domingo, março 16, 2014

A arte de perder - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 16/03

Quando algo é subtraído da minha vida, logo lembro o poema de Elizabeth Bishop, A Arte de Perder, em que ela diz que perder não é nenhum mistério. Só perdi bobagens na minha infância e puberdade, nada que fizesse falta a ponto de me doer até hoje. Depois, adulta, perdi alguns afetos importantes (“tantas coisas contém em si o acidente”), e agora dei para perder itens materiais que desaparecem de uma hora para outra. Começou com minha carteira recheada de documentos e cartões, sumida num passe de mágica, nunca mais a vi.

Dia desses, bobeei de novo. Das primeiras horas da manhã até o início da noite, revirei a casa atrás do meu smartphone (“perca um pouquinho a cada dia”), e acabei encontrando-o muito tempo depois em cima da máquina de lavar, no modo silencioso, entre uma pilha de jornais – esquecido em algum momento em que fui dar de comer para o gato na área de serviço.

Comentei recentemente que estou entrando na fase de não juntar lé com cré (“depois perca mais rápido, com mais critério: lugares, nomes, a escala subsequente”), as palavras evaporam da lembrança – isso durante conversas fiadas. Textos por escrito se salvam porque podem ser pensados e repensados antes de irem para o jornal.

Não perco a fé, pois um lampejo de crença é preciso ter para levantarmos da cama todas as manhãs, mas cada vez que assisto aos telejornais e suas más notícias, a esperança desaparece como uma carteira, um celular. Não sei se voltará.

“Aceite, austero. A chave perdida, a hora gasta bestamente”.

Perder chave não é problema, sempre há uma sobressalente, e a hora gasta bestamente é perda divertida, saudável, moleca, venero as horas gastas bestamente. Sou pontual não só por educação, mas para me sobrar tempo para o nada.

Mas andei perdendo meus óculos de grau. E isso mudou tudo, cara Elizabeth Bishop.

Encomendei um novo que levou 10 dias úteis para ficar pronto, 10 dias que para mim foram de imagens turvas, nebulosas. Não enxergava as mensagens que chegavam pelo celular (aquele que perdi e recuperei), nem os sensacionais contos de Nu, de Botas, do Antonio Prata (sobre a infância que perdemos e que no livro ele recupera), nem o aviso na parede do prédio sobre a próxima reunião de condomínio, que sempre perco e desse mal não me recupero. Meus óculos de grau, onde ficaram?

Perdi na beira de uma praia de Santa Catarina, ali, na areia, lugar da adolescência que perdi, mas também recuperei – a maturidade tem dessas proezas.

“É evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério”.

Escrevo. Meio cega às vezes, com menos poesia do que gostaria, aturdida com minhas distrações, mas ainda escrevo – para não me perder.


Como irritar as pessoas - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 16/03

Uma das esquetes mais divertidas do grupo inglês de comédia Monty Python se chama Como Irritar as Pessoas, no qual são retratados personagens e situações cujo único propósito e objetivo na vida parece ser irritar as pessoas. Pelo somatório de experiências que venho acumulando, John Cleese e seus companheiros encontrariam farta matéria-prima em nosso cotidiano tropical.

Tente ligar para uma central de táxis. Uma voz dirá automaticamente “um momento” e você cairá em uma espera de prazo indeterminado. Vencida a barreira, você será informado de que não há táxis disponíveis nos próximos 30 minutos e que, portanto, deve ligar para outra central, onde uma voz dirá automaticamente “um momento” e...

Aliás, nesse capítulo dos táxis de Curitiba, tudo me irrita, a começar pelo poder desmesurado da corporação dos taxistas, que consegue – com a conivência de políticos – fazer que o número de carros permaneça o mesmo durante dezenas de anos, enquanto a população se multiplica rapidamente. Depois, a exasperante lentidão do processo licitatório para colocar 750 carros na praça, que já dura mais de um ano e que tem remotas chances de ser concluído no primeiro semestre. Enquanto isso, quando vou para o Rio de Janeiro, sabidamente a capital mundial da bagunça do serviço de táxis, consigo chamar um deles em segundos a qualquer hora do dia e da noite. Que devo pensar? Viva a bagunça, pois ela é mais eficiente que nossa obsessiva organização curitibana?

Não vou falar no atendimento das companhias de telefonia e de cartões de crédito, que levam o pobre comunicante a um passeio numérico interminável (para tal coisa, disque 1, para tal outra coisa, disque 5... ligue novamente e comece tudo novamente pois sua senha não foi reconhecida...), que já são vilões muito manjados.

Tente viajar numa das maravilhas da tecnologia que são os aviões modernos. Na fila do check-in, o primeiro embate: sua mala de mão pesa 7,5 kg e o limite é 5 kg, donde há de despachar sua frágil maleta para ser submetida ao bullying dos carregadores que se esmerarão em colocá-la debaixo das malas mais pesadas para que cheguem você sabe-se como. Depois, sua raiva crescerá quando você entrar no avião e encontrar vários companheiros de voo carregando alegremente gigantescas mochilas, poupadas simpaticamente pelo pessoal do check-in do mesmo destino de sua indefesa mala de mão.

Mas você ainda não chegou lá. Antes há de passar pela revista das bagagens, cuja calibragem para a detecção de metais não perdoa nem obturações de ouro e amálgama. Ao que se segue o vai e vem de tirar os sapatos, o cinto, correntinhas e patuás metálicos e tudo o mais que apite. Eu, que tenho um pino de platina em um tornozelo, colocado pelo saudoso dr. Heinz Rucker, sempre cogito da possibilidade ter de me submeter a um raio-X in loco. Ah, mas meus tubos de creme de barbear com 120 gramas são invariavelmente confiscados pois o limite máximo é 100 gramas.

Não acabou. O avião tem poltronas desenhadas para jóqueis e pessoas desprivilegiadas verticalmente, como dizem os politicamente corretos. Fora desses grupos, viaja-se com o companheiro da frente literalmente em seu colo. Para compensar, você também viaja no colo do passageiro de trás.

Paciente leitor: este texto é uma obra aberta a ser completada por você, que, tenho certeza, terá seu estoque de experiências a relatar. Repito: matéria-prima é que não falta.

Frentes frias - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 16/03

A semana passada começou com o Palácio do Planalto falando grosso e terminou com o governo falando fino para tentar conter a rebelião liderada pelo PMDB em sua base de suposto apoio do Congresso.

Na versão do departamento de propaganda oficial, o embate seria ótimo para a presidente Dilma Rousseff, que teria oportunidade de mostrar-se à opinião pública mais uma vez inflexível às demandas fisiológicas dos políticos, uma categoria em franca derrocada de imagem.

Na realidade, o governo viu-se obrigado a chamar os partidos menores da aliança para negociar caso a caso, cargo a cargo suas demandas fisiológicas a fim de tentar esvaziar o movimento dos rebeldes.

O que a presidente ganhou com isso, além de uma derrota humilhante? Absolutamente nada, uma vez que não poderá levar seu gesto de inflexibilidade à massa. O instrumento que teria para isso seria o horário eleitoral.

Nele, do total de 11 a 13 minutos dos quais poderá dispor se conseguir reeditar a aliança na última eleição, algo em torno de quatro minutos pertencem ao PMDB. Evidentemente estará impedida de atacar o aliado nessa tribuna.

Sendo assim, para que serviu o trato agressivo no Congresso? Se a ideia pretendida pelo marketing não for transmitida à massa, perde sua eficácia.

Mas, de outro lado, deixa como prejuízo um imenso mal-estar com os congressistas, cuja disposição de se empenhar pela reeleição da presidente junto aos eleitores será diretamente proporcional à má vontade com que foram tratados.

Pergunte-se a qualquer um dos deputados federais do PT o que acharam da condução do Planalto nesse episódio e se ouvirão críticas. Sob a proteção do anonimato, claro. O silêncio público da bancada na defesa da presidente nesse embate diz tudo.

Visto com especial desalento por ser mais um de uma série, iniciada com a "faxina ética" do primeiro ano de governo, desmentida com a volta de políticos e partidos então afastados.

Na sequência, a redução da tarifa dos bancos seguida por nove altas de juros e a queda no preço nas contas de luz de aumento já contratado para 2015.

X da questão. O cerne da crise do governo com o PMDB está na Câmara. É pelo número de deputados federais eleitos que se define o tempo de televisão destinado a cada legenda. Hoje com 75 parlamentares, o partido tem direito a cerca de quatro minutos.

O PT quer ajuda federal nos Estados para aumentar sua bancada na Câmara na próxima legislatura. Com isso, busca reduzir o tempo de TV e o poder do PMDB já nas eleições de 2016. Com um número maior de deputados, os petistas ficam em condições também de impor candidatura à Presidência da Casa.

Portanto, é de sobrevivência política que se trata. Se Dilma atende às demandas do PMDB por apoio nos Estados contraria os planos de hegemonia de seu partido; se não atende, põe em risco a construção desse projeto de poder, cujo pressuposto é o de que os aliados se contentem com o papel de subordinados.

Em ovos. A liderança do governo na Câmara não tem dúvida de que o PMDB votará contra o projeto que estabelece o chamado Marco Civil da Internet. Por essa avaliação, a bancada não tem como recuar da posição já anunciada.

Mais uma vez os parceiros de aliança serão adversários no plenário nesta semana. Se votação houver, bem entendido. Até sexta-feira o governo só tinha certeza de contar com os votos do PT, PC do B, PDT, PROS e PSB. Tinha esperança de conquistar o PTB e o PP, dúvidas sobre o PSD e quase certeza de que não teria o apoio do PR.

Este último está estressado com o ministro César Borges (Transportes), do partido, que tentou fazer a bancada abandonar o "blocão" e ouviu de volta que se alguém deveria sair de algum lugar era o ministro do cargo.

Eletrocutada, a inépcia vira empulhação - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 16/03

Se Dilma quer credibilidade, basta que diga por que o aumento da conta de luz fica para depois da eleição 

Em dezembro a comissária Gleisi Hoffmann lastimou as inundações do verão dizendo o seguinte: "Não temos como evitar chuvas". Sábia senhora, reconheceu que até lá não vão os poderes petistas. O problema é que, não podendo também evitar a estiagem ("estresse hídrico", no dialeto do poder), o governo desorganizou o setor elétrico, apostou contra o clima, perdeu e, como não poderia deixar de ser, a conta vai para a patuleia. 

Na hora de explicar, a doutora Dilma (ex-ministra de Minas e Energia) continuou cuidando do PMDB e mandou para a vitrine uma equipe de eletrotecas que fizeram o possível, mas não responderam à principal pergunta: Quem pagará o buraco de R$ 12 bilhões? (Ervanário equivalente a todos os investimentos do governo em janeiro). 

Em fevereiro o ministro Edson Lobão já avisara: "A repercussão não será imediata". Óbvio, ela chegará no ano que vem, depois da eleição. É nesse ponto que a inépcia associa-se à empulhação. Um governo que mobilizou sua máquina de marquetagem quando baixou as tarifas não teve a lealdade de reconhecer que precisa aumentá-las logo. 

Numa trapaça da fortuna, no dia em que os eletrotecas anunciaram as novidades, o ministro Guido Mantega recebia uma missão da Standard & Poor's que veio estudar as contas do país para avaliar a credibilidade do governo. Ecoava impropriamente o tempo das missões do FMI. Nem a S&P tem essa bola toda, nem deveria ser mimada com cerimonial e exibicionismo. Mesmo assim, infelizmente, se o negócio é credibilidade bastava que assistissem a entrevista dos eletroetecas. 

REBELDIA MANSA
 De uma raposa com décadas de experiência no Parlamento, no Executivo e na administração da bolsa da Viúva: "O PMDB não sai do governo nem a pontapés". 

ELLEN GRACIE
A ex-ministra do STF Ellen Gracie continua sendo um sonho tucano para compor suas chapas. Primeiro houve a sugestão de que fosse candidata a vice-presidente na chapa de Aécio Neves. Agora circula a hipótese de ser a vice de Pezão, candidato ao governo do Rio. 

Noutra raia, teriam chegado ao ministro Joaquim Barbosa os números que o colocam como barbada para disputar o Senado no Rio.

MADAME NATASHA 
Madame Natasha concedeu sua primeira bolsa internacional aos gênios do Exército americano. 

Eles passaram a chamar as greves de fome dos prisioneiros de Guantánamo de "jejuns não religiosos duradouros" e a atenção dada às suas consequências de "assistência médica para presos com perda de peso". 

GERENTONA 
Quem já foi a uma cidade, reservou apartamentos em dois hotéis e só usou um pode defender a qualidade da gerência da administração da doutora Dilma. Ela fez isso em Santiago. 

Como diria a doutora, "no que se refere" ao paganini, foi para a Viúva. 

*COMIGO, NÃO * 
O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que cogitava chamar o Exército de volta ao morro do Alemão. Cinco dias depois, mudou de ideia. 

No intervalo, percebeu que a ideia caiu mal na tropa. Afinal, o governo usa o Exército na marquetagem, descuida do resto e quando a encrenca recomeça, pede sua volta. Depois, a conta acaba indo para um tenentinho. 

RECORDAR É VIVER 
O Itamaraty suspendeu dois diplomatas acusados, entre outras impropriedades, de condutas homofóbicas. No início dos anos 60, um diplomata considerou-se preterido numa promoção e foi ao chefe do Departamento de Administração, para queixar-se com o embaixador Antonio Câmara Canto. 

Ele, com seu falar gaúcho, perguntou-lhe: 

- Queres saber porque não foste promovido? Aguentas uma verdade? Não fuiste promovido porque eres puto. 

Câmara Canto celebrizou-se em 1973. Era embaixador em Santiago e fechou as portas da embaixada para brasileiros que viviam na cidade e precisavam de asilo depois que o general Pinochet tomou conta do país. Negou salvo-conduto a um preso que precisava só da sua assinatura para embarcar num voo da ONU. O exilado morreu. (A embaixada da ditadura militar boliviana refugiou seus cidadãos.) 

Câmara Canto fez isso por convicção, mas até hoje não apareceu o telegrama de Brasília com instruções para que fizesse o contrário. 

DESEJO PETISTA 
O altíssimo comissariado tem duas esperanças e uma expectativa. 

A primeira esperança é de que algum grande órgão de imprensa vá para o mercado. 

A segunda é de que se consiga reunir um grupo de empresários-companheiros com verdadeiro peso, associados a nomes de prestígio. 

A expectativa é de que se possam organizar operações triangulares de crédito de bancos oficiais capazes de equilibrar a conta e dar a devida compensação ao prestígio. A ideia não é nova. Num caso exemplar, pôs a pique o "Correio da Manhã". 

AS MONTADORAS BRIGAM COM O PROGRESSO 
Em 1903 havia nos Estados Unidos um sujeito que pretendia produzir carros baratos. Pelas regras do setor, só podia vender veículos quem fabricasse a maior parte dos seus componentes. Henry Ford fazia o contrário, montava o que os outros produziam e seu carro custava US$ 240. O cartel queria que ele cobrasse pelo menos US$ 1 mil. Como não tinha o selo da guilda, foi à Justiça. A briga durou oito anos.

Quem ouve falar nessa história acha que é coisa de um tempo superado. Algo semelhante está acontecendo no século 21. As grandes montadoras americanas querem blindar a alma eletrônica do seus carros. Sustentam que os painéis dos veículos são de sua propriedade e empresas como o Google e a Apple devem se limitar ao fornecimento de aplicativos. 

Steve Jobs, Larry Page e Sergey Brin fizeram a Apple e o Google como Henry Ford: tinham uma ideia, mas não tinham dinheiro. Quando a banca negava empréstimos a Jobs, as montadoras nadavam em dinheiro. Se elas querem ligar seus carros ao mundo das comunicações, podem investir em pesquisa, mas preferem fechar as máquinas. Já existem carros que não precisam de motorista. O sistema de operação dessa máquina foi desenvolvido pelo Google. Depois do surgimento do GPS, há agora aplicativos que transformam os iPhones dos motoristas em sensores capazes de comunicar a uma rede a situação do trânsito numa determinada rota, aconselhando-os caminhos alternativos. Nesse mundo as montadoras não entraram. (No Brasil algumas delas conseguiram apoio no comissariado para tentar adiar a entrada em vigor da obrigatoriedade dos airbags. Felizmente, falharam.) 

Nesse e em qualquer outro caso em que maganos tentam preservar seus negócios bloqueando ou torcendo contra inovações, vale o conselho do bilionário Warren Buffett: Quando surge uma nova tecnologia não é necessariamente um bom negócio investir nela, pois quase todas as fábricas pioneiras de automóveis quebraram. É sempre um bom negócio sair da tecnologia velha. Em 1910 não existiam mais fábricas de carruagens.

O nosso dinheiro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/03
No momento em que a Polícia Civil de Brasília prendeu o economista e ex-chefe da Assessoria de Orçamento do Senado, José Carlos Alves dos Santos, exatos 21 anos depois de ter vindo à tona o escândalo dos Anões do Orçamento, outra data serve para abrir um debate sobre o próprio Orçamento: na terça-feira, o Instituto de Direito Público, presidido pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes, organizará uma série de palestras com especialistas e autoridades de várias áreas para marcar os 50 anos da Lei 4320, que promoveu uma reforma modernizadora neste processo.
Na ocasião, será distribuído o livro Orçamentos: Por que desinteresse? , de Fernando Rezende e Armando Cunha, da Fundação Getúlio Vargas. O Orçamento público é lei básica da democracia moderna, e historicamente foi a origem do Parlamento, pela necessidade de definir o financiamento das obras públicas e as prioridades de um governo.

O que é prioridade nos parlamentos das democracias desenvolvidas do mundo não passa de um detalhe da atividade parlamentar brasileira. A partir da ditadura militar, o Orçamento passou a ser tratado como um decreto-lei, o Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, sem emendá-lo.

A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas, no governo Collor, surgem os Anões do Orçamento , com o ex-deputado João Alves - que ganhou várias vezes na loteria - de relator, manipulando o Orçamento a favor de um pequeno grupo, em todos os sentidos, com a ajuda do João Carlos Alves dos Santos citado acima.

O Executivo voltou então a centralizar as decisões sobre o Orçamento, que passou a ser autorizativo, isto é, o governo central pode contingenciar determinadas verbas. O orçamento impositivo aprovado pelo Congresso diz respeito apenas às emendas dos parlamentares.

Coordenador dos debates no IDP em Brasília, o economista José Roberto Afonso diz que na prática o Orçamento ainda é um caixa preta, ignorada por muitos, e, o pior, sempre que há um escândalo de corrupção, no fim da meada está o orçamento . Ele diz que não há dúvida de que precisa ser remodelado todo o processo, mas ninguém quer tratar do assunto . A mais recente tentativa foi aprovar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado um projeto originário do ex-senador Tasso Jereissati, relatado por Francisco Dornelles. O governo manobrou e enviou-o para outra comissão.

Nos EUA, o Orçamento obedece ao princípio secular de que não pode haver tributação sem representação, a célebre máxima no taxation without representation , que marcou a revolta das colônias americanas contra o Congresso inglês, que assumia uma representação virtual das colônias e se sentia autorizado a definir seus impostos.

O economista da Fundação Getulio Vargas Fernando Rezende, coautor do livro que dá base ao seminário de Brasília, nota que, nos últimos anos, o peso dos impostos que recaem nas costas de todos os brasileiros é tema de debate permanente, mas o mesmo não ocorre com respeito à forma como os recursos oriundos desses impostos são utilizados .

O Orçamento, formado com o dinheiro que o governo extrai compulsoriamente dos cidadãos por meio de uma grande variedade de tributos, não é motivo de igual interesse, estranha ele, para lembrar que a indignação com a má qualidade dos serviços públicos deveria levar a uma preocupação maior com a maneira como é feito o Orçamento, que está por trás desta situação. É preciso provocar um debate sobre prioridades, beneficiários, desequilíbrios, resultados e desperdícios envolvidos nas decisões sobre o uso dos recursos públicos , diz ele.

As regras que comandam a elaboração e a execução do orçamento pressupõem que a sociedade deveria participar das decisões sobre o uso dos recursos que compõem o orçamento durante a tramitação da proposta que o governo elabora e envia ao Congresso para ser discutida e votada. Mas, ressalta Fernando Rezende, afora a mobilização de alguns setores que buscam preservar seu espaço no orçamento, a sociedade brasileira não se envolve nesse debate .

O Orçamento público é muito importante para ser ignorado, lamenta Rezende: Ele repercute no cotidiano dos cidadãos, afeta o comportamento da inflação, é fundamental para proporcionar iguais oportunidades de ascensão social para uma parcela expressiva da população e para melhorar as condições necessárias ao desenvolvimento do país .

Em suma, precisa ser conhecido e respeitado.

Hegemonia perde força - GAUDÊNCIO TORQUATO

O ESTADÃO - 16/03

A luta, vista de perto, deixa ver um embate engalfinhado por espaços na estrutura governativa entre dois gigantes partidários, PMDB e PT. Sobre o primeiro se colou a pecha de fisiológico, onipresente em qualquer governo. Sobre o segundo se conta um pouco de tudo, desde a versão de que deixou de ser "vestal" para se transformar em pecador igual aos outros, ao mito de que, à moda do Criador, teria plasmado a abóbada que adorna os céus dos nossos trópicos e aberto, "pela primeira vez", a torneira da bem-aventurança, despejando felicidade em milhões de brasileiros saídos do inferno para o gozo do paraíso. Ambos são parceiros na construção da aliança que pôs Dilma Rousseff no comando da Nação.

Desde 1986, quando elegeu 22 dos 23 governadores, 260 deputados federais e 44 senadores, o PMDB tornou-se a maior organização partidária, elegendo, em pleitos seguintes, o maior número de prefeitos e as bancadas mais cheias nos Legislativos federal, estaduais e municipais. De lá para cá acumulou extraordinária capilaridade, fazendo-se presente nos rincões distantes e se tornando o pêndulo de qualquer governo.

Desde 1984, quando foi criado sob o epíteto do "socialismo democrático", que hoje se esconde sob o esparadrapo de feridas abertas pela Ação Penal 470, o PT se esforça para liderar o ranking da política. Puxando os cordões do poder pelas margens sociais, conseguiu chegar três vezes à Presidência da República e este ano busca a quarta vitória, com a qual reforçará a base do projeto mais longo (e vertical) de poder da História contemporânea: dirigir o Brasil por um tempão. Vertical na perspectiva de concentrar o poder nas próprias mãos, evitando dispersão de forças.

Vista de longe, a esganiçada contenda entre os dois atores mostra que eles não lutam apenas para conquistar espaço na Esplanada dos Ministérios (o PT comanda 17 pastas e o PMDB, apenas 5). Trata-se de algo mais abrangente e que, pouco a pouco, acirra os ânimos dos parlamentares plantados nas legendas governistas. O busílis tem nome: o projeto hegemônico do PT. O escopo pode ser assim descrito: alijar o principal parceiro, o PMDB, do centro do poder, deixá-lo à margem, transformando-o em partido médio igual aos outros; portanto, de arreio curto e sem condição de alçar voo em direção ao comando das duas Casas do Congresso Nacional, como hoje. A meta petista é eleger este ano 130 deputados federais, o maior número de governadores, a mais extensa bancada de deputados estaduais, pavimentando um gigantesco campo que servirá de base para a decolagem de candidatos a prefeito e vereador em 2016, com os quais a sigla resgataria, sob ecos triunfantes, o "volta Lula" em 2018, com direito a reprise na reeleição de 2022. O resto, SDS (Só Deus Sabe).

Hegemonia - eis o fulcro do imbróglio entre os maiores partidos políticos. O poder hegemônico engendrado pelo PT é que está em jogo. Tal estratégia começa a esquentar a peroração política. A sensação, no momento, é de que o domínio político e administrativo por uma sigla, que abre intensa polêmica, ameaça criar divisões profundas no meio da sociedade. Ortodoxos chegam a aventar a hipótese de mudança de regime e da instalação de um Estado com extensos braços intervencionistas, a par do controle dos meios de comunicação, caso os petistas consigam seu intento.

Vamos à análise. São tênues, para não dizer improváveis, alternativas que apontem para o estreitamento das colunas do nosso edifício democrático. Governos de partidos únicos, regimes totalitários, visões intervencionistas e modelagens que fecham as tubas de ressonância social são cada vez mais escassas na esfera planetária. A contemporaneidade abre-se para o respiro social e a hegemonia, ao menos nos termos do passado, não condiz com a atualidade. Hegemonia expressa domínio, força, poder de mudar, controlar e impor. Denota o predomínio de visão unilateral por um partido ou um grupo, engenharia que não condiz com o espírito de nosso tempo.

Não se divisa "o fim do poder" nas condições que Moisés Naim, editor-chefe da revista Foreign Policy, mostra em seu livro lançado em outubro, e, sim, sua degradação, seu arrefecimento. Basta enxergar a teia por onde se move a política. As crises econômicas em série, a organização das comunidades de todos os tipos, a elevação do conceito de igualdade entre gêneros, os conflitos no mundo do trabalho, a delinquência e a violência expandida nos centros urbanos, a queda dos mercados financeiros constituem, entre outros, fatores que alteram a maneira de agir dos poderes centrais. As dificuldades enfrentadas pelas administrações públicas, em todo o planeta, impõem novos paradigmas, levando os poderes a se tornar fragmentados. O palco da política está mudando. Na esteira da dispersão, antigos centros de poder perdem sua capacidade de coordenação e controle.

Os arsenais das democracias enchem-se de armas menores, mas tão eficientes como os grandes armamentos, tendo capacidade de vetar, contrapor, combater e limitar as margens de manobra dos grandes atores. Essa nova artilharia é composta e suprida por micropoderes, ajuntamentos de pessoas formados no interior de categorias profissionais, na escala dos gêneros, nas geografias regionais e no espaço das organizações intermediárias. E o que se vê? Governantes, mesmo os que detêm imenso poder, como os nossos, ancorados num modelo presidencialista de caráter imperial, enfrentam vulnerabilidades. A presidente Dilma, mesmo dispondo de formidável rolo compressor - uma base governista em torno de 350 parlamentares na Câmara -, não acaba de ver a aprovação da convocação de dez ministros?

Moisés Naim pinça um bom retrato: "A figura de Gulliver, amarrado no chão por milhares de minúsculos liliputianos, capta bem a imagem dos governos destes tempos - gigantes paralisados por uma multiplicidade de micropoderes".

Pescaria de ministros - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 16/03
BRASÍLIA - O voto é secreto, mas o número de ex-ministros de Lula e Dilma que não devem apoiar a reeleição já passa de dez e continua crescendo, num movimento curioso.
Eduardo Campos e Marina Silva puxam a fila dos ex-ministros que caminham para a oposição e parecem preferir esses dois ex-colegas de ministério em governos do PT ao tucano Aécio Neves.

Essa fila dos que são pró Campos e Marina --logo, anti-Dilma-- acaba de incluir o embaixador José Viegas, mas já tinha o vice do PSB, Roberto Amaral, e o pernambucano Fernando Bezerra Coelho, que relutou, mas cedeu e, afinal, ficou com o governador do seu Estado.

Campos já se insinua para ex-ministros de Lula que têm menos identidade com o PT e mais com os tucanos, como Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan. Aécio está atrasado, ou muito discreto.

Não seria surpresa, portanto, que Campos investisse também em Nelson Jobim, que brilhou como ministro da Defesa de Lula, mas saiu do governo Dilma trocando desaforos com a presidente. Votaria nela agora? Amigos desse gaúcho sem papas na língua apostam que não. Ele é ligado a Serra, não tanto a Aécio.

Campos vai além e já até sondou a celebridade Gilberto Gil para concorrer no Rio. Como Gil pode voar para qualquer uma das três candidaturas, livre, leve e solto, Campos desviou o alvo para um outro ex-ministro de Lula, Miro Teixeira.

E o que fará, por exemplo, o senador Cristovam Buarque, que já foi, ele mesmo, candidato à Presidência? Seus interlocutores informam que ele não irá com Dilma e está a um passo de anunciar apoio ao conterrâneo Eduardo Campos.

São 39 ministérios, com um entra e sai razoável, e há ainda muito peixe a ser pescado: Miguel Jorge, Geddel Vieira Lima, Reinhold Stephanes, Mangabeira Unger...

Consultando-se a lista de ministros de Lula, Dilma só tem 100% garantidos... os do próprio PT.

Falta coragem para enfrentar caos energético - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 16/03
O pacote de salvação da lavoura - melhor, do setor elétrico nacional - chegou tarde, com caráter provisório e acovardado diante da proximidade das eleições. As fragilidades não são de hoje, assim como é de passado remoto a urgência de resposta definitiva para a crise, que avança celeremente. Não bastasse o descompasso entre a infraestrutura disponível (por pura incompetência no investimento dos recursos públicos) e as necessidades nacionais, agora é crescente o risco de colapso financeiro das distribuidoras de eletricidade. Isso, numa conjuntura agravada pelo pior regime de chuvas em décadas.
Pois é nesse quadro preocupante que o governo cede a interesses eleitorais e deixa para o próximo ano - portanto, para bem depois de o brasileiro depositar seus votos na urna, quando os eleitos já estiverem firmes nos cargos - a maior parte do aumento da conta de luz decidida na última semana. Mais: nem se fala em medida desgastante como o racionamento de energia. Tampouco se apela ao consumidor para que gaste menos, embora a economia popular, mesmo voluntária, incentivada por campanhas educativas, possa significar importante contribuição.

Até parece que a escuridão chegou antes para as autoridades, que não viram a ficha cair. Com o quadro hidrológico adverso, o apelo às termelétricas, poluentes e caras, foi a saída previsível. Mas o tempo passou, o rombo aumentou e o uso prolongado das usinas - que não foram projetadas para funcionar de forma ininterrupta por prazos longos, devendo ser paradas para manutenção - começa a dar problemas, como a perda de eficiência. Diversas unidades já não conseguem gerar a energia programada. Ou seja, é o esgotamento da alternativa B, sem volta segura para a A.

Não bastasse, busca-se saída pela tangente. É o prescrito no tal pacote, anunciado quinta-feira. Na emergência, destinaram-se mais R$ 12 bilhões para o setor. Como parte será bancada pelo Tesouro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antecipou que a compensação virá, entre outras fontes, na forma de "aumentos programados de alguns impostos". A conta de luz também subirá. A questão é: ou estanca-se de vez a sangria, ou o buraco não terá fundo e o consumidor terminará sendo convocado a assumir os gastos extras quantas vezes forem necessárias.

Lembre-se de que a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, prometeu baratear as tarifas, preços que, na verdade, vêm sendo represados artificialmente (pagando menos, o consumidor gasta mais), por motivos políticos e para conter a inflação. Lembre-se, ainda, de que a mandatária chegou aonde está carimbada pelo marketing político como gestora eficiente advinda justamente da área energética. Essa luz já se apagou. Resta saber se aquela ainda visível no fim do túnel, brilhando tênue nas eleições de outubro, permanecerá acesa ou sucumbirá diante das manobras eleitoreiras que elegem a maquiação em detrimento da solução. É preciso ter coragem para enfrentar e mudar de vez o panorama do setor elétrico.

As lições que vêm do Uruguai - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/03

Presidente Mujica dá exemplo ao evitar revanchismo, defender revalorização da política e afirmar que América Latina precisa construir acordos para pesar no mundo



José “Pepe” Mujica, 79 anos, é o 40º presidente do Uruguai. Ex-guerrilheiro tupamaro, lutou contra a ditadura que comandou o país entre 1973 e 1985. Participou de assaltos, sequestros e da tomada de Pando, em 1969, quando os tupamaros ocuparam a delegacia, o quartel dos bombeiros, a central telefônica e vários bancos de uma cidade. Passou 14 anos preso, sendo libertado em 1985.

A princípio, sua simplicidade extrema beirava o exotismo. A casa modesta numa fazendola perto da capital uruguaia; seu carro, um velho fusca; as roupas simplórias mesmo em atos oficiais; os 90% do salário doados à caridade; um único carro de polícia na segurança de sua casa. Trata-se de um ato de protesto, revelou, em entrevista ao GLOBO. “As repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes; nasceram para dizer que todos somos iguais (...)”.

Em 2013, ele pôs o pequeno Uruguai na vanguarda ao legalizar o aborto, o casamento gay e a maconha. Explicou: “Aplicamos um princípio muito simples: reconhecer os fatos”.

A frase vale tanto para as três ousadas iniciativas quanto para a postura do presidente uruguaio, livre do revanchismo que turva a visão política de outros líderes atuais que militaram na esquerda radical. E que dificulta consensos e a governabilidade. Mujica demonstra ter um senso realismo que falta, por exemplo, no outro lado do Rio da Prata, na Casa Rosada, sede do governo argentino.

Sobre seu passado de guerrilheiro, afirmou que “há 40 ou 50 anos, achávamos que chegar ao governo nos permitiria criar uma nova sociedade. Nossa maneira de pensar era ingênua, uma sociedade é muito complexa e o poder, muitíssimo mais complexo”. Se vê com simpatia movimentos de protesto, como a Primavera Árabe e mesmo as manifestações no Brasil, logo ressalva que “não levam a lugar nenhum”. Na sua opinião, “não construíram nada. Para construir, há que se criar uma mente política, coletiva, de longo prazo, com ideias, disciplina e método. Isto é antigo, ou parece antigo. Mas, sem interesses coletivos, é difícil mudar”. O presidente uruguaio não desfila a arrogância que alguns egressos da esquerda latino-americana da década de 70 ostentam hoje no poder.

Fato é que sob governos de uma esquerda que se revela moderna— ele sucedeu a Tabaré Vázquez, que deverá voltar à presidência —, organizada numa frente, o Uruguai, sem arroubos, salvacionismos e revanchismos se destaca no continente. Dos arredores de Montevidéu, Mujica envia a mensagem: “nós, latino-americanos, temos de ter a sabedoria de tratar de construir acordos para poder pesar neste mundo. Nós precisamos do Brasil, mas o Brasil necessita de nós todos, porque o desafio é de continentes.” Provavelmente, se ele tivesse mais voz no Mercosul, talvez o Brasil não estivesse preso num beco ideológico sem saída, emparedado entre a Argentina e a Venezuela. Mujica parece ser um dos raros estadistas na política latino-americana.

O gosto amargo do mensalão - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 16/03

O legado do julgamento da Ação Penal 470 é acre. Embora possa ser visto como exemplar, pois afinal encarcerou políticos poderosos, entre os quais os chefes do partido ora no poder, o desenlace deixou a sensação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) se contaminou por interesses político-partidários. Nada disso prenuncia boas coisas: nos quase 12 anos em que estão no governo, os petistas, após várias tentativas, enfim parecem ter encontrado a composição ideal - para seus propósitos - da maior corte de Justiça do País. Pois é essa a impressão que fica dos episódios que resultaram no abrandamento das penas impostas aos caciques do PT envolvidos no escandaloso esquema de corrupção denominado "mensalão".

No processo, que começou quando ainda faziam parte do STF os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto, os líderes petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares foram condenados a penas entre 6 anos e 11 meses a 10 anos e 10 meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa. João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, foi condenado a 9 anos e 4 meses por crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.

Havia carradas de provas do "comportamento delinquencial gravíssimo" desses réus, conforme as palavras indignadas do ministro Celso de Mello, decano do tribunal. Foram mais de 60 sessões de um processo que se arrastou desde 2007, produzindo cerca de 50 mil páginas que reconstituíram aquilo que se configurou no plano de assalto ao poder republicano brasileiro articulado pelos indigitados líderes do PT junto com criminosos de outros partidos.

Aos réus foi concedido amplo direito à defesa, que foi exercido nos mais exaustivos detalhes - sempre na esperança, para eles, de que o atraso, a chicana e a procrastinação prescrevessem os crimes. No entanto, o árduo trabalho do colegiado de magistrados impediu que triunfasse a impunidade, fazendo avançar um processo que os céticos esperavam que caminhasse, a passos de cágado, para o esquecimento, até então a vala comum das ações contra políticos corruptos no Brasil.

Quando ficou claro que os líderes petistas seriam efetivamente condenados e teriam de ir para a cadeia, o PT deflagrou uma feroz campanha de intimidação contra a Suprema Corte, qualificando-a de "tribunal de exceção" - uma evidente ironia, considerando-se que grande parte dos ministros do STF fora nomeada por presidentes filiados ao partido. Foi especialmente vilipendiado o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, eleito pela milícia petista para encarnar o "Mal", aquele que atropelara as leis para perseguir "democratas" como Dirceu e Delúbio e, assim, auferir popularidade para uma eventual candidatura política. O destempero de Barbosa, tanto em relação aos réus quanto a seus pares no STF, não ajudou a dissipar essa imagem.

Mas as decisões do Supremo não foram monocráticas, e sim colegiadas, conferindo-lhes indiscutível legitimidade. Restava apostar na mudança desse colegiado para reverter as penas, e isso aconteceu, efetivamente, quando o STF passou a contar com Luiz Roberto Barroso e Teori Zavascki.

Com os votos desses dois ministros, Dirceu, Delúbio e Genoino escaparam da condenação por formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do regime fechado. Além disso, Barroso e Teori contribuíram decisivamente para absolver João Paulo da acusação de lavagem de dinheiro, o que também o livrará do regime fechado.

Pode-se dizer, ainda assim, que o simples fato de haver políticos graduados atrás das grades torna o caso do mensalão um marco na história do País. Isso é verdade, mas causa desconforto observar que o Supremo pode reformar suas próprias decisões - em um julgamento "plenamente legítimo e solidamente estruturado em provas lícitas, válidas e produzidas sob a égide do contraditório", como disse Celso de Mello - não de acordo com o que está nos livros jurídicos e nas leis e, sim. conforme entendimentos que, afinal, podem ser mutantes. Não é um bom augúrio.

Criatividade nefasta - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/03

Falta de chuvas e decisão de Dilma de forçar redução na conta de luz geram graves problemas ao setor elétrico, que precisa de socorro



É preocupante o caminho escolhido pelo governo Dilma Rousseff (PT) para lidar com a alta dos custos da energia no país.

O problema decorre, em parte, da falta de chuvas. Com a menor geração hidrelétrica, as usinas térmicas, mais caras, precisam ser utilizadas. Como as distribuidoras vendem energia ao consumidor por um preço regulado, isso atualmente lhes proporciona prejuízo.

A situação ficou ainda mais grave porque a presidente decidiu, no ano passado, forçar uma redução na conta de luz.

As crescentes dificuldades das distribuidoras se tornaram insustentáveis, e o governo teve de agir. Imaginava-se que o equilíbrio seria alcançado por meio de um aumento moderado na tarifa somado a repasses do Tesouro --R$ 4 bilhões serão liberados para o setor.

Com relação ao aumento para o consumidor, no entanto, o governo, pautando-se por objetivos eleitorais, resolveu deixar o impacto para 2015. Para isso, recorreu, como tem sido comum nessa administração, a soluções criativas --no mau sentido do termo.

O pacote de socorro às distribuidoras será completado com empréstimos, no total de R$ 8 bilhões, a serem tomados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), uma entidade privada mantida pelo setor. O financiamento, em tese, será pago pelas empresas a partir do próximo ano com a receita propiciada pelo aumento da conta de luz.

O secretário do Tesouro, Arno Augustin, um dos mais criativos membros da administração, afirma que não haverá impacto no Orçamento, já que não se trata de uma empresa pública.

Diante da incerteza que reina no sistema, todavia, pode ser difícil para a CCEE achar atores dispostos a bancar a aventura. Não será surpresa, portanto, se os bancos públicos acabarem sendo convocados para cuidar da fatura.

No afã de reduzir a conta de luz --o que em tese poderia favorecer a competitividade do setor privado brasileiro--, o governo ignorou a racionalidade econômica. Preços menores devem ser consequência de ganhos de eficiência, não de promessas populistas.

Ações concretas e planos de longo prazo para o setor, por enquanto, não constam da estratégia governista. Já seria de lamentar em qualquer hipótese, mas é ainda pior vindo de uma presidente que cultivou fama de boa gestora, não sem ironia, precisamente no Ministério de Minas e Energia.

O papelão da diplomacia brasileira - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 16/03

O Brasil é protagonista no teatro latino-americano que pretende isentar Nicolás Maduro de responsabilidade pela violência na Venezuela



Já são 28 os mortos desde o início dos protestos contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, segundo dado atualizado pela Promotoria do país. Existem evidências suficientes de que por trás de muitas das mortes estão os chamados “coletivos”, milícias armadas e motorizadas que ganharam um endosso especial de Maduro quando, em 5 de março, primeiro aniversário da morte de Hugo Chávez, o ditador falou em cadeia nacional de rádio e televisão e pediu ao povo, em especial aos grupos chavistas, que seguissem “a ordem do comandante Hugo Chávez: vela que se acende, vela que apagamos com o povo organizado para garantir a paz a nosso país”. Não tanto um chamado à concórdia, mas à repressão contra os manifestantes para garantir uma paz baseada no silêncio da oposição. Enquanto a Venezuela sofre sob a ditadura chavista, a maioria dos vizinhos latino-americanos encena um teatro que faz deles cúmplices das mortes de venezuelanos. E nessa farsa o Brasil, infelizmente, exerce papel de protagonista.

Em fevereiro, a presidente Dilma já tinha dito, na Bélgica, que “não cabe ao Brasil discutir o que a Venezuela tem a fazer, até porque seria contra a nossa política externa. Não nos manifestamos sobre a situação interna de nenhum país” – hondurenhos e paraguaios certamente teriam muito a dizer sobre a “não interferência” brasileira em seus assuntos. O Brasil já tinha assinado uma nota absurda do Mercosul em apoio ao governo de Nicolás Maduro. Mas os acontecimentos dos últimos dias tornam ainda mais vergonhosa a atuação da diplomacia brasileira, que já foi uma das mais respeitadas do mundo, mas agora vive de joelhos diante da ideologia bolivariana.

O Brasil, por exemplo, ajudou a barrar, no dia 7, o envio de uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) à Venezuela. O argumento pífio do Itamaraty era o de que o fato de a entidade incluir os Estados Unidos desaconselhava uma ação da OEA. Em outras palavras, só os aliados ideológicos de Maduro teriam a isenção suficiente para analisar a convulsão social venezuelana. Em vez disso, foi aprovada uma resolução insossa, quase condescendente com o governo chavista, como se Maduro estivesse realmente disposto ao diálogo e à reconciliação – apenas Estados Unidos, Canadá e Panamá se opuseram ao texto.

Em vez da OEA, entrou em ação a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), quase uma organização-satélite do bolivarianismo, presidida pelo ex-ditador e atual presidente do Suriname, Dési Bouterse, contra o qual existe até um mandado internacional de prisão por tráfico de drogas. Na quinta-feira, os chanceleres dos países membros da entidade assinaram mais uma nota em que respaldam os “esforços do governo da República Bolivariana da Venezuela para promover um diálogo entre o governo, todas as forças políticas e atores sociais” – embora os únicos esforços governamentais feitos até agora são os de prender opositores e colocar os “coletivos” para disparar contra manifestantes, ações que não são nem sequer mencionadas no texto, duramente criticado pelo que sobrou da oposição venezuelana.

Agora, a Unasul pretende enviar “mediadores” à Venezuela, medida aplaudida pelo chanceler venezuelano, Elías Jaua. Antes da nota da entidade, a oposição venezuelana já havia pedido à Unasul que olhasse com objetividade para a aflição da Venezuela. A nota de quinta-feira mostrou que a súplica passou em branco, ampliando o temor de que o grupo de mediadores, influenciado pelo bolivarianismo, já tenha praticamente prontas suas conclusões antes mesmo de colocar os pés no país, dando seguimento à farsa de que a diplomacia brasileira parece participar com alegria.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Há pessoas felizes, outras menos felizes”
Ministro Gilberto Carvalho, proclamando suas obviedades sobre reforma ministerial


LULISTAS DO PT JOGAM DILMA AOS LEÕES NA CÂMARA

As sucessivas derrotas da presidente Dilma Rousseff na Câmara, semana passada, contaram com apoio não apenas da base aliada, chefiada pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), como do próprio PT, onde vem crescendo o movimento "volta, Lula". Nas palavras de um líder do "blocão", o "PT lavou as mãos e jogou Dilma às feras" ao abandonar a sessão na qual o governo sofreu uma derrota de 28 votos contra 267.

PROBLEMA DA DILMA

Diferentemente de outras votações, em que petistas vão à tribuna para defender o governo, deputados simplesmente sumiram do Plenário.

O TROCO

De uma bancada de 87, apenas 11 deputados do PT votaram contra a criação de comissão externa para investigar denúncia contra a Petrobras.

ESCAFEDEU-SE

Na Comissão de Fiscalização e Controle, a habitual tropa de choque do PT também não deu as caras para impedir a convocação de ministros.

PARA NÃO ESQUECER

João Capiberibe (PSB- AP) propôs sessão do Senado para que o golpe de 1964 não seja esquecido: “Infelicitou a Nação por 21 anos”.

JADER TORRA CADA CENTAVO DA VERBA INDENIZATÓRIA

Apesar de ter sido o senador mais ausente do ano passado, Jader Barbalho (PMDB-PA) não economiza quando o assunto é verba indenizatória. Em 2013, torrou até o último centavo permitido da gorda cota de R$ 40.426,20 mensais. Gastos com “divulgação da atividade parlamentar” e consultorias, além de passagens aéreas, coincidiram, milagrosamente, até os centavos, com toda a grana disponível no ano.

ATÉ A ÚLTIMA PONTA

Senadores paraenses têm cota de R$ 485.114,40 ao ano, mas apenas o ausente Jader conseguiu gastar tudo. Tudo mesmo.

DISTÂNCIA É GRANA

A cota parlamentar depende do valor da passagem aérea entre seu estado e Brasília. Vai de R$ 252,5 mil a R$ 531,3 mil por ano.

UM POR TODOS

Entre os senadores do DF, apenas Gim Argello (PTB) gasta sua cota. Rollemberg (PSB) e Cristovam (PDT) não mexem no dinheiro.

DESFAÇATEZ

O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, faz pouco da inteligência do contribuinte, ao dizer que a conta de luz só vai aumentar “quando o Tesouro cobrar” os bilhões liberados. Como se os recursos do Tesouro não fossem os impostos cobrados dos consumidores.

CHAPA PRONTA

Na política potiguar, é dada como certa a candidatura a governador do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), com o deputado João Maia (PR) na vice e a ex-governadora Wilma Faria (PSB) ao Senado.

DEIXA A ONDA PASSAR

O prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ) recuou de declarar apoio ao virtual candidato do PSDB, Aécio Neves (MG), à Presidência após desgaste na negociação para o fim da greve dos garis no Rio.

ME ERREM

Empenhadas em fazer reportagens sobre os 50 anos do golpe de 1964, emissoras de rádio e TV enfrentam dificuldade para encontrar militares da reserva que defendam o 31 de Março. Não querem dar a cara.

MARGEANDO O ALAMBRADO

Não basta ouvir vaia, tem que cercar: a Presidência da República reservou R$ 130 mil para comprar “alambrados disciplinadores” nas visitas de autoridades e contra “possíveis manifestações” em Brasília.

DEVAGAR, DEVAGARINHO

“Nunca antes” os Correios fizeram greve de quase dois meses em diversos estados, protestando contra o novo fundo privado Postalis, dirigido por um petista. No Rio Grande do Sul, acabou há três dias.

VAI QUE É TUA

Ligada à luta pelos direitos da mulher, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) tem recebido e-mails pedindo que defenda Rosemary Morais, a filha que o falecido ex-vice-presidente José Alencar renegou.

EFEITO SNOWDEN

Levantamento da PWC mostra aumento de 51% nos orçamentos para segurança da informação. No Brasil, 7% das empresas devem investir US$ 1 bilhão ou mais na área.

PERIGO AMARELO

Os satélites chineses são tão bons, que logo após “localizados”, os “destroços” do Boeing da Malásia viraram um pedido de desculpas.

Poder sem pudor

LIÇÃO DOS QUARTÉIS

Ministro do Interior e dos Transportes nos governos militares, o coronel Mário Andreazza tinha o hábito, ao desembarcar em qualquer lugar, de procurar imediatamente o sanitário do aeroporto. Certa vez, ele explicou ao assessor de imprensa Luiz Mendonça por que fazia isso:

- Aprendi no Exército: quando encontrar um banheiro e comida, sirva-se logo, porque nunca se sabe quando poderá fazê-lo novamente…