sábado, abril 18, 2015

Disputa perigosa - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/04

Disputa mostra como são pouco republicanas as instituições. 


A disputa corporativa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é exemplar do baixo índice de republicanismo que nossas instituições possuem. Nesses casos, como sempre, quem sai ganhando são os bandidos, enquanto os supostos "mocinhos" brigam entre si para ver quem recebe os louros de uma ação que tem o apoio da sociedade, mas pode ir por água abaixo devido a esse tipo de mesquinharia.

A base da divergência é um projeto de emenda constitucional (PEC) 412, que transforma a Polícia Federal em agência autônoma, com independência administrativa e orçamento próprio. Mesmo ainda não aprovada, os policiais já estariam agindo como se estivesse em vigor, o que incomoda os procuradores do Ministério Público.

A Associação dos Delegados da Polícia Federal, em nota, assume que a discordância é sobre quem manda na Operação Lava-Jato, alegando que o Ministério Público, sob o comando do procurador-geral, Rodrigo Janot, "promove o esvaziamento e o enfraquecimento da Polícia Federal com o nítido objetivo de transformá-la de uma polícia judiciária da União em uma verdadeira polícia ministerial".

Tudo se resumiria a disputas mais ou menos permanentes de corporações, cada qual em busca de maior independência, se não fosse a ação de representantes da Polícia Federal no Congresso, fazendo lobby para que a PEC 412 seja aprovada. O perigo de promiscuidade ficou claro quando o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio, reuniu-se com o senador Humberto Costa do PT, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, e com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Artur Lira, do PP, todos acusados na Operação Lava-Jato.

É claro que no mínimo o momento não é apropriado para pedir favores a parlamentares, muito menos àqueles investigados pela corrupção na Petrobras. E o que fizeram os procuradores? Passaram a boicotar a ação da Polícia Federal, chegando mesmo a telefonar para os investigados dizendo que eles não precisavam fazer depoimentos na PF, poderiam depor ao Ministério Público diretamente.

Os parlamentares investigados passaram a ter uma posição privilegiada, podendo barganhar com as duas instituições. A disputa, assim, passou a afetar a atuação de ambas, a ponto de um delegado da Polícia Federal que faz parte da Operação Lava-Jato em Curitiba, Eduardo Mauat da Silva, ter insinuado que o Ministério Público está atuando politicamente para atrapalhar as investigações da Polícia Federal, e acusado até mesmo o governo de não repassar as diárias dos policiais, que estariam tendo que pagar suas despesas do próprio bolso.

Cada instituição tem uma autoridade federal para chamar de sua, a PF subordinada ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e os procuradores ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ambos acusados de tentar sabotar as investigações. O Ministro Teori Zavascki, relator do processo do petrolão no supremo tribunal Federal (STF), atendeu a pedido do Ministério Público e suspendeu o depoimento de parlamentares em sete inquéritos.

A definição de quem é o autor do processo já está feita pelo STF, é o Ministério Público. Mas isso não quer dizer que a Polícia Federal tenha que atuar como mera colaboradora, não tendo liberdade para definir seus próprios procedimentos. Saber lidar com essas delicadezas institucionais sem colocar todo o trabalho a perder é fundamental.

A sociedade, que acompanha e apoia a Operação Lava-Jato, saberá repudiar os responsáveis por eventuais atrasos, ou até mesmo deslizes técnicos que prejudiquem a apuração. Os advogados dos investigados, de outro lado, estão de olho em possíveis falhas para tentar anular o processo.

É preciso que Ministério Público e Polícia Federal entrem em acordo o mais rápido possível para não passarem de responsáveis pelo sucesso da operação, louvados pela opinião pública, a culpados por seu fracasso, que será um pouco o da democracia brasileira.

Dilma e a fogueira partidária - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S. Paulo - 18/04

Dilma Rousseff terceirizou a condução da economia para o ministro Joaquim Levy, a articulação política para o vice Michel Temer e imaginava que o terceiro turno havia acabado. Declarou isso na terça-feira. Acordou um dia depois e percebeu que seu pesadelo não tinha fim. A prisão do tesoureiro que o PT insistiu em manter com a chave do cofre uniu a oposição pelo impeachment - e afastou a presidente do partido de Lula.

Se ficar tête-à-tête com Barack Obama, Dilma poderia pedir dicas sobre como lidar com uma oposição que está sempre tentando trançar-lhe o pé e, se der, derrubá-lo. No Brasil, pode parecer novidade, mas nos EUA é do jogo já faz tempo. O presidente tem de estar sempre em guarda e, de preferência, na ofensiva, para tomar o controle da narrativa. Se recua, a oposição toma-lhe terreno, o discurso e, quem sabe, o cargo.

A cordialidade na política brasileira está tão superada quanto as peladas entre deputados de partidos rivais na Constituinte. Lula fez muitas amizades naquele tempo, mas poucos sobraram daquele time, seja no Congresso, seja nas cúpulas partidárias. Os que restaram não jogavam bola - salvo Aécio Neves. Sem interlocução, diminui a chance de acordos.

Nesse novo campeonato político, o conflito é permanente, o adversário joga bruto, a imprensa corneta e, às vezes, até o juiz é do contra - uma Taça Libertadores sem fim. Mas, como bem enunciou o sábio corintiano Vicente Matheus, quem entra na chuva é para se queimar. E queimados, todos estão.

Pesquisa inédita mostra que, se a política está uma brasa, os partidos viraram carvão - quando não, cinzas. O Ibope registrou novo recorde na sua série histórica de preferência partidária: 2 de cada 3 brasileiros não têm simpatia por nenhuma sigla. No auge dos protestos de 2013 a taxa dos sem-partido chegara a inéditos 59%. Desde então, cresceu e alcançou, este mês, os 66%.

Quando - entre uma votação e outra de artigos da nova Constituição - o petista Lula e o futuro tucano Aécio corriam atrás da pelota com confrades do PT e do PMDB, a maioria dos brasileiros tinha preferência por esta ou aquela agremiação política. Em 1988, havia inacreditáveis 26% de simpatizantes peemedebistas. Os petistas e sua área de influência ainda eram 12%, e as demais siglas somavam 24% das preferências do público.

Mesmo durante as crises do final do governo Sarney, do impeachment de Collor e da superinflação do começo da gestão Itamar a proporção dos sem-partido nunca chegou nem à metade da população. Sua taxa oscilou na faixa dos 40% por toda a era FHC. O PSDB absorveu alguns ex-peemedebistas e bateu em 10% de simpatizantes no primeiro mandato de Fernando Henrique. Mas caiu junto com a popularidade do ex-presidente no começo de 1999.

Os anos 2000 assistiram à ascensão fulminante do petismo. Como já haviam faturado nas crises anteriores, os petistas cresceram durante o apagão do governo FHC. Saíram de 15% das preferências para picos de mais de 30%, superando de vez o PMDB. O petismo emagreceu durante a crise do mensalão enquanto os tucanos pareciam ganhar musculatura. Mas Lula se reelegeu em 2006, o PT se alimentou da popularidade do presidente, e o PSDB murchou.

Desde então, a taxa dos sem-partido é a imagem no espelho do petismo. Se um sobe, o outro cai - sem que os demais partidos cheguem nem perto dos dois dígitos e participem da cena. Foi nesse período que a disputa política mais se acirrou. Quanto mais violenta a partida, menor o público disposto a assisti-la.

Por causa da economia, da corrupção e da decepção com Dilma, o PT caiu a 14% de simpatizantes. Regrediu 15 anos. O resultado é que o antipetismo é hoje mais do que o dobro do petismo. Segundo o Ibope, 35% dos brasileiros se declaram contra o PT. Por isso, quase qualquer um - menos os queimados partidos tradicionais - consegue mobilizar tanta gente em manifestações antipetistas.

A estrela fica - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 18/04

Cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso de amputar nossa história. O PT é parte do que somos


A prisão de João Vaccari simboliza a "prisão preventiva do próprio PT", declarou Aécio Neves, do PSDB, secundado pelo deputado Rubens Bueno, líder do PPS, para quem o episódio "representa o PT na cadeia". Mais prático, o senador Ronaldo Caiado, líder do DEM, sugeriu que os desdobramentos poderiam resultar na perda do registro partidário do PT. A ideia de eliminação do PT, evocada pioneiramente por Jorge Bornhausen, do antigo PFL, em 2005, encontra eco entre setores dos manifestantes do 15 de março e do 12 de abril. Nessas circunstâncias, o dever de ensinar aos exterministas como funciona uma democracia não pode ser terceirizado ao próprio PT.

As condenações de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, bem como a prisão preventiva de Vaccari, evidenciam que, no núcleo dirigente do PT, incrustou-se uma organização criminosa. A se julgar pelas receitas da empresa de consultoria de Dirceu e pelas movimentações bancárias da família Vaccari, a corrupção tradicional, essa "velha senhora" (Dilma Rousseff), está entre as atividades da quadrilha. O seu foco, porém, é a corrupção de novo tipo, "netinha peralta da velha senhora" (Roberto Romano), destinada a cristalizar um bloco de poder. Mas nada disso autoriza a impressão de um carimbo policial na estrela do PT.

O PT não se confunde com a organização criminosa nele incrustada. O partido, semeado no chão da luta contra a ditadura militar, não é uma sigla de conveniência como as criadas por Gilberto Kassab, o despachante do Planalto para negócios cartoriais. É sua militância e sua base de filiados, responsável por eleições internas que mobilizam centenas de milhares de cidadãos. É, sobretudo, sua base eleitoral, constituída por vários milhões de brasileiros. O PT é parte do que somos.

Sibá Machado, líder petista no Senado, classificou como "política" a prisão de Vaccari. Os políticos presos do PT ergueram os punhos para declarar-se prisioneiros políticos. André Vargas repetiu o gesto no Congresso, diante de Joaquim Barbosa, para dizer que o PT não reconhece a legitimidade do STF. O Partido cindiu o país em "nós" e "eles", reproduzindo no plano da linguagem o que fazem, por meios policiais, regimes autoritários de esquerda. O Partido celebra tiranias, aplaude violações de direitos políticos em Cuba e na Venezuela, clama pela limitação da liberdade de imprensa no Brasil, fabrica listas negras de críticos, qualificando-os como "inimigos da pátria". Mas a aversão petista ao equilíbrio de poderes e à pluralidade política não justifica o erro simétrico, que é crismar o PT como "inimigo da pátria".

Na mensagem ao 5º Congresso Nacional do PT, a direção partidária interpreta o "sentimento antipetista" como reação conservadora "às ações políticas de inclusão social" dos governos Lula e Dilma. Vendando os olhos dos militantes, embalando-os numa ilusão complacente, os dirigentes postergam uma difícil, mas inevitável, revisão crítica. De fato, o "sentimento antipetista" expressa a vontade de evitar a identificação entre Estado e Partido. Já a manipulação exterminista desse sentimento não passa de uma cópia invertida do desejo petista de anular o direito à divergência.

No Palácio, o PT perdeu o patrimônio moral indispensável para defender a democracia. Hoje, triste ironia, são os críticos do PT que podem desempenhar o papel de advogados da sua existência como ator legítimo. Pedir o impeachment da presidente, por bons ou maus motivos, não atenta contra a ordem democrática. Sobram razões para gritar por um governo sem o PT, algo que serviria tanto ao Brasil quanto ao PT, que só na planície será capaz de entender as virtudes do pluralismo político. Por outro lado, cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso autoritário de amputar nossa história.

Vaccari é caso de polícia; o PT, não. A estrela fica.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

PT CONVOCA MILITÂNCIA PARA ‘TEMPOS DE GUERRA’

Resolução da facção Articulação de Esquerda revela os planos do PT para o próximo Congresso Nacional do partido. Dividido em cinco tarefas, o documento batizado de “Um partido para tempos de guerra” define como “golpe” a crise de corrupção que engoliu o partido e ainda defende a “reocupação das ruas”. Segundo o documento petista, o objetivo máximo é “derrotar a direita, mesmo sem a ajuda do governo”.

TUDO MENOS PROTESTO

Segundo a Articulação, os protestos de 15 de março foram uma forma de “criminalizar o PT, os movimentos de esquerda, os sem-terra” etc.

CENSURA NA CABEÇA

Para a facção, o PT deve lutar pela “mídia democrática” e “engajar e orientar seus quadros e militantes” a brigar pela imprensa monitorada.

DISCURSO VELHO

O documento admite que o PT foi incapaz de “retirar do grande capital” o controle da economia e da política. E convoca militantes para a briga.

CHORO VERMELHO

Mencionado sete vezes no documento do PT, Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, é acusado de liderar a “ofensiva da direita”.

PARA CUNHA, ‘PEDALADAS’ É QUE DÃO IMPEACHMENT

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já afirmou que a Operação Lava Jato ainda não tem elementos para abertura de processo de impeachment contra Dilma. Mas, em conversas com aliados, admite que o fato jurídico capaz de levá-la à cassação está relacionado às “pedaladas fiscais”, crimes previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O crime já foi reconhecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

CRIME FISCAL

Com as “pedaladas”, o governo simulou melhoria das contas públicas, para efeito de superávit, usando operações ilegais com bancos oficiais.

REBORDOSA

O Ministério Público Federal, junto ao TCU, denunciou as “pedaladas” e pediu a abertura de processo-crime.

EXPLICAÇÕES

O TCU aumentou de 14 para 17 as autoridades a serem interrogadas sobre as “pedaladas”. O assunto, depois, deve ir para o Judiciário.

NÃO VAI FICAR ASSIM

Apesar de mais discreto, Renan Calheiros não é menos implacável que Eduardo Cunha. Por isso o governo trabalha com uma certeza: vem aí o troco pela demissão do ex-ministro do Turismo Vinícius Lages.

IMPEACHMENT

A prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, colocou gasolina no pedido de impeachment de Dilma. A oposição e até petistas acham que Vaccari não suportará a pressão e logo vai propor delação premiada.

RIQUEZAS DA CÂMARA

Mais conhecida pela riqueza dos integrantes do que pelo valor do acervo histórico, a Câmara expõe, até 26 de julho, sua coleção de obras que chegaram ao Brasil com o imperador D. João VI.

A VEZ DA PUBLICIDADE

Com a prisão de Vaccari, os petistas estão receosos, especialmente, com os contratos de comunicação da Petrobras. Dizem que muitos políticos estão enrolados em contratos de publicidade.

DECLÍNIO MELANCÓLICO

Humilhante para Henrique Alves não foi só suplicar o cargo, mas, após onze mandatos e a presidência da Câmara, virar ministro apenas pela força do apadrinhamento de Eduardo Cunha.

CAÇA AO KASSAB

O PMDB quer reduzir o número de ministérios de 39 para 20, extinguindo inclusive o Ministério das Cidades de Gilberto Kassab, ministro proprietário do PSD e do futuro Partido Liberal (PL).

FORA, CUNHA

Será no domingo, no Aterro de Iracema, em Fortaleza, o ato que pede a renúncia do presidente da Câmara. Lidera o evento o movimento “Eu exijo a renúncia de Eduardo Cunha”.

OSTRACISMO

Marina Silva tenta não cair no esquecimento. Há dias ela perambulava no Congresso fazendo lobby contra o projeto que reduz a maioridade penal. Orlando Silva (PCdoB-RJ) aproveitou para tirar uma foto.

PENSANDO BEM...

O Ministério da Justiça se jacta do combate ao crime “eficiente”, apesar de o Brasil ter a 11ª maior taxa de homicídios do mundo, assim como certamente se orgulha dos indicadores suecos de corrupção.


PODER SEM PUDOR

CONTA DE SOMAR

Homem sério, o líder mineiro Milton Campos nunca foi daqueles políticos que tentam explicar o inexplicável. Ele perdeu para João Goulart, em 1960, a eleição para vice-presidente da República, que na época não era "casada" com a de presidente. Na expectativa de obter uma avaliação profunda do seu próprio insucesso, um jornalista provocou:

- Dr. Milton, por que o senhor perdeu?

- Perdi porque ele teve mais votos - disse, encerrando a conversa mole.

O outro lado do 'outro lado' - FERNÃO LARA MESQUITA

O ESTADO DE S.PAULO - 18/04

O PT apoia sua estratégia de controle hegemônico do Brasil na reafirmação sistemática de mentiras essencialmente porque isso funciona. É uma técnica especialmente desenvolvida, testada e aprovada. O dano colateral do uso dessa arma é virtualmente irreversível, mas o poder é sexy o bastante para contar sempre com quem esteja disposto a matar e morrer por ele.

Na quarta-feira, 15, este jornal publicou extensa reportagem do Guardian sobre o assunto, no mínimo, angustiante.

Hoje todo mundo já nasce com os recursos de manipulação de imagens nas mãos e vive a maior parte da vida em mundos virtuais, de modo que a primeira coisa de que estamos treinados a desconfiar é daquilo que nossos olhos veem. Mas não foi sempre assim. A humanidade custou a recuperar-se do advento do registro cinematográfico. A edição de imagens destruiu a última barreira sólida que havia entre o nosso equipamento cognitivo e a realidade exterior. "Eu vi com meus próprios olhos" já foi o argumento que encerrava qualquer controvérsia. Hoje não existem mais certezas. Tudo pode ser nada.

Os totalitarismos e os genocídios do século 20 não teriam sido possíveis sem as falsas emoções e "realidades" que era possível plantar como reais antes que a humanidade aprendesse a redefinir o valor do que seus olhos viam e seus ouvidos ouviam.

Na ponta contrária, desenvolver essas técnicas em ciências se transformou numa credencial obrigatória de acesso ao poder e num imperativo de sobrevivência para os Estados nacionais. Enquanto os dois lados tinham objetivos diferentes a atingir, tratava-se de antecipar as reações do adversário, algumas jogadas adiante, e induzi-lo a erro ou a reações previsíveis por meio de informações falsas.

Mas os tempos ingênuos da "desinformação" ficaram para trás. Agora, na era do poder para nada, na era do poder pelo poder, não se trata mais de convencer, ainda que pela mentira. O que conta é conquistar e manter o poder, seja como for, não "para isto" ou "para aquilo", mas apenas para tê-lo, apenas para desfrutá-lo.

O Guardian descreve, então, como o celerado Putin, ex-KGB e agora czar de todas as Rússias, retomou a obra de onde a tinham deixado os soviéticos para adaptá-la à nova realidade das armas tão destrutivas que não podem mais ser usadas, em que as tiranias se impõem e se mantêm como se tudo não passasse de uma disputa entre advogados desonestos que se confrontam nos fóruns e tribunais internacionais, na qual o objetivo é manter-se sempre nas intersecções da regra e "destruir a ideia mesmo de prova" capaz de caracterizar uma determinada ação como estando em conflito com alguma delas, num universo em que nada é moralmente superior a nada, não há mais fatos, só versões, e onde a realidade "pode ser constantemente recriada".

Como é que se faz isso?

A Pequena Enciclopédia e Guia de Referências sobre Operações de Informação e Guerra Psicológica, compilada a partir do momento, em 1999, em que o marechal Igor Sergeyev, então ministro da Defesa, admitiu que a Rússia não tinha mais condição de competir militarmente com o Ocidente e era preciso partir para "métodos alternativos" para levar as guerras para a "psicosfera", onde as armas são outras, explica didaticamente o caminho. "Trata-se menos de métodos de persuasão e mais de influenciar as relações sociais (...) de desenvolver uma álgebra da consciência (...) As armas de informação funcionam como uma radiação invisível que atua contra alvos que sequer ficam sabendo que estão sendo atingidos e, assim, não acionam seus mecanismos de autodefesa."

Aproveitando o momento vulnerável da imprensa americana, que, no nível historicamente mais baixo de sua credibilidade por ter embarcado na mentira das armas químicas de Saddam Hussein sem checar suficientemente fontes alternativas, tentava redimir-se obrigando-se a dar um "outro lado" a toda e qualquer história que publicasse, Putin sentiu que estava na mão a oportunidade de levar a sua "guerra da psicosfera" para um patamar mais elevado.

Criou, então, a RT, uma espécie de BBC russa de televisão transmitida para diversos países, a começar pelos próprios Estados Unidos, chefiada por Margarita Simonyan, cujo mantra é "não existem reportagens objetivas. E se elas não existem, todas as versões são igualmente verdadeiras". Na velocidade da internet (Putin também paga um exército de blogueiros para inundar a rede de "provas" e "versões" do seu interesse para todo e qualquer fato que surge na imprensa mundial, de modo a tornar impossível apurá-los e desmenti-los a todos), os russos passam a testar a fidelidade dos jornalistas americanos à nova regra. "Especialistas" são convocados a todo momento às bancadas da RT para dar versões estapafúrdias de todo e qualquer acontecimento, que os jornalistas nunca desafiam, apenas reproduzem sob o onipresente título/álibi: "O outro lado". Assim nascem histórias bizarras que chegam a correr mundo como as de que o Ebola foi criado pela CIA para destruir populações de países pobres, a derrubada do avião da Malaysia Airlines pelos invasores russos da Ucrânia foi um erro dos americanos, que pensavam estar atacando o jato particular de Putin, e por aí afora.

Um mercado tinha sido criado. Bastava aos russos atender à demanda por "outros lados". "Se a objetividade é mesmo impossível e todas as versões, por mais bizarras que sejam, merecem ser apresentadas numa base de igualdade, então nenhum órgão de imprensa é mais confiável que os outros" é a conclusão dos auxiliares de Putin.

O projeto evolui, assim, para "uma espécie de sabotagem linguística da infraestrutura da razão: se a mera possibilidade de uma argumentação racional for soterrada num nevoeiro de incertezas, não há mais espaço para o debate e o público acabará desistindo de saber quem tem razão", efeito que, notam os estatísticos, "já é mensurável na Europa, onde as pesquisas registram um nítido desgaste da identidade coletiva e uma sensação geral de perda de controle".

Qualquer semelhança com o Brasil do PT não é mera coincidência.

O governo pisca - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 18/04

BRASÍLIA - Depois de uma semana em que más notícias turvaram algumas boas novas para o Planalto, o governo Dilma Rousseff exerceu com galhardia sua vocação para o tiro no pé nesta sexta (17).

Em vez de responder tranquilamente à condenação do TCU (Tribunal de Contas da União) às pedaladas fiscais de 2014, Dilma mandou nada menos do que dois ministros fazerem uma defesa exaltada e politizada, avocando novamente a palavra impeachment para si.

E não são titulares quaisquer. São o ministro da Justiça, supostamente o baluarte do republicanismo, e o advogado-geral da União, teoricamente estandarte da boa governança.

Ocorre que José Eduardo Cardozo e Luís Inácio Adams se apresentaram como militantes partidários de um governo acossado. Adams foi explícito, aliás, ao falar em um "ambiente de estresse econômico, fiscal e político". Desceram ao nível de um Sibá Machado, o líder cuja envergadura tem servido de epitáfio para o partido que o PT já foi no Congresso.

Cardozo, por sua vez, repetiu um papel recorrente, o de porta-voz do contraditório à oposição. Reclamou de quem pede o impeachment por causa do "casus belli" encarnado no desrespeito às regras do jogo.

A questão das pedaladas é séria e passível de punição, mas só ultrapassa o nível do Ministério da Fazenda em direção ao campo político se realmente houver um clamor pelo impedimento de Dilma.

Os mais de 60% de brasileiros que hoje defendem a medida são uma régua, e as ruas, menos estridentes mas presentes, outra. O PMDB mandando de fato no governo está, por sua vez, avaliando essas variáveis enquanto a banda toca.

Isso dito, por ora temos um acirramento natural da oposição querendo inflamar uma bandeira --como o PT já fez no seu tempo de militância.

Ao piscar tão nervosamente, o governo dá a exata medida do temor que se encerra em seu coração.