quinta-feira, agosto 28, 2014

A “presidenta” de volta à cozinha - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


A vida tem sido difícil em 2014 para o governo brasileiro, mesmo estando nas mãos de um partido de vida fácil. Os números do PIB apontam para a recessão, a inflação não cede, e até o prognóstico oficial de que a Copa do Mundo aqueceria a economia teve de ser engolido - já que aconteceu exatamente o contrário. Mas agora tudo ficará mais fácil para o governo popular: começou a campanha eleitoral. Como se sabe, esta é a hora de os brasileiros matarem a saudade do cachorro da Dilma. Com o horário eleitoral gratuito, o PT poderá montar suas histórias sem precisar traficar informação.

Já estava mais do que na hora. Ninguém aguentava mais aquele baixo-astral das notícias sobre espionagem no Palácio do Planalto. Felizmente, a invasão e adulteração criminosa dos perfis de jornalistas na Wikipédia ficou por isso mesmo. O Brasil não tem mais estômago para ficar acompanhando investigação de atos sórdidos. Já basta a novela do mensalão. Deixem os aloprados abrigados no palácio do governo em paz com suas escaramuças malcheirosas. É a única alegria que eles têm. Agora, em vez de ficar difamando Carlos Alberto Sardenberg, o departamento de ficção científica dos companheiros se dedicará de corpo e alma a embelezar Dilma. Chega de sombras, agora é tudo azul. Ou vermelho.

Dilma Rousseff inaugurou suas aparições no horário eleitoral, apresentada no lugar onde o PT acha que a mulher deve estar: na cozinha. Foi a estratégia clara de sua campanha: vai que o eleitorado esqueceu que a "presidenta" é mulher? Sem pensar duas vezes, o comando progressista foi logo mostrando Dilma no meio das panelas. Para o eleitor desatento, que nos últimos anos a tenha achado atrapalhada, lá estava ela preparando um macarrão - e calando definitivamente a boca dos que duvidam de suas capacidades.

Na campanha eleitoral de 2010, quando ninguém tinha visto ainda Dilma Rousseff governando, os filmes procuravam mostrar que ela era uma líder. Numa das cenas, enquanto um locutor avisava que a candidata tinha comando, a imagem a mostrava atirando um osso para o seu cachorro buscar. Ele buscava - e devolvia na mão da dona. Uma prova inequívoca de autoridade presidencial. Em 2014, não será necessário repetir essa cena. Os brasileiros já viram que Dilma e seus comandados pegam o osso e não largam mais.

Eis a questão que dominará a corrida presidencial: como fazer o PT largar o osso, após 12 anos de dentes bem cravados? Não será fácil. Além do referido azedume dos indicadores que prenunciam uma recessão, o esfolamento da Petrobras teve novos capítulos candentes - como as revelações da distribuição de verbas pelo doleiro anexo e a combinação clandestina de perguntas e respostas na CPI. A resposta da opinião pública foi imediata: a avaliação positiva do governo Dilma subiu!

Que fazer diante de tal cadeia de eventos? Como concorrer com uma presidente que faz outras coisas além de macarrão e é aplaudida pelos súditos?

A oposição já tentou de tudo. O PSDB, coitado, a cada eleição tenta parecer mais pobre. Já apresentou o economista José Serra como "o Zé", filho de feirante. Quando concorreu à Presidência, Alckmin virou "o Geraldo". Tentam parecer amigos do Lula (o filho único do Brasil) e escondem o Plano Real, essa jogada neoliberal que o PT consertou - segundo a nova verdade nacional, construída com afinco pela central de inteligência companheira. Experimente desmentir o Império do Oprimido, e você descobrirá seu passado terrível na internet.

Entrevistada no Jornal Nacional, Dilma não respondeu por que ela e seu partido tratam os condenados do mensalão como heróis nacionais e perseguidos políticos. Disse que não comenta decisões judiciais. Alertada de que não se tratava de comentar uma decisão judicial, mas uma posição política, ela se reservou o direito de fingir que não entendeu. E repetiu que não comenta decisões judiciais.

São as maravilhas da campanha eleitoral. A partir de agora, a presidente só comentará que trabalha muito e tem saudades da filha, da neta e do cachorro. Lá vai o Brasil descobrir de novo o doce de coco que é Dilma. Que ninguém estranhe se essa dona de casa sobrecarregada aparecer no horário eleitoral reclamando do preço do macarrão.

Se é para mudar - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 28/08


A burocracia é uma doença de crescimento espontâneo. Não custa nada exigir mais um carimbo, uma declaração



Não, não vamos falar da disparada de Marina. Mas vamos falar de campanha — ou de algumas propostas para melhorar o desempenho econômico.

Ellison, nosso ouvinte na CBN, conta que comprou uma fazenda em Minas Gerais, na qual havia um gerador hidráulico de energia desativado. Nesses tempos de alta na conta de luz, não seria uma boa ideia ativá-lo? Não deu. Ellison topou com tanta burocracia e exigências que acabou desistindo. Perdeu eficiência e ganhou custos.

Pois o mesmo tipo de problema atrapalha — e encarece — atividades tão diversas quanto a concessão de crédito para compra de carros ou o despacho de mercadorias nos portos brasileiros.

O financiamento de veículos vem caindo nos últimos meses. Sim, as famílias estão bastante endividadas e os juros subiram, mas não é só por isso.

Acontece que, de uns tempos para cá, ficou mais difícil para o banco retomar o veículo de um devedor inadimplente. Segundo o pessoal dos bancos e das revendedoras, são mais de 200 dias para se retomar o carro, ou seja, para executar a garantia. Isso quando se encontra o veículo, conta um vendedor.

É preciso acionar a Justiça e a polícia, passando por burocracia e regras supostamente estabelecidas para defender o devedor. Na verdade, isso reduz a segurança do crédito, encarece a taxa de juros para todos e protege o devedor de má-fé.

O crédito explodiu no Brasil por uma combinação de dois fatores: um macro, a estabilidade da moeda; outro micro, novas regras que deram mais segurança para a concessão de financiamentos diversos, como o consignado e o imobiliário. Também os juros para compra de carros eram mais baratos exatamente porque o credor conseguia em prazo razoável a retomada do bem. Daí os 60 meses sem entrada

Mas teve o outro lado da história. Sem experiência, sem educação financeira, muitas famílias tomaram mais dívidas do que podiam pagar. A resposta a isso, nas casas legislativas, no Judiciário, nos movimentos e serviços de defesa do consumidor, foi a criação de normas e práticas que dificultam a execução da dívida.

Em um ambiente de negócios já emperrado pela burocracia, a consequência foi direta: bancos mais seletivos na concessão do crédito, juros e, especialmente, custos indiretos mais altos. E para quem? Para a grande maioria dos que pagam ou que poderiam pagar corretamente.

Eis o ponto: normas e práticas institucionais aumentando o custo Brasil.

Exatamente o que acontece, por exemplo, com os portos. Pessoal do setor conta que as instalações portuárias propriamente ditas — guindastes, contêineres, sistemas — são em geral modernas e funcionam bem. Mas há problemas antes e depois da chegada ao porto — navios e caminhões demoram para entrar e sair — assim como na gestão (despacho, desembaraço das mercadorias, fiscalizações diversas não sincronizadas, papelada da Receita, por aí vai. É a parte do governo.)

Tanto no caso dos financiamentos quanto nos portos, há muita solução que pode ser implementada sem alterar uma única lei. No caso dos empréstimos imobiliários, por exemplo, o governo federal anunciou medidas para reduzir e simplificar a tramitação da papelada nos cartórios e nos bancos.

Mas em outros casos é preciso alterar a legislação. Também por iniciativa do governo, vai ao Congresso lei que facilita a retomada dos carros com financiamento não pago. No setor de concessionárias, essa medida é considerada a mais importante para se retomar o fluxo de empréstimos.

As soluções parecem óbvias, mas não é simples assim. A burocracia é uma doença de crescimento espontâneo. Não custa nada exigir mais um carimbo, mais uma declaração negativa com efeito de positiva (sim, existe isso) ou mais uma vistoria. Tirar é complicado.

Além disso, há uma questão meio cultural, meio ideológica. De um lado, encontra-se a desconfiança de que o cidadão está sempre tentando fazer alguma coisa errada no seu relacionamento com o poder público. De outro, a “convicção” de que as empresas, especialmente as grandes, estão sempre tentando prejudicar o cliente, o fisco e a sociedade.

Ora, quem está de má-fé até gosta desse ambiente que, paradoxalmente, favorece a fraude e a corrupção. Quem está de boa-fé, desiste ou paga mais caro.

Não é fácil mudar. Mas todos os candidatos estão falando de mudança, não é mesmo?

Satisfação garantida - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 28/08


A campanha vinha meio morna, como de resto ocorre desde que as eleições deixaram de ser uma novidade, passando de exceção a regra repetida de dois em dois anos como parte do calendário nacional.

Aos que sentiam sua falta, eis de volta a emoção pela via da tragédia que abriu caminho à realização de dois tipos de anseios existentes no eleitorado: desalojar o PT do poder e a possibilidade de dar ao próprio voto o sentido de utilidade cívica e bem-estar psicológico.

Os fatores aí envolvidos podem ser a esperança difusa, o protesto à deriva, a admiração por uma figura ímpar em relação ao elenco tradicional ou mesmo a sensação gostosa de ficar ao lado do "bem" imaginando-se partícipe de uma espécie de reinvenção do Brasil.

Seja por qualquer desses pontos ou pela junção de todos eles e outros tantos, fato é que a entrada de Marina Silva no páreo pôs a eleição deste ano em outro patamar, no mínimo despertou o interesse de quem andava desinteressado.

Esse contingente que por ora opta por Marina Silva dando a ela o segundo lugar nas pesquisas, distante do tucano Aécio Neves, derrotando com folga a presidente Dilma Rousseff no segundo turno, não necessariamente escolhe um projeto de País com começo, meio e fim. Até porque isso a candidata do PSB ainda não apresentou.

Nem é certeza de que seja necessário que apresente planos e propostas detalhadas para sentar praça no coração (sim, é mais com corações e menos com mentes que estamos lidando) do eleitorado. No debate da Band, na terça-feira, a candidata do PSB trabalhou basicamente com conceitos. Ou "ideias-força".

Projetos passados, presentes ou futuros, números, índices, resultados e porcentagens ficaram ao encargo da presidente Dilma Rousseff e do candidato do PSDB, Aécio Neves.

O tucano procurando se mostrar como o caminho da mudança segura citando exemplos de sua administração em Minas e, quando provocado, remetendo-se às realizações do governo Fernando Henrique.

A presidente repetidamente forçando comparações com as gestões FH e se perdendo na confusão de dados oficiais na pressa de encaixar a maior quantidade possível de citações de programas de governo na limitação das regras do tempo para cada debatedor.

Marina fugiu desse enquadramento. Numa perspectiva mais realista, isso pode ser visto como ausência de clareza e consistência. Mas, do ponto de vista do eleitor ávido pelo "novo" pode ser percebido como sinal de uma visão diferente.

Em resumo, quais as "ideias-força" de Marina? As seguintes: Dilma não admite erros do governo, mostra "um Brasil que não existe", PT e PSDB querem dividir o País enquanto ela pretende unir. Marina vai governar com "as melhores competências", sempre voltada para as demandas da sociedade e não para os interesses partidários. Além disso, ela, apenas ela, tem uma visão abrangente e não preconceituosa do que seja "elite".

Conta meias-verdades para adaptar a realidade à sua narrativa. Por exemplo: os tucanos jamais foram partidários da dicotomia do "nós" contra "eles", de autoria petista, mas Marina socializa a tese para se diferenciar dos adversários. Cria, assim, sua própria versão dos fatos, repetindo um truque da velha política.

Mas nela não cola. Neste aspecto, tem vantagem semelhante à de Lula: certas características não muito positivas são toleradas simplesmente porque as pessoas só querem enxergar o que convém ao que já elegeram como fonte de alívio de consciência e de bem-estar. Chega um momento em que não estão dispostas e serem importunadas com o contraditório.

Marina terá atingido esse patamar de inviolabilidade? Ainda é dúvida. Certo é que ela mostrou no debate ser competidora dura, bem articulada, embora vulnerável à tentação da soberba.


Maldito caixa 2 - SÍLVIO RIBAS

CORREIO BRAZILIENSE - 28/08


Nas sombras, o caixa 2 é potente propulsor de candidaturas a qualquer cargo eletivo. Mas exposto ao sol, costuma se converter em assassino de reputações e obstáculo a carreiras políticas. Após produzir tantos escândalos na República, esse tipo de crime insiste em desonrar o jogo democrático. Frutos da relação promíscua entre interesses privados e projetos de poder, os "recursos financeiros não contabilizados" nas campanhas eleitorais resistem como fontes de fisiologismo.

É verdade que, desde o tempo do tesoureiro PC Farias, de Fernando Collor, ao do operador do mensalão, Marcos Valério, muita casa caiu e muita torneira secou. Mas também está claro que afloraram nos últimos anos novos gerentes de lavanderias de dinheiro sujo, desviado para máquinas partidárias e bolsos amigos, assim como novas formas de maquiar doações. A contribuição depositada diretamente na conta de legendas é uma das burlas conhecidas. Outras são alvo de órgãos da Justiça.

Depois de todas as revelações trazidas pela imprensa e pelas provas anexadas aos autos da histórica Ação Penal 470, ainda somos surpreendidos com a desarticulação de quadrilhas sofisticadas. Os montantes envolvidos já não cabem mais em cuecas, malas e jatinhos. Os fardos de grana viva deram lugar a vultosas transações interbancárias, muitas delas viabilizadas por um banco central do crime liderado pelo doleiro Alberto Youssef. Não é de estranhar por que a corrida às urnas tenha perdido gás, contida pela Operação Lava Jato, da PF.

Esse imbróglio mais recente advindo da economia paralela do caixa 2 ainda não acabou e pode constranger ainda mais os beneficiados. Talvez o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso como Yousseff, opte pelo acordo de delação premiada e conte ao menos 50% do que sabe da corrupção em negócios da estatal. Para preservar parentes envolvidos, Costa pode puxar a corda do colete de homem-bomba que Roberto Jefferson e outros vestiram.

Um financiamento de campanha não declarado também pode se configurar na segunda caixa-preta do avião que matou, este mês, o presidenciável Eduardo Campos (PSB). A dúvida se houve ou não crime no emprego da aeronave mostra fragilidades do processo eleitoral. Por isso tudo, não adianta falar em reforma política ou em financiamento público de campanha sem desmontar o balcão de negociatas eleitorais. Como diz certo jargão, é chegada a hora de pensar fora da caixa.


Energia e política industrial - ADRIANO PIRES

O ESTADÃO - 28/08


Existe um consenso entre os analistas ouvidos semanalmente pela pesquisa Focus de que o crescimento do PIB em 2014 deverá ficar abaixo de 0,79%. Para 2015, as perspectivas não são muito melhores, com projeção de crescimento de 1,20%, bastante inferior ao potencial da economia brasileira. O péssimo comportamento do PIB é consequência direta do processo de desindustrialização por que passa a nossa economia. Há muitos anos o Brasil não tem uma política industrial que garanta a modernização e aumente a competitividade do parque produtivo nacional.

Atualmente, a "política industrial" do governo se resume à concessão de empréstimos do BNDES e a desonerações fiscais pontuais. Mesmo assim, as condições não são iguais para todos. Os eleitos são os que correspondem aos interesses políticos ou "desenvolvimentistas" do governo. E ainda há que considerar que os recursos do BNDES não são infinitos e os impactos fiscais da gastança já estão aparecendo. Em junho, foi autorizado um repasse de R$ 30 bilhões do Tesouro para a instituição que, segundo o presidente do banco, "deverá ser utilizado no funding da instituição até o fim do ano". Ademais, a expectativa é de que os repasses do BNDES em 2014 sejam inferiores aos registrados em 2013 - em parte por causa da menor demanda em razão da queda de confiança do setor produtivo brasileiro. Na mesma linha, as desonerações ficais implementadas nos últimos dez anos foram feitas de maneira aleatória, sem fazer parte de uma política coordenada de aumento de competitividade. As desonerações não foram decididas olhando seus efeitos e termos de crescimento, competitividade ou dinamismo.

Enquanto isso, a economia dos EUA voltou a crescer baseada numa política industrial que tem como pilares energia competitiva e segurança de abastecimento. O desenvolvimento de novas tecnologias de exploração e produção de petróleo e gás natural não convencional permitiu uma queda drástica nos preços do combustível no mercado doméstico, aumentando a competitividade da indústria local. Em 2010, foram criados cerca de 600 mil empregos diretos, indiretos e por efeito-renda relacionados à produção de shale gas. Para 2035, é esperado que o número de empregos alcance 1,6 milhão. Além de todos os benefícios econômicos, uma externalidade positiva do aumento da participação do gás natural na matriz energética americana foi a redução da emissão de CO2 na geração de energia elétrica, que diminuiu 9%.

O exemplo dos EUA é importante para reforçar a ideia de que uma verdadeira política industrial se faz em conjunto com a política energética, e o preço da energia só cai de forma estrutural e sem ameaça de desabastecimento com o aumento de oferta. No Brasil, o governo acha que pode baixar preço por medidas provisórias (MPs), decretos e leis, desrespeitando as regras de mercado, como foi o caso da MP 579. A consequência acaba sendo, ao contrário do anunciado, a elevação dos preços. E o grande punido é a indústria.

Essa política intervencionista, que tenta sem sucesso revogar a lei da oferta e da procura, acaba prejudicando tanto os consumidores quanto os produtores de energia. Por exemplo, a Petrobrás e as empresas do setor elétrico estão hoje descapitalizadas e vendo seu valor de mercado desabar. Ao mesmo tempo, a indústria tem na energia um obstáculo para seu crescimento e aumento de competitividade. Essa situação paradoxal ocorre porque a atual política de preços da energia é baseada no tripé controle da inflação, coleta de impostos e instrumento eleitoral, quando o tripé deveria ser previsibilidade, respeito às regras de mercado e instrumento de política industrial.

Se o Brasil quer voltar a crescer, é preciso ter uma política de energia que converse com a política industrial. Não faz sentido nenhum continuar subsidiando e dando privilégios aos energéticos de consumo final, como a gasolina e mesmo a tarifa de energia elétrica das residências, em vez de usar a nossa diversidade energética para aumentar a competitividade da indústria, que gera riqueza e empregos para o País.


Outros anos perdidos? - MÁRIO MESQUITA

VALOR ECONÔMICO - 28/08

Gradualismo no ajuste de preços relativos tenderá a manter inflação e juros elevados por mais tempo


Tudo indica que o crescimento econômico de 2014 ficará entre zero e 1%, talvez mais próximo do limite inferior. Pior, as perspectivas para 2015 não são muito melhores - o leitor há de concordar que, quando projeções de crescimento na faixa de 1,5% são taxadas de "otimistas", situação com a qual me deparo frequentemente em reuniões com investidores, é porque a situação piorou muito.

Por sua vez, a inflação segue rondando o topo do intervalo de tolerância em torno da meta de 4,5%, que só não é superada pela aplicação de um receituário neo-heterodoxo de controles de preços.

O congelamento de preços, assim como o tabelamento, via intervenção maciça, da taxa de câmbio, podem trazer benefícios de curtíssimo prazo, em termos de sustentação do poder de compra das famílias, mas não são sustentáveis.

No caso dos subsídios domésticos, há o efeito sobre a lucratividade da Petrobras, que afeta as contas públicas via compressão dos dividendos e impostos que incidem sobre o lucro, além do impacto sobre o setor elétrico e da perda de arrecadação com impostos sobre combustíveis e a cesta básica. No Brasil Plural estimamos que tais custos chegam a equivaler a 1,3% do PIB, praticamente o mesmo valor que projetamos para o superávit primário cheio em 2014, e maior do que consideramos ser o seu ritmo recorrente (0,8%).

Para um país cuja avaliação de crédito está próxima da fronteira entre grau de investimento e especulativo, e que já tem uma carga tributária elevada para seu estágio de desenvolvimento, manter subsídios ao consumo desse montante não parece ser fiscalmente prudente, além de ter outros efeitos colaterais indesejáveis, como, por exemplo, o desestímulo ao uso de combustíveis alternativos, no caso da compressão do preço da gasolina.

Já na questão cambial, ainda que, em seu início, o programa de intervenção tivesse justificativa na necessidade de se prover proteção em um momento de estresse e iliquidez, seu prolongamento parece distorcer o mercado e contribuir para retardar o ajuste do déficit em conta corrente - em 3,5%, o déficit está bem acima da média histórica da série, a despeito do crescimento bastante inferior ao dos parceiros comerciais e dos termos de troca ainda em patamares historicamente elevados. Estimamos que a taxa de câmbio deveria se deslocar para o intervalo R$ 2,60-R$ 2,70 para promover um reequilíbrio das contas externas - como nenhum candidato defende engessar para sempre o câmbio, temos que acreditar que em 2015 teremos uma flutuação mais limpa.

Como todos os experimentos heterodoxos, esse também tem data para acabar: de fato, a julgar pelos retornos embutidos nos títulos públicos indexados, a inflação deve superar 7% lá pelo segundo trimestre de 2015, embalada pelo descongelamento do preço da gasolina e da taxa de câmbio, entre outros itens.

Os principais porta-vozes econômicos dos candidatos de oposição se manifestaram nas últimas semanas e acabaram expressando preferência por uma estratégia gradualista de ajuste de preços relativos - provavelmente com vistas a minimizar o impacto inicial sobre a renda e a demanda. Já o Ministro da Fazenda, também em manifestação recente, rejeitou a ideia que haveria repressão de preços, citando o aumento das tarifas de energia ocorrido nesse ano. É claro que autoridades no exercício do cargo têm mais dificuldade em se pronunciar sobre políticas futuras do que pessoas que estão fora do governo, mas se a oposição vai de gradualismo, não há de ser o governo, que nem reconhece haver problema de represamento de preços, que irá adotar uma terapia de choque.

Com um ajuste gradual de preços relativos, a redução dos subsídios ao consumo seria mais lenta, o que impediria um impacto inicial à atividade econômica mais severo, mas por outro lado manteria a inflação pressionada por mais tempo, não apenas no início de 2015, mas o ano todo e provavelmente também na primeira metade de 2016.

Os porta-vozes da oposição indicaram preferir uma meta para a inflação mais ambiciosa do que os 4,5% atualmente perseguidos, sem serem alcançados. Além disso, ambos manifestaram simpatia pela ideia de autonomia legal do Banco Central, o regime que impera em diversos países estáveis e democráticos do mundo, inclusive em nossa região, mas que por razões variadas é tabu em certos segmentos de nossa classe política - posturas que podem mitigar o impacto do gradualismo sobre as expectativas de inflação de médio prazo. Já o aparente conforto - das autoridades - com o patamar corrente de inflação, associado à histórica falta de simpatia por mudanças no estatuto legal do Banco Central, não necessariamente conduz a uma reversão da inflação à trajetória de metas.

Em resumo, o gradualismo no ajuste de preços relativos pode ser inevitável, dada a economia política do país, mas tenderá a manter a inflação e a taxa de juros mais elevada por mais tempo, aumentando a chance de que tenhamos outros anos perdidos. Certa circunspecção pode fazer sentido em época de campanha eleitoral, mas a partir de janeiro vai ser preciso mais ousadia.

Mudança de tom - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/08

A entrada em cena da candidata Marina Silva com ares de favorita tornou a campanha eleitoral mais aberta e franca por parte dela e do candidato do PSDB Aécio Neves. É natural, os dois disputam o mesmo espaço, isto é, a possibilidade de derrotar a presidente Dilma no segundo turno. O próprio Eduardo Campos achava que quem fosse ao segundo contra a presidente venceria as eleições, diante do clamor da sociedade por mudança.

Chegou até mesmo a imaginar um segundo turno entre PSB e PSDB, candidatos de perfis semelhantes que chegaram a vislumbrar uma parceria. Cenário que ficou impossível com a chegada em cena de Marina Silva, uma oposicionista de outro calibre, que exasperou a disputa. Aécio foi o mais atingido pelo surgimento de uma candidatura nova na área da oposição, pois está tendo que mudar o ritmo de sua campanha em plena corrida. Com Campos na disputa, teria tempo para apresentar-se ao eleitor, pois o adversário também teria que se apresentar.

Agora, ao mesmo tempo em que se torna mais conhecido, vai subindo o tom para entrar na disputa com uma candidata que foi poupada em toda a primeira parte da campanha e chegou a ela já com índices vigorosos. A presidente Dilma não pode fazer mais do que tentar convencer o eleitor de que o país não está tão ruim quanto seus adversários dizem. O problema dela, e por isso tem tido um sucesso relativo, é que os eleitores-espectadores sabem o dia a dia que vivem, e não é um filmete publicitário que mudará suas opiniões.

Uma bela sacada de Aécio foi dizer que o sonho de todo brasileiro é viver no mundo virtual da propaganda de Dilma, que é muito melhor do que o mundo real. Tanto é assim que a avaliação de seu governo melhora na margem e não se reflete no número final da votação, que está em queda.

Marina, por sua vez, já entrou no debate da TV Bandeirantes muito mais assertiva do que sempre foi, para enfrentar as tentativas de desqualificação a que será submetida nesses pouco mais de 30 dias de campanha. Terá que esclarecer posições, assumir compromissos e mostrar-se agregadora, que não é exatamente seu perfil de ação pública até agora. A seu favor, poderá dizer que teve de enfrentar interesses encastelados tanto no governo petista quanto nos partidos em que já esteve, e por isso teve atritos.

Aécio está acelerando a apresentação de seu projeto e a explicitação de seus programas, para ganhar crédito como o candidato da mudança segura, como está se apresentando. Desse ponto de vista, anunciar formalmente que o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga será o comandante de sua equipe econômica, ou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é e será seu grande conselheiro, é uma maneira de marcar posição contra Marina, que classifica como uma amadora .

O que atrapalha sua campanha é a ineficiência até agora dos acordos regionais que montou, seu grande trunfo como articulador político. Para quem pretendia sair de São Paulo e Minas com cerca de 5 milhões de votos na frente da presidente Dilma, os resultados até agora são decepcionantes, muito pelo surgimento da opção Marina Silva.

Em SP, Marina está à frente, e Dilma em segundo, mesmo com o PT levando uma surra para governador e senador, o que sugere que a máquina tucana não se move a favor de Aécio. Uma vingança silenciosa pelas campanhas anteriores em Minas não é de se descartar.

Em MG, seu território político, o candidato do PT está à frente na disputa para governador e Aécio aparece quase empatado com Dilma na preferência do eleitorado. Marina reafirma a boa votação que teve em 2010 no Estado, com cerca de 20% das preferências.

No nordeste, onde pretendia reduzir a diferença a favor de Dilma, o candidato do PSDB não está tendo sucesso até mesmo nos Estados onde as dissidências da base aliada teoricamente estariam a seu lado. Na Bahia, Dilma está bem à frente, seguida por Marina. Em Pernambuco, Marina Silva absorveu a força política de Eduardo Campos e está liderando a disputa, seguida da presidente Dilma. No DF, aonde Aécio chegou a liderar, Marina tomou a frente. No Rio de Janeiro, primeiro grande estado em que a dissidência do PMDB surgiu em seu apoio, Dilma lidera com folga, seguida de Marina, relegando-o a um terceiro lugar.

Os dias de setembro dirão se esta é uma situação mutável ou se o quadro está cristalizado fora da polarização PT-PSDB, que prevalece há 20 anos.

A volta do descontrole cambial - NATHAN BLANCHE

O ESTADO DE S.PAULO - 28/08


Os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação significativa da moeda brasileira têm se elevado como resultado do aumento de incertezas e do alto nível de intervenções do Banco Central (BC). Adicionalmente, e não de forma clara, mas efetiva, o câmbio sobreapreciado pela atuação da autoridade monetária causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas. O resultado final é risco de inflação mais elevada, menor investimento e crescimento econômico.

Descambal era o termo usado na década de 80 para classificar o descontrole da política cambial. Obviamente, estamos muito longe do risco de duas moratórias seguidas, como as de 1982 e 1987, mas os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação da moeda têm se elevado em razão das incertezas e das intervenções do BC. Essas são inéditas e arbitrárias e pouco têm que ver com os fundamentos do balanço de pagamentos. Principalmente por se tratar de crise econômica interna (alta da inflação e baixo crescimento), e não externa.

A venda de ração diária de swaps cambiais e suas rolagens já somam mais de US$ 226 bilhões, e o saldo atual é de US$ 93 bilhões. Desde 1986, quando do início do mercado de hedge cambial, a atuação recente destaca-se, inclusive, em comparação com a de 2008, na esteira da grave crise internacional. Além de as atuações anteriores não terem atingido essa magnitude, foram pontuais e cumpriram seus objetivos de controlar a volatilidade da moeda apenas, sem a intenção de influenciar o nível da taxa de câmbio.

Inexiste atualmente, no mercado de moedas mundial, paralelo em termos de intervenção no mercado de derivativos cambiais. E pelas sinalizações mais recentes do BC, a atuação continuará até o fim do ano.

Mas, a despeito da atuação do BC e da retirada de todas as medidas que haviam sido adotadas para controlar a entrada de dólares nos anos anteriores, o real é a segunda moeda mais volátil no horizonte de seis meses, só perdendo para o rand sul-africano.

O fato é que o câmbio tornou-se, para o BC, o último cachorro no mato, ou seja, o único instrumento para exercer sua função institucional de guardião da moeda. Em 2011, quando o governo Dilma Rousseff ordenou a queda dos juros e simultaneamente a desvalorização do real, privou-se dos principais instrumentos de atuação, que são a política monetária e cambial. Assim, descredenciou o BC como guardião da moeda. Mas diante do resultado óbvio - inflação mais alta - devolveu algum poder à instituição, permitindo uma elevação da taxa básica de juros de 375 pontos-base.

O ponto é que, ao vender hedge (câmbio futuro), o BC tornou viáveis as operações especulativas de carry trade (arbitragem de taxa de juros). Agentes do mercado captam dólares no exterior, vendem no mercado à vista (spot) e, simultaneamente, compram dólares no mercado futuro, obtendo ganho pela diferença das taxas de juros interna e externa. Dos US$ 93 bilhões de swaps cambiais, avaliamos que cerca de US$ 48 bilhões estão relacionados com esse tipo de operação.

Herança maldita. Seja quem for eleito nas próximas eleições, terá de pagar a conta e efetuar os ajustes no mercado cambial, dado que em algum momento esses contratos futuros vão reverter-se em demanda por câmbio no mercado à vista.

A dúvida diz respeito à forma do ajuste. O risco é de uma correção abrupta, inclusive, considerando o contexto internacional, que será marcado por processos de elevação de juros em importantes países como Estados Unidos e Inglaterra.

É fato que não é só na área cambial que há herança maldita. Nessa conta devem incluir-se os passivos fiscais, além da necessidade de realinhamento de preços-chave, como é o caso de energia elétrica, combustível e transporte público, diante das distorções criadas ao longo dos últimos anos.

Ainda há que ponderar a oportunidade perdida com a falta de interesse por acordos comerciais. A opção pelo Mercosul, em que os principais parceiros, Argentina e Venezuela, além de protecionistas, passam por grave crise, não permite a exploração do potencial do comércio exterior. Os países desenvolvidos já recuperam o crescimento e, com isso, passam a demandar mais bens importados. O Brasil, porém, segue de fora deste novo ciclo de crescimento.

Caso o atual governo, se reeleito, persista na manutenção da atual equipe econômica e na política denominada "Nova Matriz Econômica", o Brasil corre o risco de perder sua classificação de grau de investimento. Assim, o País enfrentará dificuldades no financiamento das contas externas já em 2015. Respaldam essa afirmação:

O fato de o déficit em conta corrente ter aumentado de 2,1% do produto interno bruto (PIB) para 3,6% entre 2011 e 2013. Para 2015 a projeção é chegar a 4,2% do PIB. O principal motivo é o enfraquecimento da balança comercial, cujo saldo passou de US$ 29,8 bilhões a US$ 2,6 bilhões no período.

O prêmio de risco País, medido pelo Credit Default Swap (CDS), era em 2011 inferior à média dos países do pacto do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile) e hoje é o dobro.

Menor disponibilidade de liquidez externa, considerando o processo de alta de juros pelo Federal Reserve e pelo Banco da Inglaterra.

Aumento da fragilidade fiscal via redução dos superávits primários dos últimos três anos de 3,1% para 1,5% do PIB, com a agravante das manipulações criativas dos resultados fiscais.

Em suma, a atuação do Banco Central no mercado cambial tem gerado riscos no sentido de um ajuste abrupto, o que pode resultar em significativa depreciação da moeda. Adicionalmente, e não tão aparente, mas existente, o câmbio sobreapreciado causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas do País, o que traz risco inflacionário, redução nos investimentos e também do crescimento econômico.


A sociedade, segundo Marina - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 28/08


Sua vida política organizou-se ao redor de relações com coleção de ONGs. Seu partido chama-se Rede para marcar uma distância com o sistema político-partidário


No registro do lugar-comum, Dilma Rousseff é associada com qualificativos como rude, ríspida, mandona e autoritária. No mesmo registro, atribui-se a Marina Silva qualidades opostas: suavidade, doçura, flexibilidade, reflexão. A gerente tecnocrática, de um lado; a filósofa da “nova política”, do outro. O lugar-comum é a notação do mundo das aparências. Os primeiros passos de Marina como candidata presidencial oferecem indícios de que o contraste é uma má caricatura — e, ainda, de uma similitude fundamental entre as duas candidaturas.

Marina rejeitou participar das campanhas de Lindbergh Farias (PT-RJ), Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Beto Richa (PSDB-PR), apoiados pelo PSB, sob o curioso argumento de que sua ausência desses palanques fora previamente acordada com Eduardo Campos. O gesto equivale a selecionar exclusivamente os produtos que lhe interessam: da prateleira do presente, ela fica com a posição de candidata presidencial; da prateleira do passado, com um acordo aplicável apenas a uma postulante à vice-presidência. Das fagulhas da manobra oportunista acendeu-se uma fogueira no PSB. Mas a luz desse fogo ilumina algo mais relevante: a crença de Marina de que uma pureza singular proporciona-lhe liberdades políticas excepcionais.

Na réplica à pergunta de um jornalista encontram-se pistas na mesma direção. Indagada sobre sua permanência no PSB caso triunfe na corrida ao Planalto, Marina saiu-se com uma não resposta, articulada na forma de um longo desvio em torno das balizas da “nova política”. Ao sonegar a informação, a candidata circunda uma dúvida legítima de todos os eleitores: afinal, o voto nela tem o potencial de sagrar uma presidente do PSB ou da Rede? Contudo, para além da constatação de que Marina refugia-se em ambiguidades dignas da “velha política”, a não resposta contém um elemento mais esclarecedor.

À pergunta, a candidata replicou, hieraticamente: “Nós não devemos tratar o presidente como propriedade de um partido. A sociedade está dizendo que quer se apropriar da política. E as lideranças políticas precisam entender que o Estado não é o partido, e o Estado não é o governo.” Em tudo isso, há um sopro de justa aversão à putrefata elite política brasileira — e uma crítica pertinente à indistinção lulopetista entre Estado, governo e partido. Entretanto, o núcleo do raciocínio situa-se na palavra “sociedade”, traduzida de modos diversos pelas diferentes correntes de pensamento político. O que é a “sociedade”, segundo Marina?

Segundo Margaret Thatcher, “essa coisa de sociedade não existe”. De acordo com o polo ultraliberal, existem apenas indivíduos que realizam intercâmbios no mercado. No extremo oposto, encontra-se o polo neocorporativista, que define a sociedade como um conjunto de “coletivos” legitimados por um selo estatal. O lulopetismo coagulou essa concepção pelo Decreto 8.243, que institui a “democracia participativa” e normatiza os “conselhos de políticas públicas”. No fundo, o governo está dizendo que a sociedade é uma extensão do Estado, o ente responsável pela seleção dos “movimentos sociais” convidados a se sentar à volta das mesas de negociação.

Mas, e Marina? Dois meses atrás, a então candidata a vice defendeu a substância do Decreto 8.243, que ressurge numa versão preliminar de seu programa de governo. A vida política de Marina organizou-se ao redor de suas relações com uma coleção de ONGs. Seu partido chama-se Rede para marcar uma distância com o sistema político-partidário. Teia de movimentos, de ONGs — eis o sentido do nome cunhado pelos “marineiros”. Na sentença “a sociedade quer se apropriar da política”, não é abusivo ler que o Estado deve estabelecer uma relação preferencial com as ONGs “marineiras”.

À primeira vista, a Marina “doce”, “flexível” e “reflexiva” concorda com um princípio caro ao lulopetismo — ou seja, à “ríspida”, “mandona” e “autoritária” Dilma. Tanto uma quanto a outra, ao que parece, imaginam-se portadoras da prerrogativa de falar pela “sociedade”. A diferença residiria no detalhe: os “movimentos sociais” do lulopetismo não são os mesmos que os do “marinismo”. Nessa linha de raciocínio, não é casual que Marina sinta-se à vontade para ignorar as alianças do partido cuja sigla ostenta diante dos eleitores e para desdenhar da indagação sobre sua filiação partidária na eventualidade da vitória.

Todo o poder às ONGs! — é isso a “nova política” cantada no verso difícil de Marina? O lulopetismo degradou as instituições da democracia representativa, especialmente o Congresso, em nome de uma “democracia participativa” que funciona como metáfora de seu próprio poder. Nessa moldura, o projeto de uma “nova política” vertebrada pelos movimentos “marineiros” significaria mais continuidade que ruptura — e o “novo” seria tão somente um disfarce eleitoral do “velho”.

É cedo demais, porém, para formular diagnósticos definitivos. Marina é uma obra aberta, no sentido positivo da expressão. A evolução do pensamento “marineiro” expressou-se, em 2010, por uma narrativa avessa ao sectarismo, capaz de tecer elogios paralelos à estabilização econômica de FHC e às políticas contra a miséria de Lula. Hoje, na candidata comprometida com a restauração da credibilidade do tripé de política macroeconômica, há poucos traços da senadora petista que votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um sintoma da abertura à mudança apareceu em suas últimas declarações, segundo as quais “aprofundar a democracia significa a valorização das instituições”, e no alerta de que a versão preliminar do programa não passou pelo seu crivo.

A candidatura de Marina surfa na onda imensa de indignação popular contra a “velha política” — ou seja, a ordem de coisas que estimula o consumo privado sem produzir bens públicos. Nem por isso ela deve ser autorizada a utilizar o refrão da “nova política” como instrumento de prestidigitação.

O PT fora da conta - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 28/08


O governo terá de renegar as maiores bobagens da diplomacia petista, se quiser seguir a proposta do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges: fortalecer a relação comercial com parceiros estratégicos, como Estados Unidos, Europa e China. E terá de renegar a incompetência na gestão de projetos de infraestrutura e o populismo na política educacional.

Em princípio, o ministro está certo. É preciso rever as relações comerciais com os principais parceiros e tratar com maior seriedade a palavra estratégia. Os Estados Unidos foram neste ano, até julho, o maior importador de manufaturados brasileiros. Em outros anos, têm ficado em segundo lugar, logo abaixo da Argentina, mas sua política tem sido sempre mais confiável e previsível, sem as barreiras de ocasião e os truques inventados seguidamente na Casa Rosada.

Mas a diplomacia brasileira, sob o terceiro-mundismo instalado no Planalto em 2003, menosprezou a relação com os mercados mais desenvolvidos e definiu como grande objetivo redesenhar o mapa da economia mundial juntamente com novos parceiros ditos estratégicos. Esses parceiros até estavam dispostos a mexer no mapa, mas para cumprir seus objetivos nacionais, sem levar em conta as fantasias do presidente Lula e de seus conselheiros.

O presidente brasileiro, aliado ao colega argentino Néstor Kirchner, manobrou para liquidar o projeto da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). A diplomacia brasileira voltou-se, então, para alianças com países emergentes e em desenvolvimento. Aceitou o protecionismo argentino e acomodou-se em posição defensiva em relação ao mundo rico. Por sua vez, a negociação do acordo de livre-comércio com a União Europeia, iniciada nos anos 90, está emperrada até hoje. Negociar com ricos, só na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas essa rodada também emperrou e continua paralisada.

Nesse período, a China converteu-se na maior parceira comercial do Brasil, no papel de maior importadora de matérias-primas. Em rápido crescimento, a China compraria produtos básicos de quaisquer fornecedores, mas o governo brasileiro parece ter sido incapaz de perceber esse fato.

Em sua ânsia para mudar a geopolítica mundial, a diplomacia petista aceitou uma relação semicolonial com a China. Neste ano, até julho, só 3,17% das exportações brasileiras para a China foram de manufaturados e 12,13%, de industrializados. De lá para o Brasil vieram quase só manufaturados. Não foi muito diferente o comércio com outros grandes países emergentes: 11,80% de manufaturados nas vendas para a Índia e 44,31% de industrializados. Para a Rússia, as proporções foram de 7,17% e 20,65%.

O comércio com os velhos imperialistas foi diferente. Manufaturados compuseram 49,96% das exportações para os Estados Unidos. Somados os semimanufaturados, a indústria exportou para lá 69,49% do valor total. Além disso, as vendas para o mercado americano foram 13,5% maiores que as de um ano antes, enquanto as exportações totais foram 0,6% menores. Para a Argentina, o Brasil exportou 22,1% menos que em 2013 - efeito combinado da crise no vizinho e de seu protecionismo. Para a União Europeia, 47,57% das vendas foram de industrializados (33,82% de manufaturados).

Acordos comerciais teriam facilitado o acesso da indústria aos EUA e à Europa, mas isso ficou fora da estratégia petista. Também o investimento - que dinamizaria o setor, aumentando sua competitividade - emperrou nos últimos 12 anos, em parte por mera inépcia administrativa, em parte pela demora do governo em aceitar parcerias com o setor privado.

Quanto à educação - que, como reconhece o ministro, é muito importante para a competitividade e para a inovação -, foi prejudicada pela política populista de apoio ao ingresso no ensino superior. Os níveis básico e médio foram negligenciados e só há pouco o governo descobriu o ensino técnico.

O ministro mencionou insuficiência de ações nos últimos 30 anos. Mas o PT está há 12 no poder. Isso fica fora da conta?


Aécio no pior dos mundos - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 28/08


BRASÍLIA - A dúvida é se a situação de Aécio Neves é "difícil" ou "crítica". Afora a nuance semântica, o mar não está para peixe e o ar eleitoral não está para tucano.

Aécio contava em crescer a partir de agora, mas desabou um avião na cabeça de todo mundo, e ele, em vez de crescer, ou ao menos estabilizar por baixo, passou a cair. Num momento decisivo, isolou-se no terceiro lugar, assistindo à ida de Dilma e Marina para o segundo turno, com Marina disparando para a vitória.

Acrescente-se a isso o quadro eleitoral em Minas, que é o coração da campanha e do discurso de Aécio: o PT enfrenta dificuldades por toda a parte, mas o candidato petista ao governo do Estado de Aécio, Fernando Pimentel, tem uma posição bastante confortável em relação ao tucano Pimenta da Veiga.

Um segundo turno em Minas tende a favorecer o tucano, mas, por ora, Aécio está diante do pior dos mundos: a possibilidade de tirar o PSDB do segundo turno presidencial, pela primeira vez, e de perder no seu próprio reduto, onde se crê imbatível.

Na reta final das campanhas, ondas, de um lado, e a percepção de derrota, de outro, são avassaladoras. A onda é Marina. A percepção de que pode não haver mais tempo de reverter o desastre atinge Aécio.

Para ilustrar: no debate da Band, Marina só repetiu obviedades contra a polarização PT-PSDB e sobre "a nova política"; Dilma ficou acuada, com o mesmo blablablá de sempre sobre seus programas pontuais e batendo no adversário errado; Aécio saiu-se bem, botando o dedo nas feridas do governo e pegando o ponto fraco de Marina, a imprevisibilidade. Mas a mídia --a Folha, por exemplo-- concentrou-se nas duas favoritas, mal deu bola para o tucano.

Essa situação, "difícil" ou "crítica", reacende uma velha acusação: Aécio lavou a mãos para os tucanos paulistas em 2002, 2006 e 2010. Quando entrasse, julgava, estaria virtualmente eleito. E já serão 16 anos fora do poder. Quantos mais?

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

‘Aécio é oposição; Dilma, situação; e Marina, enrolação’
Senador Aloysio Nunes (PSDB), vice de Aécio, disparando contra a candidata do PSB


PSDB SE QUEIXA DA TRAIÇÃO DOS ALIADOS DE AÉCIO

O candidato Aécio Neves (PSDB) não aparenta abatimento com as últimas pesquisas, que o colocam em terceiro lugar na disputa, mas mal disfarça a sua decepção com os casos de suposta traição que chegam ao seu conhecimento. Ontem, a cúpula do PSDB soube que Paulo Souto (DEM), aliado que disputa o governo da Bahia, até já exibe imagens da presidenta Dilma em sua propaganda eleitoral.

SEM BANDEIRA

Contaram a Aécio que Cássio Cunha Lima (PSDB) relutou muito para exibir uma bandeira do presidenciável numa carreata na Paraíba.

SEM FAZER FORÇA

O comando da campanha de Aécio também censura a atitude de Geraldo Alckmin, em São Paulo: posa para fotos, mas ajuda pouco.

SÓ UMA FERE

Aécio mantém a avaliação de que o desempenho de Marina Silva (PSB) nas pesquisas é apenas “uma febre passageira”.

PENSANDO BEM...

...com o candidato Aécio Neves em 3º nas pesquisas, o site tucano “Vamos Agir”, lançado antes, deveria se chamar “Vamos reagir?”.

STF DEVE DECIDIR O CASO ARRUDA ANTES DA ELEIÇÃO

O Supremo Tribunal Federal julgará antes de outubro a impugnação da candidatura de José Roberto Arruda (PR) ao governo do Distrito Federal, se houver dúvida constitucional. Fonte do STF garante que casos como o de Arruda terão prioridade. Há precedentes. Em 2010, julgou antes da eleição recurso de Joaquim Roriz, que teve impugnada a candidatura. Ele acabou desistindo em favor da mulher, Weslian.

PRESSÃO

Confiante nas pesquisas, o partido do candidato impugnado planeja criar o movimento “O povo quer Arruda”, para pressionar o Supremo.

PALAVRA FINAL

Arruda tem 3 dias para protocolar “embargos infringentes” ao Tribunal Superior Eleitoral. Depois, será a vez do Supremo Tribunal Federal.

A IMPUGNAÇÃO

O TRE-DF impugnou a candidatura de Arruda por considerá-lo enquadrado na Lei Ficha Limpa. O TSE confirmou a sentença.

MATOU A PAU

Pesquisas por telefone, realizadas pelas principais campanhas presidenciais indicaram vitória de Marina Silva (PSB) no debate da Band, terça-feira. Ela apareceu segura e serena, mas determinada.

SEM MARQUETEIRO

No debate da Band, o candidato Aécio Neves (PSDB) foi o único que não se faz assessorar por um marqueteiro. Convocou para a tarefa apenas Zuza Nacife, que tem experiência apenas em redes sociais.

DECEPÇÃO

A candidata a presidente Luciana Genro (Psol) rolou o lero quando perguntada sobre planos para segurança pública. Depois se disse frustrada, pois não lhe perguntaram mais nada no debate da Band.

SORVETÃO

Após defender a legalização da maconha no debate na Band, Eduardo Jorge (PV) foi o candidato a presidente mais gozado nas redes sociais. Virou meme. Todos achando que fez por merecer sorvetão na testa.

COMO SE FAZ

A quatro anos da Copa do Mundo, a Rússia já inaugurou dois estádios. O mais recente foi a Arena Otkrytie, que poderá receber 45 mil pessoas e custou cerca de R$ 940 milhões privados. Sem dinheiro público.

ONDE TEM ODEBRECHT...

...tem confusão: o governo do Peru anunciou devassa no contrato do consórcio liderado pela empreiteira Odebrecht para construir o Gasoduto do Sul. A obra está avaliada em quase R$ 16 bilhões.

PREVISÃO DE TROMBADA

O deputado Renato Simões (PT-SP) acha inevitável o choque entre Marina (PSB) e Eduardo Gianetti, que faz o seu programa econômico. Ele defende a redução do papel do Estado na economia. Ela, não.

ALMOÇO QUASE GRÁTIS

Dilma (PT) faz render o orçamento de R$ 298 milhões da sua campanha. Já foram vários almoços 0800 com operários e ontem só pagou R$ 1 em restaurante popular no Rio de Janeiro.

LEGISLAÇÃO JABUTICABA

Nova jabuticaba na política brasileira: o candidato zumbi. A 40 dias da eleição, ninguém sabe se Arruda disputará ou não a eleição no DF.


PODER SEM PUDOR

SOLTO SOB PROTESTOS

Opositores eram presos aos montes, logo após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Na Bahia, o poeta Tomás Seixas, o "Bebê", não se conformou com o esquecimento de seu nome na lista dos perseguidos. Amigos se divertem contando que ele até telefonou ao coronel Gabriel Duarte, temido secretário de segurança:

- Estou ligando anonimamente para lembrar que os senhores precisam mandar prender um subversivo perigoso, que continua solto.

- Quem é?

- O poeta Tomás Seixas.

- Não conheço - reagiu o coronel.

- É conhecido como "Bebê" - esclareceu.

- Ah, esse é um idiota.

O poeta ficou injuriado:

- Idiota é você! Agora me prenda por desacato, seu incompetente!

"Bebê" continuou solto.