segunda-feira, setembro 28, 2015

A ESQUERDA NO PARAÍSO - RODRIGO RANGEL

REVISTA VEJA

Esquema distribuía propina, pagava despesas pessoais de políticos e mantinha um apartamento em Miami para o lazer dos petistas, os donos do poder

Para os petistas, Cuba é um paraíso, mas só da boca para fora. Petista que se preza gosta mesmo é de Miami, especialmente se as mordomias forem pagas com dinheiro do povo trabalhador do Brasil desviado para seu bolso pelos esquemas de corrupção armados nos governos de Lula e Dilma. Os investigadores da Operação Lava-Jato descobriram que um discreto posto de gasolina em Brasília servia como entreposto de vários esquemas de corrupção. Seguindo o dinheiro, encontraram doleiros, funcionários públicos, empresários, políticos, partidos e campanhas eleitorais que se nutriam daquela mesma fonte. Logo ficou claro que a mesma estrutura criminosa se espraiava por vários órgãos do governo como braços de um esquema único cujo objetivo comum era arrecadar e distribuir propina aos partidos que apoiavam o governo do PT — claro, com sobra para bancar as necessidades e, principalmente, os desejos ilimitados do grupo de privilegiados.

A polícia descobriu tentáculos do esquema no Ministério do Planejamento. Em troca de um contrato milionário, a Consist, uma empresa de tecnologia digital, distribuía propina aos políticos. Alexandre Romano, um ex-vereador do PT do interior de São Paulo, conhecido entre os companheiros pelo carinhoso apelido de Chambinho, era o responsável por fazer o reparte do dinheiro arrecadado. Entre os beneficiários estão Gleisi Hoffmann (PT) e o marido dela, Paulo Bernardo (PT) — ela senadora e ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, ele ex-ministro do Planejamento e das Comunicações nos governos Lula e Dilma. Documentos apreendidos comprovam que o dinheiro desviado pagava despesas pessoais do casal em Curitiba, como o salário do motorista particular. Até mesmo uma multa aplicada a Gleisi pela Justiça Eleitoral nas últimas eleições, em que ela se candidatou sem sucesso ao governo do Paraná, foi quitada com recursos recebidos do esquema.

A prisão de Chambinho impulsionou as investigações. Há indícios de que o ex-vereador manteve laços financeiros com pessoas muito próximas do atual ministro da Previdência, Carlos Gabas, um dos auxiliares mais prestigiados pela presidente Dilma Rousseff. Foi Gabas quem levou Dilma a passeios por Brasília na garupa de sua moto Harley-Davidson. O Palácio do Planalto já sabe que o ministro pode ser alcançado pela investigação. Chambinho repassava parte da propina ao então tesoureiro do PT João Vaccari, o notório "Moch", que criou a expressão "pixuleco" para se referir à propina. Outros figurões do partido receberam repasses de Chambinho, um eficiente arrecadador. Uma operação em especial tem chamado a atenção dos investigadores. Chambinho comprou no ano passado, com a Lava-Jato já a pleno vapor, um apartamento em um condomínio de luxo nos arredores de Miami, na Flórida. Pagou 671.000 dólares — mais de 1,5 milhão de reais àquela altura. Os investigadores suspeitam que Chambinho seja apenas o laranja, tendo feito a transação com o intuito de ocultar o verdadeiro dono do imóvel.

O apartamento de Chambinho, que fica na South Tower at The Point, um dos cinco prédios do condomínio, teve ilustres ocupantes temporários, entre eles o deputado Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Câmara dos Deputados. O condomínio é um daqueles típicos paraísos capitalistas, com uma generosa área de lazer, marina e spa. Os investigadores já sabem que Maia e Chambinho se encontraram tempos atrás nos Estados Unidos. Em julho passado, o deputado viajou para Miami com a família e passou suas férias no apartamento. Uma gentileza entre amigos, segundo o parlamentar:

Qual a relação do senhor com Alexandre Romano?
Sou amigo dele. Eu o conheci há poucos anos, quando ainda era presidente da Câmara. Ele estava representando interesses de empresas do setor elétrico, mas nada ilegal.

O senhor se hospedou em um apartamento na South Tower at The Point, em Miami?
Ah, sim. Esse apartamento é dele (de Romano). Acho que ele me convidou e eu utilizei o apartamento. Fiquei lá uns dez dias.

Quantas vezes o senhor já foi a esse apartamento?
Acho que fui uma vez só, mas tenho de ver isso com atenção.

O senhor é o verdadeiro dono do apartamento?
Não, não, não é meu. Não tenho nenhuma relação com isso.

O senhor já esteve com Alexandre Romano nos Estados Unidos?
Não, nunca... Ah, lembrei que uma vez encontrei com ele, acho que em Nova York.

Há alguma ligação financeira entre vocês?
Só amizade mesmo.

Alexandre Romano, o Chambinho, estava negociando um acordo de delação com os procuradores da Lava-Jato. Nas conversas preliminares, ele contou coisas surpreendentes. A decisão do Supremo de tirar da Lava-Jato investigações não diretamente ligadas ao petrolão, porém, vai adiar o acerto de contas de Chambinho com a Justiça. Enquanto isso, a vida continua na paradisíaca South Tower, a apenas 530 quilômetros de Cuba.

"Samurais x ciências humanas" - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 28/09

Dizem por aí que o Japão, a nação samurai, quer acabar com as ciências humanas. Será? Não acho a ideia toda má, se levarmos em conta alguns dos absurdos que abundam nas ciências humanas.

Vejamos algumas pérolas: "A humanidade não se divide em homem e mulher", "o corpo não existe, é apenas uma representação social", "tudo é ideologia, menos Marx e Foucault, esses são para valer", "as leis de mercado não são naturais, são inventadas pelos opressores", "governo que gasta mais do que ganha não quebra".

Nestes dois últimos casos, você diz isso até que tenha de gastar seu suado dinheirinho ou demitir sua empregada para cortar gastos, ou que alguém queira tomar sua vaga na universidade em que você prega essas bobagens para os coitados dos alunos.

E o que dizer do conceito (?) de "cissexual" para substituir "heterossexual"? Alguém, por favor, acorda essas pessoas e diz para eles pararem de inventar termos ridículos que servem apenas para teses que ninguém vai ler e para seus 15 amigos?!

Autores como Thomas Sowell, em livros como "Os Intelectuais e a Sociedade", traduzido pela editora É Realizações, têm falado desses delírios. Os intelectuais (os "ungidos", como fala Sowell) acham que entendem o mundo melhor do que as pessoas que o sustentam há milênios. De dentro de seus gabinetes, como dizia Edmund Burke (1729-97), em pleno século 18, produzem suas "teorias de gabinetes" achando que sabem de tudo.

Só alguém que delira diz absurdos como os de que a humanidade não está dividida em homem e mulher, mesmo que gêneros minoritários habitem entre nós com todo o direito de assim o ser.

Ou que o corpo seja uma representação social, mesmo que dimensões culturais façam parte de nossa percepção dos corpos. Será que, mesmo diante de um câncer, esses gênios do nada dirão que o "corpo é uma representação social"? Qual seria a "representação social" de um câncer? Opressão celular?

A proposta samurai se ancoraria na ideia de que as ciências humanas há muito tempo não nos ajudam em muita coisa. Sociólogos como Norbert Elias (1897-1990) já temiam pelas ciências sociais e sua irrelevância, já que não nos ajudam em nada para evitar problemas reais.

Outro detalhe que parece sustentar a proposta samurai é a queda vertiginosa na fertilidade das mulheres japonesas: parece que as meninas de lá, como todas as meninas de países ricos, não querem mais ser mães. Querem o sucesso profissional. Esse tema é importante porque impacta diretamente, entre outras coisas, o mercado da educação, coisa que por aqui também já sentimos. Faltam jovens para preencher as vagas das escolas e das faculdades.

O foco mesmo da proposta samurai, no entanto, seria a inutilidade das ciências humanas para os seres humanos. O máximo, não? Temo que a culpa seja nossa.

Transformamo-nos em seres alienados, que acreditam que as bobagens que se fala em aula e em teses descrevem a vida das pessoas. Talvez a melhor forma de descrever aquilo no que se transformou as ciências humanas seja mesmo "masturbação". Aquele tipo de coisa que parece dar prazer, mas que, na realidade, é prova da incapacidade de gozar "em" alguém real.

As ciências humanas se tornaram incapazes de dialogar com a realidade. Criaram um "mundinho bobo de teses emancipatórias" a serviço da masturbação intelectual. Afirmam que tudo é "construção social", mesmo que uma pedra lhes caia sobre a cabeça todo dia. O nome disso é surto psicótico. Há um surto correndo solto em muitos departamentos de ciências humanas. Para começar, como tratamento, proporia dar um tempo no gozo com Marx, Foucault e Piketty.

Há décadas se detona a família em salas de aula. Detona-se o homem, seus afetos e inseguranças, ensina-se às mulheres que os homens são seus inimigos.

Christopher Lasch (1932-94) acertou em cheio quando identificou nesse "ódio ao sexo oposto" uma incapacidade típica da cultura do narcisismo. Narcisistas são pessoas incapazes de se arriscar na vida. Preferem lamber suas próprias imagens no espelho.

Quem sabe a espada samurai nos ajude a recobrar a consciência de nosso ridículo. Já passou da hora.

Retrocesso dá urgência às decisões do governo - ANGELA BITTENCOURT

VALOR ECONÔMICO - 28/09

Lava-Jato fatiada pode ser passe para Dilma chegar a 2018

De Nova York, a presidente Dilma Rousseff endossou a ação do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. Sem dúvida, o aval da presidente é importante para a instituição. Para os investidores, nem tanto. A credibilidade da presidente está abalada e a do Brasil também. Causa ou consequência do descrédito, a economia derrete entre as inesgotáveis falcatruas reveladas pela Operação Lava-Jato, a falta de objetividade do Executivo e do Legislativo na votação de medidas que contribuam para o reequilíbrio fiscal e a expectativa com a abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

Se existisse confiança no governo, o dólar não teria alcançado nova marca histórica na semana passada. E o Banco Central, que levou cinco meses para recolher cerca de US$ 8 bilhões com a rolagem parcial de vencimentos de swaps, não teria devolvido US$ 3 bilhões em três dias.

A alta do dólar - patrocinada também por indefinições no cenário externo, sendo a principal delas quando o Federal Reserve aumentará o juro nos EUA - é sintoma de incerteza e descrédito de agentes econômicos, especialmente locais, com o futuro que o Brasil dará à sua sociedade. Não é somente a encruzilhada a que chegaram a política e a economia que preocupa homens de negócios ou o aumento do desemprego e o abalo na renda que assustam pais de família. No Brasil, que em breve completará o 1º ano do 2º mandato da presidente Dilma Rousseff, o retrocesso de indicadores econômicos, o encurtamento de prazo das operações financeiras, a elevação do endividamento das empresas e a inflação a 10% em doze meses compõem uma equação assustadora e de difícil solução.

Nesta semana, porém, a confirmação de uma fieira de eventos poderá melhorar o humor dos agentes econômicos e as expectativas do mercado. A turbulência dos últimos dias acelerou a perspectiva de decisões. Depois da abertura da Assembleia Geral da ONU nesta segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff retorna ao Brasil e, amanhã, deve anunciar a reforma ministerial que já estava em curso na semana passada, mas empacou em disputas travadas dentro do PMDB.

As alterações no ministério, incluindo o fechamento de 10 das 39 pastas vão reverberar na quarta-feira, dia 30, e poderão repercutir nas transações do mercado financeiro. Será surpreendente se o BC perder o status de ministério. A presidente negou essa possibilidade em entrevista a Cláudia Safatle. O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, marcou para quarta-feira, a sessão do Congresso Nacional que votará os vetos da presidente a decisões já aprovadas na Câmara e no Senado e que ficaram pendentes na sessão realizada recentemente.

É grande a expectativa no mercado com a posição de deputados e senadores com relação ao veto de Dilma ao reajuste do Judiciário em até 78%. Esse veto e o que impede o reajuste de aposentadorias e pensões pelo salário mínimo são armas potentes que o Congresso ainda pode disparar contra a presidente e arrasar o caixa da União.

Não estava no programa da sessão do Congresso marcada para a quarta, mas possivelmente entrará nele, a discussão e votação do veto da presidente à decisão dos parlamentares a favor do financiamento empresarial de campanha política. Renan Calheiros recebeu um pedido direto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-SP) para que esse veto seja apreciado agora.

Longe do Congresso, mas também nesta quarta-feira, reúne-se o conselho de administração da Petrobras. Uma importante ampliação na diretoria estatutária da empresa pode justificar parte de discussões no conselho nesta semana. A jornalista Graziella Valenti apurou que a estatal deve elevar de 7 para 40 os integrantes de sua diretoria - aumentaria substancialmente, portanto, o número de executivos sob a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que ficam expostos a processos movidos por investidores. O conselho de administração da Petrobras estuda as mudanças desde o fim de junho.

O conselho da Petrobras deve avaliar, também na reunião desta quarta, um ajuste de curto prazo no Plano de Negócios e Gestão 2015-2019. O foco principal do ajuste serão este ano e o próximo, em função da continuidade da volatilidade na taxa de câmbio e no preço do petróleo - além da queda na atividade econômica.

Os efeitos da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, de desmembrar a Lava-Jato, também poderão se fazer sentir em curto espaço de tempo. A jornalista Maria Cristina Fernandes comenta que a Lava-Jato acabou com a fiança no mercado dos acordos políticos. Aquilo que era acertado à noite em Brasília era desfeito de dia em Curitiba. O desmembramento da operação devolve fiança ao mercado. Os acordos a serem alinhavados a partir de agora tanto podem aumentar as chances de a presidente Dilma Rousseff permanecer no cargo quanto limitar a refundação das relações entre o público e o privado pretendida pela força-tarefa de Curitiba.

O desmembramento da operação pode ser também a resposta que políticos, advogados e empresários buscavam desde o início da Lava-Jato quando se perguntavam quando seria passada a régua que limitaria o acerto de contas do país com o passado. Ao fatiar o processo, a começar da primeira instância em São Paulo, o Supremo traça uma linha sinuosa que terá o contorno que cada força-tarefa a ser montada nos Estados dará.

À concentração do processo em dois juízes, Teori Zavascki e Sérgio Moro, correspondeu o afunilamento das pressões em torno do desfecho da crise que envolve o governo Dilma. O poder que o personagem do primeiro time da política citado nas delações, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem sobre a deflagração do impeachment unificou os dois processos. Salvo-condutos passaram a frequentar todas as mesas de negociação e a condicionar apoio ao governo. A especialista em Política Maria Cristina Fernandes avalia que os coveiros da Lava-Jato pavimentam a rota para a presidente chegar a 2018.

Rio (V): o policiamento - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 28/09

Se pretendemos que nossa cidade seja um lugar seguro para se viver e visitar, é preciso mudar corações e mentes em relação à forma em que o combate à violência é encarado


Este é nosso quinto encontro para tratar de temas ligados ao Rio de Janeiro. O objetivo destes artigos é estimular uma reflexão acerca de que cidade os cariocas aspiramos ter depois das Olimpíadas. Em que tipo de espaço os habitantes deste canto do mundo gostariam de viver em 2030? Com esse espírito, já foram abordadas as questões da convivência com o que é irregular, da falta de uma cultura de excelência, dos serviços deficientes e a governança de uma Região Metropolitana complexa. Hoje, vamos tratar do policiamento.

Sou consciente de que isso implica lidar com percepções variadas, no sentido de que um mesmo fato pode ter interpretações distintas por uma coletividade heterogênea. O tema do policiamento é encarado com base em certa ótica por uma parte da população e de forma oposta por outra. É natural que existam pontos de vista diferentes numa democracia.

Entretanto, quando as autoridades encarregadas de zelar pelo cumprimento da lei buscam interpretá-la com base em juízos próprios de valor, com o objetivo de tornar sua aplicação menos rigorosa, estamos diante de um problema.

Este se acentua quando até mesmo alguns delegados — com a atribuição de zelar pela ordem — e que se consideram progressistas, se manifestam contrários a reforçar o policiamento no sentido de prevenir arrastões. Sim, há direitos constitucionais importantes que devem ser preservados. Entretanto, é de uma obviedade cristalina que, em qualquer cidade da Europa, do Japão ou dos EUA, grupos de jovens fazendo arruaça no ônibus não poderiam andar mais de 100 metros sem que a ação fosse contida por atentar contra a ordem pública. A ideia de que “precisamos entender os arrastões, porque eles são fruto de um contexto social” envolve uma permissividade perigosa. Arrastão é ilegal e ponto.

Para autoridades acostumadas a se locomoverem em carros oficiais, talvez seja fácil serem tolerantes com a violência, expressando opiniões benevolentes acerca dos arrastões. O que cabe avaliar é que esperança resta a quem paga seus impostos em dia e assiste ao poder público, responsável por garantir a ordem e a segurança, omitir-se diante dos assaltos e a algumas autoridades judiciais relativizarem a tipificação do crime. O sentimento de abandono do cidadão comum não poderia ser maior.

Precisamos ter políticas de apoio aos jovens, sim. Precisamos reforçar as políticas sociais, sim. Porém, precisamos sinalizar também que, da mesma forma que uma sociedade civilizada não pode conviver com o desmando dos maus policiais, ela também não deve aceitar a convivência com a insolência de quem ataca a lei.

Há muitos países da Europa onde nas ruas é possível encontrar indivíduos castigados pela vida e em cujo olhar está expresso a mesmo sentimento de revolta com o mundo que se encontra em muitos jovens marginais aqui no Brasil. Lá fora, porém, a revolta não vai além do olhar, enquanto que aqui gera a violência. Claramente, há aspectos ligados às instituições e ao poder de coerção do Estado que lá funcionam e aqui não. Isso deveria ser motivo de reflexão.

Enquanto não entendermos que o crime tem que ser claramente combatido, que roubo tem que dar cadeia e que policiamento firme, ostensivo e dissuasivo deve ser parte integrante de qualquer estratégia de combate à violência, o lugar em que vivemos não irá progredir e os cariocas continuarão se iludindo com o falso consolo de que “o que vemos no Rio ocorre em qualquer grande cidade do mundo”, o que — honestamente — sabemos que não é verdade.

É claro que não se está aqui defendendo a justiça com as próprias mãos, que nos leva à barbárie. Minha família teve que escapar da ditadura argentina e carrego o horror pela arbitrariedade e a tortura no meu DNA. O que se quer enfatizar é que, se pretendemos que nossa cidade seja um lugar seguro para se viver e visitar, é preciso mudar corações e mentes em relação à forma em que o combate à violência é encarado. Esta é uma preocupação que afeta a todas as classes sociais, desde o indivíduo da Zona Norte que é roubado em um ônibus, até o morador ou visitante da Zona Sul que perde seu cordão ou celular num arrastão. São todos igualmente vítimas da violência e da inação oficial. É a cidade partida, mas unida pelo desamparo e pelo descaso.

Fotos sem alma - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 28/09

RIO DE JANEIRO - Há dias, no Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, cinco pessoas foram chifradas por búfalos ao tirar selfies ao lado dos pobres bichos. Os búfalos não gostam de ser fotografados desprevenidos. Na Rússia, dois homens morreram nos Montes Urais ao se fotografarem puxando o pino de uma granada. Seu erro foi o de conferir se a foto tinha saído boa antes de se livrarem da granada.

Em Moscou, uma jovem se pendurou numa ponte à altura de 12 metros e caiu ao tirar uma das mãos do parapeito a fim de fazer o clique. No Líbano, um homem foi lambido por uma onda gigante ao chegar bem perto da amurada do navio para uma foto. Em Genebra, uma suíça desmaiou ao tirar uma foto de rosto colado com o rapper Snoop Dogg –o hálito do cantor a fez desfalecer. Em Niágara, 12 japoneses (segundo Millôr Fernandes, não existe o japonês individual) foram tragados por uma cratera ao dar, cada qual, um passo atrás, para uma foto com a catarata ao fundo.

Quando se resgatam as câmeras desses infelizes e se visualizam as fotos que eles tiraram no momento fatal, constata-se que não eram infelizes –todos morreram sorrindo. Ou, pelo menos, estavam sorrindo um segundo antes de despencarem no abismo ou serem trespassados pelo chifre do búfalo.

Segundo a Sociedade Protetora dos Tubarões, com sede na Flórida, mais pessoas morrem por ano ao tirar selfies do que por ataque de tubarões. Essa sociedade já concluíra há tempos que as picadas de pernilongos também matam mais que os tubarões. A próxima comparação será entre os selfies e os pernilongos.

Os indígenas americanos não gostavam de ser fotografados. Diziam que as fotos lhes roubavam a alma. No nosso caso, ao darmos as costas a um monumento ou competição para tirarmos uma foto, a alma já foi para o beleléu. Só ficará a foto.


Em busca de fôlego - PAULO GUEDES

O GLOBO - 28/09

A reforma ministerial é uma ritual de cooptação em defesa do mandato. E a veilha ordem fatia as investigações, em fuga rumo às sombras


A dança dos Três Poderes prossegue. Como deveria ser na sociedade aberta em construção. O Executivo reage sob pressão do agravamento de uma crise econômica resultante de suas próprias lambanças. Tenta aprovar no Congresso um ajuste fiscal à base do aumento de impostos. Segue politicamente enfraquecido e juridicamente ameaçado em meio às investigações que revelam indícios de uma cleptocracia.

Os representantes no Legislativo dançam ao som de ritmos diferentes. Os partidos de oposição ouvem o som das ruas. A incompetência e a corrupção despertaram a indignação popular, encorpando as propostas de impeachment. Os partidos da base do governo são atraídos pelos sons das ofertas de cargos e promessas de verbas orquestrados em defesa do mandato presidencial. Os mais experientes oposicionistas sabem que um impeachment agora transformaria o PT em oposição antes de seu dilaceramento nas urnas. Sabem também que devem apoiar medidas fiscais impopulares para manter o país solvente, enquanto os governistas são fritados ao sol inclemente da opinião pública.

Os mais experientes situacionistas apoiam apenas moderado ajuste fiscal que lhes garanta a sobrevivência, deixando seus patos novos mergulharem cada vez mais fundo em busca de cargos e verbas. A reforma ministerial em curso é um ritual de cooptação do baixo clero. A cúpula do PMDB anuncia cada vez mais alto sua independência política, seu inédito desapego ao loteamento dos ministérios e um revigorante alinhamento com a opinião pública no repúdio ao aumento de impostos.

O despertar do Poder Judiciário anuncia novos tempos. O Brasil não quer mais ser uma república das bananas. A classe política não pode estar acima da lei, e, se achar que pode, não deve dormir em paz. O julgamento da História começa a se esboçar ante o acúmulo de evidências de corrupção sistêmica. Já está claro para a opinião pública que Joaquim Barbosa tinha um pé no futuro. Seu fervor republicano contra degeneradas práticas políticas transborda agora para todos os níveis da administração pública. Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e seus jovens e competentes colaboradores são as forças de nosso aperfeiçoamento institucional. A velha ordem recua em fuga rumo às sombras. Fatia as investigações em busca de fôlego.

"Concessões sob risco" - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 28/09

A grande desordem orçamentária acumulada pelo governo federal foi, decerto, um fator maior da recessão vivida pelo país.

Dada a ausência de sinais de que haverá controle do endividamento público, a insegurança emperra ainda mais a atividade econômica e produz efeitos de segunda ordem, sequelas que ameaçam a arrecadação de recursos dos quais o Tesouro necessita com urgência.

Mais que isso, que solapam as pequenas oportunidades de atenuar e abreviar a crise. Tome-se o exemplo das concessões de infraestrutura. Está à beira de se tornar inviável o leilão de 29 hidrelétricas remarcado para novembro.

Trata-se da venda do direito de explorar usinas hoje sob controle da União, que as retomou depois de esgotado o prazo das concessões originais. Com o negócio, o governo espera arrecadar R$ 11 bilhões neste ano. Sem tais recursos, torna-se ainda mais improvável encerrar o ano com algum saldo nos cofres federais.

O negócio está sob risco porque o descrédito do governo, ao assustar o mercado e impulsionar os juros, eleva cada vez mais o custo do crédito para as empresas.

A rentabilidade é incerta, pois, além de taxas altas dos financiamentos, também o real se desvaloriza, afetando o interesse do investidor estrangeiro.

O Ministério de Minas e Energia minimiza as consequências da protelação anunciada. A pasta afirma que o propósito é apenas aperfeiçoar as condições dos leilões a partir de sugestões do Tribunal de Contas. O Tesouro, no entanto, já admite a hipótese de não contar com a receita extra tão cedo.

A incerteza é ainda maior em relação às concessões de novas rodovias e, sobretudo, de portos e ferrovias –casos por ora sem solução, dados os problemas regulatórios.

Está sob risco de grande atraso, portanto, a segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado com estardalhaço em junho pela presidente Dilma Rousseff (PT).

Diante dos problemas judiciais e financeiros das maiores empreiteiras do país, o governo até favoreceu a participação de estrangeiros e de empresas médias. Faltam, contudo, projetos, especificação das licitações, modelos de financiamento e preços realistas. Planos concretos de licitação nem ao menos chegaram ao papel.

O PIL, o que é mais lamentável, está entre as poucas alternativas restantes de incentivo à atividade econômica. Ao lado das exportações, beneficiadas pelo avanço das cotações do dólar, teria ao menos o efeito de atenuar a recessão, a partir do ano que vem.

Contava-se com tais operações para interromper o ciclo de retração dos investimentos –em obras de infraestrutura e aquisição de maquinário– que já dura inéditos oito trimestres consecutivos. A ruína dos fundamentos econômicos, a penúria do governo e o decorrente tumulto no mercado ameaçam essa válvula de escape.

As estatais sob o jugo do PT - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO -28/09

A “defesa” das estatais sempre esteve no discurso petista. Era um ponto inegociável, isto é, sem qualquer possibilidade de diálogo. Basta recordar como o PT pôs sua tropa de choque na rua para tentar inviabilizar as privatizações do governo FHC. Felizmente, a intolerância petista não foi capaz de impedir as privatizações dos anos 90 e a população pôde ter acesso, por exemplo, a serviços de telecomunicações de melhor qualidade - ao menos, já não é preciso pagar ágio para ter uma linha telefônica.

Uma vez que, com as inegáveis melhorias nos serviços privatizados, já não cabia mais na agenda pública discutir a reestatização das empresas privatizadas, era de esperar que a bandeira petista a favor das estatais significasse ao menos algum avanço para as estatais remanescentes. No entanto, o que se vê depois de 13 anos do partido no governo federal é o avanço do retrocesso. E isso não ocorre apenas na Petrobrás, envolvida no maior escândalo de corrupção da história nacional, como consequência direta do aparelhamento promovido nos governos Lula e Dilma. Há uma generalizada deterioração das estatais.

Reportagem do jornal O Globo a respeito das empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional - são 18 nesse grupo - revela que elas estão mais inchadas e mais deficitárias. Ao analisar essas empresas ao longo dos anos do primeiro governo de Dilma, vê-se uma trajetória assaz preocupante.

Em 2009, o resultado global dessas 18 empresas foi um prejuízo de R$ 179 milhões. Em 2013, o déficit foi simplesmente dez vezes maior, alcançando a cifra negativa de R$ 1,8 bilhão. Era a consequência imediata do fato de que, das 18 estatais dependentes do Tesouro Nacional, 12 haviam fechado o ano no vermelho.

Um governo responsável utilizaria todos os meios para reverter essa situação. No entanto, os números da folha de pagamento mostram que o governo Dilma não foi apenas omisso em reverter o quadro, mas promoveu ativamente essa situação.

Em 2009, as 18 estatais tinham 36.488 funcionários. Em 2013, já eram 47.433 pessoas. Mas o descaso administrativo do governo Dilma fica ainda evidente quando se observa o crescimento da folha de pagamento - é que o número de funcionários cresceu 30%, mas a folha de pagamento cresceu 108%. Em 2009, foram gastos R$ 3,5 bilhões com os salários dos funcionários. Em 2014, foram R$ 7,3 bilhões.

A situação de crescimento desenfreado da folha de pagamento não apenas afetou o resultado fiscal do governo, mas a qualidade do uso dos recursos do Tesouro Nacional. No ano de 2014, o contribuinte pôs R$ 15 bilhões nas 18 estatais, mas apenas 28% desse dinheiro foi destinado a investimentos. Gastou-se muito e gastou-se mal.

Entre as estatais dependentes do Tesouro - estão na lista a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo -, um caso retrata bem a “eficiência” petista. Trata-se da Empresa de Planejamento Logístico, fundada em 2002 para planejar a construção do trem-bala, projeto que até hoje não saiu do papel e não se sabe se algum dia sairá. Na sua criação, tinha 65 funcionários. Hoje, conta com 161. E o atual número se deve ao período de vacas magras - antes do ajuste fiscal, a empresa chegou a ter 185 funcionários.

Tal quadro desmerece a capacidade administrativa de qualquer governo, ainda mais de um governo cujo partido sempre afirmou estar a favor das estatais. Mostra como o discurso pode estar distante da realidade. E esse mal é contagioso. O órgão do Ministério do Planejamento que cuida das estatais - Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais - afirma que sua missão é “aperfeiçoar a atuação do Estado enquanto acionista das empresas estatais federais, com vistas a potencializar os investimentos da União em benefício da sociedade”. A sociedade está à espera desses benefícios.

Sentimento de urgência - VALDO CRUZ

Folha de SP - 28/09

O empresariado está perdendo a paciência com a presidente Dilma. Pelo menos o da construção civil, principalmente os que tocam obras do governo federal, como as do Minha Casa, Minha Vida.

Reunidos em Salvador para o encontro nacional do setor, empresários aplaudiam com entusiasmo quando convidados para falar sobre reformas criticavam Dilma Rousseff ou defendiam seu impeachment.

Não foi uma nem duas, foram inúmeras as vezes em que os empresários fizeram questão de manifestar contrariedade, de forma bem efusiva, com a presidente Dilma.

Ministro das Cidades, Gilberto Kassab já havia sentido na pele o clima hostil dos presentes contra o governo, que tem atrasado sistematicamente o pagamento de obras.

Na abertura do evento, Kassab foi vaiado ao ser anunciado como representante da presidente. Depois, foi alvo de fortes apupos ao repetir a chefe e atribuir a culpa pela crise brasileira ao cenário mundial.

Para quem esteve presente, ficou patente o sentimento de urgência e emergência dos empresários em busca de uma saída para a crise que engole a construção civil.

Em outras palavras, o clima do encontro era de "não dá mais para aguentar".

Tal insatisfação crescente no setor empresarial deve acender um sinal de alerta no Palácio do Planalto. Afinal, até aqui os donos do PIB se colocavam contra qualquer iniciativa de impeachment da presidente e lançavam âncoras para Dilma.

Não que o empresariado esteja a ponto de abraçar a bandeira do impedimento da petista. Pelo contrário, entre eles segue a avaliação de que a presidente tem legitimidade para estar no cargo e nada de grave surgiu contra ela até agora.

O que já se discute, porém, é que às vezes não basta ter legitimidade, é preciso demonstrar viabilidade para se manter no posto diante de uma crise aguda na economia. A vantagem de Dilma é que, neste caso, a solução está em suas mãos.

Mercado de trabalho sofre uma acelerada deterioração - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 28/09

Enquanto o governo e o Congresso Nacional se mantêm vacilantes sobre a execução do ajuste fiscal, que é essencial para restabelecer a confiança na economia, cria-se uma tragédia de grandes proporções no mercado de trabalho. O Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE) registra uma taxa de desemprego de 7,6% em agosto, a maior para esse mês do calendário gregoriano desde 2009. Já chega perto de um milhão os empregos formais destruídos nesta recessão, nos dados acumulados em 12 meses até agosto, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.

Até o começo do ano, economistas estavam surpresos com a robustez do mercado de trabalho, em meio a uma fraca atividade econômica. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) havia caído abaixo de seu potencial em 2013 e 2014, mas as empresas procuraram não demitir. O receio era não conseguirem repor a mão-de-obra quando houvesse a recuperação econômica, depois que mudanças demográficas e programas sociais reduziram a oferta de trabalho. Agora, com uma recessão profunda e ainda sem perspectivas de acabar, o ajuste nas folhas salariais ocorre com mais força.

O total de desempregados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE chegou próximo de dois milhões de pessoas em agosto, uma alta perto de 50% em relação ao mesmo mês do ano passado. A falta de trabalho tem se agravado, em particular, na faixa de idade entre 25 e 49 anos, cuja taxa de desemprego subiu de 4% para 6,6%, sempre na comparação entre agosto de 2014 e de 2015 "Isso preocupa porque essa população pode ser arrimo de família, quem sustenta a casa", disse o coordenador da pesquisa de emprego e salário do IBGE, Cimar Azeredo.

Não menos grave é o aumento do desemprego entre jovens, entre 18 e 24 anos, que passou de 12,9% para 18%. A oferta de mão de obra pelos mais jovens tinha se reduzido nos últimos anos, quando o aumento da renda da família e programas sociais permitiram que essa parcela da população se dedicasse aos estudos. Agora, eles voltam ao mercado, e não acham vagas.

Também está aumentado o tempo em que trabalhadores ficam sem trabalho. Em um ano, subiu de 17,7% para 19,7% a proporção de pessoas desempregadas há mais de um ano no universo de desocupados. Quanto mais tempo alguém fica sem emprego, maior o risco de perder suas qualificações.

Relatório do banco Goldman Sachs, divulgado na semana passada, destaca que houve uma avanço de 2,2% no emprego por conta própria, sempre na comparação entre agosto de 2014 e de 2015. Isso nada tem a ver com uma maior empreendedorismo da população. Como o mercado formal de trabalho caiu 3,8%, e o informal, 4,1%, trabalhadores têm procurado se virar como podem para sobreviver.

Em agosto, foram cortadas 86,5 mil vagas com carteira assinada, segundo dados do Caged. A destruição de empregos superou as estimativas dos analistas econômicos, que em média esperavam fechamento de 72,3 mil postos de trabalho. Também ocorre num período do ano em que as empresas costumam contratar. Em agosto de 2014, o país havia criado 101 mil vagas.

Os especialistas preveem desemprego ainda maior. Economistas do Bradesco, por exemplo, esperam 60 mil cortes de vagas formais em setembro e outras 50 mil em outubro - e, até o fim do ano, seriam perdidos 1,5 milhão de postos. A consultoria Tendências projeta uma taxa média de desemprego de 7% em 2015 e de 9% em 2016.

O viés das estimativas, certamente, é de alta. O Banco Central conta com uma recessão mais profunda neste ano, de 2,7%, ante 2,2% estimados em junho. O mercado financeiro já dá como certo que a contração econômica vai se repetir em 2016, com um encolhimento adicional de 0,8%.

O quadro, que já era preocupante, tende a se agravar com o fortalecimento do dólar e aumento dos juros futuros, depois da crise fiscal criada pelo governo e Congresso com a revisão das metas de superávit primário, uma proposta orçamentária desastrada e a ameaça de derrubada de vetos. As condições financeiras sofreram aperto adicional e as expectativas de agentes econômicos foram novamente abaladas. Se nada for feito para corrigir o problema fiscal, esses eventos financeiros negativos vão se transmitir para a economia real, levando a novos cortes de empregos.


Proibição e necessidade - NELSON JOBIM

ZERO HORA - 28/09

O Supremo Tribunal Federal decidiu ser inconstitucional as pessoas jurídicas financiarem campanhas eleitorais.

As regras de financiamento apareceram no Código Eleitoral de 1950.

Exigiu-se contabilidade e proibiu-se contribuições de procedência estrangeira, sociedades de economia mista e empresas concessionárias de serviço público.

No regime militar (Castello Branco), lei de 1965 criou o fundo partidário, manteve as regras anteriores e estendeu a proibição às autoridades e órgãos públicos e às empresas privadas.

Tudo se repetiu em lei de 1971 (governo Médici), com a inclusão de fundações e entidades de classe ou sindicais.

Em 1989, sob lei de 1971, elegeu-se o presidente Collor.

Em 1992, na revista Veja, Pedro Collor denunciou corrupção no governo.

Em junho de 1992, no Congresso, instalou-se a CPI do "Esquema PC Farias".

Em 20 de setembro de 1992, superando dois terços de votos, a Câmara aprovou representação por impeachment.

Em 30 de dezembro, o Senado aprovou o impeachment.

O Relatório da CPI examinou o financiamento da campanha eleitoral.

Conclui que a proibição de contribuições das pessoas jurídicas era o problema, pois: a) os partidos e candidatos tinham que ter recursos para a campanha eleitoral; b) o fundo partidário, os recursos próprios e as contribuições das pessoas físicas eram insuficientes; c) logo, a contribuição das pessoas jurídicas era necessária.

A proibição "empurrara" os partidos para a ilegalidade.

Em 1993 (para eleições de 1994), lei permitiu a contribuição das pessoas jurídicas limitada a 2% da receita operacional bruta e estabeleceu formas de fiscalização.

Em 1995, nova lei dos partidos manteve a fórmula e a lei para eleições de 1996 reduziu o percentual para 1%.

Em 1997 o percentual voltou para 2%.

Neste ano, após 18 anos de vigência do modelo, o STF declarou sua incompatibilidade com a Constituição de 1988!

Voltamos ao modelo do regime militar.

O ministro Teori Zavascki, opondo-se, advertiu: "Não extrair (...) interpretações voluntaristas que imponham gessos artificiais e permanentes às alternativas (...) ao sistema de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais".

A proibição, imposta pelo regime militar e ressuscitada pelo STF, não irá empurrar os partidos para a ilegalidade, tal como observado pela CPI de 1992?

A necessidade não derrubará o "gesso artificial" da proibição e voltaremos a 1993?

Lembro J.L. Borges: "Si de algo soy rico es de perplejidades y no de certezas".


Quem é o golpista? - JOÃO LUIZ MAUAD

O GLOBO - 28/09

Mais uma vez, o governo mente


O ministro Edinho Silva afirmou que o governo não tem um “plano B” para a proposta de ajuste encaminhada ao Congresso, e que não há alternativas viáveis, fora das já apresentadas pelo Executivo, para equilibrar o orçamento do governo, passando ao distinto público a falsa ideia de que a única maneira de cobrir o déficit das contas públicas é através da criação ou aumento de impostos, inclusive a malfadada CPMF, além de cortes ridículos nas despesas. Mais uma vez, o governo mente!

O leitor talvez não saiba, mas o Tesouro Nacional, ao longo dos últimos anos, principalmente durante o primeiro mandato da presidente Dilma, transferiu perto de R$ 520 bilhões para o caixa do BNDES. Para se ter uma ideia da grandeza desse número, ele representa cerca de 10% do PIB (2014). Pelos recursos, o governo cobra do BNDES juros de 6% ao ano (TLJP), enquanto, para captá-los no mercado, paga, em média, 13%. Em outras palavras, o custo de carregamento desses “empréstimos”, que fazem a alegria dos grandes empresários tupiniquins, é de aproximadamente R$ 35 bilhões, valor superior ao orçamento anual do Bolsa Família (R$ 27,5 bilhões). Agora, eu pergunto: o leitor viu, em algum lugar, menção de que o governo pretenda pegar esse dinheiro de volta? Nem eu.

Outra possibilidade de arranjar recursos extras para cobrir o déficit seria através de privatizações de empresas estatais, mas, além da proposta de vender 25% da BR Distribuidora (o que está bem longe de significar privatização, já que o controle permaneceria com o Estado), nem uma linha da proposta recentemente encaminhada ao Congresso toca nesse ponto. Eles preferem recriar a CPMF, tungando um pouco mais o bolso do contribuinte. Por quê?

A ideologia petista não admite perder o imenso poder econômico que hoje detém o Estado brasileiro, seja para fazer afagos aos amigos do rei (e financiadores do partido), seja para estender seus imensos tentáculos sobre o mercado.

Não por acaso, no mesmo dia da entrevista de Edinho Silva, sua chefe, a presidente Dilma Rousseff, voltou a dizer — não exatamente com essas palavras, pois seu idioma, embora semelhante, não é o meu — que estão tramando um golpe contra ela, aproveitando-se da crise econômica para propor seu impeachment. Não esclarece como é que um processo previsto na Constituição e regulamentado em lei pode ser considerado golpe.

No meu dicionário, golpe é eleger-se mentindo descaradamente ao eleitorado, mostrando um mundo cor de rosa quando já pairavam nuvens negras no horizonte, avisando que uma tempestade de grandes proporções estava a caminho. Golpe é acusar os adversários de tramar a redução de investimentos em programas sociais, sabendo melhor do que ninguém que, qualquer que fosse o eleito, inclusive ela própria, teria de fazer cortes e congelar benefícios. Golpe é divulgar, por anos a fio, demonstrações financeiras falsas, mostrando superávits onde havia déficits, escondendo resultados negativos através de contabilidade fajuta e “pedaladas fiscais”. Golpe é utilizar bilhões em recursos desviados da Petrobras para abastecer os partidos da base aliada. Finalmente, golpe é emprestar R$ 520 bilhões do Tesouro (leia-se: contribuinte brasileiro), cobrando menos da metade dos juros praticados pelo mercado, aos seus financiadores de campanha e a governos estrangeiros ideologicamente vinculados a seu partido.

João Luiz Mauad é diretor do Instituto Liberal

Xô, CPMF - COLUNA PAINEL - VERA MAGALHÃES

Folha de SP - 28/09
O programa do PSDB em rede nacional de rádio e TV, que vai ao ar nesta semana, usará a proposta de recriação da CPMF para fustigar a presidente Dilma Rousseff. A propaganda tucana exibirá duas falas de Dilma na campanha de 2010: uma garantindo que não recriaria a contribuição, derrubada no Senado em 2007, e outra em que chama o imposto de “engodo”. Em seguida, uma apresentadora dirá que “não dá para o país continuar sendo governado pela mentira”.

Onde pega 
A tática de confrontar Dilma com o que disse antes e o que fez depois de reeleita se baseia em pesquisas que demonstram que o que mais corrói a imagem da presidente é a ideia de que ela mentiu para se reeleger. Levantamentos feitos pelo PT e pelo governo apontam a mesma conclusão.

Flanco 
Um casal de jovens conseguiu entrar no plenário do TSE há cerca de 15 dias e deixar flores e um bilhete para a ministra Luciana Lóssio, pressionando-a para que devolvesse o processo de cassação da chapa de Dilma e Michel Temer, do qual pediu vista. Ela o devolveu ao plenário na semana passada.

Invisível 
Os manifestantes passaram despercebidos pela segurança da corte. A pedido da ministra, o presidente Dias Toffoli determinou abertura de sindicância interna para investigar o caso.

Ameaças 
Depois do ato, o MBL (Movimento Brasil Livre) postou a foto das flores em sua página no Facebook. Nos comentários, a ministra é xingada e ameaçada. Também recomendavam que os seguidores a abordassem na rua.

Limites 
“Não é admissível um juiz sofrer esse tipo de constrangimento. Tenho pleno senso de responsabilidade com o momento que o país atravessa, mas esse tipo de ameaça passa de todos os limites”, disse a ministra, procurada pela coluna para comentar o episódio.

Eu não 1 
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, nega que, nas conversas que teve com ministros do TCU na semana passada, tenha mencionado a possibilidade de recurso caso o tribunal rejeite as contas de Dilma.

Eu não 2 
Diz que tratou do conjunto de normas com que o governo promete se comprometer para evitar a reincidência de irregularidades apontadas pela corte.

Marinou 
O PC do B também deve perder dois deputados para a Rede: Aliel Machado (PR) e João Derly (RS).

Em nome… 
Parte da bancada do PMDB na Câmara começa um movimento contra a possibilidade de indicação de Celso Pansera (RJ) para o segundo ministério oferecido por Dilma aos deputados do partido, além da Saúde.

… do pai 
Veem o nome dele muito mais como escolha de Jorge Picciani, pai do líder, Leonardo, do que da própria bancada peemedebista.


Sonho 
Ao entrar na plateia do Tuca para o ato de filiação da senadora Marta Suplicy ao PMDB, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi ovacionado pela militância com gritos de “Cunha, Cunha!” e “Cunha, estamos com você!”.

Realidade 
Logo atrás do presidente da Câmara, estava a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), que, ao perceber o largo sorriso de Cunha com a aclamação, soltou: “Não se anima, não!”.

De fora 
Na disputa pela indicação do PMDB para ser o candidato do partido à Prefeitura de São Paulo, Gabriel Chalita não foi convidado para o almoço que Marta ofereceu aos peemedebistas depois do evento no Tuca.

Intrusa 
Rosangela Lyra, integrante do grupo “Acorda, Brasil” –que pede a saída de Dilma–, esteve no ato do PT, na Praça da Sé, para coletar assinaturas de apoio ao projeto do Ministério Público Federal de combate à corrupção. Conseguiu a adesão do vereador petista Jair Tatto.

TIROTEIO
Não fui eu quem exigiu cargos. Estou apenas cumprindo aquilo que foi acordado entre a bancada do PMDB e a presidente Dilma.

DE LEONARDO PICCIANI (RJ), líder do PMDB na Câmara, sobre ter sido repreendido pela senadora Marta Suplicy por sua aproximação com o governo.

CONTRAPONTO
Sujeito a chuvas e trovoadas
A jornalista Mariana Godoy recebeu na última sexta-feira em seu programa de entrevistas na Rede TV! o ministro Edinho Silva, da Secom.
Nos bastidores, entregou ao responsável pela comunicação do governo um pacote e um bilhete que foi enviado a ela em agosto pela Fundação Cacique Cobra Coral para ser dado à presidente Dilma Rousseff.
O presente era uma camiseta do Pará.
Edinho leu o bilhete, e Mariana perguntou o que estava escrito. Ele não quis dizer, mas comentou, misterioso:
–Se Dilma tivesse lido em agosto, as coisas não estariam como estão agora…

O que empesteiâ o ar - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 28/09

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" ensinou Fernando Pessoa, o maior poeta da língua portuguesa. Ou como ensinou Lula em reunião com correligionários, a propósito da conjugação de crises que ameaça derrubar a sua sucessora: vale a pena perder ministérios, mesmo os mais importantes, desde que não se perca a Presidência e não se vá preso. Para ele, o mais seria diletantismo ou poesia.

NA ESTEIRA da demonstração de pragmatismo de Lula, merece ser lembrado o que disse Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado, ao comentar para a revista "Carta Capital", na semana passada, a situação vivida pela presidente Dilma Rousseff. Disse Viana: "Para salvar o governo, a única solução é piorar o governo. Seria melhor ter perdido a eleição" Bingo!

É DIFÍCIL apontar quem expressa melhor o sentimento que contamina o PT desde janeiro último - se Lula, capaz de tudo para não perder o controle sobre a Presidência, ou se Viana, que inveja a posição confortável dos eleitores do PSDB de Aécio Neves. O ideal para Viana teria sido a eleição de Aécio, o infeliz a quem caberia administrar a herança maldita de 12 anos do PT.

NA DÚVIDA, premiem-se os cartões de Lula e de Viana. Até aqui, o partido navega dividido entre os que pensam como um e como outro. O próprio Lula, até outro dia, pensava como Viana. Queria ver Dilma pelas costas. Os empregados no governo ou que desfrutam de sinecuras, esses entregariam a alma ao diabo em troca da permanência de Dilma no poder até 2018.

POIS VAI QUE, contrariando as expectativas, o país começa a crescer a partir de 2017... Vai que a população reconhece o empenho de Dilma para que tudo melhorasse... Ou vai que a Operação Lava-Jato, uma vez enfraquecida pela decisão do Supremo Tribunal Federal de fatiá-la, provoca menos danos ao PT do que hoje se imagina... Pronto: Lulalá de novo, e pelo bem do povo!

O PT DE VIANA é mais pessimista. Não vê saída para Dilma. Reconhece que os erros cometidos por ela na condução da política econômica no seu primeiro governo cobrarão um preço alto para ser corrigidos. Entende, assim, que o partido lucraria com a piora do governo, a sua ruína, e, finalmente, a passagem para a oposição, seja a Temer ou a Aécio. Oposição rima com recuperação.

O ESTADO DE decomposição do governo Dilma em-pesteia o ar, particularmente o de Brasília. E esse é o problema do cadáver insepulto: incomoda todo mundo. Por que tantos petistas, de olho nas próximas eleições, começam a deixar o partido? O que Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, haveria de preferir? Concorrer à reeleição com Dilma na Presidência ou com ela aposentada?

OCORRE QUE Dilma, aconselhada por Lula, acha que descobriu o caminho para adiar o seu fim: terceirizar o governo ao PMDB. Disposta a cortar dez dos atuais 39 ministérios, ela ofereceu seis ao baixo clero do PMDB - inclusive o cobiçado Ministério da Saúde, com um orçamento de R$ 10 bilhões. Esse irá para um "laranja" de Eduardo Cunha, presidente da Câmara.

"A RENÚNCIA É a libertação. Não querer é poder" escreveu Pessoa. Que, como político, seria um ótimo poeta. Querer é poder. Por ele, vale a pena mentir para vencer, governar à base de mentiras, abandonar a esquerda pela direita, e engrossar o coro contra a roubalheira, enquanto se recriam as condições para que ela nunca desapareça. Afinal, de conivência com a corrupção, Dilma entende.