domingo, outubro 27, 2013

Biografias, ainda elas - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 27/10

É uma discussão de difícil consenso: liberdade de expressão x direito à privacidade. Dois pilares indispensáveis para uma sociedade civilizada. Como equilibrar os interesses?

Em 2005, publiquei uma pequena novela que tratou desse tema. Em Selma e Sinatra, uma jornalista entrevista uma famosa cantora a fim de escrever sua biografia, e durante suas conversas a cantora deixa escapar que teve um rápido affair com Frank Sinatra, mas não quer que isso seja revelado, pois era casada na época. A jornalista surta com o veto. E abre-se o debate entre elas: o que torna, afinal, uma vida interessante aos olhos dos outros?

Não condeno quem tenta preservar sua intimidade. Se um engenheiro não gostaria que falassem sobre seus porres, se um desembargador evita admitir que fumava baseados na adolescência, se uma publicitária não quer que vasculhem sua sexualidade, se uma professora não deseja que saibam que ela teve um caso extraconjugal, por que um artista deveria se sentir confortável com a exposição disso tudo?

Muitos responderiam: porque ele tem uma vida pública. Como se fosse um acerto de contas: “Já que você é rico, célebre e bem-sucedido, entregue seus podres em troca”. Mas em troca de quê? De ter realizado um trabalho que o deixou em evidência? É alguma espécie de punição por ser reconhecido nas ruas?

Sou uma leitora voraz de biografias e considero que toda história de vida é ficção. Quando leio livros sobre Marylin Monroe, Patti Smith ou Nelson Rodrigues, entendo que o autor, por mais que tenha pesquisado, por maior que seja sua boa fé, não tem como saber toda a verdade: as suposições contracenam com os fatos.

O biografado se torna um personagem – bem realista, mas um personagem. Até mesmo quem escreve a própria biografia maquia um pouquinho a si mesmo. Ninguém se deixa conhecer 100%. O leitor experiente tem consciência disso e rende-se à criação e à qualidade do texto.

Ou seja, em vez de discutir legislação, o ideal seria que lêssemos mais e melhor para mudar nossa mentalidade de abelhudos, entendendo que há diferenças entre uma matéria de revista e um livro: as revelações que o livro traz situam o biografado num contexto histórico e social, ultrapassando as fofocas íntimas, que podem ser curiosas, mas não têm essa relevância toda.

Se estivesse bem clara a diferença entre um livro e a Caras, artistas cujas vidas despertam interesse editorial talvez não tivessem tantos melindres, pois confiariam na inteligência do leitor. Mas o que este prefere? Um relato com pimenta ou sem pimenta? Bem embasada ou contada com sensacionalismo? Aí é que entra a questão da mentalidade, que se não se refinar, continuará a gerar o desconforto dos biografados.

Literatura nenhuma deve ser censurada, coibida, mas também não deve ser lida com avidez apenas por causa de detalhes mundanos. Houvesse segurança no discernimento do leitor, essa polêmica talvez nem tivesse iniciado.

Opiniões - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 27/10

O que você acha dos Black Blocks? É só vândalo, ou eles estão mostrando que é quebrando tudo que realmente se chama a atenção para as coisas que estão erradas? As manifestações de junho no fundo foram em vão? E os testes em animais? Maldade, necessidade ou faz parte do nosso processo evolutivo? E das biografias não autorizadas, o que você tem a dizer? É censura? Mas e a questão da violação da privacidade? Você viu a Paula Lavigne no Saia Justa? Já procurou saber?

E a greve dos professores? Eles tão certos em querer melhorias, mas é certo ficar meses sem trabalhar prejudicando as crianças? E os bancários? Humor tem limite? E a ditadura do politicamente correto? E essa Marina Silva, hein? Surpreendendo a todos! O que você achou dessa aliança dela com o Eduardo Campos? Será que vai dar uma chacoalhada nessa eleição? O Lula volta? Você viu a Marina Silva no Jô?

Esse Obama é que não sei não... Que você acha dele? O Papa é que tá fazendo uma limpa lá no Vaticano. Mais cabeça aberta esse cara, né? E agora gay não vai mais poder entrar em culto evangélico. Você concorda com o Feliciano? E com o Jean Wyllys? E o casamento gay? E a adoção de crianças por pais gays? Você viu essa lei nova que tá tramitando aí no Congresso?

A Copa do Mundo ser aqui foi um erro? E as Olimpíadas? Os recursos empregados em estádios não poderiam ser destinados a projetos mais relevantes como saúde e educação? E esses clubes brasileiros falidos, isso é má gestão, é muita roubalheira, é o futebol brasileiro que não soube evoluir e se profissionalizar ou é tudo junto?

O que você acha que aconteceu com o Eike Batista? Ele sempre foi uma fraude? E esses cubanos, hein? Isso vai dar certo? A culpa é dos brasileiros que não querem ir pra longe por falta de estrutura ou é culpa do governo, que não possibilita a estrutura? Ou dos dois? Mas não é melhor um médico no meio do nada sem recursos do que nenhum? E se fosse o seu filho numa situação de emergência no interior do sertão?

E a televisão? Acabou? A internet é o futuro? Ou já é o presente? Taí a NetFlix, né? A culpa é da nova classe C, que melhorou de vida mas não mudou de hábitos? Ou é a TV que tem que oferecer a ela coisas melhores? Como é que se resolve essa questão da Síria? É necessária a intervenção dos EUA? A ONU tem tomado as decisões corretas? Por que a Síria e o Irã não podem ter armas de destruição em massa e os EUA podem?

Mas é muito ministério, né não? É tudo jogo político pra empregar aliado que o pessoal teve que fazer pra ter mais tempo na TV. Partido nem existe mais. Ou você acha que era só ter menos siglas que resolveria muita coisa? Que você acha, Fábio? Bom, respondendo sua primeira pergunta...

Em Fortaleza - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 27/10

Todos repetem a frase 'é proibido proibir', da canção em que ecoei as paredes de Paris em 68 — que por sua vez ecoavam algum surrealista do início do século XX


O ministro Marco Aurélio Mello me chamou de jurista. Jurista, eu? Ele teve a argúcia de acrescentar imediatamente “baiano” ao título que me concedeu. Percebi em tudo um tom carinhoso, mas agora só se quer ver ironias ferinas e desavenças. Todos repetem a frase “é proibido proibir”, da canção em que ecoei as paredes de Paris em 68 — que por sua vez ecoavam algum surrealista do início do século XX. Sobre ela já fiz longa reflexão em texto de resposta a Ariano Suassuna, quando este escreveu uma tardia catilinária contra o tropicalismo. Não vou repeti-la aqui: quem quiser saber que procure em “O mundo não é chato”. Aliás, a primeira coisa que me ocorreu quando li o ministro sobre mim foi brincar com o fato de que ele é mais moço do que eu: as boas maneiras pedem que se respeitem os mais velhos. Mas isso já faz mais de uma semana e eu adoraria voltar a falar do livro de Chico Amaral sobre a música de Milton ou começar a falar das “Cartas de marear”, de Helio Eichbauer. Infelizmente, ao contrário do que disse Zuenir, o assunto das biografias ainda não deu o que tinha de dar.

Na verdade, depois da piada de Zuenir a imprensa intensificou a atitude tropa de choque. A tal ponto que pensei em pôr minha máscara de black bloc e enfrentar os ataques ditos não letais e assim proteger os manifestantes pacíficos que se chamam Chico, Djavan, Marisa, Erasmo, Gil, servindo-lhes de vanguarda militar informal.

Mas sou da paz. O artigo de Ana Maria Machado deveria ser lido por quem quer que se interesse pelo assunto (pelo visto nas folhas e nas redes, o interesse é enorme, embora não pareça ser pelo que é discutível na questão, e sim pela oportunidade de agredir quem ganhou prestígio no Brasil, país que ainda precisamos tanto provar que não vale nada nem poderá nunca valer nada). Ela fala do instinto de autodefesa desenvolvido por quem sofreu demasiadas vezes a violência do uso ilegítimo da palavra escrita.

Como jurista baiano, tendo a pensar que o PL 393, ao falar em “divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica” dá demasiada ênfase à liberdade de informação, omitindo completamente qualquer possibilidade de proteção da intimidade. A barulheira que a imprensa faz impede que pensemos com cuidado sobre esse problema. “Divulgação” é termo muito vago e “imagem” nos leva logo a pensar em filmes e minisséries invasivos e rentáveis. Muitos põem a liberdade de expressão acima do direito à privacidade. Mas notemos que, da grande imprensa, só o “Estadão” (que não tem editora de livros) admite que se considere o equilíbrio entre esses dois direitos constitucionais. O resto diz apenas que o direito de informar é absoluto. Nunca quis censura prévia de coisa nenhuma. Mesmo a biografia de Roberto Carlos não foi censurada previamente. Um juiz, valendo-se do que o Código Civil admite, pôde pedir a suspensão das vendas. Depois as partes fizeram um acordo.

Solidarizo-me com meus colegas. Ao ver notas sobre supostos dramas familiares de jovens atores (com avanços sobre motivos íntimos não confirmados por nenhum dos envolvidos), penso no que disse Ana Maria: nas revistas e sites invadem-se intimidades e a nossa discussão parece ater-se aos livros biográficos. Seja como for, o PL 393 agrava a situação de quem está exposto a isso, já que não temos nada na lei que leve a imprensa a pensar duas vezes. Nem as punições nem a velocidade dos julgamentos intimidam ninguém.

O que ambiciono, ao dar as costas às minhas antigas ideias simplistas a respeito, é um aprofundamento da discussão. Sinto-me à vontade na posição de desafiar o poder da imprensa. É minha cara. A exigência feita por Ana Maria Machado de que deixemos de brigar por contraste de posições e passemos a tomar conta do respeito às pessoas, que a indústria da notícia escandalosa agride, calou fundo. É nesse panorama que convido as pessoas razoáveis a pensarem comigo. Nada muito diferente do que quer a presidente da ABL: que não ajamos como se a democracia tivesse que escolher entre a censura e a difamação. Será que o tom histérico da imprensa e a psicopatia coletiva das redes são a palavra final? Acho que Chico, Gil e eu não estarmos em posição confortável reafirma nosso histórico, ao invés de desmenti-lo. Eu desconfiaria se os três estivéssemos, ao mesmo tempo, tendo apoio unânime. Nelson Motta, biógrafo, defende força na indenização, que não repara o sofrimento do ofendido mas dói no bolso do ofensor. Não somos um bando de censores. Livros à mancheia e manda o povo pensar. Mas pensar. Em Fortaleza, entre voos longos e show puxado, não posso fazê-lo bem. Embora seja maravilha estar aqui. Mas tento e recomendo.

Tanto barulho por nada - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 27/10

Embora seja ilegal fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia


Não faz muito tempo, um cidadão de mais de 60 anos invadiu o apartamento acima do seu, aqui no Rio, e matou a tiros o casal que morava ali; em seguida, suicidou-se. E qual foi a causa dessa tragédia? Barulho, excesso de barulho.

Esse é, sem dúvida, um caso extremo, mas não deixa de ser indicativo do alto nível de barulhos de todo tipo que atormenta os cariocas.

O Rio, aliás, é uma cidade particularmente barulhenta. O barulho parece fazer parte de sua cultura, talvez pela tradição dos batuques que estão na origem mesma da cidade, tornada a capital do Carnaval. Nas favelas, originalmente, tornou-se natural promover batuques que atravessavam as noites. Isso se consolidou com o crescimento das escolas de samba, realizando seus ensaios, que mais tarde desceram dos morros e se alastraram por vários bairros da cidade.

Pode ser que me engane, mas a verdade é que, dada essa tradição, todo mundo se sente no direito de fazer festa em cada esquina. Um simples boteco, de apenas uma porta, toma a calçada em frente com mesas e cadeiras para vender chopes e batidas. E, para que a alegria seja completa, põe caixas de som num carro e toca música até altas horas da noite. Os moradores dos apartamentos próximos que se mudem.

E o que mais espanta é que, embora seja ilegal ocupar calçadas e fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia ou dos órgãos oficiais. Acham engraçado, é o espírito festivo do carioca.

Em alguns casos, paga-se o guarda. Suborno é coisa comum, mas é outro assunto. Fiquemos na poluição sonora que é o tema desta crônica, o que é bastante porque, como já diz aqui, barulho faz parte da cultura carioca. E quem reclama é, no mínimo, um chato.

E tanto isso é verdade, ou seja, que o barulho é parte de nossa cultura, que os órgãos oficiais não apenas se omitem no combate à poluição sonora, como, pelo contrário, ajudam a poluir. Quer um exemplo? As sirenes dos carros de bombeiros e dos carros de polícia. Quando qualquer um desses veículos passa em frente a minha casa, corro e fecho as janelas, além de tampar os ouvidos. São sirenes absurdamente estridentes, que soam numa altura alucinante e sem necessidade, sem razão plausível.

A finalidade dessas sirenes é abrir caminho, no trânsito, para esses veículos. Ou seja, basta que os motoristas que estão à frente do carro da polícia a ouçam para que ela cumpra sua função. Não é necessário que todas as pessoas num raio de centenas de metros tenham de ser atordoadas por tais sirenes, nem quem está a várias quadras de distância nem muito menos quem está em seu apartamento, vendo televisão, conversando ou dormindo.

Certa vez, estava no meu carro, em meio ao tráfego engarrafado, quando um desses carros oficiais subitamente disparou sua sirene atordoante: levei um susto e quase joguei meu carro sobre o veículo que estava a meu lado. Cabe perguntar: não é função do governo combater a poluição, como, então, em vez disso, polui mais que todos? Ou estamos naquela de que ao governo tudo é permitido? Não apenas os chefes, o pequeno funcionário também pensa assim, quanto mais se trata de alguém que zela pela segurança pública. A ele, claro, tudo é permitido.

Mas se fossem só os carros oficiais, já me daria por feliz. Somos, sem dúvida alguma, um povo do barulho. Não por acaso, inventaram de algum tempo para cá, que todo mundo adora música e quer ouvi-la 24 horas por dia.

O resultado disso é que onde você entra há música (ruim) tocando e irritantemente alta: seja no supermercado, na loja de eletrodomésticos e até em algumas farmácias.

Ainda fiquei surpreso ao entrar numa loja de frutas e legumes e me deparar com um fundo musical atordoante. Fugi de lá na mesma hora. E nos restaurantes, há música também, claro. Aliás, em alguns deles, a moda agora é pôr numa altura que permite todo mundo ver uma televisão ligada o tempo todo, no pior programa e para todo o mundo ver e ouvir.

Isso sem falar no pessoal que fala berrando no telefone celular. Como disse um amigo meu: é que eles não sabem que já inventaram o telefone.

Mentindo em Berlim, sem meias - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 27/10


A tecnologia cibernética e a globalização dificultam muito a vida dos escritores viajantes, cujos veneráveis patronos talvez sejam Heródoto, Marco Polo e, no caso da língua portuguesa, o grande Fernão Mendes Pinto, também ingratamente conhecido como "Fernão, Mentes". Era muito bom, quando se podiam fazer relatos assombrosos de monstros marinhos que engoliam navios inteiros sem mastigar, reis e imperadores que moravam em palácios de ouro maciço, rinocerontes voadores e portentos para qualquer gosto ou fantasia. Sumiram até mesmo os mentirosos de renome local, como os de Itaparica, hoje reduzidos a uma meia dúzia desalentada, que não pode competir com a tevê e mal reúne plateias minúsculas de dois ou três gatos-pingados, mesmo assim descrentes, desrespeitosas e contestadoras, que duvidam até de façanhas singelas, como a descrita numa das histórias contadas pelo finado Lamartine. O tocante episódio teve início quando o papagaio de Lamartine, presente da sua dele santa esposa, a também saudosa dona Naninha, fugiu de casa, onde vivia solto, poucas semanas antes de seu dono chegar à então avançada idade de sessenta anos, ocasião festiva para todos.

Para todos, mas não mais para Lamartine. O papagaio, fluente em várias línguas, cantor, imitador e assoviador exímio, cujo fino trato social se invejava até em círculos elevados, era o grande companheiro de Lamartine, parceiro de conversa e de observação do cotidiano, autor de chistes memoráveis e ditos até hoje celebrados, amigo de todas as horas. Mas, num inacreditável assomo de apunhalante ingratidão, não apareceu para o papo das cinco da manhã e, depois de toda a ilha procurar, dias seguidos, saber inutilmente de seu paradeiro, concluiu-se que havia fugido para sempre, abandonando, de maneira infame e reprovável, o amigo de tantos anos. Nem mesmo as artes sedutoras de alguma papagaia mais da pá virada podiam ser responsabilizadas, porque Jefferson, o papagaio, que por sinal era o rei do baixo linguajar, estava cansado de saber que qualquer papagaia, ou mesmo mais de uma, por mais safadinha que fosse, teria boa acolhida na casa do amigo, sem perguntas ou cobranças.

Não, não era aquilo, era ingratidão mesmo, privação dos sentidos, ou até demonstração de fraqueza de caráter e maus princípios, forçoso reconhecer. Apesar de dona Naninha ter organizado uma festança de aniversário, Lamartine fazia o possível, mas não conseguia sufocar a dor da traição. Na festa, dava um sorrisinho chocho aqui e ali, só por boa educação, e fingia contentamento, mas a tristeza era invencível. E estava assim sorumbático, encostado numa das coluninhas do alpendre, quando, bem do lado de onde sopra o apreciado vento nordeste, entre fiapinhos de nuvens alvas lá em cima e frondes de coqueiros cá embaixo, começa a ouvir-se uma espécie de crá-crá-crá longínquo, que logo se torna mais próximo, ao tempo em que, em harmonioso roteiro sobre os contornos da Ponta de Nossa Senhora, um verdadeiro esquadrão de papagaios, com um líder à frente, adeja gracioso na direção da varanda de Lamartine, cantando, em tom afinadíssimo, a música apropriada para o momento.

Sim, é o que vocês estão pensando. O irrepreensível Jefferson não desertara seu amigo Lamartine, nem tampouco se enrabichara por uma papagaia-dama, das muitas que por aí batem asas ao léu. Evidente que essas suposições eram falsas. Como pensam mal os que não conhecem a grandeza de coração e a devoção das amizades verdadeiras! Ele, sem dizer nada, para não estragar a surpresa, voara um belo dia para os matos, antes do amanhecer, a fim de realizar seu plano. Com o prestígio que tinha, não tardou a organizar um enorme coral de papagaios. E foi assim, todos ensaiados, que fizeram a revoada em torno da casa de Lamartine, cantando - adivinharam outra vez - "parabéns pra você". Homem não chora, mas dessa vez ele chorou. E Jefferson voltou para seu poleiro, onde permaneceu até a morte de Lamartine, pois todo mundo sabe que papagaio pode viver oitenta anos, mas não resiste à morte do dono.

É triste supor que muitos de vocês, quem sabe a maioria, não acreditam nesta história. Eu acredito; era menino, quando ouvi Lamartine contá-la e, nesse tempo, essas coisas podiam acontecer. Xepa me disse que acharam uma foto de outro tatu sendo fisgado, desta vez no Baiaco. É o terceiro, só nos últimos dois anos, e há os que acreditam que a pesca do tatu será regulamentada, mais cedo ou mais tarde, com multa de tatu e taxa de tatu. Mas, mesmo que a existência dessa foto se confirme, novamente vai ser desacreditada, nestes tempos céticos de factoides, photoshop e armações na internet.

Aqui, neste quarto de hotel em Berlim, não me ocorre uma única mentirinha decente para lhes contar, sem ser imediatamente desmoralizado. Mas invoco o fantasma de Lamartine, que, aliás, viu muitos, e ele me acode. Não apareceu pessoalmente, mas acho que me soprou a lembrança de que já ouvi vários conhecidos e até motoristas de táxi exclamarem "ohne Strümpfe!" ("sem meias!"), ao perceberem que não estou usando meias. Espantam-se porque não sinto frio. É verdade, circulei uma semana inteira por aqui, encasacado, mas sem meias. Bobagem, dirão os de má vontade, também não faz tanto frio lá, nesta época do ano. Ao que retrucarei que já morei em Berlim e saía sem meias no inverno. Pronto, eis aí uma bela notícia para as páginas de ciência dos jornais: há indivíduos que não usam meias no inverno do centro da Europa sem problemas, exceto, vez por outra, serem vistos como meio grossos - e eu sou um exemplo vivo, pois até patinar descalço no gelo garanto que posso encarar. Claro, há sempre a possibilidade de algum desmancha-prazeres entre vocês querer que eu faça uma demonstração no próximo inverno, mas aí eu desconverso e nego tudo, tenho aprendido com os bons exemplos.

Coitado do homem - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 27/10

Um dos impasses masculinos no casamento é conciliar a porção macho protetor e a porção criança feliz.

Porque sua mulher ama quando você é adulto, seguro, firme, decidido, capaz de resolver crises e contas, dar colo e acalmar, dizer que tudo vai dar certo com a voz resoluta de radialista.

A mulher ama e espera ser amada desse modo. Com alguém disposto a oferecer segurança e sentido, com o peito maior do que o travesseiro, para aninhar e resguardar cheiros e futuro. Com um homem que acaricie seus cabelos em silêncio, sem que ela descubra o que ele está pensando.

Mas, se o homem está feliz ao lado da mulher, será uma criança. Eis o grande problema da dinâmica de casal: se a mulher faz o homem feliz, ele será uma criança, daí é ela que ficará descontente. Parece que precisa deixar o homem preocupado para ser feliz, mesmo que resulte na tristeza dele.

Homem bom para a ala das noivas é melancólico, aborrecido, casmurro, fortaleza enigmática, caixa com senha numérica e alfabética.

Já um homem realizado é livre como um campo de futebol num dia ensolarado. Muda seu riso, seu olhar brilha, seu rosto se amplia e se torna uma matraca. Transforma-se num bobo carente, disposto a fazer troça de qualquer assunto. Não leva coisa alguma a sério. Debochado, hiperativo, como se estivesse arremessando aviãozinho ainda do fundo da sala de aula. Vai apertar, morder, empurrar, beliscar, incomodar, perturbar, série de movimentos proibitivos da fantasia feminina.

Nos momentos de euforia do namoro, reproduz a descontração com seus amigos: em especial na pelada e no boteco. Um churrasco entre barbados exemplifica sua felicidade: os participantes só vão confidenciar bobagens e besteiras sobre sexo e carreira. A frequência estará desembaraçada, ingênua, afeita a piadas, gafes e fraquezas cômicas.

Homem brinca de brigar, mulher quando briga não gosta de brincar, entende a diferença? É um cacoete ancestral, egresso do jardim da infância. No recreio, o homem fingia guerra com os colegas para mostrar apego. Por sua vez, a mulher se divertia em montar casinha, em estabelecer ordem e hierarquia nas emoções e afetos.

A questão é que a mulher não ama quando seu marido se infantiliza, porém é quando ele está mais à vontade. É quando ele verdadeiramente está amando. A mulher é seduzida pela imagem do homem tenso e guardião, e não suporta o menino enfeitiçado pelo encantamento da relação.

Na realidade, a mulher se irrita quando sua companhia assume ares de palhaço, ou de louco. Julga comportamentos hostis, que não inspiram nenhuma confiança. Despreza essas demonstrações circenses de disputa. Tente derrubá-la na cama fora do clima sexual, que ela ficará puta da vida.

Odeia quando seu marido se mantém hipnotizado assistindo uma partida da Série C, ou na medida em que inventa de jogar playstation e perde a hora ou ainda começa a jogar bolinha dentro de casa e quebra objetos. Odeia sua birra e manha, seu timbre de desenho animado, suas miradas tristonhas de chantagem.

A mulher jamais vai nos entender. Portanto, você tem que alternar com sabedoria os dois momentos. Este é o ponto delicado: encontrar a medida. Ser os dois ao mesmo tempo sempre, e nunca exageradamente.

Nem ser demais um, nem deixar de ser o outro.

Nem ser pai demais da esposa, nem ser seu filho.

A liberdade é uma só - TONY BELLOTTO

O GLOBO - 27/10

Querer reprimir a liberdade de expressão em nome da preservação do direito à privacidade é dar um tiro no pé



O bebê de Salomão


A liberdade é uma só e não pode ser retalhada como o bebê de Salomão, aquele que quase foi repartido a golpe de espada entre as duas mulheres que reivindicavam sua maternidade. Estou ao lado dos que se opõem ao artigo do código civil que prevê para biografias a autorização prévia do biografado. A modificação da legislação no sentido de permitir que biografias sejam publicadas sem necessidade de autorizações é inevitável e natural numa democracia que se aperfeiçoa, e a intenção de suprimi-la não causaria celeuma caso o grupo de artistas que forma o movimento Procure Saber não tivesse se manifestado por sua permanência no código civil.


Édipo


A admiração, o respeito e a gratidão que sinto por Roberto, Erasmo, Djavan, Mautner, Chico, Caetano e Gil são incondicionais. Atribuo a eles grande parte da construção da minha visão de mundo, e pesa-me discordar publicamente de suas posições. O que gera discussão é ver aferrados a uma postura conservadora artistas historicamente comprometidos contra a censura e que sempre se pautaram pelas liberdades e ousadias estéticas e comportamentais. O que não justifica sua vilificação por parte da imprensa, tachando-os — de forma desrespeitosa e ressentida — de “censores” intolerantes. Não se pode resumir uma questão relevante a uma simples queda de braço entre celebridades e jornalistas. Não se trata de uma picuinha. Atentemos para não perder o foco do que está em jogo.


Controle absoluto


O ponto central da discussão é a contraposição entre liberdade de expressão e direito à privacidade. Embora reconheça pontos plausíveis na argumentação do Procure Saber, não concordo que para preservar o direito à privacidade seja admissível relativizar ou cercear a liberdade de expressão. Em democracias mais aprimoradas, liberdade de expressão e direito à privacidade caminham juntos, ao passo que, em regimes intolerantes e totalitários, quanto mais se reprime a liberdade de expressão, mais se restringe o direito à privacidade. Querer reprimir a liberdade de expressão em nome da preservação do direito à privacidade é dar um tiro no pé. O controle absoluto da própria história não ocorre numa sociedade livre e democrática. Controle absoluto, só em regimes totalitários, e sempre como primazia do Estado e não dos indivíduos.


Referendo


Em 2005 justifiquei a um amigo meu voto a favor da comercialização de armas de fogo no Brasil: “A liberdade é uma só.” O amigo não se conformava com o fato de um adepto dos princípios da não violência de Gandhi e não afeito a armas de fogo votar a favor de sua comercialização. Segui com minha justificativa: “Quero viver num país livre em que as pessoas tenham liberdade para fazer, dizer e comprar o que bem entenderem.”


É preciso saber viver


Na minha concepção utópica seriam legalizados drogas, aborto e a eutanásia. Voto e serviço militar deixariam de ser obrigatórios. No meu Brasil idealizado, caberia ao Estado, em vez de punir e reprimir, amparar, informar e regular práticas de direito individual e uso e comercialização de substâncias tóxicas dentro das medidas do bom senso e da lei, como já ocorre com tabaco, álcool e algumas formas permitidas de interrupção de gravidez e morte assistida — desligamento de aparelhos em caso de morte cerebral, por exemplo.


Liberdade exige coragem. Numa sociedade livre algum desapego é recomendável, assim como doses cavalares de tolerância.


“Fahrenheit 451”


No romance “Fahrenheit 451”, Ray Bradbury nos apresenta um futuro sombrio em que livros e pensamento crítico estão banidos da sociedade, num mundo em que opiniões próprias são consideradas antissociais. Entre 10 de maio e 21 de junho de 1933, logo depois da chegada de Hitler ao poder, nazistas organizaram em várias cidades alemãs grandes e festivas queimas de livros. Entre os autores “incinerados” estavam Thomas Mann, Walter Benjamin, Brecht, Musil, Freud, Einstein e Marx. O evento é reconhecido como um dos mais cruéis atentados à liberdade de expressão da História. Livros — mesmo os ruins — simbolizam liberdade de pensamento. Reprimir ou condicionar sua publicação soa como uma ameaça a um princípio fundamental da democracia.

Ueba! Ceni grita: 'Fica, Pato!' - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 27/10

E o IPTU do Haddad? Avisa pro Malddad que IPTU quer dizer Impossível Pagar Tudo Isso!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Vulgo Translumbrante Guru! Classificados de sexo! Ajudem uma quenga a comprar o PlayStation 4: "Thaís linda, pernas grossas, bumbum grande, cintura fina, R$ 800 a noite toda. Não está caro, vale a pena. Tenho que comprar o meu PlayStation 4!". Com o PlayStation 4 a R$ 4.000, ela vai ter que dar cinco vezes pra jogar um videogame. E se depender de mim, ela não compra nem um Atari! Rarará!

E outro: "Procura-se garota de programa evangélica. Tratar com Cida". Com Cida, Feliciano e Malafaia! Rarará. Programa com dízimo incluso!

E o leilão do pré-sal? Leilão xingling. Ganharam os chineses! Um panda. Petropanda!

A Dilma ia chamar o Aquaman, mas ganhou o Kung Fu Panda!

E sabe por que os chineses arremataram? Porque o pré-sal é tão fundo que eles vão extrair lá da China mesmo! Os chineses vão vender petróleo no Stand Center da Paulista! Petlóleo Pilata!

Um amigo meu foi comprar um aparelho de som no Stand Center e perguntou: "As caixinhas surround vêm junto?". E a chinesa: "Caxinha sulaund paga sepalado". E o meu amigo: "Então enfia na peleleca". Rarará.

E o chargista Aroeira conta como foi o leilão com o ministro Lobão, com cara de porteiro de necrotério: "Dou-lhe uma! Dou-lhe duas! Vendido pra dentuça da primeira fila". Rarará. E a Dilma na TV tava parecendo um barril. De petróleo! Dilma Barrilsef!

E a definição de partilha: "Partilha é uma privatização que não saiu do armário". Enrustida!

E o IPTU do Haddad? Avisa pro Malddad que IPTU quer dizer Impossível Pagar Tudo Isso!

E o Haddad devia ser prefeito de Bollywood! Com aquela cara de galã indiano! E eu vou pagar o IPN, Imposto sobre Porra Nenhuma! E o Haddad encheu a cidade de haddares! Rarará!

E essa piada pronta: "José Serra usa o termo cartel para criticar leilão de Libra". De cartel, os tucanos entendem. Alcksiemens e Serralstom! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E a manchete do Piauí Herald: "Para voltar à mídia, Aécio adota 12 beagles". Todas fêmeas!

E o Ceni tá comemorando até agora o pênalti do Pato: "Fica, Pato!". Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Perdas - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 27/10

"Por que Deus é horrendo em seu amor?", indagou Drummond, petrificado ante a santa sem nariz que fazia milagres. É o que também eu, com minha prosa chinfrim, me pego outra vez perguntando, em face de duas perdas recentes.

Não, não acabo de descobrir que por aqui se nasce e se morre, como qualquer outro bicho; a esta altura dos acontecimentos, não tenho direito de me espantar com a gratuidade, com a ausência de sentido do perpétuo nascer e morrer a que alguém, a que alguma coisa nos condenou. Mas não me canso de me espantar com a insondável desrazão com que opera a máquina de engendrar e triturar criaturas. Não me canso também de me indagar por que injusto critério um retalho da superfície da Terra vira praça da Étoile, em Paris, espalhando raios e beleza a partir do Arco do Triunfo, enquanto a outro cabe ser algum infecto chão de favela.

Infantilidade de senhor maduro a deblaterar diante do inelutável? Pode ser. O fato é que aqui estou escalavrado pela supressão de dois amigos, levados de mim não com os bons modos que se poderia esperar de um deus misericordioso, não com a delicadeza que lhes era própria, não com a justiça pela qual lutaram sempre, mas com os safanões do que Manuel Bandeira chamaria de "morte de mau gosto", lenta e perversamente roídos por pavorosos sofrimentos. Diria meu tio Jorge, ateu de imenso coração: "Mais uma sacanagem do bom Deus..."

Não era isso o que merecia a Mariângela, em minha vida desde os nossos longínquos 20 anos, que desde o começo me habituei a ver devotada também à causa do bem estar dos animais. Aposentada na universidade, nem por isso sossegou. Em meio a empreitadas esparsas - como ajudar, com seu saber de linguista, na feitura do dicionário Houaiss -, pelo menos uma vez por semana a minha amiga, carregada de provisões, pegava em Copacabana um ônibus para a Ilha do Fundão, onde a troco de nada ia providenciar saúde e conforto para cães e gatos abandonados.

Miúda, magrinha (um "chaverinho", disse dela nosso amigo Arildo), a Mariângela topava as paradas mais bizarras que eu lhe propusesse. Certa manhã de inverno, visitou comigo o cemitério de São João Batista, aonde fui em busca do túmulo de Jayme Ovalle, cuja biografia estava escrevendo. No táxi de volta, percebi que ela, curvada sobre si mesma, trazia no colo algo que tentava ocultar de mim - e quando aceitou desfazer a trouxa em que se transformara seu casaco, de lá surgiu um gatinho recolhido entre sepulturas, um a mais para o populoso gatil em que ela convertera seu apartamento.

Nos últimos anos, brotou-lhe um câncer que, aparentemente vencido, retornaria à toda, para roubar-lhe em sucessivos golpes os cabelos e a capacidade de engolir, de falar e de andar, e enfim, quando já nada lhe restava além de uns poucos quilos, a vida. Alguma cruel força superior, se existe, a fez passar - o verso é de Libério Neves - pela "final humilhação do corpo, essencial talvez à filtração da alma". Mas que nódoas tão grandes teria a alma dessa criatura que justificassem tão medonha purgação?

Também não me parecia em débito com os Céus o amigo Antonio Maschio, ator e produtor cultural, sobretudo animador da vida ao seu alcance. Sabe disso, por exemplo, quem conheceu o Spazio Pirandello, bar, restaurante, antiquário e livraria, festivo fervedouro que ele e o jornalista Wladimir Soares fizeram borbulhar na noite paulistana dos primeiros anos 80, e onde, entre muito riso, suor e adrenalina, germinaram projetos ousados e generosos como a campanha das Diretas.

Quem diria que a usina de alegria chamada Antonio Maschio haveria de pagar as penas que pagou, e por tempo ainda mais prolongado que a Mariângela? Ei, Você aí, desde sempre sentado nessa nuvem, eu não consigo entender Sua lógica. Já me vali de três poetas, quatro agora com o Caetano, para que falem por mim o que não dou conta de dizer, e recorro a mais um, ao grande e tão escassamente conhecido Abgar Renault, sangrando na perda de um filho jovem: "Tombo, Senhor, submisso mas inconformado na desesperança / e não Te reconheço na cruel desnecessidade da Tua lança."

Adeus, tarja preta - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 27/10

Após diagnóstico errado de bipolaridade, Cássia Kis tenta se livrar de remédio e contará, em autobiografia, porque desistiu de um papel na novela das oito da Globo


"Cadê você?, que saco! P., menina!", gritava Cássia Kis Magro perto dos seguranças da entrada do Tuca, teatro da PUC-SP. A peça "Tribos", de seu colega Antônio Fagundes, começaria em dez minutos e a atriz esperava aflita pela repórter Ana Krepp.

Os espectadores ainda chegavam ao teatro. Cássia empurrava alguns deles para entrar o mais rápido possível. "Ninguém conhece o Fagundes como eu, ele vai mandar fechar as portas já, já", ia falando, enquanto ultrapassava as pessoas. Sentada, recobrou a placidez.

Há oito anos, no consultório de um psiquiatra, foi diagnosticada com transtorno bipolar. Começou a tomar três remédios. "Um que te nocauteia, te faz dormir 15 horas por dia; um que te levanta um pouquinho. E outro que te faz sorrir. Daí, lógico que eu melhorei. Você vira um pássaro, só falta voar."

Ao assumir publicamente a bipolaridade, começou a receber convites para estrelar campanhas publicitárias. "Fui convidada por entidades de psiquiatria e fabricantes de remédios. Eu sacaneei. Pedi R$ 3 milhões. As farmácias são trilhardárias. Se eu for vender isso, vão ganhar R$ 200 milhões. Essa indústria é f.. O medicamento que eu tomo é caríssimo."

Virou referência, uma espécie de confessionário para os bipolares que queriam dividir suas experiências. "Eu via as pessoas que se aproximavam de mim e pensava: eu sou assim? Não, eu não sou!" Cinco anos depois de conviver com a ideia de que tinha o transtorno, procurou outro psiquiatra. Que garantiu: ela não era bipolar. Não precisava de medicação controlada.

"Tive um diagnóstico errado, feio. Os médicos fazem uma cirurgia falando da trepada' que deram no dia anterior, que comeram' a enfermeira. Esquecem espuma, instrumento dentro de você, porque ficam voando. É muito grave eu sair de uma consulta com três receitas. Quem vai pagar o dano? São bulas enormes, dobradas em mil."

A atriz está agora escrevendo uma autobiografia. Nela, relatará as consequências do equívoco médico.

Ainda hoje tenta se livrar de remédios. A meditação é a aliada sugerida pela atual psiquiatra, que a auxilia a diminuir as doses de medicação. "Sentando a bunda meia hora de manhã e à noite, tiro qualquer remédio barra pesada. Meditação cura tudo."

No ano passado, outra crise: dez dias antes do início das gravações, ela desistiu de interpretar a enfermeira Ordália, de "Amor à Vida", papel que Eliane Giardini acabou assumindo. "Eu não tinha condição emocional, não podia trabalhar naquele momento. Meu único caminho foi me recolher."

As informações de que teve desentendimentos com o autor da trama, Walcyr Carrasco, e a atriz Susana Vieira são falsas, diz. "Sou funcionária da Globo. Se me chamarem para assobiar e chupar cana, eu vou. Mas, pela primeira vez em 30 anos, senti que não ia dar conta. Uma hora ia dar uma m.. Era melhor sair antes de começar."

Cássia guarda as minúcias para o livro, que planeja lançar até 2015. "Não vou te contar tudo, tá louca? Eu quero é vender biografia."

Num passeio em uma livraria, comprou "As Quatro Nobres Verdades do Budismo" e deu de presente para a repórter. "Meu marido [o psicanalista João Magro], que é o salvador da pátria, me deu esse livro. Foi a minha luz."

Adotou dieta saudável quando percebeu, aos 15 anos, que arroz integral colocava seu intestino em pleno funcionamento. Já testou dietas e jejuns e hoje acredita na cura pela alimentação. Mas sem radicalizar. Até comeu pão no almoço, por exemplo.

Nunca fez plástica. "Você vai tirar pelanca do olho. Quem te garante que não vai ficar de olho aberto, sem fechar nunca mais? Prefiro rugas do que a orelha fora do lugar.

Por que não se discute isso? Porque tudo é mercado."

Interpretou Maria, mãe de Jesus, na Jornada Mundial da Juventude. "Foi uma polêmica do cão, os jovens me perguntavam: Você é católica?', Quem é você para viver Maria?'. Acabei me considerando muito mais católica que muita gente que tava ali."

Cássia Kis, 55, interrompeu uma gravidez aos 30 anos. Hoje, integra o movimento católico Pró-Vida, radicalmente contra a descriminalização do aborto. "Carrego não uma culpa, mas a história de uma vida que eu tirei. Sou dona do meu destino, mas não posso ser dona do destino de outro ser." Participa de passeatas ao lado de Elba Ramalho.

Mãe de quatro filhos --de 9, 11, 16 e 18 anos-- de dois casamentos anteriores, faz questão de reunir todos à mesa para o jantar. "Cuidar talvez seja a palavra mais importante da minha vida. Aprendi sobretudo depois de me casar com o João. Ele pegou esse verbo e fez assim, ó [como se marca gado], na minha pele."

"Se existe uma guerra de verdade, é dentro da família. Filho matando mãe, mãe matando filho. É a historia da humanidade", afirma, ao falar dos projetos profissionais para os próximos anos, todos sobre dilemas familiares. Em março, estreia a peça "Deus Salve a Rainha", no Rio. E, no ano que vem, atuará no longa "Juliano Pavollini", dirigido por Caio Blat.

Uma vez por semana, os filhos dormem em seu quarto. "Todo mundo puxa o colchão, parece um acampamento." O caçula, que mamou até os quatro anos, ainda tem mimo especial: é levado até lá no colo de Cássia.

Está levando a mãe, Piedade, com quem deixou de conviver aos 15, quando saiu de casa, para morar com ela. "Fiz uma suíte com tanto amor. Moro numa casa bárbara, em frente à praia." Preparou o cenário e vislumbra as melhores cenas. "Ela vai ter os netos por perto. Vou poder dizer pra meus filhos: Maria, vá dar o remedinho' pra sua avó'; Joaquim, prepara o mingau dela'."

Plano de safra - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 27/10

Depois do curto-circuito com o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), Eduardo Campos (PSB) se dedicou nas últimas semanas a reconstruir as pontes com representantes do agronegócio nacional. O governador de Pernambuco conta, para isso, com os ex-ministros da Agricultura Roberto Rodrigues (de Lula) e Pratini de Moraes (gestão FHC). Campos avisou antes a Marina Silva que faria o aceno aos ruralistas, com os quais perdeu pontos por não rebater o veto da nova aliada a Caiado.

Lua de mel 
Aliados do pernambucano que procuraram a bancada ruralista justificaram suas declarações sobre Caiado pelo timing, logo após a aliança com Marina. "Não dava para desautorizar a noiva no dia do casamento", diz um cacique do PSB.

Adubo 
Um cenário em estudo para acalmar Caiado prevê que o presidente do PSB goiano, Vanderlan Cardoso, concorra ao Senado ou a deputado federal e apoie o líder do DEM para o governo.

10 + 10 + 10 
Depois da comemoração pelos dez anos de governo do PT e a efeméride de uma década do Bolsa Família, Dilma Rousseff vai bater bumbo pelo "aniversário" de outro programa federal: o Luz Para Todos, que faz dez anos em novembro.

Camisa 10 
No entanto, a grande aposta do Planalto para o aquecimento eleitoral serão as inaugurações de seis estádios da Copa na primeira quinzena de dezembro. Auxiliares envolvidos na organização afirmam que o Itaquerão, em São Paulo, será o "grande último ato'' do ano, com a presença de Lula.

Campainha 
O PSDB, que apostava na exaustão do Bolsa Família como bandeira eleitoral em 2014, viu com cautela a ênfase que o PT deu ao Pronatec, programa de ensino profissionalizante, na propaganda de TV. Para os tucanos, o projeto pode ser vendido como a porta de saída que a oposição cobra.

A conferir 
Peemedebistas acham que o presidente do PT, Rui Falcão, "joga para a plateia" quando diz que a candidatura de Lindbergh Farias no Rio será prioridade em 2014, apenas para agradar petistas antes da eleição que definirá o novo comando da sigla, em novembro.

Positivo 
Geraldo Alckmin (PSDB) vai turbinar a agenda de eventos do metrô, que está sob fogo desde as denúncias de formação de cartel no setor. O tucano prepara a entrega do primeiro trem e o início da operação do tatuzão nas obras da linha 5, um dos trechos sob suspeita.

Negócios à parte 
O Palácio dos Bandeirantes ficou irritado com as críticas que Dilma fez a governos do PSDB no anúncio de investimentos de R$ 5,4 bilhões para o Estado, na sexta-feira. Alckmin pretende manter um discurso de parceria com o governo federal mesmo durante a campanha de 2014.

Calma lá 
Dirigentes do PR paulista ficaram desconfortáveis com a presença de petistas no evento de filiação do empresário Maurílio Biagi ao partido, na quinta-feira. Biagi é cotado para ser vice do petista Alexandre Padilha na disputa pelo governo, mas o PR quer deixar claro que a aliança não está garantida.

Bolso vazio 1 
A Frente Nacional de Prefeitos ficou preocupada com a possível exigência do pagamento dos precatórios dos municípios até 2018, que foi questionada no STF. Para a entidade, a cobrança "vai levar o caos a vários municípios".

Bolso vazio 2 
Os prefeitos destacam que o abatimento de suas dívidas com a União, em tramitação no Senado, não abrirá espaço suficiente em seus cofres para permitir o pagamento.

Tiroteio
Sabe qual é a diferença entre o tubarão e o cação? Você come o cação, e o tubarão come você. É a lógica do PT sobre as privatizações.

DE LUIZ PAULO VELLOSO LUCAS (PSDB), ex-prefeito de Vitória, sobre governo e PT fazerem distinção entre privatizações e o programa de concessões de Dilma.

Contraponto

Ideia fixa
Em evento do Ministério da Pesca, na última terça-feira, para a assinatura de um acordo para ampliar a presença do peixe nas merendas escolares, o ministro Marcelo Crivella lia o nome das autoridades quando citou a coordenadora de Alimentação Escolar do FNDE, Albaneide Peixinho. Em seguida, parou a leitura e emendou:

-Mas você deveria trabalhar aqui. Deus já lhe deu até o nome! -brincou Crivella.

Logo depois, o ministro voltou a citar religião: disse que Jesus "não multiplicou vaca, nem galinha, mas peixe", um argumento para provar a importância da pesca.

Dá ou desce - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 27/10

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), está levando uma dura do PT. Os petistas estão dispostos a apoiar o PMDB para o governo de Alagoas desde que ele seja o candidato. Mas foi advertido de que, se a tarefa ficar com o deputado Renan Filho, o PT não tem como não compartilhar o palanque da presidente Dilma com o do candidato do PP ao governo, senador Benedito de Lira.

Embala que o filho é teu
As gestões do líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, para ter o apoio do PT ao governo do Ceará não têm surtido efeito. Os petistas dizem que Eunício tem que cobrar reciprocidade é do governador Cid Gomes (PROS). Afinal, lembram, o peemedebista deu apoio ao atual prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PROS). Já o candidato do PT na época, Elmano Costa, ficou chupando o dedo. A cúpula do PT argumenta ainda: "Como vamos combater o Cid depois de ele enfraquecer o Eduardo (Campos)?". Além disso, a candidata do governador é a secretária Izolda Cela Coelho (Educação), mulher de Veveu Arruda (PT), prefeito de Sobral, berço político dos Gomes.



"Tudo o que o Eduardo Campos sempre fez (acordos e alianças), e os outros também fazem, a Marina Silva condena"
Henrique Eduardo Alves
Presidente da Câmara dos Deputados (RN)

Reencontro da turma
Em reunião dia destes com a presidente Dilma, Rui Falcão, presidente do PT, perguntou, rindo, se ela compareceria a reencontro de ex-militantes da VAR-Palmares, organização em que ela atuou na época da ditadura. Dilma sorriu. E não respondeu.

Musa das Diretas
A cantora Fafá de Belém, musa das Diretas, será condecorada terça-feira pelo Senado, em sessão especial pelos 25 anos da Constituinte. Além de Fafá, que participou de dezenas de comícios pelo país cantando o Hino Nacional, receberão a homenagem os ex-presidentes José Sarney, Lula e Fernando Henrique Cardoso.

Congestionamento
Além de São Paulo, o PSB está fazendo gestões para integrar a chapa majoritária do PSDB em Minas Gerais no ano que vem. Mas os tucanos resistem à ideia e tendem a indicar candidatos do partido ao governo e ao Senado, e deixar a vice para o PP.

Perda de sintonia
O comando da EBC (TV pública do governo federal) está na corda bamba. A não transmissão da entrevista de Marina Silva no programa "Roda viva", da TV Cultura, e a ausência de dez segundos de áudio na recente rede nacional de televisão da presidente Dilma são apenas a ponta do iceberg. Pesa ainda mais a evasão de grifes da emissora estatal: Ancelmo Gois, MV Bill e Diléa Frate.

Me dê motivo
O presidente demissionário da EPL, Bernardo Figueiredo, sustentou em reunião do conselho da estatal que o governo estava impondo celeridade no lançamento de editais de concessão e que isso nem sempre é sinônimo de qualidade.

Pedindo a cabeça
Médicos querem tirar Roberto D´Ávila da presidência do Conselho Federal de Medicina. Acusam o dirigente de ter sido fiador de acordo entre Câmara e governo que acabou permitindo a aprovação da MP do Mais Médicos.

O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB), obteve a garantia de que terá o apoio da presidente Dilma ao governo do Amazonas.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 27/10

Com R$ 100 mi, fabricante de fraldas mudará planta
A Mili, fabricante de fraldas e papel higiênico com sede em Santa Catarina, planeja investir R$ 100 milhões em uma nova planta.

A empresa pretende desativar a atual unidade de Curitiba e transferir o maquinário para um espaço maior.

A fábrica localizada no Paraná tem 40 mil metros quadrados --20 mil em um imóvel alugado.

"Temos de sair dali de qualquer maneira. A planta fica em uma área urbana, cercada por moradias. Não temos como crescer", afirma o sócio Vanderlei Micheletto.

A mudança deve começar em 2015, mas ainda não há uma cidade definida para receber as instalações. Recentemente, a companhia comprou um terreno em Fazenda Rio Grande (região metropolitana de Curitiba).

"Há uma grande possibilidade de colocarmos a fábrica nesse local, mas ainda temos que conversar com os governos", diz Micheletto.

"O Estado de Santa Catarina sempre nos convida para levarmos essa unidade para lá, mas temos 500 funcionários no Paraná. Então, não é tão simples."

Hoje, a empresa ainda tem capacidade de expansão em Curitiba, onde fabrica fraldas. Equipamentos, porém, foram adquiridos por R$ 50 milhões para ampliar a produção e necessitarão de mais espaço.

A Mili projeta que o segmento de fraldas passe a gerar uma receita de até R$ 400 milhões. No ano passado, o faturamento com o produto foi de R$ 180 milhões.

Focada nas classes C e D, a companhia distribui a maior parte de sua produção em pequenas e médias cidades.

Com três fábricas --além da do Paraná, há uma em Santa Catarina e outra em Alagoas--, a empresa deve faturar R$ 960 milhões neste ano.

Americana de equipamentos médicos instala fábrica no país
A norte-americana Varian Medical Systems, que produz tecnologias para o tratamento de câncer, irá instalar uma fábrica no Brasil.

O empreendimento é decorrente de uma exigência feita pelo Ministério da Saúde em um edital de compra de 80 aceleradores lineares (equipamentos usados em sessões de radioterapia).

O documento determinava a construção, em um prazo de cinco anos, de uma planta no país pela empresa que vencesse a disputa.

Além do empreendimento, o contrato firmado pela companhia com o governo prevê a capacitação de fornecedores brasileiros para que 40% do produto final seja confeccionado com peças produzidas no país.

O ministério ainda não tem informações sobre o montante que a companhia investirá na unidade brasileira.

"Pelo valor em que o contrato foi fechado, imaginamos que eles [a empresa] vão querer explorar o nosso mercado", diz o ministro, Alexandre Padilha.

Os 80 equipamentos foram adquiridos por cerca de R$ 120 milhões --R$ R$ 176 milhões a menos que o valor de referência do pregão.

Apenas uma segunda empresa participou da disputa, a sueca Elekta. "Só existem essas duas fabricantes de aceleradores lineares no mundo", acrescenta Padilha.

Os novos aparelhos representam um aumento de 32% em relação ao número ofertado pelo ministério atualmente --248 distribuídos em todo o país.
p(kicker blue). NÚMEROS DO NEGÓCIO

R$ 296 milhões
era o valor de referência do pregão

R$ 119,9 milhões
foi o valor fechado no contrato

R$ 176 milhões
foi quanto o governo economizou

80
equipamentos foram comprados

EMBARQUE FACILITADO
A Infraero vai apresentar em novembro um novo sistema de conexão climatizada que levará o passageiro da sala de embarque até o avião.

Chamada de Elo, a estrutura foi desenvolvida pela empresa nacional Ortobras.

São corredores móveis que ligam o terminal de passageiros à aeronave no mesmo nível do solo. Além de escadas, haverá elevadores para pessoas com deficiência.

O objetivo é facilitar a acessibilidade em locais administrados pela estatal onde não há pontes de embarque e o acesso aos aviões é remoto --feito por meio de ônibus ou diretamente pelo pátio.

O projeto-piloto, com três conectores, será montado no aeroporto de Palmas (TO) para uso na alta estação. Cada corredor custará R$ 1,8 milhão, segundo a Infraero.

Em uma segunda fase, a estatal poderá implantar o sistema nos embarques remotos de aeroportos com perfil executivo, como Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ).

O modelo será apresentado durante o Festival de Turismo de Gramado (RS).

Fiel consumidor
A Prismah, joint venture de fidelização formada pela canadense Aimia e pela brasileira Multiplus, investirá R$ 100 milhões na transferência de propriedade intelectual estrangeira e capacitação de funcionários.

A diferença entre o serviço de fidelização da companhia e os existentes no Brasil é o foco nas preferências do consumidor, sem o modelo de acumulação de pontos, afirma Maurício Quinze, presidente da empresa.

"A tecnologia avalia o comportamento do cliente antes e após uma compra."

O objetivo é desenvolver estratégias de fidelização com base em bancos de dados dos usuários.

"Podemos saber se o cliente falou bem da empresa nas redes sociais, por exemplo. Com isso, o programa deixa de ser operacional e passa a ser mais estratégico."

Com o aporte em expertise nos próximos dois anos, importada de países como Canadá e Inglaterra, a projeção do grupo é passar dos 42 atuais funcionários para cerca de 300.

VENDAS EM ALTA
As carreiras ligadas às áreas de vendas e secretariado foram as que tiveram os maiores percentuais de vagas com aumento de remuneração neste ano, segundo estudo da Page Personnel.

No setor de vendas, 96% das posições registraram incremento salarial na comparação com o ano passado. Apenas 2% diminuíram. O restante permaneceu estável.

A média de expansão na área de secretariado, por sua vez, ficou em 95% das vagas.

Na outra ponta, estão os profissionais de marketing, com alta de remuneração em 63% das funções --13% desse segmento teve recuo salarial.

As companhias também estão ampliando investimentos para contratar ou reter profissionais mais experientes, de acordo com o levantamento da empresa.

Os salários pagos a trabalhadores de nível sênior e de coordenação foram os que tiveram maiores avanços.

"Aumentaram as exigências para posições específicas", diz Roberto Picino, diretor da Page Personnel.

A pesquisa foi feita com informações salariais de cerca de 55 mil candidatos de São Paulo, do Rio de Janeiro e do interior paulista.

Cozinha... A marca de móveis para cozinha Marchi Cucine abrirá em São Paulo seu primeiro showroom fora da Itália. A empresa estuda a instalação de outros pontos no país.

...italiana Até o fim do ano, Nova York e Nova Déli também receberão unidades. Para 2014, estão previstas inaugurações em São Francisco, Cingapura e Xangai.

O harakiri de Dilma - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 27/10

No dia em que o campo gigante de Libra foi vendido para a Petrobrás e quatro empresas estrangeiras, a presidente Dilma Rousseff foi à TV comemorar o sucesso do leilão e garantir que seu governo não privatizou o petróleo do pré-sal. Ora, então por que leiloou? Por que despachou equipes para a Europa, EUA e China com a missão de "vender" o petróleo do pré-sal como um bom negócio? Por que a tristeza e a decepção de seu governo quando as gigantes Chevron, British Petroleum e Exxon Mobil desistiram da licitação? Por que a alegria e o alívio quando a francesa Total e a anglo-holandesa Shell aderiram ao consórcio vencedor? Por que negar algo tão simples e óbvio?

A resposta veio de um ex-tucano (hoje aliado querido de Dilma), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes: "O discurso antiprivatista ainda resiste no Brasil de 2013, quando a gente vê pessoas fazendo questão de dizer que não estão privatizando ou negociando com o setor privado", afirmou ele na manhã seguinte ao discurso da aliada, misturando espanto, lamento e decepção. Afinal, em mais de 20 anos a privatização já deu provas e provas de que mais enriquece a população do que empobrece o patrimônio público. Privatização e autonomia do Banco Central nasceram liberais e tornaram-se políticas universais.

Mas com espantosa insistência ela ainda é atacada, por oportunismo político de quem usa o argumento do falso nacionalismo para impressionar e comover os brios do sincero patriotismo dos brasileiros. Pura enganação. O que os políticos defendem são seus interesses e privilégios, temem o desmanche de uma parcela do Estado que sempre usaram para trocar favores, comprar aliados, fazer caixa para suas campanhas eleitorais. Só alguns exemplos: os bancos estaduais, as elétricas estaduais, as siderúrgicas federais, a Rede Ferroviária Federal (a Valec pode seguir caminho igual) e muitas outras. Felizmente privatizadas. A Vale privada ganhou em qualidade de gestão e passou a arrecadar para o Estado mais dinheiro em impostos do que em dividendos quando era estatal.

Não parece o caso da presidente Dilma. O combustível que a move é ideológico, mas de uma forma tão confusa e atrapalhada - porque contraditória (afinal, ela precisa do capital privado) - que mais tem prejudicado sua gestão do que satisfeito seu preconceito. No leilão de Libra a presença de petroleiros nas ruas denunciando-a por ter "traído" o compromisso de não privatizar o pré-sal levou Dilma a recuar aos anos 70 e ignorar que aqueles ideais desmoronaram junto com o Muro de Berlim, e foi à telinha da TV responder, negar a "traição" e a privatização que seu governo acabara de fazer.

Seu argumento: não seria privatização porque 85% da renda de Libra irá para a Petrobrás e a União. Principal idealizadora do modelo de exploração do pré-sal, logo após o leilão Dilma repetiu duas vezes que não vai alterar nada, mesmo com Libra - o filé do filé do pré-sal - tendo atraído um único consórcio e vendido a maior reserva de petróleo do mundo pelo preço mínimo, sem nenhuma disputa. Para garantir 85% da renda para o Estado não precisaria criar mais gasto público com uma nova estatal (a PPSA, que vai administrar o pré-sal) nem sacrificar a Petrobrás com a obrigatoriedade de bancar 30% de todos os poços, tampouco afastar o investidor desconfiado com frequentes interferências políticas do governo em estatais. Para isso bastaria elevar taxas e impostos para valores equivalentes, manter o regime de partilha, mas tirar da Petrobrás o peso maior pelos investimentos. O efeito de gerar riqueza para aplicar na área social seria o mesmo.

Dilma precisa do capital privado para seu programa de investimentos em portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, energia e petróleo. Se hoje a crise de confiança entre seu governo e empresários tem causado graves prejuízos e inibido investimentos, o que esperar de um discurso escancaradamente antiprivatista da própria presidente, levado a público em rede nacional de TV?

Pergunte ao candidato - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/10

Presidenciáveis se arriscam a dizer generalidades sobre economia: convém apertá-los sobre o tema


FAZ DUAS SEMANAS, os pré-candidatos a presidente desandaram a dizer generalidades inócuas sobre política econômica. Como a nossa lista de problemas cabeludos é comprida e a escolha dos candidatos está a menos de nove meses, conviria ajudá-los a parir umas respostas.

"Responsabilidade fiscal" e "privatização" foram expressões que fervilharam em conversas dos pré-candidatos como o caso dos Beagles e do casamento de Grazi e Cauã nas redes insociáveis.

Pois bem. Um caso de estatização com pouca responsabilidade fiscal é o do crédito nos governos do PT: o crescimento dos empréstimos dos bancos públicos. De quebra, o assunto diz respeito às finanças das maiores empresas do país, que tomam empréstimos baratinhos dos bancos estatais.

O que os pré-candidatos farão a respeito? Fechariam a torneira de dinheiro para os bancos públicos (alimentada a dívida pública cara, que vira empréstimo barato, daí a sangria fiscal, do dinheiro do governo)?

Lula 2 e Dilma Rousseff estatizaram parcela grande do crédito bancário, do total dos empréstimos na economia. Trocando em miúdos, o governo tomou dinheiro emprestado e o colocou nos bancos públicos, que assim puderam emprestar mais a empresas e pessoas físicas. "Colocou", entenda-se, em vez de "emprestou", pois não se sabe quando, se e como esse dinheiro voltará.

Em 2008, pouco antes do estouro da crise, os bancos públicos tinham quase 34% do total dos empréstimos. A fim de atenuar o tumulto de 2008, o governo decidiu, então de modo razoável, vitaminar os estatais. Mas o que era medida de emergência acabou virando "neodesenvolvimentismo": a fatia dos estatais chegou a 42%, ao fim de Lula 2.

Como a economia andava lerda e Dilma Rousseff queria dar um traulitada nos bancos privados e nos juros altos, o governo deu mais vitamina aos bancos estatais. Em junho, os estatais passavam a ter mais de 50% no crédito. É mais ou menos como se o governo tivesse comprado um banco do tamanho de Itaú ou Bradesco.

Os juros caíram um pouco, as margens dos bancos privados ficaram apertadas e eles tiveram de enxugar custos para manter a rentabilidade. A economia deve ter crescido um tico mais por causa disso. O problema é o custo. Valeu?

O governo de FHC (1995-2002), do PSDB, privatizara parte do crédito, que era 57% público quando estreou o Plano Real (1994). Federalizou e privatizou bancos estaduais escandalosamente quebrados. Fez dívida também para arrumar essa bagunça e a de bancos como o Banco do Brasil.

Privatizações e cabrestos nos estatais levaram a participação dos bancos públicos no crédito a 37% no final de 2002. Mal ou bem, foi um feito da era FHC, colocar ordem nas contas dos Estados.

Vitaminar bancos públicos custa caro. Submetê-los a dieta vai, a princípio, encarecer e limitar o crédito, obrigando o governo a inventar soluções espertas e difíceis para o financiamento via mercado, o que exige mais aperto na despesa pública, ora no limite.

Os pré-candidatos, porém, dizem que vão dar mais dinheiro para Estados e municípios, críticos que são da "centralização" de poder e recursos na União. É outra conta que não fecha. Mas essa história fica para outro dia.

Progresso e asfixia - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 27/10

Santos, uma das mais antigas cidades do Brasil, e toda a Baixada que a margeia chegam a um momento decisivo. O intenso ciclo de desenvolvimento econômico, com as obras de expansão do maior porto da América Latina e a descoberta de petróleo no pré-sal da Bacia de Santos, ganha mais um vetor com a realização do leilão de Libra, na última segunda-feira.

"Toda a região está em obras", observa Renato Barco, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), responsável pela administração do Porto de Santos. O porto está sendo ampliado, processo que continuará por anos, mas que começa com grande atraso.

Nos últimos 11 anos, dobrou o volume de carga movimentada pelo porto. Passou de 53,5 milhões de toneladas em 2002 para 112,6 milhões de toneladas previstas até o final de 2013 (veja o gráfico). Com isso, o sistema de infraestrutura está estrangulado. Para Barco, o problema mais importante está na concentração de movimento no modal de transporte rodoviário e no acesso pelo sistema Anchieta-Imigrantes.

A intensificação das operações da Petrobrás na Bacia de Santos deverá pressionar ainda mais as malhas de serviço. Com uma unidade de negócios em Santos desde 2006, a Petrobrás deve concluir ainda este ano a construção do seu primeiro edifício administrativo, com 18 andares e capacidade para 2 mil funcionários. Mais duas torres equivalentes estão previstas para serem erguidas no bairro do Valongo. Também se esperam novas instalações de apoio offshore para empresas parceiras e fornecedores que devem se estabelecer nas vizinhanças, de olho em Libra e outros campos.

O movimento já produz impacto sobre o setor imobiliário. O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) calcula que 15.573 unidades de moradia foram lançadas na Baixada Santista entre março de 2010 e março deste ano.

"As perspectivas são positivas, mas precisamos nos estruturar para receber os futuros projetos de forma adequada", admite o prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Em parceria com os governos federal e estadual, a prefeitura espera investir R$ 10 bilhões em infraestrutura e mobilidade urbana nos próximos dois anos.

Para Paulo Resende, especialista em Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, "a Baixada Santista entrará em colapso", caso não seja realizado planejamento integrado de mobilidade, ocupação do solo e adensamento imobiliário. "Santos não suporta mais crescimento. Como ocorreu em Macaé (RJ), base de operações da Petrobrás na Bacia de Campos, a cidade pode perder o controle da ocupação urbana", adverte.

Mesmo com toda a expectativa, Santos não deve ser o principal polo das operações do pré-sal, prevê Marcus D'Elia, especialista em Óleo e Gás do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). "O Porto de Santos não é adequado para a logística de abastecimento das plataformas e escoamento da produção." D'Elia afirma que os portos do Estado do Rio estão a distâncias mais curtas da Bacia de Santos e oferecem menores custos.

Em todo o caso, o progresso cobra preços.

Quem tem razão na greve do Rio? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 27/10

Professores têm o direito de fazer paralisação; na recém-encerrada no Rio, alunos foram os mais prejudicados


Encerrou-se anteontem a greve dos professores da rede municipal pública de ensino do Rio, após mais de dois meses de paralisação. A pauta de reivindicações dos professores vai desde aumentos salariais até o fim da meritocracia.

A Secretaria de Educação propôs aumento salarial real de 8%. Isso leva o salário inicial da carreira de um professor com jornada de 40 horas para R$ 4.390. Este salário é 235% da renda per capita do país e pouco menos da metade do salário médio de um médico, segundo recente trabalho divulgado pelo Ipea (ver a tabela 1 na publicação do Ipea Radar, número 27 de julho de 2013). Segundo o mesmo estudo, a medicina é a profissão mais bem remunerada do Brasil.

O salário de R$ 4.390 vale para os professores do ensino fundamental 2, antigo ginásio, e do ensino fundamental 1, antigo primário --nesse segundo caso, para os que lecionem em regime de 40 horas semanais. Para os professores do fundamental 1, em regime de 22,5 horas, a equiparação salarial com esses dois grupos ocorrerá em cinco anos.

Evidentemente, a valorização da carreira de professor é muito importante. Criar incentivos para que os melhores alunos do ensino médio escolham essa carreira foi um dos segredos do milagre educacional sul-coreano.

Parece que é exatamente esse o caso da gestão da secretária de Educação do Rio, Claudia Costin. O salário inicial no Rio é o maior entre as capitais, com exceção do Distrito Federal, que tem realidade orçamentária excepcional.

Como os dados citados anteriormente demonstram, trata-se de um salário totalmente compatível com a realidade do mercado de trabalho. Inclusive, está documentado em inúmeros estudos que é um vencimento superior ao salário médio pago pelas escolas privadas para as mesmas funções.

O salário inicial de professor municipal no Rio é menor do que aquele pago em outros países simplesmente porque o Brasil é mais pobre do que esses outros países.

Segundo a publicação do Ipea, o salário médio de um engenheiro químico brasileiro em 2010 era R$ 5.800, provavelmente muito inferior também ao que se paga a esse profissional nos EUA ou na Alemanha.

Outro conjunto de reivindicações dos professores do Rio, conhecido pelo infeliz slogan "fim da meritocracia", deseja eliminar uma série de medidas implantadas pela secretaria com vistas e aumentar a qualidade do aprendizado dos alunos.

Além da premiação das escolas que conseguem melhorar seus resultados --e que constitui um 14º salário a todos os trabalhadores escolares --, há inúmeras medidas.

O eixo central foi adotar um currículo básico para o município. Material estruturado apoia o professor na implantação do currículo, por meio de cadernos pedagógicos e aulas digitais, elaborados pelos próprios mestres. A padronização do currículo faz com que todos os alunos tenham o mesmo conteúdo no mesmo bimestre. Além disso, há padronização também da avaliação bimestral. Existe muita evidência internacional de que essas práticas estão associadas à melhora da qualidade do aprendizado.

Há um grande esforço para aumentar a proporção de alunos em tempo integral. Em 2008, 10% dos alunos estudavam nesse regime. Hoje são 20% em tempo integral, e a previsão é que esse número atinja 35% em 2016. Adicionalmente, há esforço da prefeitura para acelerar a instalação de climatização.

Os resultados já começam a aparecer. A avaliação externa aplicada em 2010 diagnosticou que 20% dos alunos não estavam alfabetizados ao fim do primeiro ano. A avaliação foi repetida em 2011 e 2012, e os números caíram para, respectivamente, 18% e 10%.

Apesar da enorme complexidade da rede escolar municipal do Rio (trata-se da maior do país), hoje ela tem o sexto melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) entre as capitais e a quarta melhor taxa de crescimento de Ideb entre 2009 e 2011.

Os professores têm o direito de fazer a greve. Ao exercer este direito os professores não defendem o melhor para a sociedade nem para os alunos. Defendem o seu interesse. A legitimidade da greve é definida socialmente. Cabe à sociedade informar-se e se posicionar. No caso do município do Rio, os maiores prejudicados foram os alunos.

O alvo duplo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/10


Tatiana Farah é repórter experiente que não se assusta com pouca coisa. Ela estava na rodovia Raposo Tavares, a 54 quilômetros de São Paulo, ao meio-dia do sábado, 19, cobrindo a manifestação contra o uso de animais como cobaias. O primeiro tiro de borracha raspou sua cabeça. O segundo a atingiu nas costas. Depois, ela apanhou de cassetete, gritando que era repórter e estava ali a trabalho.

Tatiana, do GLOBO, é um dos 100 jornalistas agredidos nos últimos meses. Ainda está de licença médica, com hematomas das agressões a bala de borracha e cassetete. O caso dela foi um ataque, como os outros, totalmente desprovido de sentido.

— Eu estava no acostamento e logo depois da primeira bala, que por pouco não atingiu minha cabeça ou olhos, gritei que era jornalista, várias vezes, mas nada adiantou. Eles atiravam a esmo, em todas as direções. Então um policial veio em minha direção. Ele saiu da pista e foi para o acostamento, onde eu estava. Gritei que era jornalista. Ele puxou o cassetete e me bateu — relata Tatiana.

Tenho ouvido relato de repórteres nos últimos tempos e são sempre assim. A polícia ignora a identificação, ataca manifestantes indiscriminadamente. Tem usado métodos inaceitáveis. Os repórteres têm enfrentado também a hostilidade irracional e inaceitável de manifestantes. Mas há duas diferenças: o número dos repórteres atingidos pela polícia é maior; e a Polícia é paga com os nossos impostos e deveria estar treinada para situações de estresse na rua.

O país inteiro parece despreparado pára o que está acontecendo. As manifestações de junho mostraram o enorme descontentamento diante de vários problemas: a corrupção, a inflação, o colapso da mobilidade urbana, os serviços públicos deficientes. Foi uma dessas explosões inesperadas dos novos tempos digitais onde redes e ondas se formam de maneira rápida e caótica. Interesses difusos e a raiva contida explodem detonados às vezes por um pequeno evento, uma gota d"água. Nas democracias, cabe às instituições entender o que são esses movimentos sociais. E assim fazer avançar a democracia.

Depois de junho vieram os protestos por interesses mais localizados: médicos, professores, protetores de animais. Cada um quis passar sua mensagem,

Na maioria das vezes as manifestações começam pacíficas e, a partir de um momento, a violência da Polícia e de grupos de pessoas com o rosto coberto, atacando policiais ou o patrimônio, transformam as ruas em praças de guerras. Toda violência de manifestante tem que ser contida, mas a Polícia tem errado mais do que acertado. Em vez de contê-los, escala a agressão; em vez de isolá-los, ataca a esmo. E não há mais dúvida: mira a imprensa deliberadamente.

O país está falhando por não entender o momento. Todos temos dever de casa para fazer. Os jornais precisam refletir mais sobre o novo cenário, ouvindo as diversas vozes, iluminando o que está confuso. Além de treinar seus profissionais e protegê-los nesse tempo em que eles vão buscar informação e viram alvo duplo. A Polícia tem que usar inteligência para saber de onde vem e quem são de fato os que escolheram usar métodos violentos. As autoridades têm que parar de lavar as mãos. Está na hora de terem noção do risco que todos corremos.

Nenhuma escalada contra jornalista termina bem. Os jornalistas começaram a ser presos em outubro de 1975. Houve uma sequência de eventos. Até que Vladimir Herzog foi morto no dia 25. Hoje, vivemos em outro momento político, em pleno estado de direito. Mas o que está acontecendo é in-quietante, perturbador e perigoso demais para ser tratado como se fossem eventos isolados.

Houve um momento em que Tatiana, que havia se escondido debaixo de um carro junto com outros manifestantes, saiu e foi até a Polícia. Apresentou-se, disse que tinha se perdido de sua equipe e pediu proteção. Um policial olhou o ferimento das suas costas e disse que ela precisava ir para um hospital, mas recusou ajuda e a mandou sair dali. Para não ser novamente alvo ; da tropa de choque, ela se escondeu atrás de um barranco e viveu uma situação constrangedora:

— Estava com medo, no meio do mato, agachada, escondida como se fosse bandida fugindo da polícia.

É obrigação da boa imprensa olhar criticamente para si mesma e aperfeiçoar seu trabalho. O repórter é apenas o mensageiro e o país precisa muito entender a mensagem desse tempo de ruas tão confusas. 

Avançando para trás - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 27/10

O Estado brasileiro tem aumentado gradativamente sua participação na economia nas últimas décadas. É um crescimento impressionante e implacável.

O total de recursos da sociedade arrecadado pelo governo por meio de tributos equivalia a 14,2% do PIB nos anos 40 (média); foi a 20% nos anos 60; a 25,2% nos anos 70; a 27,2% nos anos 90 e a 33% de 2000 a 2010. Hoje está ainda maior. Em países emergentes como México e China, ela se limita a 23% do PIB.

Mais de um terço do que os brasileiros produzem já é canalizado ao Estado por meio de impostos. Essa presença tem se acentuado com o aumento do papel das empresas estatais e da dívida pública. Mesmo na década de 1990, quando houve privatização de empresas e serviços públicos, o tamanho total do Estado seguiu aumentando.

Nas concessões atuais de aeroportos, portos, estradas e campo de petróleo há forte controle estatal --da fixação de retorno do investimento privado ao controle das operações dos concessionários.

O aumento do papel do Estado é a melhor defesa do interesse público no desenvolvimento econômico, segundo a visão dos que nele acreditam. Mas a avaliação histórica mostra experiência diferente.

Após a Segunda Guerra, houve grande avanço do Estado na economia europeia. Isso causou ineficiências e distorções, que começaram a ser revertidas nas últimas décadas via privatizações e recuo estatal. Na Europa oriental, o processo foi radical, indo do controle total do Estado no pós-Guerra à economia de mercado pós-colapso do bloco soviético.

Na Ásia, a evolução se dá na mesma direção. Constatadas as suas ineficiências, o papel do Estado encolhe, processo muito evidente na crescente abertura da economia chinesa, que ressalta a força do capital privado no crescimento do país.

É possível, assim, concluir que aumentar a força econômica do Estado representa não algo novo e avançado, mas a volta a modelo já revertido em diversas regiões do mundo.

Cabe notar que, no Brasil, temos outro componente importante nesse processo --a tradição ibérica. Na colonização portuguesa, a presença estatal era total, com períodos nos quais praticamente todas as atividades econômicas eram prerrogativas da Coroa. Mesmo depois da independência, a monarquia brasileira manteve presença predominante na economia.

Devemos, portanto, analisar com serenidade tal processo, para não implementar políticas supostamente avançadas que, na realidade, se configuram como mera repetição de fenômenos históricos já ultrapassados. Isso é fundamental na discussão, para restaurar taxas de crescimento compatíveis com o potencial brasileiro.