domingo, janeiro 17, 2016

Mineração e histeria ecológica - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 17/01

Terá ocorrido no Brasil um desastre atômico? O vazamento da barragem da Samarco, 10ª exportadora do Brasil, e seus 4 mil empregos diretos viraram acontecimento megacatastrófico, sem sê-lo, e gerou histeria jurídica punitiva irracional, que bem pode ter efeitos sociais danosos, piores que a passagem da enxurrada dos rejeitos.

A enxurrada jamais foi tóxica nem continha metais pesados perigosos. Para sanar tanta desinformação, é útil explicar que o minério extraído pela Samarco é o itabirito, cuja composição é, grosso modo, a seguinte: 54% ferro, 34% sílica (areia), 1% alumina (terra), 0,5% manganês, 0,2% calcário, 0,2% magnésio e 0,05% fósforo - elementos encontrados no corpo humano, afora outros nada tóxicos. Para separá-los e concentrar o teor do ferro, é preciso um processo industrial chamado flotação, feito, simplesmente, com amido de milho.

Onde a toxidade e os metais pesados? O ferro resultante da flotação (65% + 1% de sílica) afunda e a borra sobe com a ajuda do amido de milho. Os rejeitos nas barragens são compostos aquosos de terra e areia (sílica, alumina, calcário), um pouquinho de fósforo, manganês, ferro dissolvido e magnésio, além de resquícios insignificantes de outros elementos.

Os rejeitos são mais parecidos com as terras marginais desbarrancadas pelas enchentes dos rios do que os rejeitos químicos de dezenas de indústrias (couro, plástico, borracha), arsênico das garimpagens de ouro, de siderúrgicas e de fornos de gusa, que ficam na beira do Rio Doce e afluentes, inclusive indústrias de celulose de alto teor de toxicidade, sem falar nos esgotos não tratados de dezenas de cidades e lugarejos da bacia do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo.

O dramático da enchente foi o volume grande e denso que varreu a superfície dos rios e as margens até o oceano. Enquanto passava a massa de rejeitos, diminuiu o oxigênio das águas matando peixes e depositou-se nas margens. Mas passou uma vez só como tsunami. A cor barrenta posterior sobe do leito e vem da lavagem pelas águas dos barrancos cheios de lama. Houve mortandade de peixes como na Lagoa Rodrigo de Freitas? Nem de longe. O gado morreu em massa nos bebedouros dos rios? Ninguém relatou tamanha destruição.

A água já está potável e os peixes já são vistos em cardumes na água doce. Pescadores, com caniços lançados no rio (a provar que estariam pescando), se queixam da falta do pescado. No mar, o dano foi mínimo, a mancha, com a cor barrenta de todo rio, não ameaça a vida marinha. Nenhum relatório comprova o desastre. O Rio Amazonas entra no oceano 80 quilômetros adentro com a água barrenta vista a olho nu da estação espacial.

O que precisa acabar são os desatinos jurídicos e o perverso intento de que cabe à Samarco, sozinha, salvar o Rio Doce, que está morrendo há muito tempo. Contra a Samarco e, em certos casos, contra a Vale e a BHP Billinton (acionistas), existem 150 ações individuais e 34 coletivas, verdadeira babel. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) já foi assinado com o Ministério Público e depositados, aqui e acolá, R$ 1,8 bilhão, afora as inúmeras ações reparadoras da Samarco: reforço das barragens, reconstrução de pontes, recuperação de bacias hidroelétricas, dinheiro, casas, roupas, remédios, água mineral ou caminhões-pipa para as cidades ribeirinhas, indenizações e reparações e mais um rol de providências, desnecessário enumerá-las, até porque me falta legitimidade para tanto. Falo por minha conta e risco e pelo que me relatam os engenheiros de minas, meus amigos.

Cumpre agora à União e aos estados de Minas e Espírito Santo pensar no emprego das pessoas e conjuntamente ordenar os procedimentos jurídicos indenizatórios, conceder reduções condicionadas de impostos e abrir linhas de crédito para a Vale, a Samarco e outras mineradoras usarem ou venderem os rejeitos como matéria-prima para fazer ecoblocos (construção civil) e camadas de compactação rodoviária. Fazer do limão uma limonada.

Os aviões caem de vez em quando e nem por isso as companhias aéreas são fechadas. Minas possui cerca de 600 barragens e os melhores técnicos barragistas do Brasil. A impressão que se tem é a de que querem acabar com as mineradoras, preservar a natureza e proibir a mineração. Noutras palavras, parece que se quer acabar com Minas Gerais, cujo nome evoca, desde as bateias de ouro e diamantes, o destino natural: minas, ferro, aço, indústrias de transformação que utilizam o minério e as derivações como matéria-prima, sem esquecer o nióbio de Araxá.

Mineração envolve risco. Os prejuízos devem ser sanados; pessoas morreram e bens produtivos foram destruídos bem como casas. Mas que haja ordem e racionalidade e não o festival desconexo de justiciamentos e multas bilionárias.


Dilma e a fala do trono - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S.Paulo - 17/01

É muito difícil entender o que diz Dilma Rousseff. Assim, há riscos vários quando a presidente trata de temas sensíveis como empréstimos de bancos públicos e a solvência da Petrobras, por exemplo, como na sexta-feira, em entrevista coletiva.

Ainda assim, lida, relida e ouvida a entrevista, a presidente não disse que pode haver capitalização da Petrobras, como se aventou.

Dilma Rousseff, no entanto, não negou que possa fazê-lo. Não negou que o governo possa fabricar dinheiro e inventar uma gambiarra a fim de enfiá-lo no caixa da empresa. A pergunta do jornalista, porém, era direta (vai capitalizar?). A presidente teria se esquecido de negar?

É possível que o assunto principal se tenha perdido no discurso outra vez assintático, convoluto e aleatório de Dilma. O palavrório torna-se ainda mais tumultuário quando a presidente parece afligida pelo desejo de demonstrar que está à altura de si mesma, de se provar a gerentona onisciente e sabida, mistura viva de almanaque capivarol com googlepedia de qualquer assunto de governo, do comezinho ao abstruso.

Essa aflição, temperada com alguma presunção provinciana, não raro acaba em digressões tumultuárias e disparatadas, da saudação à mandioca a manias de engenheira. Na sexta-feira, um dos desvios acabou em uma conversa torta sobre "tight oil" e teorizações tais como "a queda da demanda [de petróleo] é o outro lado do excesso de oferta, por razões diversas".

Os assuntos econômicos da entrevista eram graves.

A situação da superendividada Petrobras é crítica. Caso o governo decida fazer dívida a fim de remendar a empresa, arrisca-se a queimar o último fiapo de credibilidade fiscal, por exemplo. O plano de estimular os bancos públicos a conceder mais crédito suscita as mesmas desconfianças, até porque não se tem ideia do que o governo possa fazer a respeito, do lunático ao irrelevante.

Qualquer discurso do governo sobre tais assuntos já tem impacto por si só, antes que se tome decisão. Calar, por vezes, é necessário. Mas o que disse Dilma? Coisas assim:

"O governo sempre estará preocupado com a Petrobras, principalmente quando os fatores que levam a esta situação são fatores exógenos a ela, que ela não controla. Então nós todos teremos de nos preocupar bastante com o que ocorrerá".

"É óbvio que o petróleo a níveis menores será sempre preocupante. O que nós faremos será em função do cenário nacional e do internacional. Nós não descartamos que vai ser necessário fazer uma avaliação, se esse processo continuar."

"...O que ela [Petrobras] tem feito? Ela tem se adaptado. Ela tem diminuído, por exemplo, seus investimentos, mas não porque ela queira. Mas porque, se ela não fizer isso, ela não sobrevive, então ela toma também as suas medidas."

A vaidade do poder rende mais palavrório em um ambiente como o nosso, de instituições carnavalizadas e de aversão a formalidades necessárias. Falavam demais FHC e sua vaidade intelectual, Lula e sua vaidade de encantador de plateias, Dilma e a vaidade de sua tecnocratice ingênua.

Conviria um pouco mais de recato e disciplina, tanto política quanto intelectual, "falas do trono" com mais prestações de conta e comunicações objetivas de planos de governo.

O Brasil que dá certo fica escondido - ELIO GASPARI

O GLOBO - 17/01

Os jovens que disputam a Olimpíada de Matemática continuam ensinando ao Brasil a força de sua gente. No ano passado soube-se da história das trigêmeas Loterio, de 15 anos, que viviam numa casa sem internet, a 21 quilômetros da escola, na zona rural de Santa Leopoldina (ES). Elas conseguiram os três primeiros lugares na classificação de seu estado. Matriculadas no ensino médio, voltaram à Olimpíada e conseguiram uma medalha de prata (Fabiele) e duas de bronze (Fábia e Fabíola). Esse era um caso de dedicação ajudado pelo estímulo de uma professora, Andréia Biasutti. Conseguiram isso num município assolado por roubalheiras de políticos e empresários.

Pouco depois soube-se do caso de Lucy Maria Degli Espositi Pereira, de 27 anos. Ex-freira, ela voltara ao colégio, em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), e conseguiu uma medalha de ouro na Olimpíada de 2014. Em agosto, Lucy completou dois meses sem aulas porque uma greve de motoristas suspendera o transporte escolar. Para quem frequentava o curso noturno, pois durante o dia ajudava o pai em serviços de pedreiro, era um tiro na testa. Engano. Ela participou da prova de 2015 e repetiu o ouro. Se pararem de atrapalhar a vida de Lucy ela continuará trabalhando na construção civil, como engenheira.

Pela sabedoria convencional, Lucy e as trigêmeas Loterio caíram numa das armadilhas da sociedade. Uma ficou sem aulas e as outras viviam numa área isolada. Elas sacudiram a poeira e deram a volta por cima. Se não existisse a Olimpíada de Matemática, seriam boas alunas anônimas em cidades do interior. Graças a essa simples iniciativa, a cada ano o Brasil é surpreendido pela força do seu povo.

Quem quiser ver o discurso de Barack Obama na sessão de reabertura do Congresso americano poderá perceber que a fala do governante da nação mais poderosa do mundo pouco tem a ver com o blá-blá-blá de seus similares nacionais. O companheiro mostrou a força de sua gente. Num costume inaugurado por Ronald Reagan, em 1982, todo ano o presidente americano convida um pequeno grupo de cidadãos para ouvi-lo, sentando-os na galeria e mencionando-os no discurso. Neste ano, Obama levou um casal que atravessou a recessão, formou-se num colégio comunitário e aprumou sua vida. Em 1997, Bill Clinton convidou dois estudantes que venceram competições internacionais de ciência e matemática. Eles estudavam no mesmo colégio, e o convite de Clinton foi estendido à professora.

Uma rara boa notícia, para hoje e amanhã
Numa época em que só se colhem notícias ruins, aconteceu uma coisa boa no mercado do café. As exportações vão bem e o consumo interno cresceu 0,9%. Não é nada, mas é alguma coisa.

A melhor notícia relaciona-se com o futuro. O consumo de café no mundo passa pela revolução tecnológica das cápsulas. Em menos de um minuto produzem um cafezinho, não sujam e dão ao freguês uma inédita variedade de escolhas. O consumo de café em cápsulas tem 25% do mercado francês, mas no Brasil ainda é desprezível (0,6%).

Essa revolução começou há décadas, e o Brasil estava numa situação vexaminosa, importando algum café torrado da Suíça e da França, onde não há um só pé da fruta. Medidas espertas do governo, liberando a importação de máquinas para os lares e investimentos da iniciativa privada, a construção de duas fábricas de cápsulas, colocam o Brasil numa boa posição, saindo de um atraso que vem do século XIX.

Em vez de exportar sobretudo café verde, poderá exportar cápsulas. O grão puro e simples vale R$ 10 por quilo, o café das cápsulas rende R$ 300 pelo mesmo quilo. Os bons cafezais brasileiros produzem tipos de grãos capazes de competir com quaisquer sabores de outros países. Se ninguém atrapalhar, dá certo.

Boa ideia
O governador Geraldo Alckmin brilha quando honra a plateia com suas platitudes. Na semana passada, ele saiu da banalidade e reclamou da mobilização da rua.

Disse o seguinte:

"O que se verifica é vandalismo e ainda um vandalismo meio seletivo, porque a correção da tarifa em São Paulo é menor do que a inflação. E é estranho, a energia elétrica aumentou 70% e não teve nenhum vandalismo.”

Noves fora que nem todo manifestante é vândalo, fica a impressão que o doutor quer mais manifestações, sobretudo contra as tarifas de energia. Boa ideia.

Cerveró 1954
O depoimento de Nestor Cerveró na Lava-Jato cai como uma luva na piada do sujeito que matou a mulher na manhã de 24 de agosto de 1954 e seu advogado disse à polícia que havia relação entre aquele crime e o suicídio de Getulio Vargas, que acabava de ser anunciado.

Faz tempo que a defesa da turma das petrorroubalheiras trabalha com a ideia de tumultuar o inquérito para reduzir as condenações do juiz Moro nas instâncias de Brasília.

Depoimentos conflitantes de pessoas que colaboram com a Justiça para reduzir suas penas são trufas para o risoto dos comissários e dos empreiteiros.

Mein Kampf
É pura perda de tempo a discussão em torno da legalidade da publicação do Mein Kampf, de Adolf Hitler. A íntegra do "Minha Luta" está na internet, em todos os idiomas, de graça.

Numa época em que o Estado Islâmico tem uma produtora de vídeos mostrando suas barbaridades, o livro de Hitler é apenas um documento ilustrativo do antissemitismo nos anos 20 do século passado.

Madame Natasha
Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, pela seguinte charada, incluída na carta que enviou ao ministro da Fazenda sobre o estouro da meta da inflação:

"O Banco Central entende que o processo de ajuste macroeconômico em curso, intensificado por eventos não econômicos, contribuirá para uma dinâmica menos pressionada da inflação, ao auxiliar na quebra da resiliência de preços. Em termos do conjunto de indicadores de ociosidade da economia, nota que medidas convencionais de hiato do produto encontram-se em território desinflacionário, em linha com a evolução recente da atividade — menores que as estimativas de crescimento potencial da economia.”

O doutor não tinha o que dizer e nada disse. Natasha sabe que o estilo críptico dos bancos centrais foi levado às últimas consequências por Alan Greenspan, presidente do Fed americano de 1987 a 2006. Greenspan é incapaz de se expressar com clareza até em conversas pessoais, como na hora de propor casamento à namorada.

O hermetismo do Banco Central brasileiro é um truque destinado a blindar hierarcas e confundir a plateia. O Fed emite notas crípticas, mas a cada cinco anos divulga a transcrição das fitas onde estão gravadas as discussões do seu comitê de politica monetária, documentando a responsabilidade de cada participante da reunião. Em Pindorama isso não acontece porque responsabilidade é coisa estranha a Brasília.

Atualidade política de Nabuco - CELSO LAFER

ESTADÃO - 17/01

Balmaceda é um livro de Joaquim Nabuco de 1895, que tem sua origem em artigos publicados no Jornal do Commercio da então capital federal. Examina o que foi a crise política no Chile proveniente da conflitiva presidência de José Manuel Balmaceda, que levou a uma guerra civil e culminou no suicídio do presidente.

Na bibliografia de Nabuco, esse livro não se situa no mesmo plano de Minha Formação, um dos pontos altos da narrativa autobiográfica brasileira, de Um Estadista do Império, que oferece o melhor acesso ao entendimento das instituições políticas do Brasil de dom Pedro II, ou de O Abolicionismo, que faz do autor, ao examinar o legado da escravidão, um dos grandes pensadores do Brasil.

Mas Balmaceda é uma relevante obra de análise política na avaliação de autores como Evaldo Cabral de Mello e Francisco Iglesias. Em momentos de crise política aguda em países da América do Sul, ler Balmaceda, que mereceu em 2008 apurada reedição com a chancela da Editora Cosac Naify, traz ensinamentos úteis.

São múltiplos os ângulos a partir dos quais sua relevância e seu significado podem ser examinados. Trata-se de obra que transcende as circunstâncias e os embates da época da sua elaboração e publicação, ligados à crítica política dos primeiros anos da República e aos desmandos autoritários da Presidência Floriano Peixoto.

Quero chamar a atenção para dois pontos relevantes: a importância atribuída por Nabuco à América Latina para a política externa brasileira, como um dos desdobramentos da implantação da República, e a sua aguda análise dos desafios da governabilidade em nossa região.

Na maior parte do século 19, desde a independência, o Brasil foi o diferente nas Américas: um Império em meio a Repúblicas; uma grande massa territorial de fala portuguesa, que permaneceu unida num mundo hispânico que se fragmentava, tendo no Hemisfério Norte os Estados Unidos expandindo-se territorialmente. Foi a República que sublinhou a relevância da inserção do Brasil nas Américas.

Dizia nesse sentido o Manifesto Republicano de 1870: “Somos da América e queremos ser americanos”. Essa é uma das razões por que o advento da República trouxe uma “americanização” da política externa brasileira.

Daí a importância do conhecimento da América Latina para o Brasil, indicada com clareza e precisão nas páginas finais de Balmaceda: “O interesse que antes já me inspiravam as coisas sul-americanas aumentou naturalmente depois da Revolução de 15 de Novembro. Desde então começamos a fazer parte de um sistema político mais vasto... Desse modo o observador brasileiro, para ter ideia exata da direção que levamos, é obrigado a estudar a marcha do Continente, a auscultar o murmúrio, a pulsação continental”.

A República, no âmbito da “pulsação continental”, ao trazer a negação dos critérios de organização do espaço público do Império, inaugurou um período de dilatada incerteza política, que explica a entropia de seus anos iniciais, caracterizados pelo desafio da governabilidade.

Quando Nabuco escreveu Balmaceda, o caminho para lidar com a governabilidade, apontado pelos adeptos do positivismo de Augusto Comte, era a ideia de “ditadura republicana” advogada por Júlio de Castilhos, tendo como lastro um demiúrgico cientificismo político. Esse é o pano de fundo brasileiro do capítulo IV do livro, intitulado Ensaio Geral da Ditadura, que examina por que Balmaceda em 1890 “propunha praticamente a onipotência do Poder Executivo e a degradação do Congresso”.

Nabuco discute, nessa conjuntura, o espírito de reforma, que combina conservação e aperfeiçoamento, contrastando-o com o radicalismo dos que buscavam impor a realidade, em nome da “ciência”, o caminho único de uma chave teórica. O ímpeto do “metodismo científico” foi uma inspiração propulsora da ação de Balmaceda. Levou-o a “introduzir insidiosamente no esplêndido organismo chileno o gérmen do militarismo político” e dele fez “um caráter imperioso em que o mando absoluto embotara todas as outras faculdades”, inclusive o discernimento do bom juízo político. Dele fez um integrante da família política dos que “lavram suas utopias na sociedade a tiro de canhão quando é preciso”.

“Os despotismos”, aponta Nabuco com precisão, “não se defendem contando tudo ao país e contando com ele, defendem-se nas trevas com o dinheiro, com o terror e com o silêncio.” Nesse contexto, antecipa o tema contemporâneo da cláusula democrática na nossa região. Afirma, em observação que transcende o que se está passando na Venezuela: “Os chefes de Estado têm o direito de defender a sua autoridade legal – não era o caso de Balmaceda –, mas esse direito não vai ao ponto de acumular por toda parte ruínas sobre ruínas, de arrasar a sociedade, de proscrever a opinião oposta, de privar a nação do direito de se inclinar para o lado contrário e dos meios de gritar pela paz”.

As citações acima retêm plena atualidade política. São as de um pensador que prenuncia o que veio a ser no âmbito da esquerda o debate político reforma x revolução. Para esse debate, a História do século 20, como uma “era de extremos”, deu as duríssimas respostas dos desastres humanos inspirados pelos demiurgos e profetas do caminho único da mudança por métodos revolucionários. Antecipa, igualmente, os riscos na nossa região da tendência à “tábula rasa” dos fundacionismos qualificados como “bolivarianos”.

Esclarece como reformista o desafio da governabilidade democrática em nossa região. Este é o do fazer, e não o do azabumbar do marketing político do falar. E o de levar adiante políticas públicas consistentes, que permitam democraticamente avaliar os governantes pelo resultado da sua administração, vale dizer pelo inventário de que encontraram ao assumirem as responsabilidades do poder e o que deixaram para seus sucessores.

* CELSO LAFER É PROFESSOR EMÉRITO DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Matar ou morrer - FERREIRA GULLAR

Folha de S. Paulo - 17/01

O ano de 2016 será decisivo para o futuro do governo de Dilma Rousseff. Será decisivo por várias razões, e uma delas é por não poder repetir a inoperância desastrosa que o caracterizou em 2015, com uma estimativa de queda do PIB de 3,7% e uma inflação que ultrapassou os 10%. As situações econômica e política a que chegou o país são tão graves que até mesmo Dilma, que não costuma dizer a verdade, chegou a admitir, em entrevista a um grupo de jornalistas, que de fato errou.

É certo que não confessou o erro verdadeiro –que foi, entre outras coisas, valer-se das pedaladas para garantir sua reeleição–, mas admitir que errou já é uma atitude realmente inesperada para quem não erra nunca. Mas o que aconteceu para que ela adotasse, tão inesperadamente, tal atitude? Não tenho dúvida de que se trata de uma questão de vida e morte. Ou seja, Dilma só a adotou porque viu nela o único caminho para se livrar da situação crítica a que, em função de seus erros, conduziu o país.

Não é que basta admitir ter errado para, com isso, superar as dificuldades nas quais o país se debate. Não basta, claro, mas é o primeiro passo para ela tentar ganhar credibilidade junto à opinião pública e poder enfrentar o seu agora mais sério adversário: o PT. O leitor provavelmente ficará surpreso com esta minha afirmação, mas é que, em política, tudo pode ocorrer, especialmente quando se trata de situações como esta que o populismo petista criou no Brasil.

O leitor certamente se lembra de quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação: o primeiro para ajudar na educação dos filhos de trabalhadores e o segundo para pagar-lhes a comida quando desempregado. Lula, na época, foi contra esses programas mas, eleito presidente, os manteve, fundindo-os no Bolsa Família e triplicando o número de beneficiados. Com isso, onerou os cofres públicos e bagunçou o coreto, tornando inviável o controle da concessão dos benefícios. É que o objetivo do populismo não é resolver os problemas dos necessitados, mas explorá-los para manter-se no poder.

Assim fizeram Lula e Dilma, valendo-se do dinheiro público em programas assistencialistas e outras medidas equivocadas que contribuíram para a grave situação na qual nos encontramos hoje. Com o propósito de manter-se no poder, os presidentes petistas, em vez de investirem no crescimento econômico do país, estimularam o consumismo, chegando ao ponto de usar recursos públicos para financiar empresas privadas e assim garantir preços acessíveis ao consumo popular. Para isso e para outros procedimentos irresponsáveis, usaram recursos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do BNDES, contribuindo assim para a situação crítica em que se encontra hoje a economia brasileira.

A situação já era essa em 2014, quando Dilma, para se reeleger, afirmava que a economia brasileira ia de vento em popa. Como havia mentido, ao começar o novo mandato, teve de tomar as medidas necessárias para evitar o naufrágio. Foi então que convidou Joaquim Levy, cuja visão de economista é contrária à sua, para o ministério da Fazenda. Levy, então, propôs medidas necessárias à superação da crise, medidas essas que, inevitavelmente, visavam cortar despesas e fazer o ajuste fiscal. Noutras palavras, o contrário do que o populismo petista havia feito nestes 12 anos de governo.

Imediatamente, o PT se opôs a elas. Claro, porque contrariavam quase tudo o que o os governos petistas fizeram para se perpetuar no governo e, consequentemente, caso fossem postas em prática, atingiriam os seus interesses políticos e levariam inevitavelmente à sua derrota eleitoral, particularmente se impostas por Dilma, membro do partido. Resultado: quase todas as medidas propostas por Levy foram inviabilizadas por eles, e até Lula, que inventara Dilma, atuou contra elas. Sim, porque, sem as benesses do populismo, o lulapetismo estará perdido. Mas o governo Dilma, como fica? Se a estagnação de 2015 se mantiver, ela dificilmente se sustentará no poder. Em face disso, só há uma saída: fazer o contrário do que o PT pretende que se faça. Não por acaso, ela declarou na tal entrevista: "Não governo para este ou aquele partido, governo para a sociedade". Vai morrer gente!

A conta vai para você - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 17/01

Pelos cálculos do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, neste início de 2016, o prêmio (para a Petrobrás) do preço da gasolina vendida no País em relação ao vigente no Golfo do México já ronda os 26%


Em 1979, o mundo acompanhava estarrecido o segundo choque do petróleo, que atirou os preços de US$ 12 para então inacreditáveis US$ 30 por barril. Foi então que o ministro do petróleo da Arábia Saudita, o xeque Ahmed Zaki Yamani, veio com a afirmação de que, apesar da triplicação dos preços, o litro de petróleo ainda saía mais barato do que o de água mineral. Sem botar a inflação do período nessa conta, os preços do petróleo voltaram aos níveis de 1979 e, para ficar com a comparação de Yamani, estão ainda mais baratos do que água mineral.

No Brasil, embora grosseira, a escrita pode ser semelhante, só leva números diferentes. Pelos cálculos do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (Cbie), neste início de 2016, o prêmio (para a Petrobrás) do preço da gasolina vendida no País em relação ao vigente no Golfo do México já ronda os 26%, enquanto o do diesel alcança os 54% (veja o gráfico). É uma distorção produzida por distorções da política econômica, que, por sua vez, criam outras distorções. Entre 2011 e 2014, os preços dos combustíveis permaneceram represados, como recurso destinado a conter o galope da inflação e garantir a boa vontade do eleitor.

Vigorava, então, uma política de dumping, pela qual a Petrobrás comprava combustível lá fora a preços mais altos do que os vigentes aqui e era obrigada a pagar parte da conta do consumidor. O resultado foi o sangramento do caixa da Petrobrás em cerca de R$ 60 bilhões.

Mas o vento virou. Desde julho de 2014, as cotações do petróleo deslizam. Estavam acima dos US$ 100 por barril; hoje rondam os US$ 30. A relação de preços internos e externos se inverteu. O objetivo agora é aproveitar a baixa dos preços internacionais para recompor o caixa da Petrobrás. De acordo com os analistas ouvidos pela Coluna, a empresa pode zerar as perdas com o represamento de preços ao longo de 2017, a depender da trajetória das cotações do dólar e do petróleo. Essa é outra distorção porque o consumidor que está pagando essa conta não é o mesmo que foi beneficiado pelo achatamento dos preços.

O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn observa que a atual relação de preços abre oportunidades para empresas que importem combustíveis e os revendam no País: "Cria-se possibilidade de competição, o que até então era impossível, e um mercado para quem se dispuser a investir em transporte, logística, postos de abastecimentos, etc.".

Esses ganhos de competitividade seriam maiores não fosse a recessão. A demanda de combustíveis leva tombo atrás de tombo. O que contém essa possível corrida às importações são as condições de apoio. Cerca de 90% da estrutura de importação de derivados está nas mãos da Petrobrás. "A situação de dumping não voltará mais, se a lição foi aprendida", aposta Zylbersztajn.

A Petrobrás repete o lero-lero de quando foi obrigada a engolir prejuízos. Afirma que tem por objetivo obter o realinhamento entre preços domésticos e internacionais, mas que evita a volatilidade imposta pelo vaivém das cotações internacionais do petróleo e as variações do câmbio. Ou seja, não há compromisso com a transparência.

Ajuste externo
O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros entende que o ajuste externo já começou a dar contribuição decisiva para o ajuste da economia. Numa conta tosca, argumenta ele, se o consumo das famílias caiu cerca de 9% em 2015, como a Pnad Contínua vem demonstrando, e se o PIB cairá 4%, segue-se que a área externa terá contribuído com 5% positivos. Em boa parte, isso é consequência da desvalorização cambial, conclui ele.

Mãos atadas - DORA KRAMER

ESTADÃO - 17/01

A fragilidade política da presidente Dilma Rousseff pôde ser medida (não só, mas também, e de maneira acentuada) na semana passada quando se viu obrigada a sancionar verba quase bilionária para o Fundo Partidário, ao mesmo tempo em que a crise econômica impõe cortes significativos de recursos destinados a programas sociais e a áreas como Saúde e Educação.

Para 2016, o Orçamento da União acabou reservando R$ 819 milhões para os partidos dividirem entre si, valor 163% superior ao que o governo se dispunha a destinar àquele fim, R$ 311,3 milhões. Legalmente, a presidente poderia vetar a alteração feita por deputados e senadores. Politicamente, contudo, ela não tem a menor condição de fazer isso sem correr o risco de ver o veto derrubado e, antes disso, arrumar mais confusão com um Poder Legislativo que lhe empresta o menor apoio desde os tempos de Fernando Collor.

A ela não restou alternativa a não ser aceitar a regra do jogo imposta pelos partidos que, pela primeira vez, enfrentarão este ano uma eleição em que as doações (as feitas por meio legais, bem entendido) de pessoas jurídicas estão proibidas. Dilma já tinha perdido uma batalha quando o Congresso conseguiu aprovar a regra segundo a qual o Executivo está impedido de reter a liberação do dinheiro proveniente de emendas parlamentares sem cortes equivalentes no restante do Orçamento.

Com isso, em tese há outros R$ 9 bilhões em emendas individuais à disposição dos congressistas. Sem contar os R$ 4,5 bilhões reservados para as emendas coletivas, apresentadas pelas bancadas estaduais, também de liberação obrigatória. As emendas são fruto do Orçamento Impositivo, mas a sanção sem choro nem vela à verba do Fundo Partidário decorre da total impossibilidade de a presidente se confrontar com um Congresso prestes a votar pedido de interrupção de seu mandato.

Na prática teremos um financiamento público e impositivo de campanhas eleitorais e uma presidente de mãos atadas frente às conveniências dos partidos, cujos caixas sofrerão sem dúvida uma boa redução. Em contrapartida, poderão contar com um bom naco do Orçamento, a despeito da necessidade de cortes de gastos. Cortes estes defendidos por boa parte dos 594 parlamentares dos 27 partidos com representação no Parlamento, sendo as maiores bancadas (PT e PMDB) as mais beneficiadas, em função do critério de proporcionalidade para a distribuição do Fundo Partidário.

Somado a tudo isso o montante resultante da renúncia fiscal dos meios de comunicação pela transmissão do supostamente gratuito horário eleitoral, é dinheiro público que não acaba mais destinado a entidades de direito privado (os partidos) que o público pagante de impostos é obrigado a bancar. E o PT, defensor de uma fórmula mais ampla e exclusiva de financiamento via Orçamento da União, ainda acha pouco.

União faz a força.

Os advogados da presidente Dilma e do vice-presidente Michel Temer decidiram unir esforços no pedido de cassação de ambos que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, sob o argumento de desvio de dinheiro da corrupção na Petrobrás para a campanha de 2014.

Representa uma mudança de estratégia de Temer que até então preferia uma defesa baseada na tese da “separação de corpos”, alegando que as finanças de campanha foram independentes e que a Constituição trata presidente e vice como figuras distintas.

Os advogados chegaram à conclusão de que, desunidos, correm o risco de produzir prejuízos mútuos. Em caso de condenação, no entanto, o vice retomará a estratégia anterior para sustentar eventual recurso.

A autocrítica bloqueada - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES

ESTADÃO - 17/01

Muito difícil, para indivíduos e organizações de qualquer natureza, o exercício da autocrítica. Por implicar avaliação rigorosa dos próprios atos, sem cancelar os aspectos problemáticos e até negativos, costuma dar a ideia de fraqueza: é como se, no caso dos organismos políticos, se abrisse o flanco ao inimigo, mostrando os pontos frágeis que tornariam possível um contra-ataque arrasador. Coisa de ingênuos, diriam os que abraçam uma concepção cínica (“maquiavélica”) da política.

O acúmulo de erros que marcaram o petismo no poder, especialmente visíveis quando passou a bonança propiciada pela emergência do gigante chinês, suscitou, de vários comentaristas, a observação de que tem faltado ao partido dominante, para remate de males, esse tipo de avaliação de si mesmo. Evidenciou-se algo que Leandro Konder, um intelectual comunista que deixou marcas, chamou a seu tempo de “atrofia conservadora da autocrítica” (O Marxismo na Batalha das Ideias, Nova Fronteira, 1983).

Konder sabia do que falava. Para se preservarem, mesmo partidos ditos progressistas se especializaram em autocríticas rotineiras, impondo-as mecanicamente aos militantes. Comum, por exemplo, a admissão formal de culpas, como quando se confessavam sucessivos e inexplicáveis “desvios de direita” e “de esquerda”, que levavam ao afastamento da “linha justa”. Esse tipo de engano, aliás, é mais universal do que parece. Certo político conservador brasileiro, inquirido sobre erros cometidos, informou, impávido, ter tido sempre o defeito de estar à frente do seu tempo, o que lhe trazia dificuldades de comunicação com os contemporâneos...

A presidente Dilma Rousseff não parece longe desses modelos, ou antimodelos, ao se dizer vítima, em primeiro lugar, de circunstâncias externas desfavoráveis, o que em parte é verdadeiro, e em segundo, da má vontade das oposições, inconformadas com as urnas e dispostas a explorar oportunisticamente a conjuntura difícil. O ministro Jaques Wagner, na estratégica e aparentemente amaldiçoada chefia da Casa Civil, vai pelo mesmo caminho, criticando o “impeachment tapetão”, metáfora futebolística para aludir ao que seria a banalização deste remédio legal por parte das oposições depois de perdido o jogo dentro das quatro linhas.

Sem considerar a viabilidade ou a oportunidade deste lance oposicionista, é mais do que pertinente pedir contas ao PT da quase dúzia e meia de pedidos de impeachment apresentados nos governos Fernando Henrique Cardoso. Em sua grande maioria, tais pedidos não foram assinados por “qualquer do povo”, mas por dirigentes, deputados e juristas reconhecidamente ligados ao PT. Teriam sido, na época, recursos também extralegais ou “antiesportivos”? Pela sua reiteração contumaz, seriam índices de um DNA golpista do então grupo político de oposição? A crítica, mesmo dura, ao impeachment de agora ganharia mais substância se acompanhada do reconhecimento, pelo PT, do caráter desajuizado da sua oposição em passado nem tão remoto. Ou devemo-nos acostumar a um duplo padrão de comportamento?

O ministro Wagner foi só um dos últimos dirigentes a declarar que o erro maior do seu partido residiu em não ter feito milagrosa e regeneradora “reforma política” já no primeiro mandato do presidente Lula. Tal como o político conservador lembrado por Konder, aqui o exercício hipócrita da autocrítica desliza quase automaticamente para o autoelogio. O petismo, neófito nas práticas patrimonialistas “tradicionais”, ter-se-ia deixado enredar por métodos viciados do passado. Por excesso de virtude, o partido viu-se desarmado diante do que inesperadamente viu à sua frente, uma vez chegado ao poder.

Nenhuma palavra sobre a degeneração político-partidária novíssima, protagonizada – ai da democracia, ai de cada um de nós, cidadãos! – pelo partido dominante a partir de 2003. Degeneração elevada a método de poder, em circunstâncias que uma operação destinada a fazer história, como sua congênere italiana, a Mãos Limpas, desvenda cotidianamente, para espanto geral. Um partido e um governo que, segundo testemunhos insuspeitos, como o do ex-ministro das Comunicações e decano da Câmara dos Deputados Miro Teixeira, decidiram desde o início, em suas instâncias máximas, encaminhar as relações com o “Congresso burguês” em termos “orçamentários”, não em termos de debate e negociação com os demais partidos, inclusive os da oposição mais responsável – que havia.

Partido dominante, dissemos, não propriamente dirigente. Só quem verdadeiramente dirige é capaz de levar a cabo reais reformas políticas, com o fito de reforçar a democracia dos partidos e o regime representativo. Palavras voam e escritos (e ações) permanecem: o partido cujo horizonte é a mera dominação logo se obstinaria, como se obstinou e provavelmente continuará a fazê-lo, em esvaziar um dos protagonistas do centro democrático, o PMDB, estimulando suas facções, cooptando-o subordinadamente ao sistema de poder em construção ou mesmo favorecendo franquias, como o PSD, para desarticular o jogo partidário.

A democracia brasileira necessita vitalmente de uma forte participação da esquerda política, quer como força de governo, quer como fermento das lutas sociais e motor da inovação. Pode perfeitamente acontecer que uma das suas figuras históricas – o PT de Lula – esteja rigorosamente aquém desse papel vital. Não à toa, na conjuntura de 2005 houve vozes, na verdade, inconcludentes, que falaram em “refundação” partidária. Mais recentemente circulou a tímida exigência de um “exame de consciência”. É pouco: para oxigenar e, quem sabe, renovar ares excessivamente pesados, melhor desbloquear o mecanismo impiedoso da autocrítica, resguardado, naturalmente, o exercício da crítica por parte dos demais atores, o que vem a ser a alma da esfera pública em regime de liberdades.


* LUIZ SÉRGIO HENRIQUES É TRADUTOR E ENSAÍSTA, UM DOS ORGANIZADORES DAS ‘OBRAS’ DE GRAMSCI NO BRASIL SITE: WWW.GRAMSCI.ORG

O tal bilhete premiado - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 17/01

Queria trazer boas notícias. Mas 2016 começa muito mal. E todas as sinalizações são de um ano terrível para os brasileiros. Na Saúde, encerramos a semana passada com levantamento mostrando que o aumento no número de casos de dengue foi recorde no país em 2015. O Sudeste, a região mais rica do país, encabeça as estatísticas negativas. Mais preocupante é saber, pelas medidas do governo e a fria análise dos fatos, que a tendência é piorar.

Enquanto a população sofre com hospitais públicos sucateados e a falta de atendimento médico, a presidente Dilma parece empenhada apenas em tentar salvar a própria pele do impeachment. Os cortes no orçamento da saúde e da educação - e o uso de R$ 55,8 bilhões pelo Tesouro Nacional para pagamento das pedaladas fiscais - são uma prova disso. Outra, ainda mais escabrosa e com a cumplicidade do Congresso Nacional, é o repasse de R$ 818 milhões para o Fundo Partidário. Inicialmente, na proposta do governo, estava previsto o valor de R$ 311 milhões. Há, ainda, outros R$ 9 bilhões em emendas para os parlamentares "investirem" em obras em seus redutos eleitorais.

Ora, destinar uma dinheirama dessas para proselitismo político, com o país em profunda recessão, é um escárnio monumental. O brasileiro, que paga imposto como se vivesse no primeiro mundo e recebe em troca serviços públicos entre os piores do terceiro, não merece ver cinco meses de salários serem tão mal-empregados. Deus do Céu! É inaceitável: o Brasil está cortando verba da Educação, da Saúde, da Polícia Federal - para atrapalhar as investigações da Lava-Jato? - e de investimentos cruciais para o país e, ao mesmo tempo, destinando mais recursos para partidos políticos!

Mais grave ainda é ver tudo isso acontecer diante do crescimento recorde do desemprego e de uma população que parece incapaz de reagir. Impera o silêncio sepulcral até mesmo quando a presidente vem a público dizer que a saída para a crise passa pela criação de novo imposto, a CPMF. Os assalariados do país são uma espécie de escravos modernos. Ganham cada vez menos e trabalham cada vez para sustentar uma organização criminosa que reduziu a Petrobras- o tal bilhete premiado de Lula -, a um poço sem fundo de corrupção, disseminou-se nas entranhas do Estado e não poupa sequer o dinheiro da merenda das criancinhas.

Volta dos que não foram - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 17/01

O vice Michel Temer fez que ia, mas não foi. Ele avançou muito na direção oposta à da presidente Dilma Rousseff, estimulou a banda oposicionista do PMDB, divulgou a carta malcriada que enviou a Dilma e por um bom tempo deu sinais de apoio ao impeachment. Isso passou. Temer agora passa a sensação de estar recuando. O tom em relação a Dilma mudou.

Há muitas possibilidades e infinitas versões para as idas e agora vindas de Temer rumo a Dilma e contra o impeachment, mas um traço da personalidade do vice permeia as discussões sobre motivações: o pragmatismo. O recuo não é por amor, mas por necessidade.

Quando o impeachment parecia uma opção real, o professor de Direito Michel Temer dizia que precisava estar pronto para cumprir suas “obrigações constitucionais”. Agora que parece irreal, o político Temer acha mais prudente tapar os buracos na relação com Dilma e pavimentar a estrada que leva o governo de ambos até 2018. Já que Dilma não deve cair, melhor ficar bem com ela. Ou menos mal.

Além disso, há a questão central: o PMDB. A prudência ensina que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Antes de almejar subir de patamar, da Vice para a Presidência, Temer precisa mostrar que ainda manda no partido que preside desde 2001. Senão, é melhor ter juízo e “obedecer” à hierarquia, torcendo para surgirem “fatos novos”.

Diante da crise ética, política e econômica que se abateu sobre o País em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma, Temer passou a ser cortejado pelos antipetistas do PMDB, velhos aliados do PSDB, empresários desesperados com a recessão e líderes sindicais acossados pelos índices de desemprego, todos querendo “uma solução para a crise”. Vaidoso e docemente constrangido, rendeu-se ao assédio.

Só que o tempo passou, o Planalto confirmou o poder da caneta, o PT está ferido, mas não morto, e o pior é que o PMDB continua apostando que “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Boa parte dos peemedebistas achou melhor voar baixo com a presidente do que não sair do chão com o vice e seus aliados.

Quando olhou em volta, Temer descobriu que podia virar uma ilha cercada de adversários. No Planalto, montou-se um quartel general para disputar o PMDB com ele. No Senado, o presidente Renan Calheiros e sua tropa aliaram-se ao Planalto contra Temer e Eduardo Cunha na Câmara. No Rio de Janeiro - único estado governado pelo PMDB no “triângulo das Bermudas” -,o governador Pezão alinhou-se com o prefeito Eduardo Paes a favor de Dilma, contra Temer.

Só esse cerco pode explicar o que parecia inexplicável: um novato inexpressivo como Leonardo Picciani derrotando as raposas Temer, Cunha, Eliseu Padilha e Moreira Franco e mantendo-se líder na Câmara contra eles. Picciani não é Picciani, ele é instrumento de Dilma, Jaques Wagner, cúpula do PT, Renan, Pezão, Paes, Eunício Oliveira...

Como a derrota na Câmara parece certa, Temer pretende sair de Brasília e viajar pelo País para se encontrar - ou se reencontrar - com os governadores que controlam as bancadas e os votos da convenção de março em que disputará mais uma reeleição à presidência do PMDB. Perde os anéis (a liderança na Câmara) e tenta salvar os dedos (o comando do partido).

A Lava Jato expõe as entranhas do governo Lula, a crise econômica escancara a incompetência do governo Dilma, as delações premiadas pegam de jeito o governista Renan e tudo isso pode gerar reviravoltas. Até lá, Temer continua distante de Dilma, mas quem espera críticas ácidas dele contra ela pode tirar o cavalinho da chuva. Se o impeachment subiu no telhado, o vice pulou de volta para o lado governista. Pelo menos até março.

O bônus do impedimento - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 17/01

Vai ser lançado esta semana, pelo economista Reinaldo Gonçalves, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ, o primeiro estudo sobre os reflexos econômicos de um eventual impedimento da presidente Dilma. Com base em casos ocorridos em 15 países da América Latina, Gonçalves chega à conclusão de que o impedimento interrompe e reverte o processo de desequilíbrio decorrente de crises políticas e institucionais.

Com o impedimento, inicia-se um processo de reequilíbrio que implica, entre outros fatores, melhora do desempenho macroeconômico. A evidência indica, ressalta o estudo, que o "bônus macroeconômico" manifesta-se, principalmente, com a elevação da taxa de crescimento da renda, queda da taxa de desemprego, melhora das finanças públicas e ajuste das contas externas.

Dado o impedimento de Dilma Rousseff em 2016, projeções da taxa de variação da renda real indicam redução da recessão em 2017 e retomada do crescimento a partir de 2018. A retomada implica taxas de crescimento médio anual do PIB próximas à taxa secular (4,5%).

A ideia central do trabalho é a hipótese de que interrupções de presidências têm impacto positivo, partindo do princípio que procedimentos como o impedimento do presidente são instrumentos constitucionais de resolução de crises de governo.

Essas crises, relata Gonçalves, frequentemente deságuam em crise sistêmica (ética, social, econômica, política e institucional). Nos anos subsequentes ao impedimento, o estudo demonstra que há um processo de reequilíbrio que envolve um "bônus macroeconômico", decorrente do crescimento econômico, da queda do desemprego, do ajuste das finanças públicas e das contas externas em relação ao período crítico (2015-16).

O artigo apresenta, ainda, exercícios de simulação que indicam efeitos macroeconômicos favoráveis decorrentes do impedimento de Dilma Rousseff em 2016. O estudo discute tipologias referentes a mecanismos de interrupção de governos em distintos regimes e sistemas políticos, causas de presidências interrompidas e consequências de processos de interrupção de presidências.

O trabalho examina empiricamente o desempenho macroeconômico dos países após a interrupção de presidências na América Latina no período pós 1985. O painel inclui 15 situações de interrupção de presidências em sistemas democráticos em nove países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela).

A partir dessa análise empírica, alguns exercícios de simulação (variação da renda) são feitos para a hipótese de impedimento de Dilma Rousseff em 2016. Com o referencial analítico da experiência latino-americana a partir do final dos anos 1970, o estudo chega à conclusão de que o impedimento é um "freio de arrumação" que interrompe e reverte o processo de desequilíbrio.

Com o impedimento inicia-se um processo de reequilíbrio que implica, entre outros fatores, a melhora do desempenho macroeconômico, afirma Reinaldo Gonçalves. As variáveis com maior resistência ao reequilíbrio são investimento e inflação. A evidência de que há melhoras significativas de desempenho macroeconômico também é informada pelo indicador-síntese de desempenho macroeconômico (IDM), medida criada por Gonçalves para o estudo.

O IDM aumenta entre 5% a 10% nos dois primeiros anos e 20% no 3º e 4º anos subsequentes à interrupção. Trata-se de um bônus macroeconômico de 20%. Para Reinaldo Gonçalves, a evidência disponível informa que os benefícios dos processos de impedimento superam os custos. Particularmente no que se refere à questão institucional, "as experiências recentes de interrupção de presidências mostram que pode haver ruptura de governos sem que haja ameaça à sobrevivência da democracia".

A conclusão do estudo de Reinaldo Gonçalves é que o eventual impedimento de Dilma é uma oportunidade não somente para a resolução da grave crise sistêmica (ética, social, econômica, política e institucional) como também para o desenvolvimento político e institucional do país.

Maiores e melhores? Na coluna de ontem sobre o manifesto de advogados contra a Operação Lava-Jato, exagerei na generalização ao afirmar que os signatários representavam "os melhores" e "os maiores" advogados brasileiros.

Na verdade, alguns deles estão entre os "melhores e os maiores". Um amigo advogado, que não assinou o manifesto, me manda um episódio de Rui Barbosa que ilustra bem a situação: Certa feita, Rui Barbosa não alcançava pegar o livro na estante alta. O bibliotecário, solícito, ofereceu-se:

- Deixe que eu pegue pro senhor, Conselheiro: sou maior que o senhor. E Rui respondeu: - Maior, não. Mais alto, apenas.


Orçamento indexado inviabiliza ajuste - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 17/01

Apesar de uma coleta de tributos menor, gastos previdenciários e outros foram corrigidos por uma inflação alta, criando despesa maior que a meta de superávit


O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e equipe investem horas e horas de trabalho na tarefa de encontrar maneiras de incentivar a retomada do crescimento, mas sem que isso implique aumento dos gastos. Devem saber que o desequilíbrio fiscal construído principalmente no último ano do primeiro mandato da presidente Dilma acelerou a inflação, impôs um ciclo recessivo profundo ao país e esfumaçou o que restava de confiança de investidores e consumidores no governo.

O próprio Barbosa reafirma o compromisso de buscar a meta de superávit primário de 0,5% do PIB, este ano, fixada no Orçamento. Não será fácil, devido à própria recessão, causa da redução no recolhimento de impostos. Não só por isso. O governo Dilma finge que o grave assunto não existe — para não contrariar o PT e, certamente, as próprias convicções. Mas, enquanto ministro e equipe se debruçam sobre uma equação difícil de resolver, a simples aplicação dos índices de indexação sobre aposentadorias e outros benefícios criou uma despesa que torna praticamente impossível o governo alcançar a meta do 0,5% do PIB. A não ser que, a depender da recomposição da base governista, no segundo semestre, o Planalto consiga aprovar mais uma daquelas flexibilizações estatísticas, para deduzir bilhões da meta. Mesmo assim, será preciso cautela, dada a quase nula credibilidade da presidente neste campo. Maior a criatividade estatística, pior a reação dos mercados. Mais inflação e juros.

Obedecida a indexação pelo salário mínimo ou inflação das aposentadorias, os segurados do INSS que recebem um SM ganharam um reajuste de 11,6%, enquanto aqueles benefícios superiores ao mínimo subiram 11,28%. Foi transposta a inflação para os benefícios, mesmo com recessão e queda na coleta de impostos. O efeito dessa indexação será, em 2016, uma despesa de R$ 41,1 bilhões — bem mais que o R$ 30 bilhões que o governo esperava arrecadar no ano passado, de abril a dezembro, com a ressurreição da CPMF. E mais que os R$ 30,5 bilhões do superávit de 0,5% do PIB. A conta é maior, porque há outros gastos que são remarcadas todo início de ano. Na terça, o governo anunciou que, a partir de amanhã, por exemplo, o teto do seguro-desemprego passará de R$ 1.385,91 para R$ 1.542,24, aumento de pouco mais de 11%. Está exposto, agora na prática, o grande obstáculo a um ajuste fiscal que representam a superindexação do Orçamento e sua vinculação a gastos específicos — Saúde e Educação, por exemplo. Além de se engessar o administrador público, impede-se que despesas sejam avaliadas pelo critério salutar da sua eficácia. Gasta-se naquilo porque se gastou no ano passado.

A parcela de 90% do Orçamento está engessada. E grande parte destes bilhões encontra-se indexada pelo salário mínimo ou inflação. Daí crescerem, mesmo na recessão e na diminuição da coleta tributária. Não há ajuste fiscal efetivo que seja possível. E sem ele, impede-se a retomada do crescimento, num trágico círculo vicioso.

A verdadeira face do MPL - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 17/01

Agora não há mais dúvida. Com a divulgação de manual no qual instrui seus militantes e simpatizantes sobre como bloquear vias importantes e empregar outras táticas truculentas para atingir seus objetivos, o Movimento Passe Livre (MPL) confirma as avaliações mais pessimistas – sugeridas pelo seu comportamento tortuoso – sobre a sua verdadeira natureza e as suas verdadeiras intenções. Desaparece a imagem de bom-mocismo que sempre cultivou e surge a de um grupo aguerrido, frio e calculista, que não hesita em apelar para o emprego de métodos de ação violentos, que lembram ações precursoras da guerrilha urbana.

“Para aumentar as chances de vitória contra o aumento (da tarifa dos transportes coletivos), chegou a hora de começar a travar terminais de ônibus, grandes avenidas e ruas no entorno dos atos para garantir que a cidade pare até que tarifa baixe”, diz o manual. Com as minúcias de quem traça um bem pensando plano de batalha, o MPL propõe “sete passos” para parar vastas áreas da cidade e, por esse meio, potencializar os efeitos de suas manifestações, se é que a essa altura tal palavra ainda pode ser empregada para designar suas estripulias.

Primeiro, ensina, é preciso convocar amigos, grupos políticos – e pensar que o MPL se vangloria de ser apartidário – e outras pessoas para participar dos protestos, por meio de mensagens de WhatsApp. Depois, deve-se escolher, em grupo, os locais que serão travados, “durante, depois e em outros dias além do ato”. Ou seja, são ações continuadas, que estão a léguas de distância da ideia vendida à população de protestos espontâneos, puros, ditados pela indignação contra a tarifa alta de um serviço ruim, que a seu ver deveria ser gratuito, como se se vivesse num mundo de sonhos onde não é preciso pagar contas.

O manual orienta os grupos – embora isso não seja dito, supõe-se que sejam integrados por militantes bem treinados, do contrário não teriam como fazer o que deles se espera – a organizar ações logo pela manhã e dialogar com a população para conseguir sua adesão. “Não podemos fazer essa ação isolada. Temos de convencer os trabalhadores”, recomenda.

Outras orientações são fotografar e filmar as ações para divulgá-las e incentivar os participantes das manifestações a repeti-las. Finalmente, propõe-se que se marque uma concentração antes do protesto e que seus participantes sigam “em marcha travando as ruas até o local do grande ato”. Isso já aconteceu na manifestação de quinta-feira passada – o ato preliminar foi na Praça da Sé – e o objetivo, mais uma vez, é explorar todas as possibilidades de tumultuar a vida da cidade.

É importante assinalar esses pormenores das instruções do manual porque são eles que dão uma ideia precisa do que é de fato o MPL – uma organização politizada, sim, ao contrário do que ela pretendia ser, e determinada a utilizar meios violentos para atingir seus objetivos. Violência que se revela de várias formas. Uma delas é o bloqueio de vias importantes, com a deliberada intenção de complicar ainda mais o trânsito já difícil e paralisar a cidade, prejudicando a vida de milhões de paulistanos.

Violência não é apenas jogar coquetéis molotov e promover vandalismo. Mas também essa violência explícita, escancarada, faz parte do MPL, embora ele espertamente queira posar de bonzinho. A essa altura, só os ingênuos ainda resistem a admitir que os black blocs são a outra face do MPL. Não se viu até agora por parte desse movimento nenhuma ação concreta para combater a violência dos black blocs, nem mesmo – o que seria pouco tendo em vista a gravidade do caso – uma palavra de condenação clara do rastro de destruição que eles deixam a cada manifestação.

Essa omissão só pode ser entendida como cumplicidade. E cumplicidade é crime. Já está mais do que na hora de fazer cair a máscara de movimento pacífico, que o MPL espertamente carrega. A sociedade precisa acordar para essa realidade. Especialmente aquela sua parcela que engrossa as fileiras das manifestações do MPL e, assim, se deixa usar como massa de manobra de inocentes úteis.

Ajuste não afeta partidos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 17/01

As agruras do ajuste fiscal não são iguais para todos que dependem dos cofres do governo federal. Com cortes que atingiram setores prioritários, como saúde, educação, programas sociais como o Minha casa, minha vida, e até a Polícia Federal e o Ministério Público - com o risco de afetar os trabalhos da Operação Lava-Jato, a presidente da República sancionou na quinta-feira, o Orçamento da União para 2016.

Ela nada vetou. Mas, com certeza, ouviria aplausos espontâneos da maioria do eleitorado se tivesse rejeitado a esperteza dos políticos com assento no Congresso Nacional que, na última hora e sem alarde, alteraram a verba destinada ao Fundo Partidário. Trata-se de dinheiro do contribuinte distribuído a todos os partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

A verba a ser gasta este ano, principalmente na campanha dos partidos durante as eleições de prefeitos e vereadores, é de R$ 818,1 milhões. Representa um sacrifício de R$ 48 milhões, ou 5,53%, em relação aos escandalosos R$ 867,5 milhões liberados para essa rubrica em 2015, em pleno ajuste fiscal do ex-ministro Joaquim Levy.

Visto assim, candidamente, até parece que os políticos foram generosos este ano. Ledo engano. O que fizeram todas as bancadas no Legislativo foi se aproveitar da fragilidade política do Planalto para impor um gasto 163% maior do que previa a proposta original do Orçamento, que era de "apenas" R$ 311,3 milhões. Isso sem contar os R$ 9 bilhões em emendas parlamentares para obras nos redutos eleitorais.

Esta não foi a primeira vez que o Legislativo fez e o Planalto aceitou essa pressão. O Fundo Partidário tinha recebido dotação de R$ 308,1 milhões em 2014, e o governo, considerando que 2015 não era ano eleitoral, e sim de início do ajuste fiscal, propôs uma redução do Fundo Partidário para R$ 298,5 milhões. Em vez disso, os parlamentares aprovaram verba quase três vezes maior.

Desta vez, a justificativa é o fim das doações de empresas privadas às candidaturas e aos partidos, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não importa que o mesmo Congresso tenha aprovado a meta de geração de um superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a R$ 24 bilhões pela União e R$ 13,5 bilhões por estados e municípios. Só o que contou foi o interesse dos partidos. O resto que se vire.

Essa indisposição dos políticos de cortar na própria carne ficou, aliás, bem clara com a evidente previsão de receitas muito acima das despesas, encoberta pelas miragens de um crescimento de 1,9% do PIB este ano e recriação da malfadada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Nem o menos informado dos parlamentares desconhece que a economia continuará retraída em 2016 e que a aprovação de mais um tributo é claramente repudiada pela sociedade.

Motivo para mais repúdio é, portanto, o que não falta. Se conduzido com transparência e com a certeza de que o provisório não será permanente, o sacrifício de pagar mais um imposto poderia até ser mais bem compreendido. Mas, espertezas como a do Fundo Partidário não autorizam esse otimismo.

Manifesto irrefletido - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 17/01

Um grupo de advogados divulgou manifesto com duras críticas à Operação Lava Jato, na qual haveria um “regime de supressão episódica de direitos e garantias”. Não poupam palavras para externar o sentimento de indignação contra os processos judiciais em curso. “Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, afirmam os subscritores.

O manifesto não é uma expressão de legítimo interesse público, como tenta se apresentar. Nada mais é do que a defesa de interesses privados. O documento faz parte da atividade profissional de renomados advogados. Afinal, vieram a público defender os interesses de seus clientes, muitos dos quais frequentaram e frequentam o noticiário policial. Esses clientes, em resumo, protagonizam as operações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Se fosse apenas isso, nada haveria de reprovável. O documento seria um instrumento para a devida defesa de réus e condenados. Mas ele ultrapassa essa finalidade ao se tornar um libelo acusatório – sem provas que não as palavras dos signatários e à revelia dos fatos – contra instituições. E resvala para a molecagem quando imprime como subscritores nomes de advogados que não assinaram o manifesto.

Os verdadeiros signatários tratam levianamente a imprensa, como se os jornalistas que a compõem formassem uma massa amorfa de manobra, à disposição de quem queira moldá-la. Ousam dizer que há uma “estratégia de massacre midiático”, parte de “verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados”. Ora, seus clientes tiveram amplas e reiteradas possibilidades para explicar as denúncias que vieram a público. A imprensa tem informado lisamente a respeito do que ocorre. E os brasileiros têm o direito de saber, até porque foi do bolso de cada cidadão que saíram os bilhões de reais que os réus e acusados – que, segundo os advogados, padecem os tormentos da injustiça – enfiaram nas suas contas bancárias, aqui e no exterior.

A metralhadora acusatória dos advogados tem um alvo especial – o juiz Sérgio Moro. “É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação”, afirmam os advogados. É grave essa distorção dos fatos. Se os acusados e seus causídicos veem parcialidade em Sérgio Moro, os Tribunais Superiores têm confirmado em grande porcentual as decisões daquele juiz.

É lamentável que pessoas responsáveis e consequentes como as que assinaram o documento afirmem que “a Operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte”. A Operação Lava Jato está plenamente inserida nos caminhos institucionais. Se ela não estivesse dentro da mais plena legalidade, certamente muitos dos subscritores do manifesto, de notória capacidade profissional, já teriam obtido a nulidade dos processos. O que os preocupa é a consistência dos passos dados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

O documento revela diligência profissional por parte dos causídicos, que não poupam esforços na defesa de seus clientes. Mas o discurso acusatório é um equívoco. Causa involuntário mal à democracia usar palavras de forma arrebatada – e irrefletida. O documento afirma que “o Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial”. Ora, não se vislumbra qualquer ameaça ao Estado de Direito. As leis estão sendo cumpridas. Bem conhecem os subscritores a previsão legal da prisão preventiva e da delação premiada, por exemplo.

Se houve violações e abusos de direitos nas decisões judiciais, a legislação brasileira prevê generosamente amplos caminhos recursais para sua revisão. Nesse sentido, não há que se falar de supressão de garantias e direitos. Há de se reconhecer que poucos réus na história da Justiça brasileira tiveram a possibilidade de ser tão bem assistidos juridicamente quanto os atuais réus e investigados na Operação Lava Jato. Puderam contratar os melhores e mais caros advogados do País.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

EMPRESAS DEFENDEM VANTAGENS DA ‘LENIÊNCIA’

A Medida Provisória 703, a MP da Leniência, altera a Lei Anticorrupção para beneficiar empresas envolvidas na Lava Jato. Alegam que a MP trará “segurança jurídica”, como chamam a proibição de novas sanções após fechar o acordo, por exemplo. Pela MP, as empresas devem ressarcir o governo pelos danos causados e ainda pagar multas. Mas também prevê isenção total. A Camargo Correa, por exemplo, pagará R$ 700 milhões de ressarcimento e nenhum centavo de multa.

FICOU PARA DEPOIS
A MP prevê que o Tribunal de Contas da União só no fim do processo exerça a prerrogativa de analisar acordos de leniência já fechados.

MARCO ENGAVETADO
Marco no combate aos podres poderes, a Lei Anticorrupção aguardou regulamentação por 18 meses nas gavetas da Casa Civil da era Dilma.

CONTRATOS GERAM EMPREGOS
São os contratos e não acordos de leniência que preservam empregos, adverte Júlio Marcelo Oliveira, procurador do MPF no TCU.

A QUEM SERVEM OS ACORDOS
Acordos de leniência preservarão os bilionários donos das empresas corruptas. Muitos nem sequer foram incomodados pela Lava Jato.

NÚMEROS DE DILMA EXPLICAM DESASTRE ECONÔMICO
O desastre econômico do governo Dilma Rousseff, que mergulhou o Brasil na mais grave crise de nossa história recente, pode ser avaliado pela redução dramática de investimentos, com reflexo nos empregos e na geração de renda. Em 2015, dos R$ 80,4 bilhões previstos, só R$38,9 bilhões foram gastos. Em 2014, dos R$ 82,3 bilhões, só R$57,2 bilhões investidos. E as perspectivas para 2016 são ainda piores.

A CAMINHO DO ZERO
O orçamento que Dilma sancionou para não cumprir, prevê investir R$ 37,6 bilhões em 2016. Menos da metade do previsto em 2015.

DESCALABRO
Mendonça Filho (DEM-PE) põe o dedo na ferida dos números: “É a marca do descalabro e do mal que Dilma faz à população”.

LEGADO PETISTA
Para o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), o PT jogou o País na recessão, perdeu o controle da inflação e aumentou o desemprego.

PICCIANI COMO ALVO
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, definiu priorizar em fevereiro a tentativa de derrotar sua criatura, Leonardo Picciani (RJ), na briga pela liderança do PMDB. Ele atrai amigos de outros partidos para se filiar ao PMDB e desequilibrar a pequena vantagem de Picciani.

AGORA PODE?
Curiosamente, quando Leonardo Picciani tentou manobra idêntica, filiando aliados governistas, a Executiva do PMDB se reuniu para barrar a ofensiva, que teria sido armada nos porões do Palácio do Planalto.

SOB NOVA DIREÇÃO
O apoio de senadores à reeleição de Leonardo Picciani (RJ) à bancada do PMDB da Câmara virou piada. “Se ele for reeleito, a bancada da Câmara vai ser liderada pelo Senado”, reprova Lúcio Vieira Lima (BA).

PMDB EMUDECEU
A falta de unidade na bancada peemedebista chegou ao ponto de afetar o grupo do WhatsApp dos deputados. Em novembro, eram 80 mensagens trocadas em um dia. Em dezembro, caiu a zero.

LENHA NA FOGUEIRA
Expoente da oposição na luta pelo impeachment de Dilma, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) acredita que as recentes denúncias da Lava Jato “corroem ainda mais a legitimidade da já combalida presidente”.

ACABOU A TINTA
“Acho que o governo do PT só tem a caneta, porque a tinta já está com o PMDB”, diz o deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), sobre a decisão de Dilma de entregar novo ministério para o PMDB.

ZONA FRANCA VERDE...
A superintendente da Suframa, Rebecca Garcia e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) discutiram em Brasília detalhes da zona franca verde da Amazônia, regulamentada por Dilma no fim do ano.

...GARANTE BENEFÍCIOS
A zona franca verde isenta de IPI os produtos regionais, como frutas, sementes, animais e madeiras. Beneficia Macapá e Santana (AP), Tabatinga (AM), Guajará Mirim (RO) e Basiléia e Cruzeiro do Sul (AC).

PENSANDO BEM…
… leniência rima com inocência, violência, sapiência, incoerência, indecência...