segunda-feira, fevereiro 15, 2016

Vox Dei - TÚLIO AUGUSTUS SILVA E SOUZA

CORREIO BRAZILIENSE - 15/02

O que motiva e dá ânimo a um populista é, sem dúvida, o povo. É em nome deste que aquele propõe mudanças, se desdobra em projetos e, quando é o caso, justifica seus malfeitos. Como sói a um populista, ele joga para plateia, e ator que se preza - seja na política, seja na vida - não teme o ridículo. Até porque um populista sabe quase sempre como arrancar aplausos ou em vez de ser alvo de tomates. E não existe enredo feio para quem sobe na ribalta. Feio é apenas não agradar o povo.

Mas a coisa desanda quando o dito povo insiste em deixar de ser mera categoria abstrata e passa a destoar do papel que lhe foi proposto pelo populista em questão. Eriberto França era mero representante desse tal povo no início dos anos 1990 quando então sua condição de motorista que sabia demais o permitiu revelar alguns dos escândalos que precipitaram o impeachment de Collor. Já Francenildo Costa era um pobre caseiro de uma mansão onde se arquitetavam negociatas em Brasília quando as idas frequentes do então ministro da Fazenda Antônio Palocci deram a ele a chance de revelar ao país o que sabia. As negativas do petista vieram acompanhadas de quebra de sigilo bancário do caseiro, por meio da Caixa Econômica Federal, em tentativa de mostrar ao povo qual é o seu lugar. Mas o ministro - que depois ainda sairia do governo Dilma com novas suspeitas de corrupção - foi obrigado a pedir as contas em 2006.

Não como farsa, mas como prova de modus operandi partidário, a história começa a se repetir dessa vez com Lula, aquele que parecia ser inquestionável na sua maneira de lidar com o povo. O zelador José Pinheiro e a porteira Letícia Rosa confirmam ter visto Lula e Marisa no tríplex do Guarujá, que está em nome de uma offshore e que o casal presidencial jura não ser seu. Segundo os investigadores da Lava-Jato, vistorias no apartamento teriam motivado a ida do casal, já que uma reforma que beira R$ 1 milhão foi feita no imóvel pela OAS. Tudo bastante condizente, aliás, com o zelo decorativo que dona Marisa exibia quando achou por bem colocar uma estrela vermelha gigante no jardim do Palácio da Alvorada.

Políticos, como Lula, sempre tão voluntariosos quando se trata de aparecer como defensores da plebe, têm grande dificuldade, contudo, de admitir como verdade o que a voz do povo, a dita representação da voz de Deus, insiste em dizer. É que não é sempre que a voz do povo sopra maviosa ao ouvido do populista. Ela sabe entoar verdades que incomodam e muito a tranquilidade de quem só pretende desfrutar da segurança financeira extraída das amizades cevadas pelo poder político. Para esses casos, sobra o estratagema de trajar as vestes de perseguido e injustiçado com que Lula hoje sobe ao palco. Mesmo para quem se reconheceu no volume morto em termos de popularidade resta ainda esbravejar por meio da imprensa discursos que são cada vez mais como bombas de efeito moral, causando algum estrondo, mas com frisson contido e sem nenhum potencial explosivo. Já foi inclusive acionado no último recurso, o do pastel de vento retórico, em que o encurralado ataca os adversários reais e imaginários, e delirando ao se dizer alma "mais honesta deste país".

O que Lula não pode fazer é se queixar do enredo dessa peça da qual tem sido ator involuntário. Afinal de contas, nos depoimentos e revelações de motoristas, caseiros, porteiros e zeladores é que o socialismo dos seus antigos sonhos de sindicalista têm mostrado sua melhor versão. Tem sido pela voz desses lídimos representantes do povo que a República aos trancos e barrancos avança contra a vontade dos poderosos. Numa trama em que comunista nenhum pode botar defeito, o povo sai das coxias para dizer aos protagonistas e barões da política e dos negócios o que Lula tanto teme ouvir: a lição de que a lei, Vossa Excelência, é para todos.

Janela perdida - PAULO GUEDES

O GLOBO - 15/02

A fauna política brasileira é pobre em diversidade. Partidos demais, ideias de menos. Temos apenas conservadores e social-democratas

Povos primitivos e civilizações antigas podiam mudar lentamente devido ao baixo ritmo de inovação tecnológica. Mas, nos últimos 300 anos, a revolução científica disparou um processo exponencial de avanços. A industrialização foi apenas o início de um permanente desafio de mudanças culturais. E a nova sociedade pós-industrial, baseada em novas tecnologias de informações e de telecomunicações, acelera de forma inédita os requisitos de adaptação cultural, institucional e educacional para a inclusão na nova ordem. É por isso cada vez mais ampla a aceitação de que fatores qualitativos são determinantes para a criação de riqueza nesta sociedade do conhecimento. São fatores como a superestrutura cultural, o capital institucional dos países, o capital organizacional das empresas e o capital educacional dos indivíduos.

É com esse pano de fundo que devemos examinar a medíocre atuação de nossas lideranças políticas. A qualidade dos governos mede-se pela capacidade de estimular estruturas institucionais que acelerem o processo de criação de riquezas em suas fronteiras. A fauna política brasileira é pobre em diversidade. Partidos demais, ideias de menos. Conservadores e social-democratas são as espécies dominantes em nosso ambiente. Predadores oportunistas no meio empresarial financiam acordos políticos disfuncionais. O aprendizado é lento, e a barganha é permanente. Os avanços resultam menos da reavaliação intelectual por parte de uma obsoleta social-democracia e mais das exigências práticas de necessidades da população atendidas aos trancos e barrancos.

Estamos perdendo uma extraordinária janela de oportunidade. A liquidez mundial permaneceu abundante, e o dinheiro barato por longo tempo. Os maiores financiadores e os melhores operadores internacionais estiveram disponíveis para a ampliação de nossa infraestrutura. Isso sem falar nos impactos das inovações tecnológicas sobre nossa logística de produção e distribuição, e principalmente sobre nossa educação. São oportunidades que países retardatários como o Brasil não poderiam perder. Mas o mundo investidor, sem opções atraentes nesta Idade do Gelo, assiste atônito às nossas desventuras, imaginando estarmos embriagados, como venezuelanos e argentinos, pelo “socialismo do século XXI”.


Caiu a máscara de Lula - RICARDO NOBLAT

O GLOBO -15/02

Sabe qual é a surpresa que nos reserva a defesa de Lula no caso do sítio de Atibaia, reformado gentilmente para ele pelas construtoras OAS e Odebrecht, ambas envolvidas na roubalheira da Petrobras?

Fernando Bittar, um dos supostos donos do sítio, dirá que o sítio de fato lhe pertence, e também ao empresário Jonas Suassuna, sócio em outro negócio de Fábio Luiz, filho mais velho de Lula.

Surpresa haveria se Fernando dissesse que o sítio é de Lula, e que ele e Jonas não passam de “laranjas”.

A Lava-Jato e o Ministério Público de São Paulo investigam se o registro de propriedade do sítio em nome de Fernando e de Jonas foi uma manobra de Lula para ocultar patrimônio.

É isso o que parece, sugerem a lógica mais elementar e os indícios reunidos até aqui.

Oficialmente, o sítio foi comprado por Fernando e Jonas dois meses antes de Lula transferir para Dilma a faixa presidencial. Um dos advogados de Lula analisou a escritura registrada em cartório.

Parte dos bens acumulados por Lula enquanto governou o país foi entregue no sítio em no dia oito de janeiro de 2011. Eram cerca de 200 caixas, entre elas 37 com bebidas.

José Carlos Bumlai, amigo de Lula, hoje preso pela Lava-Jato, cuidou da reforma do sítio. Que começou a ser feita quando o sítio foi comprado no final de 2010?

Não. Começou muitos meses antes.

Marisa, mulher de Lula, visitou a obra. Reclamou de atrasos. E foi aí que entraram em cena as construtoras amigas do seu marido. Elas gastaram um bom dinheiro com a reforma.

Por que gastariam se o sítio fosse apenas de Fernando e Jonas? Para que Lula, mais tarde, o recomprasse sem que ninguém soubesse que ele fora reformado de graça por construtoras premiadas com contratos milionários durante os seus dois governos?

Ou por que a OAS e a Odebrecht, comovidas com a pregação do Papa Francisco, decidiram, meio que de repente, fazer caridade?

Ao longo dos últimos quatro anos, seguranças de Lula estiveram no sítio 111 vezes pelo menos. Razoável imaginar que acompanhassem a família Lula da Silva.

Amigos do clã, assíduos frequentadores do sítio, surpreenderam-se com a descoberta de que ele está em nomes de terceiros.

Nada de mais que Lula comprasse um sítio ou até mais de um. Não lhe falta dinheiro.

Presidente da República tem todas as suas despesas pagas pelo governo. Lula economizou dinheiro capaz de justificar a compra do sítio e do tríplex no Guarujá, esse também reformado de graça pela OAS. Ninguém teria nada a ver com isso.

O problema? De volta ao futuro: a gentileza de construtoras clientes do governo em beneficiar imóveis de um ex-presidente. Cheira mal. Aí tem...

Como Lula, logo Lula que denunciou a existência de 300 picaretas no Congresso, chamou Sarney e Collor de ladrões, subiu a rampa do Palácio do Planalto como se fosse o mais imaculado dos políticos, diz-se a alma mais honesta do país; como ele poderá admitir que pediu ou aceitou favores de construtoras, e que foi promíscuo, sim, ao misturar o público com o privado?

Logo ele? Também Lula?

Pois é disso que se trata – por enquanto.

Seus correligionários querem transformá-lo em vítima de um complô urdido para destruir a maior liderança popular que o país jamais teve. Ora, faça-me o favor...

Lula é uma vítima dos seus próprios erros, de sua ambição desmedida, de sua vaidade, e de sua falta de compromisso com princípios e valores.

A máscara dele caiu.