segunda-feira, setembro 21, 2015

Entre Collor e Sarney - PAULO GUEDES

O GLOBO - 21/09

A economia vai piorar bastante antes de melhorar. E não é apenas porque a crise política dificulta a aprovação do necessário ajuste fiscal. É também pela natureza dos ajustes propostos. Mais impostos, em vez de corte de gastos. A perda de credibilidade do governo é outro complicador. A inércia inflacionária e as perdas de produção e de empregos são maiores quando expectativas adversas se consolidam por essa falta de credibilidade.

Lula aconselha Dilma a afastar Mercadante como articulador inapto e abraçar o PMDB para afastar a ameaça de impeachment e aprovar o ajuste fiscal. E teria também sugerido um abafamento das investigações da Lava-Jato. Se tudo isso desse certo, teríamos uma "sarneyzação" do segundo mandato de Dilma. Uma simples estratégia de sobrevivência política acompanhada de um "feijão com arroz" na economia.

A propósito, fui chamado a Brasília, ainda antes da Constituinte de 1988, para avaliar o colapso do Plano Cruzado, que eu havia previsto. Re-democratização recente, com a duração do mandato presidencial em aberto (quatro, cinco ou seis anos), as conversas se deram com os ministros da área militar e importantes políticos situacionistas. Minha concisa avaliação revelou-se precisa: quanto mais tempo durar o mandato, maior o desastre econômico, e menores as chances do establishment nas próximas eleições.

Dilma, por sua vez, passou a semana falando de "golpismo" e, portanto, de seu próprio impeachment. Perda de tempo, pois seu foco deve ser um programa emergencial de controle de gastos públicos para seus três próximos anos de governo. Sua única oportunidade de enfrentar favoravelmente o julgamento da História é recolocar o país na mesma rota em que o recebeu, com as finanças públicas em ordem e uma inflação em declínio.

O governo Sarney foi uma tragédia econômica, mas cumpriu sua etapa política na estrada da redemocratização. A síndrome da ilegitimidade que o marcou pela morte de Tancredo levou-o à rota populista do cruzado. Sua perda de credibilidade transformou-se em hiperinflação. No caso de Dilma, já se transformou em estagflação. A oposição deseja dar a Dilma o destino de Collor. Se escapar de tal sorte, com ajustes menores e sem reformas, terá sido como Sarney, apenas mais uma medíocre sobrevivente.

O Que lula não tem - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 21/09

Viver e muito perigoso. Mas viver no limite da irresponsabilidade é muito mais. Há quem goste. Soa como um desafio. Exemplo: quanto não deve excitar Lula a proximidade da sombra da Lava- Jato? As informações reunidas pelo juiz Sérgio Moro comprometem Lula com o que começou de fato a acontecer durante o seu segundo governo. Era preciso pagar dívidas da campanha de 2006. A saída? Roubar a Petrobras.

LULA É UM sobrevivente (cuidado com sobreviventes. Acham-se capazes de tudo). Sobreviveu à seca no Nordeste, à miséria em São Paulo, aos riscos da vida sindical na ditadura de 64, e a três derrotas seguidas para presidente. O candidato antes favorável à limitação do direito de propriedade privada, ao aborto e à estatização dos bancos virou o Lulinha Paz e Amor e, afinal, elegeu-se.

UM DOS segredos do seu sucesso: a falta de princípios. Poderia repetir a sério o que o comediante norte-americano Groucho Marx afirmou fazendo graça: "Esses são meus princípios. Mas se você não gosta deles, tenho outros". Lula por ele: "Sou uma metamorfose ambulante" Lula por Hélio Bicudo, fundador do PT: "Ele só está em busca de vantagem para ele e para sua família"

NA SEMANA PASSADA, Lula reuniu-se com Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Pediu-lhe que segurasse qualquer pedido de impeachment contra Dilma. Indecorosa atitude! Um pedido de impeachment que respeite os preceitos legais deve ser mandado adiante. O presidente da Câmara exorbitaria dos seus poderes se o retivesse.

SE SABE disso, Lula não se importa. No seu primeiro governo, telefonou para José Viegas, ministro da Defesa, intercedendo pelo advogado Roberto Teixeira. Havia morado de graça em um apartamento dele em São Bernardo. Pediu a Viegas para facilitar a vida de Teixeira, interessado nos espaços ocupados pela massa falida da Transbrasil em aeroportos país afora. Um ótimo negócio.

A DELÚBIO SOARES, ex-tesoureiro do PT condenado no caso do mensalão, Lula pedia para esconder acesa a cigarrilha que fumava quando era alvo de fotógrafos. Ao senador que o procurou em 2006 dizendo que Marcos Valério, operador do mensalão, queria dinheiro para ficar calado, Lula limitou-se a perguntar: "Você procurou Okamotto?" Paulo Okamotto, hoje, preside o Instituto Lula.

VALÉRIO JAMAIS abriu a boca. Quando tentou, era tarde. Pegou 40 anos de cadeia. Lula escapou depois de se dizer traído pelos mensaleiros e entregar a cabeça de José Dirceu. Nega-se a admitir que o mensalão existiu. Mas pediu o voto de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal em favor dos mensaleiros. Um dos ministros: Gilmar Mendes.

O MESMO QUE assistiu, certa vez, a uma cena inesquecível. Estava na antessala do gabinete de Lula, no Palácio do Planalto, quando o viu sair acompanhado de José Sérgio Gabrielli, então presidente da Petrobras. "Veja só, Gilmar. Um procurador da Fazenda, no Rio, está chantageando a Petrobras", narrou Lula. "Eu falei pro Gabrielli: Por que você não manda grampear ele?" Grampo é crime.

LULA NÃO VÊ nada demais em ter informado ao Exército, ao completar 18 anos, que media dois centímetros a mais do que media. Nem vê nada demais no fato do seu filho mais velho ter enriquecido enquanto ele presidia o país. Lula considera natural ter enriquecido prestando serviços a empresários, e de nessa condição aspirar a um novo mandato de presidente. Ilegal não seria. Seria imoral.