e interessante do que a furiosa, começa a se sentir acuada pelo olhar inquisidor de sua "libertadora".

Sendo a menina sentada mais bonita do que a outra, prontamente alguém indaga do fundo do vagão a razão de você ter cedido seu lugar justamente para uma mina que era gostosa e que usava uma calça um tanto justa.

Xeque-mate. Você tinha mesmo observado, antes de ceder seu lugar, que a beneficiária de sua oferta era a mais gatinha do vagão. De repente, todos discutem se seu ato era ou não um ato de opressão contra todos os outros passageiros do vagão. Ainda bem que chegou a sua estação, e que, por sorte, era a mesma da gatinha gostosinha. Seu mundo, pelo menos por enquanto, estava salvo da invasão zumbi.


Leilão do futuro - RUY CASTRO

Folha de SP - 04/04
As agências de notícias sempre falam de leilões em Nova York em que concorrem objetos dos filmes dos anos 30, 40, 50 –tempo em que Hollywood era o Parnaso, habitado por deuses tão poderosos quanto os das lendas gregas. Alguns itens que já estrelaram esses leilões foram o trenó Rosebud de "Cidadão Kane" (1941), o piano em que Sam toca "As Time Goes By" em "Casablanca" (1942) e as luvas de Rita Hayworth em "Gilda" (1945).

Quanto valerão o guarda-chuva de Gene Kelly em "Cantando na Chuva" (1952), um vestido de Marilyn Monroe em "Os Homens Preferem as Louras" (1952), Robby, o robô de "Planeta Proibido" (1956), o retrato a óleo de Carlota Valdez em "Um Corpo que Cai" (1958) ou mesmo a ceroula de Batman usada por Adam West no seriado de TV (1966)? Um dia, esses itens irão a leilão –os americanos sempre foram de conservar tudo.

No Brasil, como não somos de guardar nada, nossos leilões dependem de material mais recente, que ainda não teve tempo de desaparecer. Daí que um leilão inevitável e em breve será o de objetos oriundos da história que estamos vivendo hoje. Exemplos?

Os pedalinhos dos netos de Lula, recuperados no seu sítio que não lhe pertence em Atibaia. Garrafas da adega do mesmo sítio e que o ex-presidente não teve tempo de consumir. Os pixulecos portáteis vendidos nas manifestações anti-PT.

Um jogo de caçarolas comprado pela ex-primeira-dama dona Marisa para a cozinha do seu tríplex que não lhe pertence no Guarujá. A bicicleta com que a presidente Dilma dava suas pedaladas matinais. A blusa de florões com que ela vivia aparecendo na TV. Uma mecha do cabelo do senador Delcídio do Amaral. Etc.

E, claro, a peça de maior valor do leilão é sempre a mais difícil de conseguir: o vídeo de uma das palestras milionárias do ex-presidente Lula pagas pela Odebrecht.

Melhor perder - VALDO CRUZ

Folha de SP - 04/04

Ganhar pode ser o pior destino. Talvez seja melhor perder, tentar virar esta triste página da nossa história e sairmos como vítimas deste processo que, se perdurar, vai nos destruir por completo.

A reflexão é compartilhada não apenas por um, mas vários petistas, que temem o dia seguinte a uma eventual vitória na votação do pedido de impeachment da presidente Dilma na Câmara dos Deputados.

Num cenário de delações em curso e com previsões devastadoras para o governo e PT, agravado por uma crise econômica que só piora, ganhar a votação na Câmara pode ser o passo final rumo ao precipício.

Sem falar que, para escapar da degola, Dilma sepultou as medidas amargas para arrumar a economia e promete mundos e fundos aos movimentos sociais. Vencendo, não terá como quitar tal dívida ""como fez depois da campanha eleitoral.

Daí que perder pode ser melhor negócio, literalmente. Sair posando de vítima de um golpe, de um impeachment sem crime caracterizado e deixar para Michel Temer o desgaste de consertar a economia.

Talvez seja melhor, avaliam petistas, ganhar as ruas em vez da votação do impeachment. Poder atacar um governo Temer, acusando-o de mexer na aposentadoria, de tirar direitos trabalhistas e promover um forte ajuste fiscal. Medidas inadiáveis se o país quiser sair da crise.

Só que o vento começou a mudar com o varejão dos cargos federais e algo antes visto como impossível, barrar o impeachment, já passou ao campo das possibilidades.

Aí, entra outro grupo de petistas, que defende, superada a guerra do impedimento, a convocação de eleições gerais no país como saída para a crise. Dilma Rousseff faria o gesto em nome da unidade nacional.

Amigos da presidente duvidam, porém, que ela abrace a ideia e pode repetir o erro de sempre. Crer que tudo pode após ganhar uma batalha e, depois, acordar tarde demais para a realidade: seu tempo acabou.

Acordão ou acórdão? - VINICIUS MOTA

Folha de SP - 04/04

O jogo do impeachment se tornou diabólico porque o governo nunca esteve tão isolado e impopular. As peças se movem no sentido de obrigá-lo a operar numa lógica minoritária.

"Vencer", para o Planalto, equivale a cooptar apenas 172 deputados federais, do total de 513. Toda a máquina bizantina do Executivo federal será mobilizada para esse objetivo. Atingi-lo significará prolongar a agonia de um governo sobrepujado, no Congresso e na sociedade, e por isso inoperante.

A piada da vez diz que Lula da Silva será o fiador da governabilidade caso Dilma Rousseff sobreviva ao impeachment. Como chegaria a tal façanha uma figura rejeitada por 57% dos eleitores, encrencada na Lava Jato e investida do papel, exótico no mundo civilizado e na centenária República brasileira, de tutor de presidente incapaz?

Quem vai se aliar ao petismo e ao governismo nas eleições de outubro, quando, como se faltasse desgraça, a fogueira da recessão estará queimando emprego e renda como nunca em uma geração?

Os partidos sabem, e a pesquisa especializada confirma, que encolher nas eleições municipais é prenúncio de redução da bancada de deputados, estaduais e federais, dois anos depois. Detectou-se movimento de saída do PT na janela de desfiliação que acaba de se fechar.

Setores da velha elite brasileira, aos quais os caciques do petismo se associam por vocação e oportunismo, continuam a almejar um acordão para amaciar as investigações de abuso do poder. Não aprendem com os sucessivos traumas recentes nem se esquecem de seus hábitos.

Em tempos de acórdão, não há acordão. A Lava Jato, que agora acumula provas do financiamento ilegal da campanha de 2014, prosseguirá. Comitês de notáveis e poderosos deixaram de dar as cartas na política brasileira. Quem ainda não entendeu a mudança vai quebrar a cara.

Dilma acena com governo pior - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 04/04

Em meados de agosto de 1992, o empresário alagoano Paulo Cesar Farias, conhecido como PC Farias, ex-tesoureiro da campanha do então presidente da República Fernando Collor e eminência parda do governo, procurou em Brasília o também empresário Luiz Estevão de Oliveira, seu amigo e parceiro em negócios, e pediu-lhe um favor especial: que guardasse no cofre de sua casa uma alta soma em dinheiro vivo.

O dinheiro serviria para aliciar votos de deputados e senadores dispostos a derrotar um eventual impeachment de Collor.

O governo fracassara no combate à inflação. E fora atingido por denúncias de corrupção que estavam sendo investigadas por uma CPI do Congresso. As ruas exigiam a queda de Collor. Só lhe restava comprar apoios com dinheiro, cargos e promessas.

A cada telefonema de PC Farias, Luiz Estevão sacava dinheiro do cofre e providenciava sua entrega ao parlamentar indicado. A 10 dias da votação do processo na Câmara, PC parou de telefonar.

Havia dinheiro de sobra no cofre, mas já não havia deputados à venda. Em 29 de setembro, o impeachment foi aprovado por 441 de um total de 509 deputados. O Senado cassou o mandato de Collor em 29 de dezembro.

O desfecho, agora, do segundo pedido de impeachment da história recente do país passará pela decisão a ser tomada por um grupo de 40 deputados que se diz indeciso.

Se ao fim e ao cabo, 342 deputados de um total de 513 disserem “sim” ao impeachment, caberá ao Senado julgar Dilma por crime de responsabilidade. Se apenas 172 deputados disseram “não” ou se abstiverem de votar, o processo estancará na Câmara.

Para salvar Dilma, não se descarte a compra de votos mediante dinheiro em espécie.

Outras moedas começaram a ser usadas – oferta de Ministérios e cargos em diversos escalões do governo, liberação de emendas ao Orçamento para a realização de obras em redutos eleitorais de deputados, e promessas de ajuda em tribunais superiores para os encrencados com a Lava-Jato (Alô, alô, Renan Calheiros!).

Acostume-se com a insignificância das siglas destinadas a conduzir áreas estratégicas da administração pública: PTN, PHS, PSL, PEN e PT do B. Elas têm 32 deputados. PP, PR, PSD PRB são considerados partidos da segunda divisão, mas reúnem 146 deputados.

O PRB do mensaleiro Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos de prisão, será agraciado com o Ministério de Minas e Energia.

Na bolsa informal de valores do Clube da Falsa Felicidade, o outro nome pelo qual o Congresso é chamado em Brasília, pagou-se R$ 400 mil na semana passada para o deputado que se abstivesse de votar o impeachment. Ao que votasse contra, R$ 1 milhão.

O mercado está com viés de alta. A oposição parece mais perto de atrair 342 votos a favor do impeachment do que o governo 171 contra.

Uma possível vitória do governo não será comemorada nem mesmo por ele. Há pedidos de impeachment na fila da Câmara. A Justiça examina a impugnação da chapa Dilma-Temer por uso de dinheiro sujo. E se agrava a maior recessão econômica que o país já conheceu desde o início do século passado.

Como Dilma enfrentará tudo isso com um governo muito pior do que o atual?

Isolada no Palácio do Planalto, transformado em aparelho político, Dilma recusa saídas que poderiam deixá-la menos mal com a História – a renúncia ou a convocação de novas eleições gerais. Tenta controlar os nervos à base de calmantes.