domingo, dezembro 06, 2015

A rua e o mandato de Dilma – ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 06/12

Numa conta de hoje, é provável a doutora Dilma tenha os 171 votos de deputados necessários para bloquear sua deposição. Com gente na rua pedindo que ela vá embora, a conta será outra. O sonho de Eduardo Cunha é que milhões de pessoas ocupem as avenidas e se esqueçam dele. Essa hipótese é improvável. Se é para sair de casa, tirar Dilma pode ser pouco. Deveriam ir embora ela, ele e uma lista interminável de maganos arrolados na Lava Jato. Tirá-la para colocar Michel Temer no lugar pode ser um imperativo constitucional, mas está longe de ser uma vontade popular.

A doutora fez uma campanha mentirosa, seu primeiro ano de governo mostrou-se ruinoso e ela se comporta como os dirigentes da crise geriátrica do regime soviético. Sua neutralidade antipática à Lava Jato ("não respeito delator") mostra que não entendeu o país que governa. A economia brasileira travou e vai piorar.

Ao contrário do que sucedeu com Fernando Collor em 1992, Dilma tem gente disposta a ir para a rua em sua defesa. Essa diferença pode levar uma questão constitucional para choques de rua. Má ideia.

Como na peça de Oduvaldo Viana Filho, o brasileiro está numa situação em que "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Em março de 1985, o país ficou numa posição semelhante. Foi dormir esperando a posse de Tancredo Neves e acordou com José Sarney na Presidência. Seu governo, marcado pela sombra da ilegitimidade, foi politicamente tolerante e economicamente ruinoso.

Naqueles dias surgiu uma ideia excêntrica: a convocação imediata pelo Congresso de eleições diretas para a Presidência. Deu em nada e foi considerada golpista. Passaram-se 30 anos e, pelo retrovisor, pode ser reavaliada como peça arqueológica.

Talvez seja o caso de se pensar numa nova excentricidade: Dilma e Temer saem da frente e, de acordo com a Constituição, realizam-se novas eleições no ano que vem. Se eles quiserem, podem se candidatar.


MÁ NOTÍCIA

Saiu das cadeias de Curitiba a seguinte informação:

Dois presos da Lava Jato estavam na carceragem da Polícia Federal e foram transferidos para o presídio estadual. Numa noite, vários presos entraram na cela onde eles estavam, urinaram, defecaram e foram-se embora.

Dias depois os prisioneiros ofereceram-se para colaborar com a Justiça.

MICROMEGALOMANIA

Os sete sócios de André Esteves que assumiram o controle do banco BTG Pactual agruparam-se com o nome de Top Seven.

Podiam usar a língua portuguesa, mas já que preferiram o inglês, resta saber em relação a que eles se consideram tops.

O MUNDO DOS JUÍZES

A Justiça decidiu que os planos de saúde precisam pagar aos médicos que fazem partos naturais o triplo do que pagam por cesarianas.

Essa decisão é saudável sob qualquer ângulo que se olhe a questão. Contudo, resta um problema: não compete ao Poder Judiciário fixar o valor das remunerações de profissionais que contratam voluntariamente seus serviços com empresas privadas.

RETRATO DO GOVERNO

O Trem-Bala, delírio da doutora que poderia ficar pronto para a Copa de 2014 ou, a mais tardar, para a Olimpíada de 2016. Felizmente, até as empreiteiras fugiram da maluquice. Apesar disso, o governo criou uma estatal para gerenciar a grande obra.

Não se fala mais em Trem-Bala, mas a estatal, chamada de Empresa de Planejamento e Logística, mudou de propósito e está aí, firme e forte. Funciona em dois andares de um edifício em Brasília e acaba de trocar sua diretoria.

Fazer trem é coisa difícil. Para criar uma estatal, bastam caneta e tinta. Fechá-la, impossível.


BARGANHA

Um pedaço da oposição negociou um mimo com Eduardo Cunha. Acendendo o pavio do processo de impedimento da doutora, ganharia da Comissão de Ética da Câmara uma simples repreensão.

Esse tipo de maledicência só poderá ser conferida quando os votos forem conhecidos.

PRAGAS DO EGITO

As pragas do Egito foram dez. Cinco já chegaram ou estão a caminho do Brasil.

1) Inflação de dois dígitos.

2) Desemprego de dois dígitos.

3) Recessão econômica.

4) O mar de lama da Samarco

5) O virus zika

TRISTE BODOQUENA

Um conhecedor dos poderes nacionais e das terras de Mato Grosso do Sul informa:

A fazenda Bodoquena é uma cápsula da história do Brasil nos últimos 70 anos. Em 1956, o banqueiro Walther Moreira Salles e os irmãos David e Nelson Rockefeller compraram seus 150 mil hectares. Anos depois, venderam-na e ela passou por quatro grupos. Seus novos donos sonharam em transformá-la num oceano de cana-de-açúcar. O projeto do álcool fracassou, e uma parte das terras foi comprada pelo pecuarista José Carlos Bumlai, que, em 2012, vendeu-a ao banqueiro André Esteves.

Estudando-se a Bodoquena de Moreira Salles e dos Rockefeller até se chegar à de Bumlai e André Esteves, entende-se o Brasil.

13 DE DEZEMBRO

Os defensores do impedimento de Dilma Rousseff não são supersticiosos.

Marcaram as próximas manifestações para o dia 13 de dezembro. Nele, poderão comemorar o 47º aniversário da edição do Ato Institucional nº 5, que escancarou a ditadura, suspendeu o habeas corpus e fechou as ruas pelos anos seguintes.


A VALE OFENDEU OS DONOS DE BOTEQUIM

A Vale do Rio Doce precisa reunir sua diretoria para decidir como lidará com o desastre de Mariana sem arruinar sua marca. O rompimento da barragem da Samarco matou pelo menos 11 pessoas, provocou o maior desastre ambiental da história do país, devastou uma área de milhares de quilômetros quadrados e abalou a vida no vale que dá nome à empresa.

A Vale é grande acionista da Samarco, mas não parece ser responsável direta pela leviandade da empresa. Apesar disso, falando a jornalistas em Nova York, o doutor Clovis Torres, diretor jurídico da Vale, disse o seguinte:

"A Samarco não é um botequim. Não é uma empresinha qualquer".

Não há notícia de botequim que tenha produzido tamanho estrago. Ademais, o presidente da Samarco, doutor Ricardo Vescovi, acabara de entrar pela porta dos fundos do fórum de Mariana para prestar depoimento ao Ministério Público. Na saída, disse platitudes. Enquanto isso, sua empresa era acusada de irresponsabilidade pela presidente da República durante um discurso em Paris.

Entrar pela porta dos fundos e evitar a imprensa não é coisa de botequineiro. É conduta de quem acha que é o tal. Se a Samarco fosse um botequim, seu dono talvez se comportasse melhor.

A Vale pode passar os próximos 200 anos querendo se livrar do problema criado em Mariana. Com argumentos de mestre-escola, ela mostra que reluta em se tornar parte da solução.

O doutor Clovis precisa conversar com Murilo Ferreira, o presidente da Vale. Ele disse que fará da recuperação da bacia do rio Doce uma "missão da vida". Bola dentro. Ou faz isso ou se torna presidente da Companhia do Falecido Vale do Rio Doce.

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