domingo, outubro 12, 2014

Ofensa sem sentido - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 12.10
Não haveria política social que funcionasse sem a vitória sobre a hiperinflação, e ela foi derrotada por economistas que são do PSDB ou que se identificam com o partido. O salário mínimo começou a se recuperar a partir da estabilização; os programas de transferência de renda foram possíveis por causa do real. As políticas sociais do PT têm méritos, mas o debate eleitoral criou uma dicotomia inexistente.
Não há os reacionários ortodoxos de um lado e os desenvolvimentistas de esquerda do outro. Temos no cenário político dois partidos da social-democracia com diferenças importantes nas escolhas econômicas, mas com simbioses e complementariedade em outros pontos.
Não há conflito entre política fiscal controlada e recuperação da renda das pessoas. Ao contrário. É o descontrole fiscal que leva à inflação, o mal que corrói a renda. No primeiro ano do governo do PT, em 2002, o ministro Antonio Palocci fez uma política fiscal contracionista, elevando o superávit primário, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, subiu os juros. Fizeram por ortodoxia ou por necessidade?
O pânico que impedia que brasileiros, como explicou Arminio Fraga, comprassem títulos da dívida do Tesouro derivava do discurso despropositado que o PT defendera até então. Dois anos antes, importantes líderes petistas haviam abraçado a causa do plebiscito sobre pagar ou não a dívida interna. Dado que ela é constituída pelos depósitos de brasileiros em produtos financeiros lastreados em títulos do governo, evidentemente houve reação. O dólar disparou, o juro subiu, a inflação se elevou e o governo Fernando Henrique tomou junto ao FMI um empréstimo que teve 80% de seu valor sacado no mandato de Lula, criando um colchão de reservas sem o qual teria sido muito difícil o início do novo governo.
Esta foi a história que eu vi se desenrolar no dia a dia da cobertura dos fatos econômicos. Sei que foi assim não por ouvir dizer, mas por ter acompanhado cada momento. A reação Palocci-Meirelles permitiu superar o medo criado exatamente pelas atrapalhadas opções retóricas. Depois do ajuste feito em 2003, o país pôde crescer nos anos seguintes com a inflação controlada e chegando a alguns momentos até a ficar abaixo do centro da meta.
O que houve neste governo na economia está nos números divulgados pelos próprios órgãos oficiais, IBGE, Banco Central, Tesouro: o governo cumpriu 1% da meta fiscal do ano em oito meses, a inflação estourou o teto da meta, o crescimento do PIB desapareceu, a balança comercial está deficitária, e o rombo externo, das transações correntes, chega a US$ 80 bilhões. O país está numa situação precária e terá que passar por um novo ajuste no início do próximo governo. Caso contrário, quem vencer as eleições perderá a chance de fazer o país crescer nos seus quatro anos de mandato. Não será possível retomar o crescimento sem um novo ajuste, que se tornou obrigatório após os erros cometidos pela atual política.
A irracionalidade do debate e as manipulações dos números e fatos exasperam quem acompanha a economia brasileira há tantos anos e sabe o contexto de cada dado e momento.
O desemprego baixo é uma excelente notícia, mas suas bases vêm sendo corroídas pelos desajustes fiscais e monetários que este governo permitiu. O emprego na indústria já está em queda há cinco meses, mostrou o IBGE na sexta-feira.
O recuo do percentual de pobres e miseráveis é outra excelente notícia. Mas de que maneira a queda poderia ter sido construída num país com a hiperinflação que o PSDB domou? A propósito, o ministro Aloizio Mercadante mostrou os bons números da redução da pobreza em entrevista ao jornal "Valor Econômico" de sexta feira. Disse que o percentual de pobres caiu de 34,4% para 15,9%. Maravilhoso. Mas cabem dois adendos. No resuminho de programa que a presidente Dilma divulgou, por determinação do TSE, está dito -e a candidata repetiu em entrevistas - que ao fim do governo FHC eram 54% os pobres. O dado certo é o de Mercadante, o mesmo do Ipea data. O segundo detalhe ocultado é que a estabilização, em 1994, produziu a primeira forte queda, de 45% para 34%.
Há diferenças entre os dois partidos, mas não é a luta entre reacionários e progressistas. Há uma crise séria, produzida aqui dentro, que o governo, ocupado em agredir a oposição, ainda não disse como enfrentará.

O mensalão ampliado - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO

"Já estou de saco cheio. Todo ano é a mesma coisa", reagiu o ex-presidente Lula às denúncias feitas à Justiça pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. Os dois acusaram o PT, o PMDB e o PP de receberem dinheiro desviado da Petrobrás.

"Que me desculpe o Pinguelli, mas ele não tem um único voto no Senado" foi a explicação dada pelo ex-presidente Lula, em 2004, para demitir da presidência da Eletrobrás o professor da UFRJ Luiz Pinguelli Rosa e substituí-lo por Silas Rondeau, afilhado político do ex-senador José Sarney. Pinguelli durou 16 meses na estatal e voltou a dar aulas, Rondeau saiu três anos depois, acusado de corrupção na Operação Navalha, da Polícia Federal. Começava aí, na demissão de Pinguelli, em abril de 2004, a montagem de um extenso esquema de loteamento de cargos públicos entre os partidos aliados do governo que não ficou restrito aos ministérios - foi estendido às estatais e às agências reguladoras e, ao longo das gestões Lula e Dilma, causou graves prejuízos ao País, impostos por políticos ou seus emissários que assumiam fatias do poder para dali extrair dinheiro, favores e vantagens para seus partidos.

Esse esquema não foi pontual nem episódico, espalhou-se por toda a administração pública e chegou à Petrobrás, maior empresa do País, orgulho dos brasileiros. Também não era um complemento, era o próprio mensalão. Se no Congresso o mensalão se expressava em mesadas aos parlamentares para deixarem os partidos da oposição ou aprovarem propostas do governo, nas estatais e nas agências ele era operado por políticos e apadrinhados a serviço dos partidos da base aliada.

Lula e o PT passaram a defender tal esquema como necessário à governabilidade. E, quando começaram a pipocar casos e casos de corrupção, justificaram-se buscando companhia: sempre foi assim, em todos os governos, e no de FHC foi pior, diziam. Acertavam no diagnóstico, mas erravam na medida. No Brasil a corrupção esteve presente em sucessivos governos (que o digam Sarney e Collor), mas nunca na história deste país ela alcançou dimensões tão abrangentes. Parece mesmo ter sido tudo planejado a partir do mapeamento de cargos e favores para serem oferecidos aos partidos políticos. Em troca, o PT construiria maioria no Congresso, ganharia tempo na TV em campanhas eleitorais e concretizaria seu projeto de longa vida no poder.

Na Petrobrás, o primeiro a cair foi o diretor de Abastecimento Rogério Manso, funcionário de carreira, de competência técnica reconhecida e respeitada na empresa. Manso foi demitido em abril de 2004 (logo depois de Pinguelli da Eletrobrás) para dar lugar ao hoje delator e alvo da Operação Lava Jato, Paulo Roberto Costa. Segundo registros da imprensa na época, o então presidente da estatal, José Eduardo Dutra (ex-senador pelo PT, ex-presidente da Petrobrás e depois do PT e hoje diretor da área de serviços da estatal), teria resistido a substituir Manso por Paulo Roberto, mas acabou por ceder às pressões de Lula e do PP.

Em sua coluna de 1/5/2004 no jornal O Globo, o jornalista Jorge Bastos Moreno publicou oportuno diálogo entre Lula e o líder do PP na Câmara, Pedro Henry, que mostra a avidez do PP pelo cargo, a resistência de Dutra e o estilo fanfarrão de Lula quando dialoga com a classe política entre quatro paredes.

Em café da manhã com a bancada do PP, Lula teria dito: "Ninguém cumpre minhas decisões. Eu não vou mais pedir, vou determinar. Quem não cumprir, demito!". Ouviu de Pedro Henry: "O senhor determinou que ao PP fosse entregue a diretoria de Abastecimento da Petrobrás. Mas liguei para um tal de Diego (Diego Hernandez, chefe de gabinete de José Eduardo Dutra) e ele disse 'não é bem assim. Tem de passar antes pelo Conselho e por uma série de procedimentos burocráticos'". E Lula: "Quem nomeou esse conselho fui eu! Eu posso demitir esse conselho! Eu posso demitir esse Diego".

Hoje Lula se diz "de saco cheio" com o doleiro Youssef, lembrando seu empenho em atender o PP e nomear Paulo Roberto. E como anda o "saco" dos brasileiros, Lula?


Bruna Marquezine e a retórica petista - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 12/10


Arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma, mas em nada ajuda para a evolução da sociedade


Com o início da campanha do segundo turno na quinta-feira, o programa eleitoral da presidente Dilma Rousseff apresentou diversas manchetes de jornais com vários dados referentes à década de 90 e outros referentes à década de 2000. Há nesta estratégia uma série de truques de retórica.

Ao primeiro chamaremos de "efeito Bruna Marquezine". Circula na internet um divertido meme com a foto da criança Bruna nos anos FHC, e outra, da bela mulher em que se transformou, nos anos Lula. A brincadeira é que a retórica petista sugere que a transformação é consequência das políticas dos governos petistas.

Inúmeras melhoras ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 30 anos são avanços vegetativos associados à evolução natural da sociedade. Boa parcela da queda da desigualdade na última década segue da melhora educacional --que tem ocorrido desde os anos 40, com forte aceleração em seguida à redemocratização-- em associação ao fim de nossa transição demográfica. Pela primeira vez somos uma sociedade com escassez de trabalho. Nada disto deve-se ao PT no governo.

A propaganda petista gosta de apresentar números impressionantes que fulguram ante cifras bem menores da era FHC. Em muitos casos essas comparações representam a evolução natural de programas e realizações a partir de largadas necessariamente modestas na fase que se seguiu ao fim do caos hiperinflacionário. Foi um período no qual o país teve de concentrar recursos escassos e energia política nas penosas reformas estruturantes, que foram a base para os avanços posteriores e contra as quais o PT lutou com todas as forças.

O segundo truque retórico é a descontextualização da informação. Por exemplo, a dívida pública no governo FHC cresceu. O que não se fala é que mais da metade do crescimento da dívida pública no período resultou da assunção de dívidas passadas que não estavam contabilizadas. Este fato está bem documentado no texto para a discussão de janeiro de 2004 do Ipea "Os Passivos Contingentes e a Dívida Pública no Brasil: Evolução Recente (1996-2003) e Perspectivas (2004-2006)".

Por exemplo, afirmar que a inflação foi mais elevada com FHC do que com o PT é não reconhecer que antes de FHC havia hiperinflação e que a sociedade melhorou: 7% ao ano no período FHC é conquista; 7% hoje é derrota.

O terceiro truque retórico, que remete ao gênio da comunicação nazista Joseph Goebbels, é repetir uma mentira até que seja verdadeira. Por exemplo, repetir que FHC quebrou o país três vezes quando naquele período nunca quebramos. Monica de Bolle na seção "Tendências e Debates" da Folha de sexta-feira (10) elucida a questão.

O quarto truque retórico é escolher estatísticas e bases de comparação de forma oportunista. Este é o caso quando se afirma que o desempregou caiu 7,6 pontos percentuais, dos 13,0% de 2003 para os 5,4% de 2013. Esta informação de desemprego refere-se à Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Abrange somente seis regiões metropolitanas. A taxa de desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, que abrange todo o território nacional, apresenta redução de 3,2 pontos percentuais, de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013.

Se tomarmos como base de comparação 2002, último ano de FHC, o desemprego caiu 2,6 pontos percentuais, de 9,1% para 6,5%. Queda bem menos brilhante se considerarmos a dinâmica demográfica muito favorável.

O quinto truque retórico é simplificar um debate ao máximo de forma a demonizar seu adversário e incutir medo na população. Esta estratégia foi empregada à larga para desconstruir Marina Silva.

Fui recentemente alvo dessa estratégia. Na coluna de 29 de junho abordei o tema da cobrança de mensalidade em universidades, públicas ou privadas. O tema foi tratado de forma conceitual e no contexto das dificuldades de financiamento da USP e do reconhecimento do enorme sucesso do Fies, uma das vitrines, com todos os méritos, do atual governo. Na retórica petista eu quero privatizar as universidades federais, algo que nunca passou pela minha cabeça.

O arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma. Em nada ajuda a evolução da sociedade.

O Rio que passa em nossa vida - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 12/10


Custei a escrever sobre as eleições no Rio porque ainda estava muito próximo de uma vida política aqui, conheço os personagens e resolvi me concentrar na questão nacional


Uma forma de ser universal é escrever sobre o lugar onde se mora. Custei a escrever sobre as eleições no Rio porque ainda estava muito próximo de uma vida política aqui, conheço os personagens e resolvi me concentrar na questão nacional. Desde menino, o Rio para mim é a cidade das luzes. Eu as vi do alto da serra e disse para mim mesmo que iria morar lá embaixo, naquele mundo iluminado. No Rio havia o mar, moravam os artistas, do Rio vinham os jornais e as revistas, aqui estava a vanguarda do país. Os políticos não só eram nomes nacionais como pensavam o país.

O tempo e a decadência, com a mudança da capital, fizeram com que os políticos se voltassem, sensatamente, para os problemas locais. Surge uma nova geração focada nas questões do nosso cotidiano. O ideal seria que se formasse aqui gente com visão nacional e, ao mesmo tempo, capaz de agir localmente. As peripécias de nossa história nos levaram a longos períodos de dominação, ora populista ora de um grupo orientado para o enriquecimento pessoal.

Tantas voltas demos que estamos num segundo turno entre a continuidade de um governo marcada por escândalos e um candidato que associa política e religião de uma forma que me assusta. Respeito a religiosidade em todos os seus níveis, mas o partido ligado à Igreja Universal chegar ao governo é inquietante.

Todas aquelas luzes que contemplei quando menino, todo aquele investimento emocional na metrópole dos sonhos desdobra-se hoje na possibilidade de ser governado por um núcleo religioso que também é um núcleos de negócios.

Na disputa proporcional, a votação de Jair Bolsonaro e Jean Wyllys indica que a questão dos direitos gays está na ordem do dia. Se consideramos os números, vemos uma nítida vantagem de Bolsonaro. Será que determinadas táticas não o estão fortalecendo?

Conheço Bolsonaro há muito tempo. No primeiro mandato, ele fazia discursos pedindo minha prisão, porque fui sequestrador. Um dia disse para a ele: “Antes de ir para a tribuna pedir minha prisão, avisa, pois eles podem te levar a sério, e isso me dá alguns minutos de vantagem para a fuga”.

Nunca mais pediu minha prisão, e convivemos, pacificamente, na Câmara. Bolsonaro tem se movido com desenvoltura na sua cruzada. Ele capta as oportunidades no ar, argumenta pesadamente e, às vezes, briga com a própria imprensa. Bolsonaro vislumbrou esse caminho, assim como o pastor Marcos Feliciano, e o percorre sabendo que sairá com mais votos de cada episódio. Isto significa que os direitos dos gays devem ser congelados, para que Bolsonaro e Feliciano não cresçam? Sugiro apenas que se reveja a tática, procure-se um terreno mais seguro, ampliem-se as alianças.

Uma vez que o tema tem tanta importância na votação dos deputados no Rio, não custa nada lembrar que vale para o movimento gay o aprendizado de todas as lutas minoritárias de que participei: por mais justa que seja a causa, é preciso a forma hábil de conduzi-la. O confronto direto com Bolsonaro e Marcos Feliciano é tudo o que eles querem. Bolsonaro está pensando até em ser presidente da República, com a ajuda, é claro, dos seus próprios adversários.

Para o Senado, o Rio escolheu Romário. O ideal seria um senador do passado, que pensasse no Rio mas também questionasse a política externa tão equivocada do governo. Mas as circunstâncias colocaram em cena um craque do futebol brasileiro e Cesar Maia, que combina uma visão de mundo com uma compreensão local. No entanto, já está muito desgastado para aspirar, no momento, a um cargo majoritário. Já que Romário foi eleito por grande maioria, o ideal seria, ao invés de insistir no seu despreparo, colaborar para que enfrente bem nossos problemas.

Dois milhões de pessoas não votaram no Rio. Juntas representam mais que o segundo colocado. O mesmo se passou no Brasil: 38 milhões de ausentes, votos nulos ou brancos. Grande parte do país rejeitou o processo eleitoral. Não temos outro caminho exceto votar bem, recolher os cacos ao fim de cada eleição, e sonhar com o dia em que essa Argentina, em termos numéricos, volte a se integrar ao Brasil, uma vez que a perdemos nas sucessivas eleições do curto período democrático.

Um tema central para isso é a recuperação da credibilidade. Não creio que os políticos possam se transfigurar com uma vitória da oposição. Nem que venham a ser amados num futuro próximo.

Parte da degradação política brasileira vem do próprio Planalto, dos métodos de conquista do Congresso pelo Mensalão, pela drenagem contínua dos recursos da Petrobras, pela ocupação da máquina do Estado e pela tolerância com a corrupção em tantos níveis. Ventos novos soprando de Brasília podem dar em nossas praias. Depois de tanto inspirar o país, o Rio pode receber uma inspiração nacional. É a esperança que resta no horizonte.

Quando dois e dois são cinco - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 12/10


A razão de tantas surpresas talvez seja porque vivemos um período caracterizado pelo fim das ideologias


Não me lembro de nenhuma outra campanha eleitoral para a Presidência da República tão imprevisível e tumultuada quanto esta que estamos vivendo, agora, no Brasil.

Bastaria a morte absolutamente extemporânea de Eduardo Campos, no momento em que as pesquisas favoreciam mais a Aécio Neves que a ele, para deixar todo mundo perplexo e, mais ainda, com a subida de Marina que, em poucas semanas, não apenas superou Aécio como também a própria Dilma, até então, liderando as previsões.

Com isso, Aécio, que parecia ser o adversário de Dilma no segundo turno, desabou a ponto de alguns companheiros seus, do PSDB, o aconselharem a desistir.

Isso era, certamente, um exagero, mas a verdade é que, ao que tudo indicava, ele já era carta fora do baralho. Tanto era assim que, após o debate na TV Bandeirantes, os jornalistas todos se dirigiram a Dilma e Marina, deixando-o de lado.

Quando uma jornalista telefonou-lhe, nessa ocasião, ele perguntou se, para ela, ele ainda existia, afirmando não receber um telefonema de jornal nenhum, de televisão nenhuma, há dias. Claro, para todo o mundo, a disputa pela Presidência da República estava entre Dilma e Marina.

Isso era o que quase todos pensavam, menos Aécio que, para espanto geral, afirmava: "Vou para o segundo turno e vou ganhar as eleições". Eu mesmo, ao ouvi-lo fazer tal afirmação, achei um pouco estranho. Será que ele acredita mesmo nisso ou está dizendo para não jogar a toalha?

Sucede que uma nova surpresa estava por vir: Dilma, que parecia perder terreno para Marina, começou a crescer nas pesquisas e Marina a cair.

A previsão de alguns analistas do quadro eleitoral parecia se confirmar. Na opinião deles, a subida de Marina não se sustentaria, passada a emoção provocada pela morte trágica de Eduardo Campos.

Isso de um lado, porque, de outro, ela foi de fato massacrada pelos petistas que inventaram tudo para apresentá-la como um blefe, inimiga dos pobres, dos trabalhadores, da Petrobras e não sei do que mais.

Porém, seja por que motivo tenha sido, ela veio caindo nas pesquisas, a tal ponto que já alguns achavam que não haveria segundo turno.

Os analistas políticos, os comentaristas de televisão e jornal não sabiam explicar o que ocorria.

Nestes últimos meses, os escândalos envolvendo a Petrobras e membros do governo (do PT e de aliados) deixavam claro que a corrupção, já denunciada a propósito da compra da refinaria de Pasadena, era um fato.

As denúncias feitas por Paulo Roberto Costa ganhavam credibilidade, tanto assim que os responsáveis pela apuração dessas denúncias lhe permitiram deixar a prisão e vir cumprir a pena em casa.

Se não acreditassem no que ele dizia, não fariam isso: pelo contrário, rejeitariam o acordo baseado na delação premiada.

Por outro lado, o doleiro Youssef também se propôs a dizer o que sabe em troca da redução da pena. Era de espantar que, em face de tudo isso, Dilma continuasse a crescer nas pesquisas de opinião.

Se mais de 70% dos brasileiros querem mudança, por que mais de 40% votariam nela, ou seja, na continuidade do que aí está? Fora isso, a economia do país não cresce e a inflação aumenta. A preferência por Dilma era um mistério.

Eis que, no entanto, a realidade de novo nos surpreende: Aécio começa a crescer, passa Marina e se aproxima de Dilma.

Chega-se ao primeiro turno e o resultado das urnas é outra surpresa: Aécio não apenas ultrapassa Marina, como se aproxima perigosamente de Dilma, que, por sua vez, parou de crescer.

O resultado das urnas mostrou que a maioria do eleitorado, dividido entre Aécio e Marina, supera a votação em Dilma. A vitória da oposição, para espanto geral --especialmente dos petistas--, tornou-se viável.

É um espanto por dia e de tal modo que os comentaristas temem arriscar qualquer previsão. Qual é a razão de tantas surpresas? Talvez seja porque vivemos um período caracterizado pelo fim das ideologias.

Mas cabe aqui ressaltar um fato: o desempenho de Aécio Neves que, contra todas as previsões, enfrentou a queda nas pesquisas, a descrença de muitos e conseguiu dar a volta por cima.

Ele se mostrou realmente capaz de nos ajudar a sair do atoleiro.

Minhas irritações com a presidente - IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

FOLHA DE SP - 12/10


O mais curioso é que o Plano Real, que tanto foi combatido por Lula e pelo PT, é o que ainda dá alguma sustentação à Presidência de Dilma


Em 16 de março de 2011, publiquei nesta Folha um artigo em que apoiava a presidente Dilma e seu vice, Michel Temer --meu confrade em duas Academias e companheiro de conferências universitárias--, pelas ideias apresentadas para o combate à corrupção e a promoção do desenvolvimento nacional.

Como mero cidadão, não ligado a qualquer partido ou governo, tenho, quase quatro anos depois, o direito de expressar minha irritação com o fracasso de seu governo e com as afirmações não verdadeiras de que o Brasil economicamente é uma maravilha e que seu governo é o paladino da luta contra a corrupção.

Começo pela corrupção. Não é verdade que, graças a ela, os oito anos de assalto à maior empresa do Brasil, estão sendo rigorosamente investigados. Se quisesse mesmo fazê-lo, teria apoiado a CPI para apurar os fantásticos desvios, no Congresso Nacional.

A investigação se deve à independência e à qualidade da Polícia e do Ministério Público federais que agem com autonomia e não prestam vênia aos detentores do poder. Nem é verdade que demitiu o principal diretor envolvido. Este, ao pedir demissão, recebeu alcandorados elogios pelos serviços prestados!

Por outro lado, não é verdade que a economia vai bem. Vai muito mal. Os recordes sucessivos de baixo crescimento, culminando, em 2014, com um PIB previsto em 0,3% pelo FMI, demonstram que seu ministro da Fazenda especializou-se em nunca acertar prognósticos.

Acrescente-se que também não é verdade que controla a inflação, pois, se o PIB baixo decorresse de austeridade fiscal, estaria ela sob controle. O teto das metas, arranhado permanentemente, demonstra que a presidente gerou um baixo PIB e alta inflação.

Adotando a pior das formas de seu controle, que é o congelamento de tarifas, afetou a Petrobras e a Eletrobras, fragilizando o setor energético, além de destruir a indústria de etanol, sem perceber que desde Hamurabi (em torno de 1700 a.C.) e Diocleciano (301 d.C.) o controle de preços, que fere as leis da economia de mercado, fracassou, como se vê nas economias argentina e venezuelana, que estão em frangalhos.

O mais curioso é que o Plano Real, que tanto foi combatido por Lula e pelo PT, é o que ainda dá alguma sustentação à Presidência.

Em matéria de comércio internacional, os governos anteriores aos atuais conseguiram expressivos saldos na balança comercial, que foram eliminados pela presidente Dilma. Apenas com artimanhas de falsas exportações é que conseguiu obter inexpressivos saldos. O "superavit primário" nem vale a pena falar, pois os truques contábeis são tantos, que, se qualquer empresa privada os fizesse, teria autos de infração elevadíssimos.

Seu principal eleitor (o programa Bolsa Família) consome apenas 3% da receita tributária. Os 97% restantes são desperdiçados entre 22 mil cargos comissionados, 39 ministérios, obras superfaturadas, na visão do Tribunal de Contas da União, e incompletas.

Tenho, pois, como cidadão que elogiou Sua Senhoria, no início --para mim Sua Excelência é o cidadão, a quem a presidente deve servir--, o direito de, no fim de seu governo, mostrar a minha profunda decepção com o desastre econômico que gerou e que me preocupa ainda mais, por culpar os que criam riqueza e empregos em discurso que pretende, no estilo marxista, promover o conflito entre ricos e pobres.

Gostaria, neste artigo --ao lembrar as palavras de apoio daquele que escrevi neste mesmo jornal quase quatro anos atrás--, dizer que, infelizmente, o fracasso de seu projeto reduziu o país a um mero exportador de produtos primários, tornando este governo um desastre econômico.

A crônica de um fracasso - AFFONSO CELSO PASTORE

O ESTADÃO - 12/10


Governos têm sucesso quando sua resposta aos desafios constroem pontes para um futuro melhor. O governo brasileiro começou reagindo bem à crise de 2008, mas suas ações logo degeneraram em um retumbante fracasso.

Quando a crise internacional eclodiu, em 2008, o Brasil estava preparado para enfrentá-la. Primeiro porque, tendo reduzido a dívida líquida em relação ao PIB, poderia usar a política fiscal para combater a recessão. Segundo porque em 2007 o Banco Central já havia trazido a inflação para próximo da meta de 4,5%. Finalmente, porque no Plano Real ocorreu o saneamento do sistema bancário, que estava capitalizado. Naquelas condições o governo poderia reagir à crise externa usando estímulos fiscais, cabendo ao Banco Central atuar como "emprestador" de última instância, e reduzindo cautelosamente a taxa de juros.

A crise de 2008 havia advertido o mundo contra a acumulação de riscos no sistema financeiro, surgindo recomendações de que as medidas macro prudenciais "deveriam fazer parte da caixa de ferramentas dos bancos centrais". Antes da crise o endividamento das famílias vinha tendo um aumento exagerado. Era natural que fossem utilizadas medidas macroprudenciais, mas não como um substituto à taxa de juros no controle da inflação, e sim buscando reduzir os riscos do sistema bancário. No entanto, quando com a economia superaquecida ao fim de 2010, a inflação superava em muito a meta de 4,5%, o Banco Central optou pelas medidas macroprudenciais, evitando elevar a taxa de juros para a inflação convergir para a meta.

Iniciava-se, naquele momento, um período de afrouxamento no compromisso com a meta de inflação, que se acentuou, e muito, a partir de 2011. Neste ano o Brasil tinha um novo governo com uma concepção de política econômica diferente dos anteriores. Em agosto de 2011, com a inflação acima da meta e com as expectativas de inflação em crescimento, o Banco Central inesperadamente interrompeu o ciclo de alta da taxa de juros, iniciando um ciclo de queda. A razão alegada era um suposto choque recessivo, semelhante - ainda que em menor intensidade - ao ocorrido quando da quebra do banco Lehman Brothers. O choque não ocorreu, mas mesmo assim a taxa de juros continuou a cair. Iniciava-se uma mudança no regime de política econômica, que não se restringiria à política monetária.

Durante o ano de 2010 havia crescido a tendência à valorização do real. A razão era o quantitative easing praticado pelo Fed, que levou a um período de enfraquecimento do dólar. Alegando os malefícios de uma "guerra cambial", no começo de 2011 o governo brasileiro começou a implantar medidas para conter a valorização do real. Intervenções no mercado de câmbio são um procedimento perfeitamente aceitável - e muitas vezes necessário - diante de forças que elevem a volatilidade cambial ou que produzam sobrevalorizações ou depreciações extremas.

O que assistíamos, contudo, não era apenas uma tentativa de conter a valorização, mas sim uma tentativa de usar ativamente o real mais para estimular a produção industrial. Na visão do governo, os juros baixos e o câmbio depreciado seriam o santo graal do crescimento.

Depreciação. Por trás destas mudanças estava a crença de que nem a redução da taxa de juros e nem a depreciação do real afetariam a inflação. Naquele momento a queda da taxa de juros transformou-se em um objetivo de política econômica. Mas o que fazer para amainar alguma resistência que o Banco Central pudesse impor a uma queda da taxa de juros que colocasse em risco o comportamento da inflação?

Em 2011, o governo ofereceu ao Banco Central o conforto da elevação dos superávits primários, que de fato ocorreu, mas logo mudou de ideia. À política fiscal era reservada outra tarefa: de incentivar os investimentos através de estímulos como as desonerações tributárias, por exemplo, e por isso o governo voltou a reduzir os superávits primários. Diante disso o controle da inflação exigia um "plano B". Continuaria existindo a restrição imposta à liberdade do Banco Central na fixação da taxa de juros, mas ela seria compensada pela contenção dos reajustes de preços de alguns produtos com pesos elevados no IPCA, como os da gasolina e as tarifas de energia elétrica. Se isto não fosse suficiente para manter a inflação na meta, o Banco Central teria de se conformar em buscar uma meta implícita mais elevada do que a oficial, como de fato passou a ocorrer.

Desta forma, às taxas de juros baixas e á tentativa de depreciar o real foi adicionado o ativismo fiscal, formando a "nova matriz de política econômica", que substituía o antigo "tripé" da política macroeconômica. O Brasil já havia atingido o grau de investimento e a dívida líquida do setor público era bem mais baixa do que durante a crise de confiança, em 2002/2003.

O governo sentiu-se confortável para abandonar o objetivo de reduzir a dívida pública passando a trabalhar com superávits primários menores. A prática da "contabilidade criativa", contudo, escondia o real tamanho dos superávits primários e a contínua deterioração da política fiscal hoje expõe o Brasil ao risco da perda do "grau de investimento".

O baixo crescimento do PIB a partir de 2010 não derivava da escassez da demanda, e sim de uma queda no crescimento potencial, devido à redução dos investimentos vinda das incertezas. Porém, crente de que "a demanda gera a sua própria oferta" o governo insistia nos estímulos à demanda, cuja expansão acima da oferta elevou exageradamente o déficit em contas correntes, acentuando as pressões para a depreciação do real. Neste momento o feitiço virou contra o feiticeiro, e o Banco Central passou a intervir para evitar a depreciação cambial que o governo tanto buscou, sob pena de piorar ainda mais o comportamento da inflação.

Ativismo. A característica marcante deste novo estilo de política econômica foi o ativismo. Reduções de impostos não beneficiavam todos os setores produtivos, mas apenas setores específicos, privilegiando os rentistas. O investimento com maior retorno para as empresas eram as viagens a Brasília, em busca de estímulos tributários e de empréstimos subsidiados no BNDES.

A participação dos bancos públicos no total de empréstimos cresceu de 34%, em setembro de 2008, para 52%, em fevereiro de 2014, e isto foi feito em grande parte com recursos proporcionados pelo Tesouro por fora do orçamento. O Tesouro vendia títulos públicos, e os recursos transferidos aos bancos oficiais eram integralmente deduzidos no cômputo da dívida líquida como se fossem ativos líquidos. Entre 2008 e 2010 foram transferidos 6% do PIB, e até o final de 2010 as transferências já haviam superado 9,5% do PIB. Uma consequência desta prática foi a perda de sentido no uso da dívida líquida para aferir a solvência do governo.

Os resultados desse "experimento" foram desastrosos. A inflação permanece alta, próxima de 6,5% ao ano, apesar do represamento de preços importantes, e o crescimento econômico desabou. Mesmo que sejamos contaminados pelo pudor de classificar como recessiva a trajetória do PIB, que nos últimos quatro trimestres sofreu três contrações, temos que aceitar que este desempenho é pífio, e não vem da falta de demanda, e sim da queda da produtividade e dos investimentos.

A crise internacional continua a ser utilizada pelo governo como desculpa para o seu fracasso. Mas uma análise cuidadosa mostra que o péssimo desempenho da economia brasileira é proveniente dos erros de diagnóstico e de condução da política econômica.

Corações e mentes - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 12/10


BRASÍLIA - Dividido meio a meio, o Brasil mergulha num curioso embate entre PSDB e PT. Aécio (51%) esbarra nos mais pobres e menos escolarizados e trabalha emoção. Dilma (49%) bate numa muralha entre os mais ricos e escolarizados e parte para ataque e defesa.

Em ônibus e metrôs, alardeia-se que Aécio não só vai acabar com o Bolsa Família dos miseráveis como fará pior: congelar os salários dos pobres e trabalhadores. Um "exterminador do futuro", tal como Marina Silva se sentia no primeiro turno.

Em restaurantes e botecos chiques, só se fala na Petrobras, na voracidade e na desenvoltura do PT diante do governo, das estatais, das empresas legais ou nem tanto. E recita-se a fila: Valdomiro, Erenice, Rose, André Vargas, o vereador de São Paulo metido com o PCC. Sem falar de mensaleiros e aloprados.

Modulando o embate, a economia é um fator pouco palpável, mas corrosivo. Dilma venceu em 2010 com o Brasil crescendo a 7,5%. Enfrenta 2014 com escândalos petistas e previsão de PIB inferior a 1%. A questão nem é congelar salários, é ter salários. As notícias sobre emprego virão ruins nesta semana.

Cristalizado o confronto nesse ambiente, tem-se a campanha de Dilma envolvida numa dupla batalha: num flanco, ataca o governo FHC, que acabou há 12 longos anos; no outro, defende-se da sanha petista nas estatais, que é bem atual.

Que discurso é mais eficiente diante das revelações da Justiça sobre a roubalheira na Petrobras? Dilma chamando a divulgação de "golpe", ou Aécio acusando um "assalto" na principal empresa brasileira?

Aécio, porém, tira o tom de batalha e tenta encarnar JK, o desenvolvimentista camarada que atraiu a simpatia do mundo político e mexeu com a emoção do eleitorado.

Ninguém melhor do que Renata Campos, aliás, para simbolizar apoio político e emoção. Além de arrancar votos em Pernambuco, reforça a onda da mudança. E Marina vem aí...

Caminho aberto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 12/10


O documento lido pelo candidato do PSDB Aécio Neves em Pernambuco, onde recebeu o apoio da família Campos e do PSB regional, é um roteiro combinado com o grupo da ex-candidata Marina Silva para abrir caminho para sua adesão à candidatura do tucano. No texto, foi ressaltado todo um conjunto de ações sociais desencadeadas pelo PSDB quando esteve no governo, desde a universalização do acesso ao ensino fundamental e a criação do Fundef, que financia o ensino, até a adoção da educação em tempo integral para os alunos do fundamental.
O PSDB decidiu responder aos ataques do PT de que é um partido elitista enumerando diversos pontos de sua agenda social, o que facilita a ênfase no espírito da social democracia pedida por Marina. Um programa eleitoral com essa ação histórica do PSDB está sendo preparado para rebater as críticas dos petistas. Aécio ressaltou que foi no governo tucano que na prática se instalou o SUS, surgiram os genéricos e a entrega gratuita de medicamentos aos mais pobres para a construção de um Estado de bem estar social.
O candidato tucano lembrou que foi a partir de 1994 que se inaugurou uma política de aumento real dos salários mínimos, transformada em lei mais tarde, aumentando os benefícios da Previdência. também foram aumentados. A certa altura Aécio ressaltou que foi com os governos tucanos que se generalizaram as políticas de transferência direta de renda, as bolsas, assim como o Benefício de Prestação Continuada, que garante renda mínima de um salário mínimo para idosos e pessoas com deficiência.
E reforçou que foram os tucanos que criaram o Ministério da Reforma Agrária, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e assentaram cerca de 500 mil famílias, afirmando que a reforma agrária precisa ser retomada com seriedade e prioridade. De todos os pontos destacados pelo grupo de Marina Silva, o fim da maioridade penal foi apenas tangenciado, e mesmo assim com sinalizações de que a política de um futuro governo do PSDB levará em conta que os jovens não devem ser tratados apenas com punições.
Está aberto o caminho para a chegada de Marina Silva.

O desafio dos candidatos.
O professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, especialista em análises eleitorais a partir da divisão geográfica dos votos, destaca que a cada década tivemos um desafio, e hoje nenhum dos candidatos está conseguindo decifrar qual o desafio desta década. Quem interpretou corretamente esse desafio levou a eleição nas vezes anteriores, comenta Romero Jacob.
Na década de 1980, o desafio era o político, transitar da ditadura para a democracia. Ali havia uma palavra de ordem fácil de entender: diretas-já. Nos anos 90 o desafio era outro, acabar com a inflação. Sobretudo depois que o Plano Real consegue acabar com a inflação, ficou fácil compreender o desafio. “Esses são temas que permeiam todos os grupos sociais, e é o elemento de unificação dos diversos segmentos”, destaca o professor da PUC.
No ano 2000, tivemos a questão da inclusão social, que se materializou no Bolsa Família. Em todos esses anos tivemos intérpretes desses momentos que acabaram catalizando os anseios da sociedade, fossem Fernando Henrique Cardoso pelo PSDB e Lula pelo PT. Hoje, diz Romero Jacob, a divisão é socioeconômica e não geográfica. A divisão de votos por classes mostra Aécio muito bem nas classes A e B, a Dilma muito bem nas classes D e E, e a classe C é a que reproduz essa divisão nacional e pode, segundo ele, decidir a eleição para um lado ou para o outro.
Hoje ainda não há uma palavra de ordem que congregue todos os setores da sociedade, o que há são demandas segmentadas, constata Romero Jacob. As classes A e B estão preocupadas com a ética na política, uma agenda moral e mais o tema do crescimento da economia. As classes D e E não têm uma agenda moral, a preocupação delas é a preservação do Bolsa Família. E a classe C “de certo modo será a chave para que o candidato leve uma palavra de ordem comum”.
Das manifestações públicas do ano passado até hoje, a diferença entre o padrão Fifa e o que existe no Brasil nos serviços públicos é o que unifica as classes, diz ele. As classes A e B já desistiram de uma educação pública de qualidade, vão para as escolas privadas, ou uma saúde de qualidade, vão para os planos de saúde, ou um transporte público de qualidade, andam de carro.
Já a classe C precisa dos serviços públicos de qualidade para poder manter seu padrão de vida, e as classes D e E dependem deles para trabalhar e sobreviver.

A ajuda espantosa da Petrobrás à Bolívia - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 12/10


Além dos empréstimos tomados pelo governo para socorrer as distribuidoras de energia elétrica, a um custo estimado pelo TCU em R$ 26 bilhões, os contribuintes terão de arcar com uma benesse internacional concedida pela administração petista: a Petrobrás pagou à Bolívia, em setembro, US$ 434 milhões mais do que o previsto no contrato de fornecimento de gás ao País. A explicação da Bolívia para exigir a "indenização" é que o gás exportado para o Brasil é "rico", com componentes nobres usados na indústria petroquímica, mas se destinou à geração de energia térmica. O pagamento é retroativo, relativo ao período de 2008 a 2013.

A operação causou espanto até na esfera oficial. "A associação entre o pagamento do 'gás rico' e o problema de energia no Brasil foi imediata", disse uma fonte do governo ao jornal Valor (9/10). "Não havia por que pagar por um produto que o Brasil não utilizou e que não estava previsto em contrato."

A Petrobrás atendeu a uma reivindicação do governo de Evo Morales feita na era Lula. O valor da operação permite presumir que o pagamento foi endossado pelo conselho de administração da estatal, presidido pelo ministro Guido Mantega.

A decisão é esdrúxula, pois, prejudicada pelo represamento de preços de combustíveis e devendo mais de R$ 300 bilhões, a Petrobrás tem sérios problemas financeiros.

Segundo analistas, a estatal cedeu porque teria levado em conta a necessidade de a Bolívia entregar o gás prometido a uma termoelétrica de Cuiabá. Foi rápido o acordo entre o presidente da fornecedora boliviana YPFB, Carlos Villegas, e o diretor da Área de Gás e Energia da Petrobrás, José Alcides Santoro, para indenizar a Bolívia. O governo Morales ameaçava não atender a termoelétrica de Cuiabá. O Brasil e a Argentina não estão na lista de prioridades da YPFB, por isso se negocia novo acordo com a empresa boliviana.

É ominosa a submissão do governo brasileiro às pressões da Bolívia. Pode-se compreender a tentativa de assegurar o fornecimento de gás para evitar o racionamento, mas não por meio de uma negociação nebulosa. Contratos bilaterais devem atender aos interesses das partes e basear-se em critérios técnicos. Reivindicar pagamento retroativo assemelha-se mais a uma extorsão.

Em 2006, o Brasil aceitou um valor simbólico na expropriação de ativos da Petrobrás pelo governo Morales, invocando razões diplomáticas. Hoje, não há diplomacia que justifique o saque no caixa da Petrobrás.

Fazendo o diabo - PEDRO MALAN

O ESTADO DE S.PAULO - 12/10


E assim falou Lula: "Portanto, se aqui for dito alguma coisa que eu já disse, é um defeito político, na verdade, um defeito genérico do político brasileiro, mas que, segundo os comunicadores, é sempre importante a gente repetir a mesma coisa muitas vezes, até que esta coisa se torne quase que uma verdade absoluta para todos nós" - em discurso na sessão de abertura da Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, no início do seu segundo mandato (10/4/2007).

Essa postura não era nova, como já mostrara o bordão sobre herança maldita após 2003, mas sua prática continuada ao longo do segundo mandato permitiria a Lula um arroubo extra de arrogância ao afirmar às vésperas das eleições de 2010: "A opinião pública somos nós". Talvez porque se sentisse à beira de uma vitória que pretendia de caráter plebiscitário. Como é sabido, o PT disputou até agora (mérito seu, devemos reconhecer) nada mesmo que sete eleições presidenciais desde 1989, perdeu as três primeiras (duas no primeiro turno) ganhou as três seguintes e disputa agora, bem situado, sua sétima eleição presidencial.

Cabe lembrar que em nenhuma das eleições que ganhou (e da que ainda espera ganhar) o eleitorado brasileiro lhe concedeu a graça de uma vitória no primeiro turno. É difícil, pois, entender o arrogante "a opinião pública somos nós" de 2010. Assim como é difícil de aceitar a simplória visão de que a complexa, rica e diversa sociedade brasileira caiba na camisa de força da divisão entre o recorrente "nós" do petismo e o conjunto, nada desprezível, daqueles que têm opiniões distintas e recusam a rotulagem fácil como instrumento de desqualificação. Parte expressiva dos 142 milhões de eleitores brasileiros tem todo o direito de perguntar "nós quem?", ao saber que uma mesma coisa deve ser repetida muitas vezes até que esta coisa se torne uma verdade quase que absoluta - e para todos nós.

Quatro meses atrás escrevi neste espaço: é bem possível que a máquina de propaganda do governo, com seus vastos recursos e amplo uso das instrumentalidades do poder, convença mais da metade dos eleitores de que eles devem votar de olhos postos nas "conquistas" que seriam, todas, "dos últimos 12 anos" e que "eles" (quaisquer oposições relevantes) iriam destruí-las se eleitos fossem. É lamentável, pela mentira, desfaçatez e hipocrisia, mas alguns dirão: "Isso é do jogo simbólico da política". Como já foi feito no passado.

Fernando Gabeira foi ao ponto que importa em seu artigo no Globo de domingo passado: "Uma vitória do PT, creio, não pode ser atribuída apenas à sua capacidade de mentir e de atacar". Não se deve nunca acusar o adversário pela própria derrota. Se não for possível resistir aos ataques e mentiras do PT, isso significa que vai ficar eternamente no poder. Por que mudaria de tática?

Com efeito, por que mudaria de tática, se não tivemos respostas políticas adequadas a deslavadas mentiras do tipo "eles" queriam (ou iriam se eleitos) privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa ou o BNDES. Ou do tipo "eles são contra, e se eleitos vão acabar com o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e outros programas sociais do governo". Ou "eles" não aumentaram o salário mínimo em termos reais - o que é mentira, e de má-fé. Ou a mentira de que os programas de transferência direta de renda para os mais pobres sejam uma criação petista, quando a medida provisória do governo Lula, mais de dez meses e meio após a sua posse, lista os programas que havia herdado do governo anterior, e os consolida, após reconhecer que era muito melhor ideia do que a alternativa que tentara por mais de dez meses. Não é correto, como sabe qualquer pessoa minimamente informada, que a estabilidade tenha sido uma conquista dos anos pós-2003.

A presidente chega à decisão do segundo turno carregando consigo três tipos de heranças - duas das quais de sua própria lavra. Sobre a primeira muito já escrevi neste espaço e posso agora apenas resumir. O Brasil não começou em 2003; os últimos 12 anos foram marcados por três períodos distintos: um Lula do primeiro mandato, que começou a acabar em marco/abril de 2006, um Lula II diferente até 2010 e o governo Dilma, que foi um Lula II muito mais problemático. A nova estratégia de marquetagem política, após afirmar não ser possível voltar ao "passado", volta a 12 ou 16 anos atrás (1998 -2002) para acusar adversários de terem "quebrado por três vezes". Uma mentira e uma tática diversionista para evitar discutir os sérios problemas que hoje enfrenta o País e os difíceis quatro anos à frente.

A segunda herança - e esta é a que importa agora - é a que o governo Dilma construiu para si (ou para seu sucessor) ao longo dos últimos quatro anos. E na qual só vê elementos positivos, os únicos problemas preocupantes sendo derivados da situação internacional. No front doméstico as coisas estariam absolutamente sob controle: inflação dentro da meta, situação fiscal sem problemas de credibilidade, investimento e crescimento sempre prestes a melhorar um dia. Mas o fato é que as legítimas preocupações com a combinação - há quatro anos - de muito baixo crescimento, muito baixo investimento e relativamente alta e renitente inflação constituem manifestações de problemas (não apenas de curto prazo) que não deixarão de existir porque são ignorados pela força da propaganda e de bravatas de campanha.

A terceira herança é a que a presidente Dilma vem construindo em seus discursos e debates de campanha, em especial ao longo dos últimos dois meses, criando para si própria armadilhas adicionais às que construiu com as políticas que implementou ao longo de seus quatro anos. São estas que estão sob o escrutínio agora, quando a presidente pede ao eleitorado mais quatro anos do mesmo, já que não reconhece problemas e, portanto, não vê necessidade de mudanças para enfrentá-los.


Musculatura x anabolizante - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 12/10


O Banco Mundial e o FMI revisaram para baixo as previsões de crescimento da economia mundial e da maioria dos países neste ano. Alguns estão crescendo bem, como EUA e Reino Unido, mas seguem em recuperação. Já zona do euro, alguns asiáticos e os latino-americanos tiveram suas estimativas reduzidas. O Brasil está entre os que sofreram maior revisão de crescimento pelo FMI, de 1,3% para 0,3%. E há ainda os países que enfrentam recessão, como a Argentina.

Os latino-americanos são os casos mais preocupantes, pois já gastaram a munição fiscal (e monetária, em alguns casos) para retomar o crescimento. Com a trajetória de aumento da dívida pública, eles não têm mais espaço para usar recursos públicos para impulsionar o crescimento.

É preciso buscar caminhos para reverter esse processo. No Brasil, eles passam pelo aumento da confiança para a retomada dos investimentos em produtividade no setor industrial e de serviços para atender ao grande mercado de consumo interno. Passam pela educação, fator crítico no aumento da produtividade. E passam também pelos investimentos em infraestrutura, para atender à demanda criada pela expansão econômica dos últimos anos --um problema (infraestrutura congestionada) que é parte importante da solução (a demanda que viabiliza os investimentos).

Na Argentina, a contração é profunda e complexa, situada num longo processo de redução relativa da renda e do padrão de vida nas últimas décadas. O país agora tenta reverter sua última crise reeditando decreto do ex-presidente Perón, de 1974, que dá poder ao governo de intervir nas empresas, na sua produção, no seu sistema de fixação de preços etc. Como a história mostra, essa reedição de expedientes do passado, dando poder a burocratas para tomar decisões arbitrárias no funcionamento das empresas, tende a desorganizar ainda mais a economia e criar novas distorções.

Já países que adotaram políticas de desenvolvimento de longo prazo baseadas em educação, produtividade e competitividade do setor privado, como Coreia do Sul, Cingapura e, anteriormente, o Japão, adquiriram em poucas décadas padrões de crescimento, renda e poder econômico similares aos dos países desenvolvidos.

Nesse quadro de queda do crescimento no Brasil, é importante que não nos fixemos só no curto prazo, visando 2015. É preciso olhar as curvas de longo prazo, verificando o que é necessário fazer para reverter tendências e seguir o caminho dos países que de fato deram salto no padrão de vida. Eles trabalharam duro nas melhorias de longo prazo e tiveram resultados mais rápido que os dos apressados.

O longo prazo demora, mas um dia chega.

Como roubaram a Petrobrás - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO 12/10


Começam a brotar os detalhes daquele que se afigura como um dos maiores escândalos de corrupção da história brasileira - o assalto à Petrobrás, que teria movimentado ao menos R$ 10 bilhões. Os mais recentes depoimentos dos principais personagens desse escabroso esquema, montado para drenar os recursos da maior empresa estatal do País, revelam a quem foi repassado o produto do roubo - e, mais uma vez, como tem sido habitual ao longo dos governos lulopetistas, aparecem fartas digitais do PT.

Fica cada vez mais claro que figuras de proa desse partido - muitas das quais já foram presas por corrupção - permitiram na última década o arrombamento dos cofres do Estado por parte de delinquentes, servindo-se desse dinheiro para financiar seu projeto de poder.

À Justiça Federal no Paraná, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobrás e um dos pivôs do escândalo, confirmou que uma parte do dinheiro desviado financiou as campanhas do PT, do PMDB e do PP em 2010.

Contando detalhes que só quem participou da operação poderia conhecer, Costa revelou que de 2% a 3% dos contratos superfaturados eram desviados para atender os petistas. Segundo ele, várias diretorias da estatal eram do PT. "Então, tinha PT na Diretoria de Produção, Gás e Energia e na área de Serviços. O comentário que pautava a companhia nesses casos era que 3% iam diretamente para o PT", relatou o ex-diretor, em depoimento gravado. No caso de sua diretoria, Costa afirmou que os 3% eram repartidos entre o PP, ele e o doleiro Alberto Youssef, o outro operador do esquema. Já a Diretoria Internacional repassava os recursos desviados para o PMDB, segundo disseram Costa e Youssef.

Costa afirmou que o contato dos diretores envolvidos nos desvios era feito "diretamente" com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. O nome de Vaccari Neto foi confirmado por Youssef, que também prestou depoimento à Justiça Federal.

Os tentáculos do esquema não se limitavam às diretorias da Petrobrás. Em 2004, segundo declarou Youssef, os "agentes políticos" envolvidos no escândalo pressionaram o então presidente Lula a nomear Costa para a Diretoria de Refino e Abastecimento, ameaçando trancar a pauta do Congresso. "Na época, o presidente ficou louco e teve de ceder", disse o doleiro. Esse relato, se confirmado, revela como a máfia instalada na Petrobrás se sentia à vontade para manipular até mesmo o presidente da República e o Congresso em favor de seus interesses criminosos. E essa sem-cerimônia talvez se explique pelo fato de que membros proeminentes do próprio partido de Lula, a julgar pelos depoimentos, estavam cobrando pedágio e se beneficiando da roubalheira na estatal.

Os depoimentos de Costa e de Youssef foram os primeiros dados à Justiça depois do acordo em que decidiram contar tudo o que sabem em troca de redução de pena. Se oferecerem informações falsas, perderão imediatamente o benefício - logo, os dois têm total interesse que sua delação seja levada a sério.

Além disso, ambos ofereceram atas e documentos que, segundo eles, comprovariam as reuniões da quadrilha, os esquemas de pagamento e as transações para lavagem de dinheiro em empresas offshore. As autoridades sabem que estão lidando com material explosivo. Segundo a defesa de Youssef, ele e Costa foram apenas operadores do esquema - os verdadeiros líderes "estão fora desse processo, são agentes políticos".

Diante da enorme gravidade dos fatos até aqui relatados, e ante a certeza de que se trata apenas de uma fração de um escândalo muito maior, seria legítimo esperar que Lula e a presidente Dilma Rousseff viessem a público para dar explicações convincentes sobre o envolvimento de seus correligionários nos crimes relatados. No entanto, Dilma preferiu queixar-se do vazamento dos depoimentos de Costa e de Youssef - como se o mais importante não fosse o vazamento, pelo ladrão, de dinheiro da Petrobrás. Já a reação de Lula foi típica daqueles que se consideram moralmente superiores: ele se disse "de saco cheio" das denúncias de corrupção contra o PT. Pois os brasileiros podem dizer o mesmo.

Sofrer na própria carne - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/10


Enquanto brasileiros sentem efeitos da inflação elevada, alto funcionário da Fazenda sugere que se procurem produtos mais baratos


As tentativas de integrantes do governo federal de disfarçar os maus resultados da política econômica tornaram-se mais do que infrutíferas. São agora contraproducentes ou mesmo alarmantes, pois sugerem uma atitude situada entre o alheamento da realidade e a obstinação no erro.

A mais recente demonstração desse comportamento foi dada na entrevista em que o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, comentava os dados a respeito dos preços de setembro.

Diante do fato de que a inflação de novo superou o teto da meta, esse alto funcionário do Ministério da Fazenda observou que o preço de alguns alimentos aumentou mais que o de outros. A informação é corriqueira, mas fugiu ao convencional sua recomendação de que os brasileiros passassem a adquirir substitutos mais em conta.

A sugestão, entre cômica e constrangedora, resultou da desastrada tentativa de dissimular os efeitos da carestia com um fato econômico conhecido: os consumidores trocam produtos temporariamente mais caros por similares (carne de boi por frango, por exemplo).

Em uma nota em que procuraria atenuar as consequências de sua declaração, o secretário Holland afirmou que tratava apenas desse "efeito substituição".

Quando existe essa troca por produtos mais baratos, pode ocorrer inclusive uma medida superestimada da inflação "real", pois o bem de preço mais alto deixa, por um tempo, de fazer parte da cesta de consumo habitual. Dado o problema inflacionário brasileiro, a observação é pormenor técnico.

O IPCA, índice de preços que baliza o regime de metas, flutua em torno de 6% desde 2010; em termos anuais, atingiu 6,75% em setembro. Trata-se do mesmo nível dos "núcleos de inflação", medidas que desconsideram preços discrepantes ou sujeitos a choques.

A alta dos valores é disseminada, se medida pela proporção de produtos que se tornam mais caros mês a mês. Esse "índice de difusão" voltou a subir, para 61% dos subitens da cesta de consumo avaliada pelo IBGE. A média dos economistas ouvidos pelo Banco Central projeta inflação de 6,3% para este ano. Ou seja, a carestia é persistente e abrangente.

Mascarar tal problema produz apenas mais descrédito na administração do país. Reduz a confiança de consumidores e empresários.

Não encará-lo de modo devido e decisivo induz os agentes econômicos a esperar outras, e talvez maiores, rodadas de altas de preços, com o que a inflação se torna mais resistente. Assim, aumenta o custo de reduzi-la. O remédio se torna mais amargo, não importa o quanto se doure a pílula.


Economia parou por causa dos equívocos do governo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/10

O mundo passou por séria crise financeira cujas consequências ainda se fazem presentes. Mas são as causas internas que contribuem, hoje, para estagnar a economia



Que o mundo passou por uma crise financeira muito grave, e ainda sofre as consequência dela, é um fato sobre o qual ninguém pode discordar. Mas a crise não é mais justificativa para o fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos. Os equívocos internos de política econômica certamente foram os que mais contribuíram para o país estar estagnado, com retração nos investimentos e séria ameaça na inflação.

O governo apostou no estímulo ao consumo, acreditando que o ciclo se autoalimentaria, sustentando um forte ritmo de crescimento. E nessa aposta pisou no acelerador dos gastos correntes, confiando na expansão das receitas tributárias. Aposta perdida.

Quando o modelo, o tal “novo marco macroeconômico”, começou a dar sinais de exaustão, já em meados de 2012, o governo não reviu a estratégia. Ao contrário, pisou mais fundo no acelerador dos gastos. Para compensar essa política fiscal expansionista, o Banco Central foi obrigado a elevar consideravelmente as taxas básicas de juros.

Não por acaso esse ambiente gerou enorme desalento no meio empresarial. Por sucessivas vezes o governo prometeu corrigir os rumos da política econômica e não o fez. A meta de superávit primário nas finanças consolidadas do setor público se tornou fictícia. Já se aproximando do fim do exercício as autoridades mantêm a promessa vã de que o superávit de 1,9% do PIB ajustado para 1,3% será alcançado. Para fechar as contas de exercícios anteriores o governo fez muitas operações contábeis para que receitas extraordinárias pudessem reforçar o caixa no apagar das luzes. Este ano, ao que tudo indica, a chamada contabilidade criativa será mais uma vez acionada para que algum superávit primário possa aparecer nas estatísticas oficiais.

A resistência a mudar a política fiscal tem sem dúvida motivação político-partidária. O governo assistiu de braços cruzados às distorções do seguro desemprego, cujos números conflitam com os índices de ocupação apurados pelo IBGE ou pelo Ministério do Trabalho. Fez demagogia com os preços dos combustíveis e as tarifas de energia elétrica, sendo que em relação a estas já havia um quadro de cenário hidrológico desfavorável, tornando inevitável o acionamento de todas as usinas térmicas com custo de geração mais alto.

Para engordar a receita de dividendos, o governo capitalizou suas instituições financeiras com a emissão de títulos públicos, aumentando a dívida bruta e assumindo mais encargos financeiros, o que tornaria necessário um esforço adicional de acumulação de superávit primário.

É nesse sentido que uma mudança nos rumos da política econômica, especialmente a fiscal, poderá ser capaz de desanuviar o atual ambiente negativo no meio empresarial, fazendo com que os investimentos sejam retomados.

A Petrobras privatizada - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 12/10


Depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef mostram um esquema em que a estatal é usada para servir a grupos políticos


Um dos candidatos à Presidência da República, já derrotado no primeiro turno, disse a quem quisesse ouvir, no Jornal Nacional, que privatizaria a Petrobras. Essa ideia já foi usada no passado pelo petismo para fazer terrorismo eleitoral contra seus adversários – que, ao contrário do pastor Everaldo, jamais haviam mencionado a possibilidade de vender a estatal petrolífera. Mas, se for confirmada a veracidade dos depoimentos do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, presos na Operação Lava Jato, ficará evidente que a Petrobras já estava “privatizada” havia muito tempo – não no papel, mas na prática, servindo aos interesses do PT e seus aliados.

Costa, que aderiu à delação premiada, contou à Justiça Federal do Paraná detalhes de como os contratos feitos pela Petrobras rendiam um adicional de 3%, divididos entre PT, PMDB e PP – a divisão do butim variava de acordo com a diretoria envolvida e com o partido responsável pela indicação do diretor. O ex-diretor deixou claro que a campanha eleitoral de 2010 foi abastecida, em parte, por esse dinheiro – os nomes só não vieram à tona porque se trata de pessoas com foro privilegiado. O Ministério Público já sabe quem são os envolvidos, que estão sendo investigados pelo Supremo Tribunal Federal.

E Youssef não poderia ser mais didático quando foi questionado pelo juiz Sérgio Moro a respeito do funcionamento do esquema. “Vou explicar para Vossa Excelência entender. O contrato é um só. Uma obra da Camargo Corrêa, R$ 3,48 bilhões, tá certo? Ela tinha, R$ 34 milhões ela tinha de pagar por aquela obra para o PP. Eu era responsável por essa parte. A outra parte eu não era responsável. Ele tinha de pagar mais 1%, mais outros R$ 34 milhões, ou 2%, no caso o Paulo Roberto [Costa] está dizendo, para outro operador, no caso, o João Vaccari”, fazendo referência ao diretor financeiro do PT. Foi assim que bilhões de reais teriam sido desviados, com propinas pagas por 13 empresas. “Se ela [a empresa] não pagasse, tinha a ingerência política e do próprio diretor, que ela não fazia a obra se ela não pagasse”, ainda acrescentou o doleiro.

As afirmações de Costa e Youssef vêm jogar mais gasolina na fogueira dos escândalos que assolam a Petrobras já há alguns anos. Há o prejuízo bilionário com a refinaria de Pasadena, no Texas, uma história que ainda segue mal contada, especialmente no que se refere ao conhecimento que os integrantes do Conselho de Administração (entre os quais estava a hoje presidente da República, então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff) tinham dos termos do contrato. Há o caso da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que começou com o calote de Hugo Chávez (prejuízo com o qual o governo brasileiro arcou integralmente) e terminou com um superfaturamento que, nas contas do MP, chega a R$ 613 milhões. Há o uso político da empresa, que, para impedir uma disparada da inflação, há tempos paga para abastecer o tanque dos carros dos brasileiros, revendendo a preços menores gasolina comprada do exterior. Tanta irresponsabilidade fez da Petrobras, em outubro de 2013, a empresa não financeira mais endividada do mundo.

A conclusão é muito simples: uma empresa estatal está sendo colocada a serviço de uns poucos grupos políticos, enriquecendo-os, enquanto a própria companhia e seus acionistas minoritários pagam o prejuízo dos esquemas fraudulentos e da má administração. O discurso de “patrimônio do povo brasileiro” vira, assim, mera peça publicitária, porque na realidade a Petrobras já virou propriedade particular de seus saqueadores.

Do sonho ao pesadelo - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 12/10

Enquanto dezenas de bilhões de barris de petróleo repousam no fundo do Oceano Atlântico ao longo da costa brasileira, escândalos jorram das profundezas da Petrobras. É o sonho da redenção, acalentado pelas riquezas do pré-sal, transformado num pesadelo sem fim, como a confirmar a máxima de que o Brasil de fato está destinado a ser - para sempre - o país do futuro.

A história que começou a ser escrita com a coautoria de Monteiro Lobato - autor de uma das mais amplas e marcantes obras da literatura infantil brasileira e que, em meados do século passado, se tornou ícone da campanha "o petróleo é nosso" - ganhou capítulo que envergonha contar com crianças na sala. E exige sequência igualmente imprópria para menores, com cenas de doloroso, repugnante, mas absolutamente necessário exorcismo de malfeitos.

A companhia fundada 61 anos atrás pelo presidente Getúlio Vargas há que voltar a orgulhar o brasileiro e a servir de exemplo para a criançada. Há que ter resgatado o papel com que se firmou no mundo, de espécie de bússola brasileira de qualidade e tecnologia de ponta. Há que se revelar maior do que aproveitadores de ocasião, maus gestores eventuais.

A Petrobras está presente em 17 países. É protagonista mundial no campo energético. Sociedade anônima de capital aberto, tem quase 800 mil acionistas embora o governo seja majoritário. Emprega mais de 86 mil pessoas, tem receita de vendas superior a R$ 300 bilhões, investimentos acima de R$ 100 bilhões.

São números expressivos, grandeza que se imaginava capaz de, por si, impor respeito. Mas tanto brilho acabou por atrair imensurada rapinagem. O que vem à tona com os depoimentos de um ex-diretor e um doleiro flagrados em investigações da Polícia Federal - que resolveram colaborar, em troca dos benefícios da delação premiada - é monumental esquema de corrupção, que, confirmado do modo como descrito, terá a gravidade de um plano institucional, um ataque governamental ao patrimônio do povo brasileiro.

 Seria inacreditável, não fossem os depoimentos balizados por muita coerência e muitos detalhes. Não se pode permitir que uma só palavra dita pelos delatores soe vazia. Eles falam de um megaesquema envolvendo partidos, políticos, grandes empreiteiras, pagamento de propinas, obras superfaturadas e desvios também em empreendimentos de outras áreas, como a tão carente infraestrutura nacional. Ou seja, é mais do que roubo de dinheiro. É ataque organizado ao desenvolvimento nacional, com miras calibradas sobre portos, hidrovias, ferrovias, hidrelétricas e até usinas nucleares.

A esta altura, esperava-se da Petrobras a apresentação de projetos arrojados de investimento, projeções capazes de impactar o desenvolvimento econômico e social do país como nunca antes na história, a transformação radical do Brasil de reles importador a privilegiado exportador de petróleo. Não dá para conformar-se com o caos anunciado. É pôr ordem na casa ou pôr ordem na casa. Quanto aos responsáveis, o lugar deles é um só: atrás das grades.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Foi uma enorme fraude intelectual”
Candidato do PSBD a presidente, Aécio Neves, sobre o programa eleitoral do PT



PETROLÃO: PARAÍSOS FISCAIS MUDARAM DE ENDEREÇO

O propinoduto da Petrobras mostrou os novos destinos do dinheiro da corrupção. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, por exemplo, tem contas em Hong Kong, distante paraíso fiscal, como revelou esta coluna em junho. O submundo da corrupção agora prefere países que não se submetem a regras internacionais de combate à lavagem de dinheiro: além da China, Rússia e Coreia do Norte.

QUASE DEMOCRÁTICO

Fora do circuito Suíça e Cayman, paraísos “tradicionais”, ditaduras são os destinos mais procurados por quem deseja esconder dinheiro.

MELOU O ESQUEMA

Órgãos fiscalizadores e de controle do Brasil já têm acordos de cooperação com Suíça, Belize, Ilhas Cayman, Jersey, Seychelles etc.

ESCONDER É DIFÍCIL

Paraísos menos famosos como a Ilha de Man e a Ilha Jersey também já são conhecidos pelas autoridades e, portanto, menos procurados.

QUEM AVISA...

Despreparado, com um único hospital especializado, o governo Dilma deveria impedir voos da África, após o ebola arrombar a porta.

AGACIEL MANDAVA MUITO NO SENADO

Condenado na Justiça Federal pelo escândalo dos Atos Secretos, usados para nomear apadrinhados sem concurso e sem publicação no Diário Oficial, o deputado distrital reeleito Agaciel Maia (PTC) mandava tanto no Senado que distribuía “bondades” sem consultar a mesa diretora. Até emprestou apartamento do Senado ao ministro Joaquim Barbosa, após sua nomeação para o Supremo Tribunal Federal.

O RESOLVEDOR

Ocuparam apartamentos funcionais do Senado, cedidos por Agaciel Maia, ministros como Joaquim Barbosa (STF) e Massami Ueda (STJ).

REGISTRE-SE

O empréstimo dos imóveis não implicou em qualquer comprometimento de Joaquim Barbosa ou Massami Ueda, reconhecidos pela seriedade.

A PUNIÇÃO

Agaciel teve os direitos políticos suspensos por 8 anos e está proibido de receber benefícios fiscais por 5 anos e a pagar multa milionária.

CALMANTES NA VEIA

Até deputados aliados de Dilma ironizam: a grande ganhadora com as denúncias do doleiro Alberto Youssef foi a indústria farmacêutica, que deve ter multiplicado a venda de calmantes e remédios para dormir.

CONSIDERAÇÃO

A equipe de Michel Temer anotou: o candidato potiguar a governador Henrique Alves (PMDB) não o convidou para o seu palanque. Mas Alves reclama do apoio de Lula ao adversário Robinson Faria (PSD).

DUAS FRENTES

Em agenda separada, Michel Temer irá ao Rio Grande do Sul para pedir votos a Ivo Sartori (PMDB), enquanto Dilma participará do palanque de Tarso Genro (PT), candidato à reeleição.

CALMA LÁ

Vaiado em roda de amigos após declarar voto a Dilma, o marqueteiro do PMDB, Elsinho Mouco, amenizou: “Sou Dilma, mas não necessariamente contra o Aécio...”.

ADIAMENTO

Senador João Capiberibe pediu a Roberto Amaral adiamento da escolha do presidente do PSB, para depois do 2º turno. “Para não prejudicar companheiros em campanha”, justificou em carta.

NÚMEROS DO POLO

O polo de Manaus faturou R$ 54,6 bilhões nos oito primeiros meses do ano. Números da Suframa apontam crescimento de 5,6% em reais e queda de 2,9% em dólar, comparando com igual período de 2013.

PIOR QUE TÁ, FICA

Com a renovação de mais de 40% da Câmara e dos altos índices de abstenção, o líder do PRB, George Hilton (MG), defende a urgência na reforma política: “É recado nas urnas da crise de representatividade”.

MUITOS VOTOS

Para a revista inglesa The Economist, Aécio Neves (PSDB) precisa conquistar mais de 18 milhões de votos, além dos 34 milhões que teve, para ameaçar a liderança de Dilma Rousseff (PT).

PERGUNTA NO AÇOUGUE

Esse ovo mais barato que a carne é Friboi?


PODER SEM PUDOR

CONTA DE SOMAR

Homem sério, o líder mineiro Milton Campos nunca foi daqueles políticos que tentam explicar o inexplicável. Ele perdeu para João Goulart, em 1960, a eleição para vice-presidente da República, que na época não era "casada" com a de presidente. Na expectativa de obter uma avaliação profunda do seu próprio insucesso, um jornalista provocou:

- Dr. Milton, por que o sr. perdeu?"

- Perdi porque ele teve mais votos - disse, encerrando a conversa mole.