quinta-feira, outubro 29, 2015

Custo Lula, custo Dilma - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 29/10

Foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou recessão, inflação alta e juros na lua



Tudo somado e subtraído, a presidente Dilma conseguiu abrir um buraco de R$ 230 bilhões em apenas cinco anos. Seu governo saiu de um superávit de R$ 128 bilhões em 2011 para um déficit efetivo em torno de R$ 100 bilhões neste ano. Gastou todo o saldo e mais quase o dobro. E para quê?

Para driblar a crise internacional e turbinar o crescimento — dizem a presidente e seu ex-ministro Guido Mantega.

Crescimento?

Em 2011, quando se fez o superávit primário de 128 bi, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu razoáveis 3,9%. Nos três anos seguintes, quando supostamente estaria sendo turbinada pelo gasto e crédito públicos, a economia minguou: expansão média de 1,5%, a menor entre os países emergentes mais importantes. E desabou neste ano para uma recessão em torno de 3%, no momento em que se realiza o maior déficit público da história.

Apesar do baixo crescimento, a inflação rodou sempre acima dos 6% ao ano, contra uma meta de 4,5%, e isso com preços importantes, como gasolina e energia elétrica, controlados e mantidos lá em baixo, na marra. Reajustados esses preços, porque estavam quebrando a Petrobras e o setor elétrico, a inflação disparou para os 10% deste ano, um número que reflete melhor a realidade.

Finalmente, a taxa básica de juros, reduzida artificialmente para 7,25% em 2012, também para turbinar o crescimento, serviu apenas para liberar mais inflação. Aí, o Banco Central saiu atrás e puxou os juros para os atuais 14,25% que, embora muito elevados, não conseguem mais conter uma inflação perigosamente indexada.

A gente tem de reconhecer: foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou ao mesmo tempo recessão, inflação alta e juros na lua. E o déficit público de R$ 100 bi.

O governo está confessando um rombo de R$ 52 bi. Mas, para isso, conta com uma receita de R$ 11 bi com a venda de concessões de hidrelétricas — um negócio que depende de uma MP ainda a ser votada pelo Congresso, que não está nem um pouco animado. Sem isso, o déficit já passa dos R$ 60 bi — e ainda é preciso somar as pedaladas, os R$ 40 bi que o governo federal deve ao BNDES, Banco do Brasil e à Caixa. Assim, o buraco efetivo passa fácil dos R$ 100 bi.

Claro que a recessão derruba as receitas do governo e ajuda no déficit. Mas houve também muita incompetência.

O governo prometeu vender ativos, de imóveis a pedaços de estatais, e não conseguiu. Disse que faria dinheiro com a privatização de um elenco de rodovias, portos e aeroportos. Não saiu uma sequer até agora. (Sabe como é, tem que preparar a papelada, montar projetos, muita trabalheira...).

O governo contou com dinheiro que depende de aprovação do Congresso (CPMF e repatriação), mas não mostrou a menor capacidade em operar as votações, mesmo tendo distribuído ministérios e cargos em estatais.

É o mesmo tipo de incompetência que derrubou a Petrobras. Quando Lula era presidente da República e Dilma presidente do Conselho de Administração da estatal, a empresa se meteu em projetos megalomaníacos, da exploração de poços do pré-sal, a refinarias, navios, sondas e plataformas de exploração.

O caso das refinarias Abreu e Lima e Comperj já é um exemplo mundial de má gestão, sem contar a corrupção. Menos conhecida é a história das sondas. O governo estimulou a criação de uma empresa, a Sete Brasil, para construir 28 sondas no Brasil. A empresa, com dinheiro da Petrobras, já gastou mais de R$ 28 bilhões e não entregou uma sonda sequer. E pior: sabe-se agora que a Petrobras, dada sua capacidade de produção, não precisava desses equipamentos.

Lula e Dilma empurraram a Petrobras para essa loucura. E para quê?

A produção de óleo da estatal é hoje praticamente a mesma de 2009. Foi de 2,1 milhões de barris/dia para 2,2 milhões. Nisso e nas refinarias, inacabadas e precisando de sócios para concluir a metade das obras, a Petrobras gastou cerca de US$ 260 bi! E gerou uma dívida bruta que chega hoje a US$ 134 bilhões.

Isso é custo Lula mais custo Dilma, consequência de erros de avaliação, má gestão e projetos mal feitos. No balanço do ano passado, a estatal aplicou uma baixa contábil de R$ 31 bilhões nos orçamentos das refinarias Abreu e Lima e Comperj, por “problemas no planejamento dos projetos”. E anunciou o cancelamento das refinarias do Maranhão e Ceará, que não saíram do chão, mas cujos projetos custaram R$ 2,7 bilhões. Eram inviáveis, disse a empresa.

Só isso de explicação?

É, só isso.

A corrupção é avassaladora, mas capaz de perder para a ineficiência.

"Esses lixeiros da imprensa" - EUGÊNIO BUCCI

ESTADÃO - 29/10

“É de mencionar, por exemplo, a circunstância de frequentar os salões dos poderosos da Terra, aparentemente em pé de igualdade, vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses ‘lixeiros da imprensa’”

Max Weber, em A Política como Vocação

O eclipse da razão se aprofunda. A conjuntura nacional vive dias de breu e de loucura. Os discursos se embaralham uns aos outros, como numa peça teatral em surto, com os vilões tomando para si as falas dos mocinhos e vice-versa. Em meio a tantas confusões, a mais espantosa é a aliança discursiva entre os donos de riquezas privadas acumuladas graças ao Estado e os militantes de esquerda que um dia sonharam em acabar com o capital.

De repente, os porta-vozes de empreiteiras mastodônticas viraram adeptos domedia criticism. Já em julho, advogados dessas empreiteiras que adoram o capital, mas detestam o regime de concorrência de mercado, começaram a acusar as investigações da Lava Jato de serem um reality show. De terno e gravata, aderiram às teses de Noam Chomsky, com pitadas conceituais da Escola de Frankfurt. Foi assim que a mais anticapitalista das teorias da comunicação veio prestar socorro às causas de empresas cuja mentalidade anticomunista é mais atrasada que o latifúndio.

E aqui estamos nós. As denúncias de “manipulações” dos meios de comunicação viraram lugar-comum na argumentação das empreiteiras, numa estridente troca de sinal. Os bilionários convertidos ao media criticism lançam mão do mesmíssimo palavreado adotado pelo leninismo degradado em stalinismo e, mais presentemente, em chavismo histriônico. As fabulações de “campanhas difamatórias para derrubar o governo”, de “orquestrações midiáticas para destruir um projeto” e de “complô moralista para desestabilizar as instituições” aparecem tanto nas alegações processuais do capital anticoncorrencial (que quer ficar eternamente no paraíso da acumulação primitiva) como nas perorações fundamentalistas dos que cultuam um bolchevismo que nunca existiu (e nunca quis ser o que seus sacerdotes tardios imaginam que foi). Os herdeiros do patrimonialismo pátrio se aliaram aos herdeiros de uma concepção idealizada da ditadura do proletariado.

É, pois, o caso de perguntarmos: mas o que é que uns e outros têm em comum, afinal? Aparentemente, nada. São antagônicos em suas linhagens históricas. Enquanto uns guardam montanhas de dinheiro, montanhas ainda maiores do que as barragens das hidrelétricas que foram contratados (pelo Estado) para construir, os outros guardam montanhas de pretensões teóricas e se reivindicam seguidores de uma tradição de combate ao capitalismo. Uns e outros são antípodas. Não obstante, estão juntos. Cerram fileiras no discurso. Falam as mesmas frases. Pois bem: por que isso? Se são uns o oposto dos outros, por que se aliaram? Será que os ameaça um inimigo comum? Será que pelo menos isso eles têm em comum, um inimigo?

Parece que sim. A julgar pelo que uns e outros andam dizendo, o inimigo que ambos atacam em parceria é essa entidade que eles preferem chamar de “mídia”. Vejamos, então, as razões por que uns e outros veem a “mídia” como inimiga. Bem sabemos que as razões estão todas eclipsadas, mas, ainda assim, poderemos detectá-las ao longe, mesmo que elas insistam em permanecer invisíveis.

Busquemos as razões. Que “mídia” é essa que eles combatem com tanto fervor reacionário (no caso de uns) ou “revolucionário” (no caso de outros)? Certamente o problema de uns e outros não é a “mídia” em geral. O problema não está nas telenovelas, na indústria de videogames, no mercado fonográfico, nas redes sociais, nos programas de auditório, na publicidade, nos sites eróticos, nos blogs católicos, nada disso. O que os apavora não é a “mídia” em geral, mas a imprensa, só a imprensa. Eles combatem a prática do jornalismo, embora não ousem dizer esse nome. Não pegaria bem.

E por que detestam o jornalismo a esse ponto? A resposta agora é mais fácil: detestam porque o jornalismo vive de expor o que uns e outros gostariam de esconder (ou precisam, desesperadamente, esconder). Uns e outros, claro, dissimulam seus ataques. Não falam contra as qualidades do jornalismo. Seria contraproducente. Em sua estratégia de marketing político, atacam o jornalismo por seus defeitos (e o que não falta é defeito no jornalismo). Dizem que a “mídia” é sensacionalista – e muitas vezes é. Dizem que os “vazamentos” são “seletivos” – e são mesmo. O que os enfurece, porém, não são esses defeitos (dos quais já se valeram inúmeras vezes), pois o que uns e outros não suportam não são os defeitos, mas as virtudes da imprensa: a sua vocação compulsiva de revelar segredos de interesse público.

Nesse ponto, resulta bastante óbvio que uns e outros, contra todas as aparências, têm algo em comum além do inimigo comum: eles são o poder. Uns sempre foram o poder econômico, outros se alçaram ao poder político. E porque são o poder têm outra coisa em comum: os segredos. Há que guardá-los muito bem guardados (na Suíça, talvez). Para guardar os segredos de que são sócios, uns e outros, “os poderosos” desta terra adulam os jornalistas, que convidam para jantar em seus salões. Depois, a sós, se comprazem em xingar os repórteres de “lixeiros”.

Uns aprenderam a falar na língua dos teóricos de esquerda. Outros aprenderam a usufruir a fortuna da direita. Juntos, dizem que o maior demônio do Brasil é a imprensa, quer dizer, “a mídia”. Não aturam ver seu próprio lixo revolvido pelo jornalismo. Para continuar com seus negócios, dependem das trevas e do eclipse da razão. A imprensa, por mais defeituosa que seja, só vive na luz.

* EUGÊNIO BUCCI É JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

Proposta indecente - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/10

É sintomático que alguém tenha proposto uma mudança no projeto de repatriação de recursos anistiando doleiros, sonegadores e o caixa dois. Ela foi formatada como um terno sob medida para os investigados pela operação Lava-Jato e cabe direitinho em todos que têm dinheiro na Suíça e não sabem dizer a origem dos recursos, ou sequer admitem a existência das contas.

Como disse o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), a proposta é inconstitucional. E imoral. Se aprovada, a anistia pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal. As críticas foram tão fortes que a Câmara adiou a votação para terça-feira. Mas todo o cuidado é pouco. Quem fez a proposta não entendeu o momento que o país está vivendo, de repúdio à corrupção, de fortalecimento das instituições que combatem o crime de lavagem de dinheiro e corrupção. Como é mesmo que surgiu um absurdo destes numa hora dessas?

O deputado Manoel Junior (PMDB-PB), no seu relatório, tirou a proteção que havia sido colocada no projeto do governo e incluiu explícitas possibilidades de anistia de dinheiro de origem escusa. O deputado é o mesmo que foi cotado para ministro da Saúde na reforma ministerial, e só no último momento a presidente decidiu não nomeá-lo.

A ideia do projeto foi levantada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele tentou evitar que a regra fosse usada como veículo para limpeza de dinheiro sujo e foi ouvir especialistas para incluir cláusulas de proteção.

- O meu projeto, o 298 de 2015, foi escrito após ouvir tributaristas como Heleno Torres. A preocupação era como trazer recursos para o país sem legalizar dinheiro sujo. Eu incluí, portanto, dois dispositivos de proteção contra recursos ilícitos e a obrigação de que quem estivesse internalizando o dinheiro fizesse uma declaração junto ao Ministério Público sobre a origem legal do recurso - disse o senador.

O governo, por exigência da Câmara, decidiu apresentar o projeto como de iniciativa do Executivo. E estabeleceu as mesmas travas de proteção. Consultou o 
Ministério Público e ouviu a OCDE, que idealizou o projeto em 49 países, para evitar que virasse uma lavanderia. Mas cometeu o erro de ceder a quem não devia:

- O deputado Eduardo Cunha exigiu que o projeto fosse enviado primeiro para a Câmara. Assim ele não poderia ser alterado no Senado, do contrário volta à Câmara para a palavra final. O governo concordou. Agora se entende sua insistência -, diz o senador.

O relatório ao Projeto de Lei 2.960, do deputado Manoel Junior, contendo as perigosas alterações, foi considerado, na área econômica, uma porta aberta aos crimes que têm sido investigados. Os maiores colaboradores da Justiça têm sido os doleiros e eles seriam beneficiados com as medidas propostas.

- A presidência da Câmara prometeu ao Planalto adotar o texto do Senado, quando exigiu que ele se tornasse um projeto do Executivo. Mas só permaneceu o nome do programa. O resto foi desfigurado -, disse um técnico do governo.

A ideia da área econômica era trazer os recursos para financiar a reforma do ICMS. Só seria permitido que quem tinha enviado recursos ao exterior sem declarar à Receita pudesse trazer o dinheiro de volta pagando um imposto e uma multa. A soma dos dois ficaria no mesmo percentual da alíquota imaginada no projeto do senador Randolfe: 35%.

A grande questão não é nem a tramitação do projeto, porque sempre haveria a possibilidade de ser vetado - ainda que seja curioso o veto a um projeto do próprio governo. Mas a dúvida mesmo é como uma alteração indecorosa dessas pode ser feita a esta altura dos processos de investigação de crimes financeiros em várias operações, principalmente na Lava-Jato?

Qual parte o deputado e seu óbvio inspirador não entenderam do momento que o Brasil está vivendo? A desfaçatez tem limites e neste caso foram ultrapassados. A ideia é proteger o país do dinheiro sujo e trazer recursos que possam contribuir para o desenvolvimento do país em momento de financiamento escasso e arrecadação em queda. O Brasil não quer ter esses recursos ao preço de anistiar crimes contra os quais está lutando. Da ideia original, nada ficou. O espanto é a cara de pau de quem incluiu as mudanças.


Mil faces de Lula - DORA KRAMER

ESTADÃO - 29/10

Acuado, ex-presidente se faz de vítima e joga em Dilma a pecha de 'desleal' O ex-presidente Luiz Inácio da Silva é um bom ator. Bem melhor que político, conforme demonstrado pelo erro de avaliação na escolha de Dilma Rousseff para o papel de criatura que seria capaz de suceder-lhe e garantir, mediante o espetáculo da competência, permanência longa para o PT no poder.

No ofício da atuação é um personagem de mil caras. Uma para cada ocasião. Pode ser o fortão que a todos enfrenta porque com ele ninguém pode, como pode ser o fraquinho a quem a elite tenta permanentemente derrubar por sua origem e identificação com os oprimidos.

Entre os papéis que costuma desempenhar, o preferido para os momentos de dificuldade é o de vítima. Não por acaso nem de modo surpreendente faz agora essa performance, nesta hora em que as circunstâncias nunca lhe foram tão desfavoráveis: alvo de investigação do Ministério Público por tráfico de influência, pai do dono de empresas revistadas pela Polícia Federal, amigo de um empresário apontado por um "delator premiado" como receptor de propina destinada a cobrir despesas de uma de suas quatro noras.

Afora isso, as más notícias alcançam também o patrimônio político eleitoral de Lula, até pouco tempo atrás sua principal e mais forte cidadela. A última pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT) aponta e atesta a decadência. Confirma números anteriores segundo os quais Lula já não é um ativo eleitoral.

Hoje, numa eleição, perderia de lavada para o tucano Aécio Neves (32% a 21%) e em eventual disputa de segundo turno seria derrotado também por Geraldo Alckmin e José Serra, políticos do PSDB que em outros tempos derrotou. Para quem já foi considerado pelo adversário (Serra) em plena campanha como uma pessoa "acima do bem e do mal" a situação é periclitante, convenhamos.

Lula não tem capital para si nem para emprestar ao PT ou à presidente Dilma Rousseff. Nesta condição quase que extrema (ou próxima disso), o ex-presidente faz o que sabe: tenta jogar a culpa no alheio. E a eleita, desta vez, é a presidente Dilma Rousseff em quem seu criador tenta imprimir a pecha de "desleal" ao deixar que prosperem versões de que atribui a ela a responsabilidade sobre o avanço das investigações em direção a ele, família e amigos.

Oficialmente o Instituto Lula desmente. Muito cômodo. Extraoficialmente todos os jornais publicam a conveniente versão disseminada por "amigos" e "interlocutores" de que o ex-presidente se sente "traído" pela sucessora que, segundo ele, não foi capaz de interromper investigações que o atingissem e à sua família.

Transferir a culpa para Dilma é uma tentativa. De difícil execução, dada a dificuldade de se obter resultado, diante da posição extremamente difícil em que se encontra a presidente. Mas o problema maior para Lula é a credibilidade. Ele já não tem aquela da qual desfrutou. E esta, no presente, não conseguiu conquistar quem no futuro poderia ter junto de si.

Em suma, Lula procura se desvincular de Dilma, acusando a presidente de ser desleal pelo fato de não atuar para impedir investigações. Isso quer dizer que, por experiência própria, ele considera não apenas possível como factível a indevida interferência nos processos legais.

Com isso, confirma que em seu governo interferiu indevidamente. E, por linhas tortas, confessa que prevaricou. Indignado está pelo fato de outrem não prevaricar em seu nome para salvá-lo de evidências que o aproximam do confronto com a verdade.

Não há sentido de urgência - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 29/10

A situação econômica é mais do que grave. O PIB mergulha a mais de 3,0% neste ano e começam a aparecer projeções de números próximos desse também para o desempenho da atividade econômica em 2016.

A inflação vai para os dois dígitos (para acima de 9,9% em 12 meses). Se for verdade que o País já vive uma situação de dominância fiscal, em que os juros operam como cerveja choca sobre a inflação, é enorme a probabilidade de que sobrevenha uma corrida ao dólar.

A indústria está prostrada, incapaz de reação, e o desemprego, hoje nos 7,6%, tende também a chegar aos dois dígitos.

A administração fiscal é um pandemônio. Ninguém no governo consegue apresentar um número coerente para o rombo. E, se não há acordo nem sequer para o tamanho do problema, menos ainda há para uma solução.

O ajuste fiscal, por exemplo, o mesmo que foi proposto para um déficit mais baixo, está emperrado. Aí aparecem aqueles escapismos em que só os tolos acreditam: que tudo isso é resultado da crise global ou da prolongada estiagem e não de erros de política econômica; e que o Brasil não é a única economia do mundo apanhada pela derrubada dos preços internacionais das commodities e pela redução das encomendas externas. Enfim, quem atribui tudo a uma espécie de inferno zodiacal, cujas forças ninguém controla, acaba por eximir o governo de responsabilidades sobre tudo o que de errado aí está.

Pior, ainda, o emperramento do ajuste não consegue despertar sentido de urgência. Se não há percepção de catástrofe, não há nem mesmo porque chamar os bombeiros. Somos bonzos a caminho da imolação, com a desvantagem de que a serenidade aparente não passa de fruto da inconsciência.

O ajuste de contas parece distante, mas também vai se aproximando. O primeiro deles está agendado para outubro de 2016. Já há uma alentada debandada de políticos do PT, especialmente de prefeitos, para outros partidos, porque não será possível eleger os candidatos apoiados pelo governo quando tanta encrenca segue não equacionada, principalmente quando a inflação e o desemprego não param de comer renda do consumidor que, por coincidência, é também eleitor.

Desse ponto de vista, um dos maiores interessados em que a presidente Dilma deixe a Presidência da República tende a ser o PT. Isso pode explicar por que cada vez mais gente dentro do partido vem trabalhando na oposição.

São os mesmos que combatem descaradamente o ajuste fiscal e exigem que a presidente Dilma dê novo cavalo de pau na economia. Pregam a derrubada dos juros na marra e a expansão irrestrita das despesas públicas, pouco se importando para onde vai a inflação, a falta de confiança e a fuga de capitais. Também pedem a demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por seu suposto apego à ortodoxia, e a do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por ser incapaz de controlaras ações do Ministério Público e da Polícia Federal. Imaginam que tudo isso seja resultado de uma conspiração com o objetivo de inviabilizar o projeto político do PT e do ex-presidente Lula.

De resto, ninguém mais ousa fazer apostas firmes. Não há certeza de como seguirá a deterioração da economia nem como serão desfeitos os enormes enroscos da política.


Mal das pernas 

A melhora do faturamento em setembro em relação a agosto (mais 2,1%, já descontada a inflação) é mais efeito da alta do dólar do que do aumento da demanda. É que até mesmo os produtos fabricados no Brasil tem forte conteúdo de peças e componentes importados. 0 setor continua mal das pernas: queda de 7,8% no período de 12 meses terminado em setembro.

O papo furado do PT - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 29/10

SÃO PAULO - O PT reagiu às investigações sobre o filho de Lula com os mesmos argumentos que usa sistematicamente desde o mensalão: é perseguição política, é preconceito da elite contra o retirante que ousou governar o Brasil, é o império do ódio, querem destruir o partido, temem que ele volte etc.

Mas quem assinou a decisão que autorizou a operação da Polícia Federal? Quem escreveu "tem razão o Ministério Público Federal ao afirmar ser muito suspeito uma empresa de marketing esportivo receber valor tão expressivo de uma empresa especializada em manter contatos com a administração pública"?

A culpada por tal "heresia" é uma juíza que, para azar do PT e o seu discurso da vitimização, tem afinidades ideológicas com a esquerda.

Célia Regina Ody Bernardes assinou em 2012 manifesto em favor da instalação da Comissão da Verdade, criada por Dilma Rousseff. No texto, a juíza defendeu, inclusive, a "determinação judicial de responsabilidades", a despeito da Lei da Anistia.

Em 2014, a juíza também apoiou decreto da presidente Dilma que regulamentou o funcionamento dos conselhos populares na administração pública, chamados de "bolivarianos" pela oposição. Para a magistrada, o decreto aprofundava "as práticas democráticas".

A juíza também subscreveu declaração pública rechaçando a "exploração política" da morte do cinegrafista Santiago de Andrade (atingido por black blocs em protesto no Rio), defendeu a desmilitarização das polícias e protestou contra projeto que previa a redução da maioridade penal –seu nome, neste último texto, aliás, aparece ao lado do de Rui Falcão, o presidente do PT.

É possível que a juíza esteja equivocada ao desconfiar das transações do filho do ex-presidente Lula, que tudo não passe de um grande engano e que ele seja o homem mais honesto da face da terra.

Só não dá para dizer que o PT é vítima de um complô da direita.

Destruição pelo voto - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 29/10

O primeiro artigo em que tratei do impeachment foi publicado nesta mesma página em 28 de fevereiro. Tentei examinar, com objetividade, os obstáculos jurídicos e políticos com que se defrontariam os adeptos da deposição da presidente Dilma Rousseff. Aproxima-se o fim do ano e a situação permanece praticamente inalterada, não obstante o agravamento da crise e os consideráveis progressos obtidos pela Operação Lava Jato.

Reconheço e valorizo os esforços desenvolvidos pelo juiz Sergio Moro na condução das ações criminais. Grandes empresários estão detidos, outros cumprem prisão domiciliar. O arrogante ex-tesoureiro do PT e arrecadador de fundos da campanha presidencial, João Vaccari Neto, permanece encarcerado. Faz dobradinha com José Dirceu, outrora poderoso ministro de Estado e provável sucessor da presidente Dilma, se o “projeto criminoso de poder”, como foi qualificado em julgamento do Supremo Tribunal Federal, não fosse abortado pela Polícia Federal.

Nada, porém, parece abalar os alicerces do Palácio do Planalto. As últimas manifestações ruidosas da presidente da República nos mostram Dilma Rousseff audaciosa, ao lado do ex-presidente Lula, como se estivesse segura da situação.

No regime democrático, antecipar a remoção de alguém investido de mandato popular não é tarefa simples. Exige liderança, coragem, determinação e, sobretudo, força. Para começar, a presidente Dilma tem como aliado o fator tempo. Sabendo administrá-lo, chegará ao final do ano. Em 20 de dezembro, isto é, dentro de poucos dias úteis (se considerarmos que senadores e deputados folgam às segundas e sextas-feiras), o Legislativo entrará em recesso. Não creio que, em nome de duvidoso impeachment, senadores e deputados abram mão do Natal, do ano-novo, de viagens para exterior ou para as respectivas bases.

De acordo com usos e costumes, o País oficial voltará ao trabalho após o carnaval. Talvez depois da Semana Santa. A essa altura estaremos na antevéspera de campanhas preparatórias de eleições para prefeito e vereador em 27 capitais e outros 5.543 municípios. Os partidos oposicionistas estarão dispostos a estimular clima de maior incerteza, capaz de comprometer o calendário eleitoral, no qual têm profundo interesse?

Dilma Rousseff é má administradora e desprovida de talento para a delicada tarefa de articulação política. Em condições normais não teria sido subprefeita de Pelotas. Não aprendeu a escolher ministros. Vejam-se as nomeações para a Educação, a Saúde e o Trabalho, pastas de excepcional importância entregues às mãos de despreparados. Apesar de tudo, conta com respaldo constitucional. Do fato de a Constituição prever o impeachment não se segue que poderá ser aplicado sem o respeito às normas que regem o devido processo legal e garantem ao acusado pleno direito de defesa, sob pena de se converter em golpe, como declara o Supremo.

Impeachment é medida extrema. Do outro lado da medalha temos os estados de defesa e de sítio. Ambos integram o Título V da Constituição (artigos 136/141). O impeachment é instrumento que serve à oposição, estado de defesa e de sítio pertencem à iniciativa do presidente da República. Destinam-se, de maneira sucinta, ao restabelecimento da ordem pública ou da paz social, “ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional”.

Como interpretar a mensagem do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, dirigida a 2 mil oficiais da reserva, em que cita o artigo 142 da Constituição, no qual estão descritas as competências das Forças Armadas? Prescreve o dispositivo que, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Segundo o comandante do Exército, a situação reinante “poderá se transformar numa crise social com efeitos negativos sobre a estabilidade”. Nesse contexto, afirma o militar, o problema “passa a nos dizer respeito diretamente”.

Os princípios de hierarquia e disciplina põem as Forças Armadas sob a autoridade suprema da presidente da República. Não obstante, para a preservação da lei e da ordem poderão elas ser convocadas a intervir por iniciativa dos demais Poderes, a saber, o Legislativo e o Judiciário.

O impeachment se cerca de riscos semelhantes àqueles enfrentados pela decretação do estado de defesa ou do estado de sítio. Nas três situações é impossível prever a reação social, econômica e das Forças Armadas. Não tenho dúvida de que os militares respeitariam a Constituição. Pergunto, entretanto: ao lado de quem?

Durante o atribulado período do seu governo, em 4 de outubro de1963 João Goulart buscou apoio do Congresso para a decretação do estado de sítio. Registra a História que pretendia intervir em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, cujos governadores tinha como inimigos. Assustado diante das primeiras reações, de pronto recuou. Passados seis meses foi deposto – e se refugiou no Uruguai.

Não é necessário repetir que o governo Dilma, apesar de eleito diretamente, perdeu toda autoridade moral e se sustenta precariamente. Mergulhado em escândalos, não dispõe de apoio para adotar medidas capazes de tirar o Brasil do pestilento lodaçal a que foi arrastado pelo PT.

O afastamento de Dilma, entretanto, colocará o PT no confortável papel de oposição, livre dos problemas que criou. O caminho para o enterro do lulopetismo deve ser trilhado de acordo com as regras democráticas. Pertence ao povo a tarefa de destruí-lo em 2016 e 2018, com a força inquestionável do voto.

Reinventando o BNDES - SÉRGIO LAZZARINI

O Estado de São Paulo 29/10

As investigações em curso envolvendo o BNDES tentam achar evidências de irregularidades nos empréstimos e investimentos do banco. Muitos esperam encontrar provas de que figuras de peso no cenário político tenham intermediado transações em prol de certas empresas e países. Mas esse movimento acaba deixando de lado um debate mais profundo: o banco tem sido efetivo na sua missão primordial de desenvolver o País?

Uma simples inspeção dos dados agregados mostra que, enquanto o crédito do BNDES saltou de 5% para 11,5% do PIB de 2000 para cá, a taxa de investimento na economia pouco mudou do patamar de 16%. Diversos estudos, incluindo de técnicos do próprio banco, mostram que em anos recentes o crédito do BNDES teve efeito limitado, se não nulo, sobre a produtividade e o investimento das firmas.

Para ser justo ao governo, algumas medidas na direção correta já foram implementadas. A Fazenda já sinalizou uma redução nas transferências do Tesouro para o banco. Novas linhas de crédito para infraestrutura passaram também a limitar o uso de taxas subsidiadas e a estimular a adoção de instrumentos privados de empréstimo. Após o STF derrubar o sigilo dos empréstimos, o BNDES começou a divulgar informações um pouco mais detalhadas sobre os contratos. Mas ainda é preciso ir muito além.

A primeira importante medida é condicionar os empréstimos – e, especialmente, os subsídios – ao potencial impacto dos projetos. Como agente público, as alocações do banco devem trazer ganhos de produtividade e melhorias socioambientais além do que o mercado privado estaria disposto a fazer. Embora o BNDES tenha recentemente sinalizado interesse em investir em fundos conciliando retorno e impacto social, o banco como um todo, nas suas diversas atividades, deveria ser um investidor de impacto por excelência. Repasses deveriam ser condicionados a metas claras de impacto, e a sua continuidade condicionada a uma avaliação posterior atestando se o tomador alcançou ou não essas metas.

A segunda grande medida deve ser a mudança gradual do foco do banco de emprestador para garantidor. Várias instituições de desenvolvimento no mundo saíram do negócio de empréstimo direto. Em vez de emprestar, elas cobrem parte do risco de crédito do empreendedor, que então pode se financiar mais facilmente com outros bancos. Além de evitar uma estrutura pesada de repasses, a atuação como garantidor permite complementar, em vez de substituir, o mercado financeiro privado. Apesar de o BNDES já ter um fundo nessa linha para empresas de menor porte, o volume ainda é baixo. E, no caso de empréstimos mais complexos, é o próprio banco que coloca exigências tão estritas que acabam inibindo a participação de novas empresas. Especificamente em projetos de infraestrutura, o banco deveria atuar como facilitador de garantias em fase pré-operacional, isso é, antes de o projeto estar de pé e com receitas.

O negócio de investimentos, via BNDESPAR, também deve ser reinventado. Num estudo com Claudia Bruschi, analisamos a carteira de ações do BNDESPAR de dezembro de 2013 a junho de 2015. Nesse período, o mercado como um todo recuou 12,9%, segundo o Ibovespa. Mas o valor da carteira do banco despencou ainda mais: 16,6%. Num momento de crise fiscal, permanecer com investimentos de retorno negativo é mais que desperdício de recursos. Além disso, a carteira é concentrada em grandes empresas, muitas delas estatais. O BNDESPAR deveria progressivamente reduzir o tamanho da sua carteira e reciclar seus investimentos em prol de empreendimentos de maior impacto e real necessidade de capital. Deveria, ainda, estabelecer claros critérios de saída dos investimentos, evitando perpetuá-los em firmas que poderiam andar com as próprias pernas.

Um BNDES reinventado nessas três principais direções, com mais foco e critério, mostraria que é possível fazer muito mais com menos.


O Enem ideológico - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 29/10

Prova aplicada no fim de semana passado tinha desequilíbrio no elenco de autores citados e propôs questões claramente enviesadas


Já se tornou hábito, ano após ano, a busca por indícios de viés ideológico no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Não se trata de paranoia: não são poucas as questões de exames anteriores que pareciam feitas para induzir os alunos a oferecer respostas de acordo com certa ideologia para conseguir melhores notas. Neste ano não foi diferente: logo no primeiro dia de exame, no sábado passado, várias questões foram apontadas como enviesadas, e a polêmica cresceu no domingo, com o assunto escolhido para a redação.

As críticas ao tema da redação, no entanto, nos parecem um tanto exageradas. Não há motivo para que a violência contra a mulher não fosse abordada na redação de uma prova como o Enem, ainda mais à luz dos números apresentados como subsídio para a atividade. No entanto, pode haver margem para manipulação ideológica dependendo dos critérios de correção adotados. Supondo o caso de dois estudantes que demonstrem igual domínio do idioma e capacidade de argumentação, seria totalmente impróprio dar nota maior àquele que compusesse seu texto adotando as chaves marxistas de “opressor/oprimido”, culpando a “sociedade patriarcal” pela violência contra a mulher, e uma nota menor ao candidato que enfatizasse a responsabilidade individual do agressor e criticasse a objetificação da mulher promovida por determinadas manifestações culturais contemporâneas que um certo multiculturalismo obriga a aceitar como legítimas. Mas isso é algo que independe do tema em si proposto para a redação: depende das disposições dos corretores e daqueles que orientam seu trabalho, e o resultado só tem como ser avaliado a posteriori, após cada estudante conhecer sua nota no exame.

É olhando os cadernos de questões objetivas que se encontram sinais mais preocupantes. Uma pergunta sobre o movimento feminista nos anos 60 traz consigo uma citação de Simone de Beauvoir que pode ser interpretada como defesa explícita das teorias de gênero rejeitadas por Legislativos em todo o país, nos três níveis, mas que o MEC insiste em promover. Um texto do geógrafo de esquerda Milton Santos é usado como base para uma questão cuja resposta considerada correta leva o estudante a concluir que uma consequência da “globalização perversa” é o “aumento dos níveis de desemprego”. Os movimentos sociais são exaltados em uma questão que usa como base um texto de Maria da Glória Gohn, entusiasta do MST e que, nos protestos de 2013, afirmou que os vândalos black blocs representavam a “resistência”. Uma citação de Slavoj Zizek, um dos novos teóricos da “violência revolucionária”, é usada para igualar a ação militar norte-americana no Afeganistão ao terrorismo dos extremistas islâmicos. A crise econômica brasileira atual é ignorada, mas a crise mundial de 2008 – aquela que está na raiz de todos os nossos problemas, a julgar pelo que diz a presidente Dilma Rousseff – é mencionada em uma questão. O mercado e o capitalismo são apontados como causa de uma “polarização da sociedade chinesa” e descritos com viés negativo em uma das questões. Outra citação defende que não havia distinção nenhuma entre a arte produzida pelos europeus e a arte dos povos do Novo Mundo.

Todas essas são manifestações de um pensamento de esquerda, sem falar da desproporcionalidade verificada quando se analisa todos os autores e publicações usados na prova de “ciências humanas e suas tecnologias”. Não se questiona a presença desses autores no exame; o ideal é que o conjunto das questões ofereça ao candidato uma visão abrangente das ideologias mais expressivas no mundo atual. O problema aparece quando os representantes de uma ideologia específica são citados com muito mais frequência que os demais. Os poucos autores clássicos ou liberais citados no Enem 2015, como David Hume ou Tomás de Aquino, foram soterrados por uma profusão de autores como Slavoj Zizek, Milton Santos, Simone de Beauvoir ou Paulo Freire.

O conjunto dos elaboradores de provas como o Enem é um microcosmo do mundo da educação nacional. A maneira definitiva de despir completamente o Enem de um viés ideológico de esquerda seria alterar a composição de forças entre os educadores – uma tarefa ingrata, já que o socialismo de matriz gramsciana vê a educação como uma fortaleza que se deve manter a todo custo na construção da hegemonia política. Mas, enquanto o equilíbrio não se concretiza, é fundamental a vigilância de pais, alunos e da sociedade como um todo, denunciando os excessos e lutando por uma educação que não seja mero veículo para a doutrinação ideológica.

Um governo perdido - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/10

Mais um recorde foi batido pela presidente Dilma Rousseff, além da recessão mais longa do pós-guerra e do maior desajuste acumulado nas contas públicas na vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao desastre econômico do primeiro mandato ela conseguiu adicionar o fiasco de 2015, ano inicial de seu segundo período. Para ganhar alguma popularidade, ela poderia, talvez, instituir um prêmio para quem adivinhar o tamanho do buraco nas contas federais neste ano. Para premiar o vencedor, no entanto, o governo teria de saber a resposta. Por enquanto, esse número parece uma incógnita para a equipe econômica. Pode ser qualquer valor entre R$ 51,8 bilhões e R$ 103 bilhões, se for considerado apenas o déficit primário, isto é, o resultado sem a conta de juros. Como Estados e municípios podem fechar o ano com um superávit de R$ 2,9 bilhões, o déficit primário do setor público, na melhor hipótese, poderá ficar em R$ 48,9 bilhões.

Esses números foram indicados em mensagem sobre a nova meta fiscal enviada ao Congresso na quarta-feira. A palavra meta, sinônimo de objetivo ou alvo, parece um tanto imprópria nesse contexto. Os autores desse documento deveriam abster-se, em benefício da segurança pública, de participar de qualquer competição de pontaria com arma de fogo ou com arco e flecha. Mas a pontaria parece até uma questão menor, quando se examinam as causas da incerteza.

Para alcançar o melhor resultado – o déficit de R$ 51,8 bilhões nas contas federais –, o governo terá de obter, em primeiro lugar, R$ 11 bilhões com a licitação de 29 hidrelétricas. A outorga poderá render outros R$ 6 bilhões em 2016. Mas esse leilão já foi adiado de 30 de outubro para 6 de novembro e em seguida para o dia 25. O novo adiamento foi publicado na quarta-feira no Diário Oficial da União. É no mínimo imprudente incluir essa receita na estimativa do resultado fiscal.

Em segundo lugar, o déficit só ficará na casa dos R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões se o Tesouro for dispensado de liquidar neste ano qualquer parcela das pedaladas de 2014 – o dinheiro devido a bancos estatais por atraso em repasses. Na pior hipótese, a de liquidação total neste ano, será preciso somar R$ 40 bilhões ao déficit.

Mais que um problema de contas públicas, essa enorme insegurança mostra – mais precisamente, confirma – um governo sem rumo e sem liderança, incapaz de oferecer qualquer informação razoavelmente segura sobre sua política nos próximos 12 meses.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continua falando sobre o ajuste das contas públicas como condição indispensável para a estabilização da economia e, em seguida, para a retomada do crescimento. Continua, também, falando sobre a necessidade de amplas mudanças, como a simplificação de regras para os investimentos e maior integração do País no mercado global. Para isso seria preciso renegar o intervencionismo petista (obviamente vinculado à apropriação do Estado) e a diplomacia terceiro-mundista.

Não se sabe sequer se a presidente Dilma Rousseff percebe o alcance e a importância dessas mudanças. Suas decisões, até agora, apenas confirmaram a fidelidade à orientação implantada pelo antecessor, incluída a subordinação aos interesses bolivarianos.

Mas a desorientação do governo preocupa também por outros motivos. A equipe econômica tomou ou tentou tomar poucas medidas para a correção efetiva das contas, como a redução das transferências para os bancos estatais. Mas a maior parte do chamado programa de ajuste é simplesmente um esforço para fechar as contas. Receitas obtidas com leilões de infraestrutura são apenas um remédio temporário. Nada corrigem. A pretendida reativação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) também servirá só para alimentar o Tesouro, sem mudar a gestão orçamentária. Pior que isso: aumentará as distorções, pela baixa qualidade do tributo. Não se resolvem grandes problemas com meros expedientes. Mas o governo se mostrou, até agora, incapaz até de concretizar esses quebra-galhos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DELAÇÃO DE MARCONDES DESESPERA A FAMÍLIA LULA
A aposta de setores do Ministério Público Federal é ao mesmo tempo o motivo de desespero e de noites mal dormidas na família Lula da Silva: Mauro Marcondes Machado, lobista acusado de comprar medidas provisórias durante o governo Lula para beneficiar o setor automotivo, abalado com a prisão, sinaliza um acordo de delação premiada. Ele foi quem fez depósitos milionários na conta do filho do ex-presidente.

ELE QUER LIVRAR A MULHER
Mauro Marcondes Machado ficou bem abalado com a prisão da sua mulher, Cristina, e está disposto a qualquer coisa para tirá-la da cadeia.

TREM PAGADOR
Donos da Marcondes & Mautoni, Mauro e Cristina fizeram pagamentos a Luiz Cláudio Lula da Silva após comprar MPs do governo do pai dele.

SOBROU PARA ELA
O lobista é quem tocava os negócios da Marcondes & Mautoni, mas a sociedade formal torna Cristina Mautoni co-responsável pelos malfeitos

FAMÍLIA FRAGILIZA O PRESO
A delação de Paulo Roberto Costa, que explodiu o petrolão, foi movida pelo seu desejo de livrar a mulher, filhas e genros de condenações.

CPI VAI MEXER NA CAIXA PRETA DAS DEMARCAÇÕES
A Câmara resolveu criar a CPI proposta pelo deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) para investigar fraudes em demarcações de áreas indígenas e quilombolas, pela Funai e Incra. É uma antiga reivindicação de milhares de famílias expulsas de suas terras em demarcações suspeitas, determinadas por ONGs, a maioria estrangeiras. É uma resposta à pressão dessas entidades contra a aprovação da PEC 215.

CRIME DE LESA-PÁTRIA
ONGs são acusadas de defender os próprios interesses, tomando dinheiro dos índios nas indenizações ou explorando a biopirataria.

AÇÃO DAS ONGS
ONGs mandam, Funai demarca e os índios que se virem. Enquanto suas riquezas são surrupiadas, passam fome e se tornam alcoólatras.

BANCADA DO HOLOFOTE
Deputados contra a transferência da demarcação para o Congresso, curiosamente, são de estados sem indígenas. Ou sem conflitos.

REGULAMENTAÇÃO NACIONAL
Relator do caso, o senador Antônio Reguffe (PDT-DF) transformou seu parecer em substitutivo ao projeto do colega Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que será apresentado nesta quinta (29), regulamentando o Uber.

CAMINHOS OPOSTOS
Rose de Freitas (PMDB-ES) tenta viabilizar candidatura à presidência do Senado. Mas Renan Calheiros (PMDB-AL) não parece inclinado a apoiá-la. Ele prefere ser substituído por Romero Jucá (PMDB-RR).


CIÚMES DE LÍDER
Deputados tucanos dizem que o líder da bancada, Carlos Sampaio (SP), fica enciumado quando eles aparecem na mídia, chegando a cobrar “divisão do espaço”. Até em tom de ameaça, afirmam.

SANGUE AZUL
O deputado Jean Willys (PSOL-RJ) parece candidato a líder da aristocracia na Câmara. Ao ser vaiado por ativistas auto-algemados, que pedem impeachment de Dilma, ele os chamou de “gentalha”.

RENÚNCIA INSPIRADORA
Com 80% do povo querendo vê-la pelas costas, e só 8% de aprovação, certamente passa pela cabeça de Dilma repetir o gesto histórico de Getúlio Vargas, que completa 70 anos nesta quinta (29): a renúncia.


CONTRATO NEBULOSO
A deputada Eliziane Gama (Rede-MA) pediu atuação da Comissão de Fiscalização no contrato da Kroll com a Câmara para prestar serviços à CPI da Petrobras: “Esse contrato com a Kroll sempre foi nebuloso”.

GANHANDO APOIO
Aliado do ex-presidente Lula, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) avalia que Eduardo Cunha continuará na presidência da Câmara, “exceto se houver uma ação do Ministério Público para tirá-lo”.

PRESSÃO MAIOR
O tucano Bruno Araújo (PE) não acredita no retorno da CPMF, mesmo com a pressão de prefeitos e governadores. “Tem algo que pressiona mais que prefeito: o eleitor”, avalia. A população é contra o tributo.

PENSANDO BEM...
...do jeito que se enrolaram em escândalos, parece que petistas estão mais interessados em pegar dinheiro público do que “pegar em armas”.