quinta-feira, fevereiro 19, 2015

" A BOSTA 2"


Por sete domingos - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 19/02

França não cumpre meta de equilibrar contas. É um círculo vicioso: o governo aumenta gastos, cria benefícios que custam caro


São 48 domingos por ano, assim separados na França, por lei nacional: 43 para descanso total e cinco durante os quais o comércio pode abrir suas lojas, com horário limitado. Para um país que não cresce há anos, em que a taxa de desemprego não cai abaixo dos 10%, parece óbvio que abrir o comércio mais vezes movimenta a economia e pode gerar mais vagas de trabalho, certo?

Parece, mas não para os franceses ou para boa parte deles. Tanto é assim, que o governo do presidente François Hollande precisou recorrer a um tipo de decreto-lei para mudar a regra e determinar que as lojas podem abrir não todos, mas 12 domingos por ano. Apenas sete domingos a mais — e ainda assim foi necessário o recurso a um instrumento excepcional, decreto que se torna lei sem a aprovação da Assembleia Nacional, não utilizado há nove anos e reservado para questões, digamos, graves.

E pode haver questão mais grave do que o trabalho aos domingos? — questionaram parlamentares de diversos partidos, inclusive do Socialista, ao qual pertence o presidente Hollande. Resultado: o governo corre o risco de um voto de desconfiança por causa do tal decreto, publicado na última terça.

Claro que não são apenas sete domingos. O decreto inclui outras medidas como a redução de barreiras para a entrada em algumas carreiras (notários e farmacêuticos, por exemplo) e a liberação dos serviços de... ônibus interurbanos. Trata-se de uma agenda que cabe na categoria de liberalizante, mas, vamos reparar, é mais do que modesta — embora mais do que necessária para uma economia que sofre com estagnação e perda de competitividade, num ambiente de elevados custos tributários e trabalhistas. Pois acreditem: o debate parlamentar tomou mais de 200 horas, terminando sem a formação de uma maioria.

É verdade que a agenda vai além disso. Mas está longe de representar a destruição dos benefícios sociais e da forte proteção ao trabalho — como denunciam parlamentares da esquerda e da direita. “Abaixo a austeridade alemã" — tal é o mote.

E a resposta dos governistas é mais ou menos assim: caramba, pessoal, é preciso trabalhar um pouco mais e atrapalhar menos as empresas que querem investir e gerar emprego.

Faz parte de um futuro pacote a eliminação de uma lei que impõe a formação de comitês de trabalhadores, com poderes para arbitrar e regular, em todas as empresas com mais de 50 empregados.

Um número simples mostra o efeito contrário dessa lei: para cada empresa com 50 empregados, há duas com 49. Está na cara: muitas firmas evitam crescer para escapar de uma regra que tolhe e embaraça a atividade.

Não se pode dizer, portanto, que os problemas franceses decorram do excesso de austeridade ou de liberalismo. Há anos que a França não cumpre a meta de equilibrar as contas públicas. É um círculo vicioso: o governo aumenta os gastos, cria benefícios que custam caro (como jornada de trabalho de 34 horas e aposentadorias aos 50 anos) e depois aumenta impostos e impõe regras para obrigar as empresas a um comportamento “mais social".

Verdadeiras reformas liberalizantes foram feitas na Alemanha, isso há mais de dez anos, no governo do social-democrata Gerhard Schroder. Angela Merkel, da Democracia Cristã, que governa desde 2005, beneficiou-se do impulso econômico afinal providenciado pelas reformas que, ao contrário, haviam derrubado Schroder. Não é curioso que Merkel tenha sido eleita com um programa que, na ocasião, poderia ser chamado de antiliberal e antiausteridade?

Não é curioso que um socialista francês possa cair acusado de liberalismo e austeridade?

Não é curioso que a proposta antiliberal e antiausteridade reúna as extremas esquerda e direita?

Tudo isso para dizer o seguinte: em toda parte e toda vez que os políticos procuram maneiras de fugir de algumas verdades, o resultado é a confusão do debate e a trapaça com os eleitores.

Os governos gregos, de socialistas a conservadores, vêm tomando empréstimos e recebendo ajuda econômica de seus pares europeus há décadas. Nesse período, gastaram por conta, alimentaram déficits nas contas públicas e externas, enquanto distribuíam benefícios e vantagens para a clientela eleitoral. E agora vêm dizer que é tudo culpa da austeridade alemã.

Não há política de austeridade que seja leve. Mas também nenhum país precisa de austeridade se não tiver feito uma lambança antes. E se tiver feito, a austeridade sempre vem, por bem ou por mal, mais ou menos dolorido, conforme o tamanho da gastança anterior.

Ou alguém acha que o ministro Joaquim Levy precisaria aumentar impostos e cortar gastos se não tivesse havido a lambança anterior de Guido Mantega. Mas mesmo Levy, com toda sua autoridade e credibilidade, não conseguirá avançar se não tiver apoio e respaldo do resto do governo, a começar pela presidente Dilma, dona da política anterior.

É até mais complicado do que sete domingos.

Amigo, inimigo e democracia - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 19/02

Argentina vive período de crispação política terrível; é tudo o que o Brasil não precisa importar


Era uma vez um tempo em que os argentinos --principalmente, mas também outros latino-americanos-- usavam a expressão "ruídos de sabre" para designar movimentos pré-golpistas nas Forças Armadas.

Agora que os sabres, felizmente, foram embainhados, e Deus queira que nunca mais saiam da quietude, os ruídos que se ouvem também são de golpe.

É o que está ocorrendo na Argentina como efeito colateral da marcha convocada pelos promotores para pedir o esclarecimento definitivo e cabal da morte de seu colega Alberto Nisman.

É aquele que denunciou a presidente Cristina Kirchner por, supostamente, ter participado de um esquema para encobrir a participação de agentes iranianos no atentado contra uma entidade judaica que causou 85 mortos --o maior atentado terrorista da história latino-americana.

Para os partidários da presidente, reunidos, por exemplo, no coletivo "Carta Abierta", trata-se do ato de um "partido judicial em gestação, que parece cumprir o papel desestabilizador que em outros tempos cumpriram as Forças Armadas".

Rebate, na oposição, por exemplo, o ex-deputado Fernando Iglesias, fundador do grupo "Democracia Global", que, em artigo para "La Nación", diz que o "kirchnerismo combina elementos democráticos com ditatoriais" e emenda que o caso Nisman somou a esses elementos um outro, "característico de toda ditadura: quem desafia o poder morre violentamente".

Não surpreende, pois, que o jornalista Carlos Gurovich, judeu argentino que emigrou para Israel e é produtor da TV "i24 News", compare o momento atual a um mergulho no passado, mais exatamente nos sangrentos anos 70 --anos que os sabres eram desembainhados com notável facilidade e ferocidade.

Como tenho amigos nos dois lados da guerra de ruídos, é sempre desconfortável escrever sobre a Argentina. Mas o sentido comum manda concordar com o promotor Ricardo Sáenz quando ele diz a Mariana Carneiro, desta Folha, que o que está havendo "é uma lógica de amigo e inimigo que não beneficia em nada a sociedade e muito menos o Poder Judiciário". Bingo.

Essa lógica perversa é uma criação do kirchnerismo, em especial de Cristina (Néstor era mais flexível).

Como afirma Gurovich, "Kirchner e seus acólitos não querem aceitar nenhum outro ponto de vista ou realidade que não seja a que criaram, e qualquer um que discorda é acusado de querer destruir o projeto deles para uma nova Argentina".

Como já passei faz tempo da idade da inocência, não acredito mais nem em projetos salvacionistas nem em que a oposição a eles esteja pensando apenas no bem da pátria.

Por esse ceticismo, me surpreende que o Brasil esteja importando essa dualidade "amigo/inimigo", essa ideia de que há um bando disposto a salvar a pátria contra outro que quer enterrá-la, o bem contra o mal.

Essa lógica emburrece, como se viu na recente campanha eleitoral. Lástima é que esteja persistindo mesmo depois dela.

O país já tem problemas demais para agregar a eles uma crispação política absurda.

Democracia e qualidade de vida - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 19/02

SÃO PAULO - Convidado pela administração Fernando Haddad (PT) para fazer a curadoria da grafitagem nos chamados "arcos do Jânio", o artista plástico Rui Amaral escreveu em artigo na Folha que iniciativas como essa ajudam a "construir uma cidade mais humana, democrática e divertida" e contribuem para melhorar a "qualidade de vida".

Os leitores mais sensíveis talvez tenham conseguido captar a mensagem do curador, mas é difícil entender como a imagem do comandante Hugo Chávez (ou, vá lá, de um sósia dele) num patrimônio histórico tombado pode ajudar a tornar São Paulo uma cidade mais humana, democrática e divertida.

A explicação talvez esteja no modo como foram selecionados os artistas para o projeto de grafitagem da prefeitura paulistana. Não houve concurso público, não houve edital, nada nem parecido com isso. A escolha foi totalmente pessoal, sem apresentação de critérios, bem de acordo com o modelo chavista de democracia.

Mais complicado ainda é compreender o conceito de qualidade de vida da turma de Haddad, afinal, na prefeitura, tudo parece girar em torno do banquinho de uma bicicleta.

Antes de cometerem a pintura no bem tombado, os grafiteiros foram convidados pela prefeitura para participar de uma grande bicicletada, que saiu do parque Ibirapuera e terminou numa festa de confraternização regada a chopp e churrasco nos arcos do Jânio. Um "dia inesquecível", como definiu o curador.

Ao mesmo tempo, a prefeitura não tem disponibilizado veículos para os agentes do município realizarem o trabalho de prevenção da dengue na zona norte, a região mais afetada pela doença na cidade (4,9 casos para cada 100 mil habitantes). Os 60 agentes dispõem de apenas dois carros.

O motivo deve ser a tal concepção de Haddad sobre qualidade de vida. Afinal, como todo mundo sabe, automóvel faz mal para a saúde porque estimula o sedentarismo...

Encontro inconveniente - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/02

Triste é o país no qual se tem que explicar ao ministro da Justiça o que ele não deve fazer, porque é institucionalmente inadequado. Ele não pode receber a portas fechadas, no seu gabinete, advogados de pessoas que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, que ele comanda. Se o faz, parecerá aos comandados uma desautorização e, aos cidadãos, que haveria um acerto de gabinete.

Não repetirei, por ocioso, o ideal da redundância entre ser e parecer da mulher de César. A autoridade deve ser e parecer respeitosa das instituições porque assim funciona na democracia.

O ministro José Eduardo Cardozo deveria evitar no futuro quaisquer encontros com advogados das partes em litígio com o Estado, porque simplesmente ele não é a instância. Se, por acaso, algum advogado acha que o seu cliente está sendo maltratado ou não tem tido seus direitos respeitados, ele tem um endereço certo para ir: aos tribunais. À Justiça, pode-se recorrer até de eventuais excessos da própria Justiça. Eis aí a beleza do Estado de Direito. Para investigados por supostos crimes na democracia, não há caminhos alternativos, atalhos, conversas de bastidores que passem pelo poder Executivo.

Na ditadura, da qual o ministro parece ter apenas vaga lembrança, direitos não eram respeitados. Os mais mínimos direitos. Por isso é que os familiares tentavam contatar quem pudessem dentro do aparelho de Estado à busca de informações sobre os seus ou caminhos de proteção do prisioneiro desprovido de garantias individuais. Procuravam-se os atalhos, porque não havia caminhos. Por isso, a afirmação que o ministro fez, de que recriminá-lo por receber os advogados dos suspeitos é coisa da época da ditadura, parece tão sem pé nem cabeça. Naquela época, conhecer um ministro poderia significar a informação sobre a vida ou sobre a morte de um ente querido.

Hoje, as instituições funcionam, felizmente. A Polícia Federal prendeu, levou para depor ou fez busca e apreensão de documentos obedecendo estritamente as ordens da Justiça. Está interrogando dentro das normas legais do país. O Ministério Público está fazendo seu papel de forma autônoma. A Justiça cumpre igualmente seus deveres constitucionais. Não há nada fora da ordem. E se, por acaso, tivesse havido algo anormal, o caminho para a solução do problema não seria o do gabinete do ministro.

O que podem querer, com o ministro da Justiça, os advogados dos investigados pela operação Lava-Jato? Falar de amenidades? Conversar sobre a conjuntura internacional? O único assunto provável neste momento é o que todos suspeitamos. E isso não é eficaz na defesa dos seus clientes. Porque se uma conversa com o ministro mudar algo, ou alguma informação for passada aos defensores, estaríamos diante de uma grave perturbação da ordem.

Mas o espantoso é que mesmo diante da polêmica, o ministro e seu partido - que, ademais, tem o seu tesoureiro sob suspeição por ter sido citado pelos envolvidos - ainda não entenderam o que houve de errado no encontro. Pode-se acreditar que a conversa não produziu qualquer consequência, que dela não tenha decorrido um ato ministerial que atrapalhe as investigações, mas pense o senhor ministro o que se passa na cabeça de um delegado? Ele pode se sentir constrangido no seu trabalho ao saber que o seu interrogado tem acesso, através do advogado, ao chefe de todos os policiais federais. Tomara que não se sinta constrangido porque do seu trabalho, desempenhado de forma tecnicamente correta, depende o bom andamento de investigação relevante para o futuro do país.

Por isso, o ministro deve-se abster de ter esses encontros. É, de fato, triste que tudo tenha que ser explicado, porque já deveria ser bastante sabido neste trigésimo aniversário da Nova República. A democracia tem rituais que devem ser estritamente seguidos. Autoridades prestam contas dos seus atos quando há dúvidas sobre eles. Evitam conflitos de interesse como, por exemplo, o que pode haver num encontro com advogados de pessoas que estão neste momento sendo investigados pela Polícia Federal. E se o ministro estiver amanhã julgando esse caso na Suprema Corte? O encontro foi definitivamente inconveniente.


Duas formas de nudez - EUGÊNIO BUCCI

O ESTADO DE S.PAULO - 19/02

O que a rainha preferia esconder se escancara, deixando à mostra suas falhas mais insanáveis 

O País está farto de constatar que a rainha está nua, e não estamos falando apenas das rainhas de bateria. Aliás, a nudez das rainhas de bateria é menos óbvia, embora muito mais explícita, e se reveste de interesse público incomparavelmente superior. Nas curvas espiraladas das passistas que sorriem enquanto arrastam a sandália em passos miudinhos, temos mais a aprender sobre o nosso tempo. Em seus braços suspensos, abertos em cálice, de onde se dependura o busto sacolejante, repousam mistérios menos chapados a desafiar a imaginação da cidadania já tão cansada de política. Pensemos, então, sobre essas moças em apoteose rítmica, sem quase nada de roupa sobre a pele, que fizeram do próprio corpo sua fantasia mais aprimorada.

Uma delas, célebre pela pujança equatorial de sua anatomia, admitiu ter-se submetido a uma cirurgia plástica. O fato foi noticiado com destaque, naturalmente. As formas arredondadas que a enfeitam, perfeitas na combinação de seus excessos imperfeitos, não foram um presente da natureza, mas buriladas com dor e sacrifício. Nessa matéria, os sacrifícios abundam. Algumas dançarinas de Momo aderem a dietas de baixa caloria e alta penúria. Outras se torturam em sessões de musculação que nunca terminam. Existem as que tomam injeções de anabolizantes que seriam reprovados em exames antidoping e há, ainda, as que aumentam seus volumes com o préstimo de silicones mais ou menos tóxicos e de bisturis treinados para não deixar cicatrizes. Por um caminho ou por outro, essa forma de nudez se confecciona ao custo de privações e provações. É uma roupa que se veste a golpes de faca.

Outras indumentárias carnavalescas não cobram preços tão extorsivos, ainda que não saiam de graça. Há casacões multicoloridos que demandam centenas de horas de costureiras esmeradas, com pontos microscópicos de linhas invisíveis. Há maquiagens que se estendem por um dia inteiro e também requerem elevadas doses de martírio. Os adereços mais vistosos pesam algumas arrobas sobre as costas de senhoritas de aspecto frágil e são carregados feito cruzes sobre-humanas na peregrinação de requebros e cansaço. Sob qualquer ponto de vista, a exuberância dos desfiles é feita de uma carga considerável de autoflagelação e também de fé, a fé que caracteriza os mais pios pagadores de promessa. No desfile ritual das escolas, a gente assiste à sagração de amuletos pagãos forjados por uma força de vontade quase santa. Mas quando se trata de sofrimento, nenhuma beleza é tão exigente quanto essa da fantasia chamada nudez. Nenhuma é tão tirânica.

E nenhuma é tão universal. Em alguma medida, cada um de nós paga o preço dessa fantasia, com ou sem carnaval. Na batalha de fazer o pobre corpo se enquadrar nos padrões mais cruéis, padrões a que chamamos de "estéticos", há homens que depilam as costas, enquanto implantam fios novos no cocuruto desértico. O tingimento capilar tornou-se tão corriqueiro quanto a escovação dos dentes, que também requerem branqueamentos sazonais e favores de uma ortodontia que mescla ciência, tecnologia e artesanato. Cortam-se gengivas de uns, enxertam-se gengivas em outras, reformatam-se caninos e molares. Há quem arranque costelas. O aspecto físico dos senhores e das senhoras obedece às ordens de modelos que vêm de fora para dentro. Sem ter como escapar, cada um vai moldando a si mesmo segundo seu poder aquisitivo, numa mania social que transformou a cirurgia plástica num sonho de consumo. Tudo para que, ao despir-se - na praia, na Marquês de Sapucaí ou na cama, diante dos(as) amantes - a pessoa (qualquer pessoa) possa sentir-se deslumbrante no seu traje mais dispendioso: a própria nudez.

Na nossa era, em que a nudez é a fantasia mais cara, o sujeito deseja para si a forma que viu no corpo do outro. Essa moderna modalidade de feitiço - que se transmite pelo olhar e se consuma quando a humanidade se olha no espelho - não poupa ninguém. Das modelos e atrizes na passarela do samba aos rapazes viris de bíceps de fora, do funcionário público de camisa pálida ao padre de ar compungido, todos estão enfeitiçados. Os políticos dedicam boa parte de seu tempo útil a construir para si a aparência de quem não liga a mínima para aparência. Renderam-se ao mesmo feitiço.

Entre tantas fantasias que competem entre si, a nudez é a que alcança o valor mais alto. E por quê? Não é difícil entender. Ela talvez seja o primeiro e o último recurso para fugirmos da infelicidade, para escondermos o que somos, num tempo em que pouca coisa resta aos seres humanos além de perambular por aí como se desfilassem numa escola de samba em tempo integral.

Diante disso, é claro, não há o menor interesse em torno da constatação de que a rainha está nua. Sua nudez é sem graça. É uma nudez de outro tipo, ressalvemos desde logo. Sua nudez não resulta de uma sucessão milionária de cirurgias plásticas, mas da falência de todas as possíveis cirurgias políticas. Resulta da transparência involuntária e desastrosa das pompas com que ela pretendia cobrir-se. Aquilo que ela teria preferido esconder acabou se escancarando aos olhos dos súditos, deixando à mostra suas misérias, suas vulnerabilidades e suas falhas mais insanáveis.

A rainha está nua e essa é a notícia mais aborrecida que poderíamos ter. Ela está nua. E daí? Ela está nua. Que coisa mais chata.

Dizem que no Brasil o ano só começa depois do carnaval. Estão enganados. O que começa depois do carnaval é a Quaresma, esse período estranho feito de tentações acabrunhadas e de introspecções subnutridas. Portanto, ainda é cedo para dizer "feliz ano-novo". Quanto à Quaresma, não há como desejar que ela seja feliz. Seria impróprio. Que ela seja apenas Quaresma, sem mais qualificativos. Que ela nos abra os olhos para uma nudez e para outra. Ambas requerem providências diferentes e igualmente difíceis.

Política x Justiça - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/02

A polêmica aberta pelas audiências que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concedeu a advogados de UTC, Odebrecht e Camargo Corrêa só ocorreu porque elas foram realizadas fora da agenda e descobertas por jornalistas. A explicação oficial para a falta de registro dos encontros só fez crescer as suspeitas: atribuiu-se a uma "falha técnica" a ausência de registro, justamente nos dias em que ocorreram.

O encontro com Sérgio Renault, que já trabalhou com o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e hoje está num escritório que defende o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, é mais intrigante ainda. Cardozo disse que o encontrou de surpresa em sua antessala, quando levou à porta o advogado Sigmaringa Seixas, que já foi deputado federal pelo PT e é o homem de confiança de Lula para indicações ao STF.

Os dois advogados almoçariam juntos e combinaram de se encontrar no gabinete do ministro. Não chega a ser normal marcar encontro na antessala de um ministro, a não ser que se queira aproveitar uma brecha para se chegar a ele. É o que parece que aconteceu.

Todos esses bastidores formam um conjunto suspeito de coincidências que não favorecem Cardozo, mesmo que ele afirme, com razão, que é seu dever receber advogados. Em condições normais, é claro que é. Mas nessas condições especiais, e num momento em que o processo contra as empreiteiras está sendo investigado por Ministério Público e Polícia Federal, quanto mais distante estiver das investigações o ministro da Justiça, melhor para as instituições democráticas.

Tem razão o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa ao dizer que advogados que queiram se queixar de desvios no processo do petrolão deveriam procurar o juiz responsável pelo caso, e não o ministro da Justiça, que é uma figura de representação política.

Nesse caso, o ministro Teori Zavascki, relator do processo no STF, seria o indicado para receber essas queixas. Zavascki já tirou da prisão o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, com apoio posterior de seus colegas. Ou então o próprio juiz Sérgio Moro, que ontem classificou de "inaceitável" a tentativa de interferência política no caso. O juiz classificou o episódio de "indevida, embora malsucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter interferência política"

Há indicações de que cresce no STF o desconforto dos ministros com a duração da prisão dos acusados; não será surpresa se nos próximos dias outras decisões os tirarem da cadeia.

Há também informações de que a CGU está ultimando acordo de leniência com as empreiteiras, avalizado pelo TCU, para que paguem multa milionária e não sejam consideradas impedidas de participar de obras governamentais.

Alega-se não ser possível parar o país com a declaração de inidoneidade das empreiteiras. Esse mesmo tipo de acordo foi tentado pelas empreiteiras junto a Moro, que comanda o processo em Curitiba, e ao MPF, mas não se chegou a acordo pois as empreiteiras queriam pagar multa menor do que a definida por Moro, e também que seus dirigentes fossem soltos sem responder a acusações.

Esses encontros do ministro, em momento político delicado, não servem à democracia, muito menos quando se prestam a versões nada republicanas. Segundo a revista "Veja" Cardozo teria orientado os advogados a não permitir que o presidente da UTC fizesse o acordo de delação premiada com o MP, pois os rumos das investigações tomariam novo rumo após o carnaval. Não vi nenhum desmentido do ministro quanto a esse ponto crucial.

Ele desmente genericamente que tenha conversado com o advogado ligado à UTC sobre a Lava-Jato, também outra estranheza dessa história toda. E admite que os da Odebrecht encaminharam documento com reclamações sobre o processo, mas diz que tem de manter em sigilo o teor, o que também não faz sentido.

O conjunto da obra leva a uma tentativa de melar a Lava-Jato, o que seria gravíssimo recuo institucional. Creio, porém, que o processo já chegou a um ponto em que é difícil recuo tão grande; nos próximos dias, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentará sua denúncia ao STF, com os nomes dos envolvidos com foro privilegiado, políticos com mandatos.

Certamente a sociedade, que já está informada de partes importantes da investigação, não aceitará que ela seja desmontada por manobras de bastidores. Se isso acontecer, só reforçará no cidadão a sensação de que há figuras políticas mais altas tentando embaralhar as investigações. E provocará reações.

Operação-tartaruga - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 19/02

A apuração interna da Corregedoria-Geral do governo Geraldo Alckmin (PSDB) sobre o cartel que agiu no Metrô e na CPTM está estacionada há um ano. Desde fevereiro de 2014, quando o órgão divulgou seu último balanço público, não foi colhido nenhum novo depoimento nem foram abertas novas frentes de investigação, segundo atualização dos dados enviada pela corregedoria à coluna. No período, também não houve afastamento de funcionários de cargos de confiança.


Estático 
Em 2014 --como agora-- eram 46 depoimentos colhidos, seis outros procedimentos abertos e seis agentes públicos afastados de cargos de confiança.

Outro lado 
Questionada, a corregedoria diz que o procedimento "está em andamento com a realização de outras diligências e análise de documentos complementares", sem informar quais. Em relatório de 2014, o órgão dizia que aguardava remessa de documentos do Cade.

Caixa 
Depois da aprovação do passe livre estudantil na Assembleia, o governo paulista priorizará a autorização para obter financiamento de US$ 182,7 milhões para desapropriações da linha 18-Bronze do Metrô, no ABC.

Inflexíveis 
As centrais sindicais vão para nova reunião com o governo na próxima quarta-feira sem disposição de recuar no pedido de revogação das medidas provisórias que endurecem acesso a benefícios trabalhistas.

No voto 
Como acreditam que o Planalto também não vá ceder, apostam as fichas nos deputados e senadores. Antes do Carnaval, as centrais distribuíram panfletos para convencê-los da impopularidade das medidas.

Sem folia 
Joaquim Levy (Fazenda) passou o Carnaval em Washington, onde teve reuniões com integrantes do governo norte-americano, congressistas e executivos de multinacionais.

Bem na fita 
Levy se encontrou com o ex-embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, hoje conselheiro do secretário de Estado, John Kerry. Ouviu elogios ao "pragmatismo" do colega Armando Monteiro (Desenvolvimento), que esteve na cidade alguns dias antes.

Vai que dá 
O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), brinca com a polêmica vitória da Beija-Flor com desfile patrocinado pelo governo da Guiné Equatorial. "Se até uma ditadura investe no Carnaval para limpar a barra, a Petrobras deveria patrocinar um enredo para se livrar da mácula do petrolão que o PT lhe causou."

Vip 1 
Vereadores paulistanos querem levar o presidente da SPTuris, Wilson Poit, para dar explicações sobre a política adotada para a distribuição de ingressos do camarote da Prefeitura no Carnaval do Anhembi.

Vip 2 
Dizem que o presidente da empresa de turismo teve autonomia para distribuir 900 ingressos, e que integrantes da Câmara e do secretariado de Fernando Haddad não foram convidados.

Precursora 
O PT de Osasco encomendou uma pesquisa com os cenários para 2016. Foram ouvidas 600 pessoas no início de fevereiro. Os números foram desanimadores para o partido, que governa a cidade há dez anos.

Maré 
Tanto em caso de candidatura à reeleição do atual prefeito Jorge Lapas quanto com a possível volta do ex-prefeito Emidio de Souza, atual presidente estadual da sigla, os nomes do PT perderiam para o provável candidato do PSDB, Celso Giglio.

Folha, 94 A Folha completa hoje 94 anos.

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

TIROTEIO

"Cunha investe em uma pauta homofóbica e contra liberdades individuais só para colocar uma cortina de fumaça sobre seus escândalos."

DO DEPUTADO JEAN WYLLYS (PSOL-RJ), sobre defesa de Eduardo Cunha (PMDB), citado na Lava Jato, de projetos como o Dia do Orgulho Heterossexual.

CONTRAPONTO

Cara fechada

Na semana anterior ao Carnaval, o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), participou de dois eventos para a entrega de viaturas da Polícia Civil para cidades do Estado. Em um deles, Alckmin estava acompanhado de Alexandre de Moraes, seu secretário de Segurança Pública, e do vereador paulistano Andrea Matarazzo (PSDB). Vendo o semblante de Moraes, o tucano brincou com o governador:

--É bom ter um secretário da Segurança sério!

Coincidência ou não, depois do comentário de Andrea, Moraes deu risada em todas as fotos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

BOQUINHAS NO GOVERNO DILMA CHEGAM A 107.085

Somados funções e cargos comissionados da administração federal, são 107.085 pessoas empregadas por livre nomeação, sem concurso, no governo Dilma Rousseff – todos indicados por militantes de partidos governistas, principalmente do PT. Os salários variam entre R$ 790 e R$ 30 mil/mês. Quando os cargos são ocupados por petistas, eles são obrigados a pagar “dízimo” para engordar ainda mais os cofres do PT.

SOPA DE LETRAS

São 47 siglas para definir cargos e gratificações de apoio, assistência, técnica, assessoria, direção e próprias de alguns órgãos, e militares.

CABIDES ‘CUMPANHEROS’

Até para a Copa do Mundo e Olimpíadas foram criados mais cabides para pendurar “cumpanheros” com generosos salários de até R$ 22 mil

OVOS DE OURO

Pagando até R$ 14,3 mil mensais, os 31 mil cargos de direção (CD) e de assessoramento superior (DAS) estão entre os mais cobiçados.

CAPITAL BARNABÉ

Com a maior parte das boquinhas temporárias abertas nos governos Lula e Dilma, Brasília voltou a ser a “capital de funcionários públicos”.

LICITAÇÃO EM FURNAS PODE ACABAR NA JUSTIÇA

A licitação na estatal Furnas, para escolha de agência de publicidade, deve acabar nos tribunais e, pior, nas páginas de escândalos. Tudo porque o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), tem sido pressionado a se envolver. Cunha foi transformado em “instância de recurso” por suas ligações a Furnas. Participam 14 das principais agências do País, disputando a conta anual de mais de R$ 30 milhões.

#FORA!

Quase cem páginas foram criadas apregoando o impeachment de Dilma. O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) também é lembrado.

VAI QUE INVESTIGA

Eduardo Cunha, que recusou apoio à CPI do BNDES, desconversa. Diz agora que Leonardo Picciani (RJ), líder do PMDB, “fala pela bancada”.

MARMELADA

Portela não ter sido a grande campeã do carnaval carioca prova que tem algo de podre nesse espetáculo, cuja plateia é feita de palhaços.

ROUBÔMETRO

Nesta quarta-feira de cinzas, o governo federal chegou a R$ 280 bilhões arrecadados em impostos. Se 2,3% vão para corrupção, como estima a Fiesp, então já nos surrupiaram até agora R$ 6,2 bilhões.

PERDEU, MADAME

Dilma deverá amargar mais uma derrota no Congresso Nacional. Os deputados e senadores aliados já se articulam para derrubar o veto presidencial ao reajuste de 6,5% na tabela do Imposto de Renda.

DEVE-SE APELAR AO BISPO?

Antônio Carlos Almeida Castro estranha a crítica de Joaquim Barbosa à reunião de advogado com ministro da Justiça e não com juiz. “Quando juiz”, lembra Kakay, “ele não recebia advogado. Fica a impressão de que, para Joaquim Barbosa, advogado deve apelar é ao Bispo”.

A VIÚVA É UMA MÃE

A maioria ganha pouco, mas os salários siderais de dezembro, na estatal EBC, são atribuídos “ao décimo-terceiro” e “outros benefícios”. Houve salário de R$ 4.205,52 pulando para R$ 28.231,51. Haja 13º.

PLANALTO INSONE

O PMDB discutirá temas espinhosos ao governo na primeira reunião, terça (24), sob a liderança de Leonardo Picciani e a presença de 28 novatos. Na pauta: PEC da Bengala, vetos e CPI do Petrolão.

CARA DE PAU

O tesoureiro Edinho Silva é um gozador: desafiou que se investiguem as contas oficiais da campanha de Dilma, meras obra de ficção, seja qual for o partido. Vale mesmo o “caixa dois”, como os R$ 500 milhões pagos a João Vaccari no assalto à Petrobras, segundo a Lava Jato.

COBRANDO POR AJUDA

A execução de traficantes na Indonésia desperta o lado nada abonador dos políticos. O premier Tony Abbott pretende livrar conterrâneos da morte lembrando a ajuda humanitária australiana, no tsunami de 2004.

EXPLORAÇÃO TEM LIMITE

Passageiros foram surpreendidos, terça, pela cobrança de R$ 378 por uma mala a mais (17kg) no voo 1345 (Brasília-Natal) da GOL. Farão outra viagem para buscar a mala, mas, voar pela GOL, nunca mais.

TAREFA ÁRDUA

Quase não há deputados governistas querendo atuar na CPI da Petrobras. Têm amigos envolvidos e/ou não querem irritar as empreiteiras corruptoras.


PODER SEM PUDOR

O PODER ENGORDA?

Ministro do Trabalho e da Previdência no governo João Goulart, Almino Afonso estava no cargo há apenas dois meses, mas já havia engordado. Ao encontrá-lo na Câmara, o deputado José Maria Alkmin não perdoou:

- Almino, pelo jeito o poder engorda mesmo. É só dar uma olhada em você.

- A tese é pelo menos discutível - respondeu Almino, irritado.

- Por quê?

- Você sempre esteve no poder ou perto dele e, mesmo assim, continua magro como um palito…