segunda-feira, agosto 26, 2013

Salmos chilenos - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 26/08

Ter esperança, crer na vida e amar separa a infância espiritual da maturidade d'alma


Dias atrás entrei na catedral de Santiago do Chile. Minha mulher, discípula de Guimarães Rosa, para quem "quanto mais religião melhor", adora todo e qualquer santo.

Eu, mais miserável nesse assunto, apesar de não religioso, sou facilmente capturado pelo aspecto estético e sublime de templos sagrados. Foi um prazer ver e ouvir aquela missa "en chileno".

A catedral silenciosa, discreta e com pouca luz, com sua altura gigantesca, nos ajudava a lembrar nosso lugar no mundo --que não me venham os inteligentinhos fazer o blá-blá-blá da crítica à religião, porque a conheço desde o jardim da infância.

Sentir-se "em seu justo lugar no mundo" é parte clássica de toda boa espiritualidade, contra esse narcisismo dos "direitos do Eu total" de hoje, essa coisa "ninja brega".

Este "justo lugar no mundo" é parte daquilo que o historiador das religiões Mircea Eliade chama de perceber que não somos o "axis mundi" (o eixo do mundo). Toda verdadeira espiritualidade deve nos ajudar a vivenciar este "descentramento" de nosso próprio valor.

O mistério me encanta e me faz sentir menos banal. A sensação da banalidade de tudo me esmaga continuamente. Sou um peregrino da falta de sentido. Uma testemunha da noite escura da alma de San Juan de la Cruz e Terrence Malick. Não levo a sério ateus militantes que ainda acham que ateísmo é "evolução espiritual". Para mim, ateísmo é, apenas, o modo mais óbvio de ser e um estágio elementar em filosofia.

Fiquei ateu com oito anos. Alguém poderia dizer que com os anos me tornei um ateu encantado pelo "personagem" Deus e pela possibilidade de existir o perdão no mundo, justamente porque, no fundo, não o merecemos. Sou cego, mas pressinto o espaço à minha volta.

O padre em sua homilia falava da alegria da vida. O papa Francisco quando cá esteve tocou neste tema, falando da "religião da alegria". Não se trata de autoajuda, como pode parecer aos desinformados, mas da mais fina teologia moral cristã (e judaica também). O que é essa alegria? Vejamos.

A vida é precária. A pobreza (material, espiritual, psicológica) é como a gravidade, na hora em que relaxamos, ela nos consome. É uma questão de tempo. Nosso caminho é "para baixo". Não é à toa que tomamos antidepressivos o tempo todo, cada um se vira como pode. A solidariedade na melancolia devia nos unir a todos. O que não perdoo na autoajuda é que ela mente para nosso justo desespero dizendo que ele é mera questão de incompetência.

É aqui que começa a consistência da teologia da alegria a qual se refere o papa Francisco: temos todas as razões "materiais" do mundo para sermos tristes, o milagre é não sermos tristes todo o tempo.

Confiar na vida é quase impossível. A fé na vida é um mistério e um dom. Muito mais caro do que a inteligência e a cultura --não as desprezo, porque inclusive elas são quase tudo que tenho.

Este é o sentido de fé como "estar acompanhando" em sua encíclica "A Luz da Fé".

A alegria da qual falava o padre chileno e o papa Francisco é a "alegria teologal", aquela que nasce das três virtudes teologais básicas: a esperança, a fé e a caridade (o amor).

Ter esperança, crer na vida e amar são experiências que separam a infância espiritual da maturidade d'alma. O desespero é o caminho mais curto entre dois momentos na vida. A esperança é que é o milagre para quem enxerga o mundo como ele é. Por isso, toda literatura espiritual séria começa pelo vale das sombras.

Dizer que uma virtude é teologal é dizer que ela é fruto da graça de Deus, não uma dedução a partir dos fatos do mundo. Dos fatos, apenas deduzimos o desespero. Mas, por isso mesmo, esta alegria, quando nos visita, tem o hálito divino, por sua própria quase total impossibilidade de ser, para quem reconhece o vale das sombras à nossa volta. Na mística, esta alegria pode nos levar às lágrimas. Este é o conhecido "dom das lágrimas", marca de quem vê a beleza do mundo em meio ao véu absoluto do desespero.

Nada a ver com religião como muleta, mas sim com uma espiritualidade de quem caminha só, eternamente, entre sombras.

Eu não sou o rei - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 26/08

O Rio Ônibus, o sindicato das empresas de ônibus do Rio, preparou um estudo que será entregue a esta pouco cheirosa CPI da Câmara dos Vereadores.

O documento lista mais de 200 empresários do setor, para concluir que a família do chamado “Rei dos Ônibus”, Jacob Barata, de 81 anos, controla só 11,5% da frota da cidade.

A conferir.

País dos bacharéis
Enquanto o Brasil importa médicos, sobram advogados.

O CNJ fez trabalho recente sobre faculdades de Direito no país e concluiu: o Brasil não só é campeão mundial em cursos superiores de Direito como mantém uma quantidade (1,2 mil no Censo de 2010) superior à soma de cursos existentes nos países que integram a ONU.

Midani, 80
Dirigido por Andrucha Waddington e Mini Kerti, vem aí um documentário sobre André Midani, de 80 anos, mago da indústria fonográfica brasileira, com depoimentos de gente como Cacá Diegues e Gilberto Gil. Midani nasceu em Damasco, na conflagrada Síria, e foi criado na França.

O filho eterno
Paulo Machline é quem vai dirigir “O filho eterno”, baseado na obra do premiado Cristovão Tezza.
O cineasta, que já teve um curta-metragem indicado para o Oscar, vem a ser filho do falecido empresário Mathias Machline, fundador do grupo Sharp, e irmão de José Maurício Machline, idealizador do Prêmio da Música Brasileira.

Segura, peão
Ontem, em Barretos, onde se realiza a tradicional festa do peão boiadeiro, quando a montaria era boa, o locutor gritava: “padrão Fifa.”

O doping de Dodô
Lembra que o jogador Dodô foi flagrado em 2007, quando jogava no Botafogo, pelo exame antidoping após um jogo com o Vasco?

Ele foi suspenso preventivamente. Depois, foi absolvido pela Justiça Desportiva, que concluiu que a “contaminação das cápsulas” de cafeína que ele usava regularmente ocorreu na farmácia.

Jogo que segue...
Dodô entrou na Justiça comum pleiteando uma indenização por perdas e danos contra a farmácia de manipulação Pharmacy 65.

Na tramitação do processo em primeira instância, foi apresentada, segundo Sérgio Sender, advogado da farmácia, uma prova por perito indicado pelo juiz da 6ª Vara Cível que confirmou a inexistência de contaminação ou qualquer falha por parte da empresa.

Portanto...
A culpa do doping é do mordomo.

Boca fechada
Adriana Calcanhotto emagreceu cinco quilos nos últimos dois meses. 

Barão de Petrópolis 1.026
Circula na rede, entre saudosos da ditadura, proposta de instalar num casarão da Barão de Petrópolis, no Rio Comprido, no Rio, um “centro de memória para homenagear aqueles que combateram os terroristas”. O lugar, que abriga hoje o buffet Célia Festas, foi onde ficou sequestrado por grupos de esquerda, em 1969, o embaixador americano Charles Elbrick.
A intentona seria uma resposta à Comissão da Verdade, que deseja transformar num espaço de memória sobre a repressão o prédio do antigo DOI-Codi no Rio, centro de tortura na época da Ditadura.

No mais...

Calma, gente.

Exclusão digital
Dos 21 milhões de adolescentes (dos 12 aos 17 anos) no Brasil, 30% não têm acesso à internet. É o que revelam resultados preliminares de estudo da Unicef.

Caindo da fachada
O Golden Green, o condomínio de bacanas da Barra, está com problemas em sua fachada.
Moradores do bloco 2 reclamam que as pedras de mármore estão caindo. O condomínio de uma cobertura dali, por exemplo, é mais de R$ 7 mil.

Salve Paloma!
Paloma Bernardi, sucesso como Rosângela em “Salve Jorge”, será destaque de chão no desfile da Grande Rio em 2014. Representará uma índia.

Par romântico
Fred, o craque do Fluminense, foi convidado por Walter Negrão para fazer uma participação especial no último capítulo de “Flor do Caribe”.

Se topar, será o par romântico da cantora Cristal, vivida pela atriz argentina Moro Anghileri.

O FARDÃO DE FH
Fernando Henrique Cardoso, 82 anos, acompanhado da namorada, Patricia Kundrat, foi, sábado à tarde, ao Centro do Rio experimentar o fardão com que vai tomar posse na Academia Brasileira de Letras no dia 10 de setembro. Ao final, elogiou o trabalho do alfaiate oficial da ABL, Diógenes Cardoso: “Está lindo, Diógenes.” Por sua vez, o alfaiate ficou muito bem impressionado com a simpatia e a gentileza do ex-presidente:
"Foi um dos clientes mais agradáveis e elegantes que eu já tive.” FH tem 98cm de perna, 57cm de peito, 56cm de tronco e 55cm de cintura. Que seja feliz! 

Escapadas - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 26//08

RIO DE JANEIRO - A presidente Dilma surpreendeu ao revelar que, outro dia, escapou do Planalto sem ser notada e saiu de moto por Brasília. Ótimo. Significa que não somos apenas nós que já não toleramos as carantonhas dos que a cercam no comando do país. O fato de a presidente não ter carteira de habilitação, não saber dirigir motos e de ser impossível que ela saia sozinha não tem a menor importância.

Importante é saber que nenhum presidente se contenta com passar o dia assinando documentos sem ler, gritando com ministros ou dando tapas na mesa. Foi citado o caso do presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985), que também saía de moto pelas madrugadas de Brasília --talvez para se ver longe, por algumas horas, dos colegas que queriam impedi-lo de devolver o país. Na verdade, a agenda dos presidentes devia prever um horário livre, para que eles pudessem escapar e fazer o que quisessem.

No passado, isso era possível. Dizem que Getúlio Vargas, em seu período constitucional (1951-1954), saía à noite do Catete e caminhava pela Praia do Flamengo até a rua Paissandu, e voltava. Numa dessas, teria cruzado com Graciliano Ramos, seu ex-preso político, e os dois se cumprimentado. Se aconteceu, foi um belo momento da democracia brasileira.

Juscelino Kubitschek (1956-1961) também escapava, mas para visitar sua namorada Maria Lucia Pedroso. Jânio Quadros (1961) só não escapava porque não achava a saída do Alvorada, e ficava zanzando às tontas pelo palácio. Já João Goulart (1961-1964) vinha ao Rio de surpresa e fechava a boate Michel, em Copacabana, para ele e seus amigos. E até Castello Branco (1964-1967) ousava aparecer de repente num teatro. Enfim, presidentes e escapadas são quase sinônimos.

Sem falar nos que, nos últimos 28 anos, escaparam da Lei da Ficha Limpa --porque ela ainda não existia.

Me dá um dinheiro aí - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 26/08

Os governadores do Nordeste aproveitaram reunião do Conselho da Sudene, na semana passada, para discutir as dificuldades de caixa enfrentadas pelos Estados. Eles relataram o aumento dos gastos com custeio e pessoal muito acima do crescimento das transferências federais e da arrecadação. A partir disso, decidiram pedir a Dilma Rousseff que o governo federal crie uma linha de financiamento para custeio dos Estados, que ajude a bancar gastos com educação e saúde.

Má hora Antes mesmo de bater à porta de Dilma, os governadores já constataram que será difícil arrancar o subsídio do governo em tempos de preocupação com a instabilidade cambial. Mas lembram que os municípios conseguiram viabilizar uma negociação semelhante.

No vermelho Cid Gomes (PSB) levará o pedido à presidente. Ele usa os números do Ceará para exemplificar as dificuldades nos Estados. Até junho, as despesas com custeio subiram 12,6%, enquanto os repasses federais foram só 4,5% maiores que os do ano passado.

De cima Foi ordem de Dilma o cancelamento da visita que Antonio Patriota faria à Finlândia ontem. O ministro das Relações Exteriores ficou para analisar o caso envolvendo o senador boliviano Roger Pinto Molina, opositor de Evo Morales, que chegou ao Brasil.

Mínimos detalhes Interlocutores afirmam que a presidente marcou uma reunião hoje com Patriota para discutir o caso do boliviano.

Occupy DF O Gabinete de Segurança Institucional apura informações de que um grupo de manifestantes comprará ingressos para acompanhar o jogo entre Brasil e Austrália, no Mané Garrincha, mas não deixará o estádio. Além da capital federal, o governo já detectou que devem ocorrer protestos no 7 de setembro, data do jogo, no Rio.

Todo ouvidos Empresários disseram a Guido Mantega (Fazenda) na semana passada que, para que a economia recupere a credibilidade, é preciso que o ministro assuma postura diferente sobre algumas críticas do mercado.

Rendeu Segundo relatos, o ministro já deu sinal de que ouviu, ao reconhecer publicamente nos últimos dias que causou mal-estar entre investidores a forma de contabilizar gastos do governo.

O alvo Eles se queixam ainda de Arno Augustin (Tesouro), alegando que o secretário simboliza uma das principais causas da perda de confiança na economia, que é a contabilidade criativa.

De olho 1 Os aeroportos paulistas de Guarulhos e Viracopos, concedidos à iniciativa privada, devem ampliar seus sistemas de segurança até abril de 2014, dois meses antes da Copa do Mundo.

De olho 2 A Polícia Federal recomendou a instalação de novas câmeras, por exemplo, para coibir crimes de evasão e descaminho.

No... A prefeitura de São Paulo vai abrir os dados do sistema de GPS instalado nos ônibus da cidade para programadores que participarão de uma maratona hacker, prevista para setembro.

...ponto O objetivo é criar um aplicativo móvel que permita ao passageiro saber exatamente onde está cada ônibus da frota municipal.

Na ativa O ex-presidente Lula enviou uma mensagem em vídeo para ser exibida na posse da federação de trabalhadores da indústria química, na sexta-feira. Dirigentes enxergam o ato como mais um gesto de aproximação do PT com a entidade, vinculada à Força Sindical.

Tiroteio
Uma mentalidade despótica não sintoniza com a nossa. Deve ser um sofrimento para Joaquim Barbosa conviver com a divergência.
DO DEPUTADO FEDERAL ANDRÉ VARGAS (PT-PR), sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal declarar que seu temperamento não se adapta à política.

Contraponto


No xadrez
Chico Alencar (PSOL-RJ) observava a exposição "Parlamento brasileiro: 190 anos de História", na Câmara dos Deputados, na semana passada, quando chegou Rosane Ferreira (PV-PR). Ele, que via o painel "A Câmara dos Deputados começou na Cadeia Velha", brincou com a deputada:

- Veja como já estivemos mal abrigados no passado, colega... Ou seria medida de economia processual?

Ela respondeu:

- Triste mesmo é, já na República, haver parlamentares encerrando suas vidas públicas em cadeias novas...

Espiões burros e burros espiões - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 26/08

NOVA YORK - Quando dizemos "Fulano é um asno", mais do que colocar a espécie equina sob uma luz negativa, estamos sendo pouco precisos. O asno nada mais é do que um jumento, o Equus asinus, animal resistente que pode ser encontrado em regiões geográficas diversas e se presta também ao insulto universal.

Se uma égua tiver um caso com um jumento (ainda no território da zoologia), o produto desse acasalamento será o burro ou a mula (agora vamos caminhando para o reino das figuras de linguagem). Em inglês, a palavra mule define burro e mula. E define metaforicamente quem transporta algo ilegalmente. Drug mule, por exemplo, é o otário que transporta drogas para o traficante por uma fração dos lucros do chefão e sob risco pessoal multiplicado.

Pois enquanto se espalhava a indignação internacional com a prisão do carioca David Miranda no aeroporto de Heathrow, sob uma lei antiterror que, segundo um dos seus redatores, foi violada, o analista legal da CNN disparou o seguinte comentário:

"Vamos ser bem claros aqui sobre o papel do Senhor Miranda. Não quero ser indelicado, mas ele era uma mula. Ele recebeu algo, não sabia o que era, de uma pessoa para entregar para outra, no aeroporto. Nossas prisões estão lotadas de 'drug mules'".

Em minha confusão, podia jurar que tinha ouvido o comentarista relinchar.

A poluição sonora produzida pelo extremismo usado para encher a linguiça das horas intermináveis da TV a cabo não surpreende mais. O problema é que o comentarista, Jeffrey Toobin, que não queria "ser indelicado" e conseguiu sê-lo com uma pitada de racismo, trabalha para a estimada revista New Yorker. E, ainda por cima, é um especialista em Direito Constitucional. Se existe um paraíso e Harold Ross, o fundador da New Yorker, está tocando lira com os anjos, espero também que já tenha escrito uma eloquente carta de recomendação para Toobin no purgatório.

Mal o mundo plantou os olhos na cara de nerd de Edward Snowden, em junho, falando naquele vídeo no hotel de Hong Kong, Toobin já tinha feito o diagnóstico de Distúrbio de Personalidade Narcisista sobre o ex-funcionário da CIA. Ou seja, Edward Snowden, que nunca mais mostrou a cara voluntariamente na mídia, revelou seus segredos porque é patologicamente vaidoso. O ataque instantâneo de Toobin nos primeiros momentos do megavazamento do programa de megadados foi mais chapa branca do que qualquer press-release sonhado pelo governo americano.

Como disse um outro comentarista mais ao meu gosto, se uma lei secreta e nunca consentida pelo público americano deu poderes nunca conferidos a um governo democrático, bem, "a lei é um asno".

Em menos de três meses de revelações, não só as que vieram do material de Edward Snowden no Guardian britânico, mas também em reportagens investigativas de outras organizações, ficou claro até para o governo americano que o obeso gênio da vigilância secreta não vai atravessar de volta o fino gargalo da garrafa da qual escapou.

Ironicamente, uma das revelações que mais expõem os profissionais da NSA, a agência de segurança nacional, aos epítetos equinos, veio da decisão da Casa Branca de levantar o embargo sobre 86 páginas de documentos, na semana passada. Um juiz declarou que a NSA coletou ilegalmente os emails de dezenas de milhares de cidadãos americanos enquanto tentava peneirar as comunicações de estrangeiros.

Os documentos foram liberados porque o presidente Obama disse que não adianta ele dizer para a Michelle que lavou os pratos, precisa mostrar os pratos limpos para ela. Quando ouvi a comparação, tive a distinta impressão de que o presidente me achava meio asinina. Mas não deve ser nada pessoal.

Espere aí, não é pessoal? Ao desviar a atenção da espionagem para pessoas, na pena de prisão sem precedentes aplicada a Chelsea (ex-Bradley) Manning, na campanha de propaganda contra Snowden, e na detenção de um carioca que é tão terrorista quanto eu sou goleira do Fluminense, tem sido útil tornar o debate pessoal.

Agora, até os sentimentos pessoais dos espiões estão feridos. Desde a década de 70, quando Richard Nixon mandou espionar ativistas de direitos civis, a NSA não era tão escorraçada no país. Dizem que os funcionários da NSA se sentem como o personagem de Bill Murray em Groundhog Day (Feitiço do Tempo). Todo dia, quando toca o despertador, estão de volta às manchetes, atropelando os direitos dos americanos.

Depois da prisão de David Miranda, um cavalo de Troia que David Cameron estacionou no gramado da Casa Branca, parece que há uma corrida para a saída de emergência. Obama quer mostrar os pratos limpos no escorredor para o povo americano. Os agentes da NSA querem recuperar seu mojo. Os deputados e senadores que assinaram o cheque em branco para a vigilância se acotovelam para caber no retrato da classe do curso de transparência democrática. Até Jeffrey Toobin escreve para websites tentando em vão explicar por que empacou como um jegue na posição inaceitável para quem se diz jornalista.

Se os animais trocassem insultos, a égua ia xingar o jumento de quê?

Eles vão prever o que você vai fazer - EVANDRO MILET

O GLOBO - 26/08

Em seu conto "O Aleph", de 1949, Jorge Luis Borges relata o dia em que viu, no porão de uma casa nos arredores de Buenos Aires, o Aleph, uma esfera furta-cor de dois ou três centímetros de diâmetro, onde se concentravam todos os pontos do universo, todos os rostos, todos os lugares, todas as coisas. Depois disso, onde andasse, tudo lhe parecia familiar. Depois ele mesmo explicaria: "O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço."

Parece que a ficção fantástica vira realidade e qualquer um hoje pode ver, não em uma esfera, mas em uma tela plana de poucos centímetros de um smartphone, todos os rostos nas redes sociais, todos os lugares no Google Earth com Street View e todas as coisas com os mecanismos de busca e a proliferação do big data.

E a realidade supera a ficção porque não apenas vemos tudo, mas também nos comunicamos com todos sem precisar ir a um porão - a não ser para tentar pegar o difícil sinal da operadora - enquanto a próxima geração da internet das coisas permitirá que os objetos se comuniquem entre si com base nos sensores que estarão em todos os lugares.

Mas o que é big data? Segundo a IBM, todos os dias criamos 2,5 quintilhões de bytes de dados - tanto que 90% dos dados hoje existentes no mundo foram criados nos últimos dois anos. Esses dados vêm de muitas fontes: sensores de todo tipo, fotos e vídeos de internet e de todas as câmeras de vigilância, registros de transações financeiras e de compras, registros médicos, sinais de GPS, gravação de vozes, posts de mídias sociais, e-mails, impostos e processos judiciais entre inúmeras outras, enfim tudo que possa interessar aos espiões do Obama.

Para se ter ideia da importância do tema, um recente relatório da empresa de consultoria McKinsey elege cinco oportunidades capazes de virar o jogo para o crescimento dos Estados Unidos: gás de xisto, mercado de bens intensivos em conhecimento, crescentes investimentos em infraestrutura, um efetivo sistema de desenvolvimento de talentos pela educação e o potencial do big data analytics de aumentar a produtividade.

As análises e os cruzamentos que só se conseguia fazer por amostragem agora podem ser feitos com a totalidade dos dados em consequência da evolução da velocidade e da capacidade de armazenamento dos computadores. Para essa nova atividade são necessários novos perfis profissionais, e imensas oportunidades surgem para a biologia e a medicina, previsões de desastres naturais ou atentados terroristas, exploração de petróleo, detecção de fraudes, serviços governamentais, estratégias de marketing e sobretudo, para o bem e para o mal, um amplo conhecimento sobre os hábitos, desejos e comportamento de cada pessoa.

Novamente a realidade supera a ficção quando o Big Brother não apenas verá o que você faz, mas será capaz de prever o que você fará.

Qualquer planejamento de empresas ou governos para os próximos anos deverá dar a atenção adequada a esse novo tema.

História lenta e incompleta - SERGIO VALE

FOLHA DE SP - 26/08

Não haverá uma avalanche de concessões para gerar um empuxo de produtividade. Precisamos de um choque muito mais intenso


O governo, mais uma vez, sugere que as concessões que podem sair neste ano serão um marco na recuperação econômica. A sensação do "agora vai" novamente parece ter tomado de assalto a trupe de Brasília.

Cada vez que penso nos desejos do governo, fico com a sensação de "não, agora não vai, de novo". Há uma concepção histórica recorrente por traz desse sentimento.

O Brasil, na acepção feliz do sociólogo José de Souza Martins, é um país onde a história é lenta. Diria mais. É lenta e incompleta.

Na Independência, introduzimos os velhos modelos imperiais pré-Revolução Francesa via Poder Moderador. Fomos os últimos a abolir a escravidão, mas ficou de resíduo uma desigualdade racial velada.

A industrialização, quando chegou, veio de mãos dadas com o Estado, legado de Getúlio. A hiperinflação teimou a cair, sem se completar os ajustes definitivos com os retrocessos institucionais que se seguiram a partir de 2005, nos governos Lula e Dilma.

Faltaria agora justamente o que o governo tenta vender, que é uma suposta revolução na produtividade, que viria primordialmente das concessões. Mas, novamente, a lentidão abraça a incompletude.

Neste ano, teremos, se muito, algumas concessões apenas nas áreas de rodovias, aeroportos e petróleo. Mas, dada a incerteza regulatória, deve haver atrasos nas concessões em que o governo mais interfere, como no caso das rodovias e ferrovias.

Não nos parece que haverá uma avalanche de concessões que resultará num empuxo de produtividade. Para crescer acima da média mundial, precisamos de um choque muito mais intenso e nossa própria história nos remete a essa ideia.

Desde a década de 80, notamos que apenas em três momentos crescemos acima da média mundial. Primeiro, na época do Plano Cruzado. Segundo, no Plano Real. Terceiro, em meados da década passada, como efeito de China e reformas precedentes dos anos 1990 e 2000.

Não se consegue ver hoje uma causa concreta para crescermos acima da média mundial. Pelo contrário, devemos manter um padrão abaixo de uma média mundial já baixa, de 3% ao ano. A lentidão das privatizações parece ser um elemento contra a crença de que teremos um crescimento rápido e intenso.

Mais ainda, o governo deixa de focar o que os estudos sistematicamente mostram como o elemento mais relevante para estimular o crescimento de longo prazo: a educação. É aqui que o movimento tem sido muito lento, quando não negativo.

Esses mesmos equívocos são vistos na acepção de que as desigualdades regionais seriam diminuídas com melhora da infraestrutura, aumento da participação da indústria e pela existência do Bolsa Família.

Estudos de Alexandre Rands mostram que 100% da diferença de renda entre Sudeste e Nordeste se deve a diferenças na qualidade do capital humano, leia-se educação. O resto é importante, mas não fundamental.

É nesse sentido que nossa história se mostra lenta --no atraso em identificar as verdadeiras causas dos problemas-- e incompleta --por atacar parcialmente os problemas existentes, focando falsas questões. Fica difícil imaginar o país crescendo muito nos próximos anos.

Só vejo vantagens - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 26/08
"Venho tratar de pessoas, de estruturas, não"
MIGUEL DALPUIM, médico português atraído pelo programa Mais Médicos


Sem tolices, por favor. Queriam o quê? Que, precisando contratar médicos para fixar no interior, o governo não o fizesse só porque os nossos têm outros planos? Ou então que contratasse estrangeiros, mas não cubanos porque eles vivem sob uma ditadura? Com quantas o Brasil mantém relações? Sabe em que governo o Brasil reatou relações diplomáticas com Cuba? No do conservador José Sarney. Pois não é?

DESEMBARCARAM por aqui no último fim de semana os 400 médicos cubanos que aceitaram trabalhar durante três anos nos 701 municípios rejeitados por brasileiros e estrangeiros em geral inscritos no programa Mais Médicos. São municípios que exibem os piores índices de desenvolvimento humano do país, 84% deles situados no Norte e no Nordeste. Os nossos médicos brancos e de olhos azuis não topam servir onde mais precisam deles.

MÉDICOS BRANCOS e de olhos azuis... (Olha o racismo aí, gente!) O que eles querem mesmo é conforto, um consultório para chamar de seu e bastante dinheiro. Igarapés? Mosquitos? Casas de pau a pique? Internet lenta? Medicina, em parte, como uma espécie de sacerdócio? Argh! Mas a Constituição manda que o Estado cuide da saúde das pessoas. E, para isso, ele lançou um programa. Acusam o programa de ter sido concebido sob medida para reeleger Dilma.

OUTRA VEZ, SUPLICO: "sin tonterias, por favor". Queriam o quê? Que podendo atender o povo e ganhar uns votinhos ela abdicasse dos votinhos? Sarney (ele insiste em voltar!) inventou o Plano Cruzado em 1986 para manietar a inflação. Manietou-a tempo suficiente para vencer a eleição daquele ano. Com a falência do plano, foi apedrejado no Rio. O Plano Real elegeu Fernando Henrique. O que restou do plano o reelegeu. O Bolsa Família reelegeu Lula.

AH, MAS UM programa ambicioso como o Mais Médicos deveria ter sido discutido pela sociedade antes de começar. Deve ter sido discutido, sim, pelo governo, ouvindo também seus marqueteiros. Importa que funcione bem. Do contrário, a gente mata a bola no peito e sai por aí repetindo até perder a voz: "Eu não disse? Não disse?" Outra coisa: quem sabe o fracasso do programa não derrota Dilma? Hein? Hein?

MÉDICO CUBANO não fala português direito! (Ora, tenham dó. Eu passo.) Não podem ser tão bem preparados. Podem e são. Estão em dezenas de países. Até no Canadá. Até na Inglaterra. Ministro da Saúde, José Serra foi a Cuba conhecer como funcionava o sistema de atendimento médico comunitário. Voltou encantado. Sei: coitado do médico cubano! A maior parte dos R$ 10 mil mensais que embolsará ficará com o seu governo. E ele não poderá trazer a família.

TAMBÉM TENHO pena deles. E deixo aqui como sugestão: entre tantas as passeatas marcadas para 7 de setembro, porque não fazemos uma pedindo o fim da ditadura cubana? Ou pelo menos melhores salários para os médicos da ilha? Já pensou? Abrindo a passeata, representantes de entidades médicas. De jaleco. Atrás, um mar de bandeiras vermelhas para animar a turma. Fechando a passeata, o bloco dos vândalos. E tudo filmado pelos ninjas!

COMPARTILHO O receio de os médicos estrangeiros se frustrarem com a carência de equipamentos no Brasil. Se eles faltam até nas maiores cidades, imagine nas terras do fim do mundo? Ainda assim é melhor ter médicos a não tê-los. Em certos casos só se resolve problema criando problema. Haverá sempre o recurso passeata. Se negarem o que pedimos... Se rolar grossa pancadaria... Cuide-se, Dilma!

Sobra verbo, falta verba - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 26/08

Um a um, esses dados não serão catastróficos, mas não são bons, e o conjunto deles não é nada tranquilizador



Quando a crise atual mostrou suas unhas nos Estados Unidos e na Europa do euro, não faltaram ponderações de respeitáveis autoridades da área acerca da gravidade do problema, sendo que uma delas não hesitou em comparar o caso com o flagelo de 1929/1930.
As nossas autoridades, no entanto, “cantavam de galo” diante da ameaça. Lembro que a senhora presidente blasonava ao dizer que o Brasil, que tirara de ouvido a crise anterior, a crise anunciada não lhe faria mossa, pois estava 300% mais fortalecido para enfrentá-la, as reservas externas eram fartas e assim por diante; ora, qualquer pessoa relativamente informada sabe que esses fenômenos vulcânicos podem gerar os mais contundentes efeitos de uma hora para outra, tomando as feições mais inesperadas; ora, ao ameaçar os fatos com gabolices é deixar à calva sua inépcia. Em verdade os dias passam e a nossa situação se mostra frágil, seja por causas internas, quer por motivações externas, chegando a não ter condições de concorrer no exterior pelo preço dos nossos produtos em casa, dado o preço dos importados. E agora ao mesmo tempo em que o governo anda perdendo o fôlego para conter a cotação do dólar, respira aliviado porque a elevação lhe é favorável para aumentar a exportação. A notoriedade dessas realidades dispensa a insistência no assunto. Mas, dia a dia, vem pipocando notícias várias, indicativos da mesma realidade.
Ao correr os olhos vejo que o desempenho fraco da economia brasileira atingiu o mercado de trabalho nas regiões metropolitanas, com exceção de Belém e Fortaleza. Outrossim, em 10 anos, foi o pior mês de julho em matéria de criação de empregos e o saldo de 41,5 vagas formais representa queda de 77%, ante ao mesmo mês de 2012. Lembro que até ontem se salientava que, a despeito da generalidade das dificuldades experimentadas o emprego se mantinha; ao que parece, o desemprego começa a dar sinais.
Um dia antes, a notícia era relativa às contas externas que fecharam o primeiro semestre com um rombo de 72% maior do que no mesmo período do ano anterior. “Com um desempenho fraco da balança comercial, o déficit externo chegou a US$ 42,48 bilhões”. Para analistas do mercado “o cenário é preocupante”, embora em junho tendo havido alguma melhora.
Segundo o Banco Central, de junho de 2012 para junho de 2013 a dívida externa aumentou de 302 para 321 bilhões de dólares e seus encargos cresceram de 42 para 60 bilhões; as exportações caíram de 255 para 239 bilhões, as reservas em dólar do Banco Central pararam de crescer, de 373 para 371 bilhões e o PIB em dólares encolheu de US$ 2,37 trilhões para US$ 2,29 trilhões. Enfim, os índices que a confiança de consumidores e empresários na economia caíram aos níveis registrados em 2009, auge de crise global.
Em síntese, um a um, esses dados não serão catastróficos, mas não são bons, e o conjunto deles não é nada tranquilizador. De resto, não é incomum que, de repente, os fatos entrem em desvarios, razão por que um pouco de cuidado não faria mal a ninguém. Eles já não ajudam uma candidata à reeleição e se um novo tremor de terra viesse a ocorrer poderia ser desastroso para ela. No entanto, a senhora presidente parece estar mais empolgada com sua campanha do que com a nação e as instituições.

Almirante Padilha - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 26/08

SÃO PAULO - O mundo está à beira da guerra nuclear, os EUA decretaram bloqueio naval e enfrentam um teste prático com um cargueiro soviético que não responde aos avisos da esquadra americana.

De Washington, o almirante George Anderson, chefe de operações navais, ordena ao comandante do cerco que siga o plano e acione os seus canhões. O secretário da Defesa, Robert McNamara, escuta a ordem de Anderson, entra em desespero e manda interromper os disparos.

São só tiros de sinalização, diz o almirante. E se os soviéticos não entenderem assim? E se tomarem esses disparos como ato de guerra, grita McNamara. E emenda: "Isso não é um bloqueio naval. Isso é linguagem. É o presidente Kennedy se comunicando com o secretário Kruschev". Assim é o filme "Treze Dias que Abalaram o Mundo", sobre a crise de outubro de 1962, dos mísseis nucleares em Cuba.

O McNamara da ficção, encarnado por Dylan Baker, sintetiza uma das artes da diplomacia, da tomada e da execução de decisões em momentos de aperto. A autoridade fala por diversos meios. Um deslize de linguagem pode lançar tudo pelo ralo.

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff se comunicou bem com os agentes do mercado. O Banco Central informou regras, procedimentos e volumes de sua intervenção no câmbio até o final do ano. Ganhou uma batalha, embora ainda não a guerra, na campanha para recuperar a confiança, avariada por decisões intempestivas do passado.

Poderia ter escolhido fazer a mesma intervenção, mas sem revelar seus termos. Arriscaria idêntica quantidade de recursos para um resultado provavelmente nulo.

Já na política, os almirantes Padilha e Mercadante continuam com os dedos no gatilho, atirando balas de festim para todos os lados. Não há McNamara que os contenha. É a presidente Dilma se comunicando (mal) com a sociedade.

Quando setembro chegar - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 26/08

Dois meses depois, o que ficou das manifestações maciças de junho? Haverá consequências permanentes dos protestos? Algo mudou na prática? Quem ganhou e quem perdeu? Este é um balanço, parcial e inacabado, do que as ruas trouxeram e levaram.

Dilma Rousseff (PT) foi o para-raios das manifestações. Perdeu popularidade mais rapidamente do que qualquer outro presidente brasileiro pós-ditadura, mas logo que encontrou o fundo do poço começou a escalá-lo, lentamente. Ainda tem a recuperar dois terços do que perdeu, mas sua trajetória é ascendente. Não se pode falar o mesmo de outros políticos.

Sergio Cabral (PMDB) é, até agora, a principal vítima das manifestações. A aprovação do governador do Rio desmilinguiu-se tão completamente que mesmo seu legado na área de segurança - a dita pacificação das favelas - sofre contestações como nunca antes. De força eleitoral na própria sucessão, tornou-se contagioso. Só o papa ainda escreve ao governador.

Geraldo Alckmin (PSDB), se houvesse a opção, teria hibernado em maio para acordar na primavera, quando só houvesse flores. Mas seu inverno não acaba. O governador paulista esteve no centro das manifestações: foi sua PM que deu o tiro de largada para os protestos em massa ao disparar balas de borracha contra os filhos da classe média. Agora, corre risco de descarrilar.

Em quase 20 anos de mandarinato tucano em São Paulo, nunca a oposição teve tanta munição contra o Bandeirantes. Os petistas acham que é sua chance. Mas o perfil e o histórico eleitoral paulista sugerem que alternativas podem vir pelo outro lado. Filhotes do malufismo têm motivos para excitação.

Outros governadores já perceberam que andar na rua sem sobressaltos é coisa pré-manifestações. Os precavidos, como o governador cearense Cid Gomes (PSB), compraram helicópteros. Outros têm que se contentar com o destino pedestre de seus candidatos em 2014. Na Bahia, nenhum dos aliados de Jaques Wagner (PT) está conseguindo chegar a dois dígitos no Ibope.

O PMDB usou os protestos para manifestar suas demandas junto ao governo. Aproveitou a fragilidade parlamentar da presidente para aprovar o que mais lhe convém. Mesmo sendo lembrados pouco carinhosamente pelos manifestantes, os caciques peemedebistas federais estão entre os que mais ganharam com os protestos.

Mais importante, o PMDB não deixou passar nada da reforma política que pudesse colocar em xeque o seu poder em Brasília. Aliás, a reforma política é uma expressão desprovida de significado para dois em cada três brasileiros, como mostrou o Ibope. Só 7% se dizem bem informados sobre ela. Essa é a maior garantia de que nada venha a "desempoderar" os peemedebistas.

Marina Silva cresceu nas pesquisas de intenção de voto no pós-protesto, mas custa a viabilizar seu partido. Sem legenda própria, dependerá dos caprichos de um ou outro cacique partidário e terá mais dificuldade para manter a imagem de candidata "outsider" da política tradicional.

Para Marina e os demais presidenciáveis, setembro de 2013 é a chave de 2014. É quando se saberá quem poderá ou não ser candidato por qual legenda. Se José Serra vai continuar empatando a candidatura de Aécio Neves no PSDB, ou se vai empatá-lo no PPS, por exemplo.

Para Dilma, o Sete de Setembro também é o teste que dirá se sua tentativa de resposta às manifestações de junho está surtindo efeito. Se passar na prova das ruas - e a economia deixar -, a presidente pode escalar o poço com mais segurança. Se tropeçar, está arriscada a voltar ao patamar para onde havia despencado.

Fora isso, as ruas trouxeram um novo vocabulário para a política: horizontalidade, mídia ninja, black bloc, spray de pimenta. Vamos ver o que sobra depois que setembro passar.

Troca-troca geral - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 26/08

Deputados mudam de partido jogando a lei da fidelidade partidária na cesta das letras mortas. Nos estados, alianças de governadores candidatos à reeleição desmoronam


Estamos a menos de um ano da largada para as eleições de 2014 e os cálculos feitos pelos partidos indicam que ninguém terá vida fácil nos estados. Nenhum dos atuais governadores que pode disputar mais um mandato apresenta um quadro de favoritismo absoluto que permita dizer com segurança que a reeleição será líquida e certa. De Norte a Sul, as tensões imperam. E onde a situação começa a clarear, vislumbra-se que a maioria deles terá alianças diferentes daquelas que garantiram a vitória há quase três anos.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde o governador Tarso Genro (PT) concorrerá a mais um mandato, a coligação que embalou a candidatura em 2010 não se repetirá. O PSB caminha para apoiar quem ofereça um palanque que sirva de motor para ajudar o pernambucano Eduardo Campos na corrida ao Planalto.

No Distrito Federal, o governador Agnelo Queiroz (PT) passará por uma situação semelhante na campanha à reeleição. O senador Rodrigo Rollemberg, do PSB, será candidato a governador no sentido de ajudar os socialistas na disputa presidencial. Rodrigo tenta construir seus alicerces pela esquerda, tentando atrair não só o PDT, como também aqueles que trabalham para montar a Rede de Marina Silva e, ainda, o PSol da ex-deputada Maninha e do ex-candidato a governador Antonio Carlos de Andrade, o Toninho.

Mas não é apenas o PT que vê os aliados minguarem por conta da pré-candidatura de Eduardo Campos ao Planalto. No Espírito Santo, onde o governador Renato Casagrande (PSB) teria uma reeleição tranquila, o PT tem o vice-governador e não ficará na chapa se Campos for candidato contra Dilma. Afinal, hoje não é intenção do PT dividir os palanques de Dilma com outros candidatos a presidente da República.

No maior colégio eleitoral do país, São Paulo, as dificuldades atingem mais os tucanos do que os governistas. O quadro clareou bastante, mas Geraldo Alckmin (PSDB) ainda não tem a menor segurança em relação à aliança. A saída mais fácil hoje é abrir a vaga de vice-governador ao PSB e colocar no palanque presidencial dois candidatos, o do PSDB (o mais cotado é Aécio Neves) e Eduardo Campos, mas os tucanos não estão muito confortáveis com essa situação.

No Paraná, Beto Richa (PSDB) vê a ampla base sob ataque constante do PT, que tenta lhe tirar partidos para minimizar as chances de reeleição. O mesmo ocorre no Pará do tucano Simão Jatene e em Goiás. No Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, do DEM, está em dificuldades porque os aliados consideram que ela hoje é mais aliada de Dilma do que oposição. Mas, para ser candidata apoiando Dilma, só se mudasse de partido, o que é um risco por causa da fidelidade partidária.

Por falar em fidelidade partidária...
Há alguns anos, quem mudasse de partido para outra legenda que não fosse novinha em folha estaria sob um risco monumental de ficar sem mandato. Mas agora, a lei que instituiu a fidelidade parece estar a um passo de entrar para a cesta das letras mortas, se é que já não está nesse balaio. Isso porque, a cada dia, aumenta o número de deputados que trocam de partido sem serem incomodados. Quem abriu essa porteira foi Gabriel Chalita, ao deixar o PSB para ingressar no PMDB. Agora, o ex-jogador Romário seguiu essa trilha e migrou do PSB para o PR. Há outros que também estão de mudança de suas legendas.

O que permitiu esse troca-troca foram os acordos entre os partidos, ou a vontade de deixar quem sai de forma amigável uma dívida de gratidão. Afinal, em política, quem um dia se afasta pode virar amigo logo ali na frente. Diante dos acertos, fica no ar aquele cheirinho de que os deputados simplesmente rasgaram a regra da fidelidade partidária, sem dizer isso abertamente. É bom ficar de olho, assim como vamos prestar atenção redobrada na economia e no julgamento do mensalão, temas que comandam as pastas esta semana que se abriu com mais uma pesquisa favorável à presidente Dilma. Há quem diga que, se ela se recuperar mais um pouquinho, as dificuldades no parlamento ficarão a cada dia menores. Essa, entretanto, é outra história.

Conversão duvidosa - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 26/08

BRASÍLIA - Até pouco tempo, o mundo empresarial e o mercado faziam a seguinte pergunta a petistas influentes: Dilma vai deixar os juros subirem? Deixou. Agora, o questionamento é outro: ela vai aprender, de fato, com seus erros?

Indagação reveladora do nível de dúvida reinante entre economistas e empresariado sobre o que o governo fará para corrigir seus equívocos e conduzir a economia diante do período de turbulências à frente.

Reflexo dos erros palacianos, a margem de manobra da política econômica ficou estreita. A inflação ainda está acima de 6%, o dólar vive tempos de pressão e incerteza, a gasolina terá de subir e as contas externas registram rombo recorde.

Empresários e analistas têm ouvido que, sim, Dilma assimilou as críticas e já busca ajustar a rota. Deixou de brincar com a inflação como fez até o início do ano, parou de satanizar o desejo de lucro dos empresários e abriu as portas do Palácio do Planalto para sua base aliada.

Passos que, por enquanto, ainda não foram suficientes para eliminar o ceticismo sobre o tamanho da convicção presidencial no novo rumo. Daí a falta de confiança do empresariado na economia brasileira.

Em breve a conversão dilmista será testada. Nesta semana, o BC subirá os juros de novo e pode ser obrigado a aumentar a dose nas próximas reuniões do Copom por causa do dólar em alta, algo que causa arrepios e ranger de dentes no Planalto.

Uma série de leilões de concessões --de rodovias, aeroportos e petróleo-- será feita neste segundo semestre. O resultado mostrará se Dilma realmente entendeu que investidor só entra num negócio que dá retorno e não leva em conta esse discurso de patriotismo.

Enfim, Dilma está mudando, mas outra dúvida fica no ar: a tempo de remover os riscos pela frente e garantir a reeleição? O petismo diz que sim. A conferir. Um resultado já é certo: sua teimosia terá feito o país crescer muito pouco em seu mandato.

Causas estruturais da violência e da desordem - MARIO CESAR FLORES

O Estado de S.Paulo - 26/08

Razões de toda ordem contribuem para o mal-estar social refletido nas manifestações de junho e julho de 2013: precariedade dos serviços públicos e da infraestrutura, insatisfação com a corrupção e incompetência na área pública, custo de vida e inflação, falácia de projetos redentoristas, exorbitantes gastos supérfluos (para eventos desportivos...), violência e desordem generalizadas e por aí vai... Este artigo se refere à violência e à desordem.

O desrespeito à lei, do crime abjeto ao delito banal, que assola o Brasil do topo à base da pirâmide social, tem, evidentemente, razões circunstanciais caso a caso, mas sua dimensão apoteótica se apoia em causas estruturais. A começar, o sentimento de iniquidade social e exclusão que, disseminado pelos meios modernos de difusão da informação, fragiliza os parâmetros morais clássicos (família, religião, solidariedade comunitária...) e põe a violência e a desordem na prática cotidiana das vidas insatisfeitas.

A lógica da socioeconomia moderna inseriu nesse sentimento um estímulo novo, a obsessão consumista, estimulada por propaganda que se vale da imagem e do som sem exigir esforço mental para condicionar a vontade, fazer do consumo o atestado de participação e convencer que todos têm direito ao vociferado com veemência sedutora: carros de desempenho fascinante, motocicletas, celulares multifuncionais, relógios de luxo, iPhones e tablets, toda a parafernália de desnecessidades feitas necessidades pela coerção mental da propaganda-espetáculo compulsiva. Agravante desse processo: sem a novidade da renovação tecnológica espetacularmente trombeteada a cidadania é vista como comprometida e a exclusão, evidenciada; há que consumir sempre mais e o mais moderno, ainda que o modelo anterior satisfaça as necessidades (se existem).

Resultado: é preciso saciar a obsessão consumista ao preço que for necessário pagar e os psicologicamente inseguros se sentem compelidos e até "legitimados" ao delito quando não conseguem (ou por propensão nem sequer procuram) saciá-la nos limites da honestidade. Exemplos simbólicos: arrastão em restaurante e assalto em padaria não pretendem comida e pão, o que leva a esses delitos não é a fome fisiológica - se fosse, mereceriam condescendência -, é a fome psicológica.

Mas, embora relevante, o sentimento de iniquidade e exclusão não é a única razão estrutural da violência e da desordem generalizadas e nem sempre é a protagônica, haja vista que a grande maioria do povo despossuído respeita a lei e o desrespeito é praticado comumente por quem não sabe o que é pobreza e miséria. O descaso do ânimo brasileiro pelo desrespeito à lei é outra razão estrutural de sua abrangência e sua exuberância, inviáveis no nível apoteótico a que chegaram se a população não fosse tolerante ou ao menos conformada.

Grande parte da sociedade tende ao que pode ser assim resumido: as convenções são ignoradas e vale a lógica dos resultados, o caráter pessoal é moldado ao estilo macunaímico - cada um faz o que entende como aceitável por seu código pessoal de conduta, frouxo de conformidade com sua conveniência e sua sensação de impunidade. Assassinatos, sequestros, inescrupulosidade no serviço público, sonegação de impostos, desrespeito a sentenças judiciais, invasões, vandalismo, arrastões, assaltos, bloqueios, drogas e por aí vai, até o trivial atravessar a rua fora da faixa de pedestres, acabam esmaecidos na anomia da leniência coletiva. Delitos escandalosamente graves são superados após indignação cultivada sensacionalisticamente pela mídia, num processo facilitado pela renovação contínua e diversificada.

A complacência da própria lei e o descrédito dos instrumentos da ordem legal são coerentes com a confusão, simpática ao ânimo folgazão brasileiro, entre liberdade democrática e licenciosidade. Mecanismos de redução de penas desfiguram sentenças, licenças festivas propiciam a volta de condenados à criminalidade, menores são inimputáveis porque sua idade não lhes assegura distinguir o certo do errado - embora os habilite (!) a votar aos 16 anos... -, as paradas da maconha (e outras...) são festivamente concorridas (já as anticorrupção contam com escassas centenas, se tanto), o jogo do bicho é delito consentido, as "balas perdidas" são por princípio policiais e a contenção policial da desordem é vista como abusiva e culpada por suas consequências eventualmente graves (por vezes de fato é, mas não como regra geral).

Em suma, a iniquidade social contaminada pelo consumismo, a complacência coletiva correlata à leniência dos códigos pessoais de conduta e a contemporização legal são alicerces estruturais do desrespeito à lei, cujo espectro diversificado impregna a sociedade de cima a baixo.

Completando o quadro, a correção desses alicerces é prejudicada pela atitude comumente dúbia do poder público. Na democracia de massa e de povo propenso ao licencioso, seus atores não raro relutam em fazer valer o rigor da lei, prevalece neles a propensão à contemporização ambígua, de menor risco eleitoral. A censura ao ilegal exigida pela mídia e pelos cargos, geralmente esmaecida na indulgência societária, é frequentemente complementada por manifestação de "condescendência democrática" e por "compensação" ao gosto de organizações e inclinações ideológicas, que preferem a crítica contra a violência policial à condenação da violência de bandidos e vândalos - ou de vândalos bandidos. É a interação da política e do desrespeito à lei, num processo de banalização recíproca.

Todo esse cenário de tendência lúdica desvanece os malfeitos do momento, mas tem seu custo no tempo: ele não impede a acumulação inconsciente de reflexos recônditos, que acabam pesando na saturação psicossocial, mais dia, menos dia contribuindo para a indução de explosões sociais - como aconteceu limitadamente em junho e julho de 2013.

As chances de Eduardo Campos - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 26/08

Confesso ter minimizado, indevidamente, o alcance das aspirações presidenciais de Eduardo Campos. O governador de Pernambuco não é o candidato com mais chances em 2014, à primeira vista, mas no quadro atual desfruta de condições singulares que podem ser bastante favoráveis.

Vejamos. Campos é o único candidato que, provindo da base de governo, à qual ainda pertence, é capaz de conquistar votos na oposição. Neto de Miguel Arraes, o governador mais odiado pela direita golpista de 1964, tem boas credenciais no campo que vai da esquerda ao centro. E é presidente do PSB, que disputa com o PMDB o segundo lugar na aliança governamental; dependendo do critério, é um ou outro.

Também é quem melhor dialoga com a oposição. Sim, o PMDB pode flertar com ela, mas não dispõe, nem em Michel Temer, de um líder tão livre como Campos para dizer o que pensa. E o que ele pensa agrada a uma parte do eleitorado e dos potenciais financiadores do PSDB.

Se o PT lidera há bom quarto de século a centro-esquerda em nosso País, e desde 1989 é uma das duas forças principais na política brasileira, a liderança da centro-direita cabe, desde 1994, ao PSDB. Mas é essa liderança que agora entra em xeque. Ou seja, a centro-direita existe e continuará existindo. Disputará com o PT, no voto, a hegemonia política no País. Mas hoje sofre uma crise de liderança que, na verdade, é uma crise interna do PSDB, afetando a vasta faixa de opinião que ele tem representado.

Os conflitos entre Aécio Neves e José Serra pela candidatura à Presidência em 2014, intermináveis, são sinal disso. Podem resultar de ressentimentos, talvez do político paulista. Mas na verdade se trata de uma crise de destino do PSDB e de uma crise de representação da centro-direita.

Estas duas crises merecem tratamento à parte, o que faremos em artigo futuro. Mas, por ora, vamos à conjuntura que favorece Eduardo Campos.

Caso Serra deixe o PSDB para candidatar-se por outro partido, quase certamente selará sua derrota, mas também a de Aécio. Por derrota, aqui, não entendo perder, no segundo turno, para o PT. Entendo algo maior e pior: nem mesmo chegar ao segundo turno. Aqui crescem as chances de Campos, assim como as de Marina Silva.

Agora, o desentendimento interno ao PSDB - ou, se quiserem, a cisma de Serra se dispondo até mesmo a realizar um cisma dentro do partido - já basta para enfraquecer os tucanos, mesmo que Serra não saia. Consta que, na melhor das hipóteses para Aécio, que é sua indicação presidencial sem a saída de Serra, este último fará corpo mole na campanha. Isso é ruim em termos de imagem. Basta lembrar a recente eleição paulistana, em que Marta Suplicy, frustrada pelo dedaço de Lula no intento de concorrer à prefeitura, se afastou da campanha de Haddad, somente se integrando nela nas semanas finais e cruciais. Coincidência ou não, foi quando Haddad disparou para a vitória. Pois é. Um boicote interno à candidatura Aécio já faria muito mal. Mais uma vez, a conjuntura favorece Campos - e Marina.

E há mais uma perspectiva no horizonte. Será lamentável se uma força de opinião significativa como o Rede não puder concorrer em 2014. Mas, se o TSE puser paradeiro ao atraso dos cartórios eleitorais na verificação das assinaturas, o Rede não poderá culpar a ninguém por um eventual fracasso. Terá sido Marina que demorou mais de dois anos a se definir.

Aliás, mesmo que Marina concorra, a ausência de palanques nos Estados expõe sua aspiração a sérias dificuldades. Suas perspectivas de sucesso são as mais difíceis, hoje, de medir.

O que resultaria de um forfait da Rede ou do fracasso da candidatura de Marina Silva, somada a uma crise no PSDB? Aumentarão as chances para Eduardo Campos. Ele pode ganhar a preciosa indicação da segunda vaga (a primeira sendo do PT) para o turno final das presidenciais. Pode realizar o que é o sonho de Aécio, o discurso do político mineiro, que consiste em propor um governo pós-PT e não anti-PT. Também isso não é fácil, mas Campos não está marcado pelo ódio ao petismo, longe disso; e soube distanciar-se do PT não nos tempos de Lula, mas depois que ele deixou a presidência para uma sucessora sem o seu carisma. Mesmo a eleição no Recife, em 2012, que foi a segunda vitória de Campos sobre o antigo e ainda atual aliado (a primeira se deu em 2006), se deu no quadro de um enorme desgaste do então prefeito petista da capital pernambucana.

Um candidato que vem da centro-esquerda, comprometido com causas sociais, com fama de bom gestor, falando aos empresários e que permita vivermos uma campanha que atenue o clima de ódio que cresceu entre PSDB e PT: este o perfil que Campos construiu. Isso não basta para vencer mas, numa conjuntura em que a Rede não compareça e os tucanos se dividam, pode dar certo.

O cerne da coisa é: o que se está disputando?

Serra só pode disputar a Presidência. Estar no segundo turno não lhe basta.

Mas, para Aécio, Marina ou Eduardo Campos, ganhar um lugar no segundo turno já é uma grande vitória. Nas últimas três eleições, o segundo turno foi do PT e do PSDB. Agora, pela primeira vez, o lugar do PSDB está a perigo. Quem ganhar essa posição se consagra, mesmo perdendo na final do campeonato presidencial, como líder da oposição num talvez desgastado quarto mandato petista. Torna-se líder da centro-direita. E, com isso, muda os termos em que a nossa política está sendo jogada. Imaginem uma centro-direita cujo lema é o discurso sustentável. Ou que tenha em Eduardo Campos a expectativa de uma síntese entre o que é melhor do PT e o melhor do PSDB. Tudo muda.

Confiança - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 26/08

O que está acontecendo com o Brasil? Trabalhadores, empresarios, donas de casa, muita gente já não esconde a preocupação com os rumos do país e anda fazendo a mesma pergunta. Onde foi parar aquela euforia, inflamada por um discurso que apregoava um patamar de desenvolvimento jamais visto na nossa história?

Já não é possível esconder as fissuras na paisagem econômica. A geração de empregos registrou o pior julho dos últimos dez anos. A renda média do trabalhador vem caindo há cinco meses. O setor de serviços desacelerou, a indústria perdeu competitividade. Com a economia patinando, viramos o "patinho feio" entre as nações emergentes.

O ciclo virtuoso do crescimento chegou ao fim sem as mudanças que o país tanto demanda. Desperdiçamos uma safra recorde de oportunidades durante a última década. E percebemos que agora faltam a aqueles que têm a responsabilidade de governar a energia e a competência necessárias para reagir.

O governo queima credibilidade ao afrontar os fundamentos clássicos da administração e do bom senso. Como entender a manutenção de uma máquina pesada e cara, quando a qualidade da nossa infraestrutura está em 107º lugar no ranking de 144 países do Fórum Econômico Mundial? Qual é nossa prioridade, afinal?

Retrato deste descompasso, o PAC é um inventário de obras inconclusas, com projetos ressuscitados para abastecer palanques políticos. Setores estratégicos da economia pagam o preço de erros sérios de planejamento, como o caso das hidrelétricas do rio Madeira.

Cresce o incômodo com a falta de transparência. O governo injeta bilhões no BNDES e não permite que a sociedade, que paga essa conta, conheça o destino desse dinheiro, alimentando as suspeitas de privilégios que não atendem aos interesses nacionais.

Fica evidente a distância entre discurso e realidade. Os mesmos programas são lançados diversas vezes, como se fossem novas iniciativas. O governo que se recusou assumir a sua parte no compromisso previsto na Emenda 29 e vem diminuindo há dez anos a sua participação nos gastos com saúde é o mesmo que lança projetos improvisados, como o Mais Médicos, que não resolve os problemas, mas alimenta o marketing oficial.

Para voltar a apostar no futuro os brasileiros precisam recuperar a confiança no país. Para tanto é essencial que o governo faça pelo menos o básico: controle a inflação, equilibre as contas públicas, priorize os gastos em educação, saúde e segurança e crie condições institucionais para que os investimentos privados floresçam. Acima de tudo, o momento requer uma gestão de responsabilidade.

Confiança --esta palavra anda fazendo muita falta entre nós.

Sob o olhar complacente da polícia - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO - 26/08

Mascarados saqueiam, destroem, ameaçam fisicamente as pessoas e produzem medo generalizado. Autoridades públicas nem da irrupção da violência sabem tratar

A democracia é uma forma de regramento de conflitos e de repressão à violência. Traduz-se o regramento pelo estado de direito, onde as leis, válidas para todos, se caracterizam pela imparcialidade, impessoalidade e universalidade. As regras que a constituem não são, por isto mesmo, arbitrárias, mas são fruto de todo um ordenamento constitucional, garantido pelo voto de todos os cidadãos.

Não pode ela, então, conviver com a violência que ameaça a própria estabilidade constitucional e as seguranças jurídica e física. Contratos devem ser respeitados, os bens públicos e dos cidadãos devem ser garantidos pela autoridade estatal, em particular pela Polícia e pelo Judiciário. O mesmo vale para a integridade física das pessoas e o seu direito de livre circulação pelas ruas.

Causa, portanto, a maior surpresa constatarmos que em recentes manifestações carros de empresas de comunicação tenham sido destruídos, sedes dessas mesmas empresas ameaçadas, agências bancárias vandalizadas, revendas de carros igualmente destruídas, sob o olhar complacente da Polícia, como se não devesse intervir. Até o Hospital Sírio-Libanês foi palco de obstruções, impedindo que pessoas pudessem recorrer à sua emergência. A noção de limite foi perdida!

Acrescente-se a invasão ao Palácio do Itamaraty; a ameaça física ao governador Sérgio Cabral, que não pode fazer uso de seu apartamento, perturbando os seus vizinhos; as tentativas de coação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, em frente ao Palácio do Governo, para que tenhamos um quadro mais completo da inércia reinante.

Convém lembrar, seguindo a lição de Hobbes, que a formação do Estado pressupõe que este exerça o monopólio da violência. Os cidadãos abdicariam do seu uso em proveito da paz e ordem públicas, condição da própria sociabilidade humana. Imagine-se se cada um puxasse uma arma ou agredisse fisicamente qualquer pessoa para a resolução de um conflito. Seria o caos completo.

O mesmo vale para os grupos que se digladiam pelo Poder, usando o voto para dirimir os conflitos e lutas inerentes à sua conquista. Com tal objetivo é estabelecida uma série de pré-requisitos para o ordenamento desta disputa, como eleições periódicas, liberdade de organização partidária, imprensa e meios de comunicação livres, respeito aos resultados, direito das minorias e assim por diante. Em caso de descontentamento, devem os inconformados se dirigir aos tribunais, no caso brasileiro, ao Tribunal Superior Eleitoral.

Grupos que não aceitam o estado de direito e a ordem constitucional, recorrendo à violência, devem, então, ser duramente reprimidos, pois são ameaças reais à própria existência da democracia. Se agirem livremente, só tendem a enfraquecer as próprias instituições. Pretendem ser aceitos democraticamente, tendo como finalidade a própria eliminação da democracia. Criam, para isto, um clima de instabilidade institucional.

Note-se que, nas Jornadas de Junho e nas manifestações de Julho/Agosto, grupos de extrema-esquerda fizeram uso impunemente da violência, como se esta fosse um instrumento legítimo de luta política. Na verdade, eles são a negação mesma da política, embora recorram a supostas justificativas sociais.

Uma das mais recorrentes é a utilização da expressão de que são contra a “criminalização dos movimentos sociais”. O que isto significa? Significa apenas um passaporte para o uso irrestrito da violência, algo que lhes garantiria a impunidade. Pretendem estar ao abrigo da lei, desrespeitando-a completamente. Na verdade, são criminosos que atentam contra a ordem democrática e, por isto mesmo, deveriam ser presos e julgados, não mais circulando livremente pelas ruas.

Contam com o apoio, para inibir a ação policial, de uma mídia alternativa, atualmente em voga, cuja especialidade consiste em filmar policiais que estão cumprindo a sua função e recorrendo à força para reprimir atos violentos, que se voltam contra a própria ordem pública. Trata-se do seu dever. O que acontece então? São apresentados, segundo o ângulo da foto e da filmagem, como “brutamontes” que estariam reprimindo jovens e estudantes! A inversão é total!

Os mascarados que saqueiam, destroem, ameaçam fisicamente as pessoas e produzem um medo generalizado são, então, apresentados como “heróis” sociais. Em vez de a lei ser a eles aplicada, teríamos a justificativa da violência, como se esta devesse ser aceita. O intolerável não pode ser democraticamente tolerado, sob pena de instabilizarmos as próprias instituições, que são as garantes da paz pública, princípio primeiro do próprio Estado.

As Jornadas de Junho, caracterizadas por serem, essencialmente, manifestações pacíficas de descontentamento e crítica aos partidos políticos e às autoridades constituídas, em níveis federal, estadual e municipal, atingindo todos os partidos políticos sem nenhuma exceção, foram uma prova inequívoca da vitalidade de nossa democracia. Angariaram ampla simpatia popular, alcançadas pessoas da mais diferentes faixas etárias, renda e escolaridade.

A sociedade autonomamente mobilizada por redes sociais soube dizer não ao que está aí, farta de demagogia, de falta de representatividade política, de altos impostos que se traduzem por serviços públicos de baixa qualidade. A inconformidade com a corrupção e o desvio de recursos públicos foi flagrante, mostrando cidadãos atentos aos valores básicos de toda convivência propriamente política. Repudiaram claramente a violência, a ponto de alguns participantes e simpatizantes dessas jornadas dizerem que não aceitariam participar desse tipo de manifestações. A violência foi e é amplamente rechaçada, em uma nítida demonstração de uma sociedade civil madura.

A questão, contudo, consiste na disparidade entre essa maturidade social e a falta de legitimidade das autoridades públicas, que nem da irrupção da violência sabem tratar. Quando passarão a respeitar as suas obrigações constitucionais, próprias da democracia?

Sem tempo a perder - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/08

Dentro de poucos dias começarão a ser divulgados os editais de leilões de concessões e parcerias público-privadas relacionadas à infraestrutura, retomando um processo que não deveria ter sido interrompido pelos governos Lula e Dilma. Já aproximando-se do derradeiro ano de mandato, a administração Dilma não chega a fazer um mea-culpa, mas reconhece que a atração de empreendedores para o setor de infraestrutura é possivelmente a principal alavanca que o país pode contar para que a economia volte a ganhar fôlego.

A infraestrutura precária ou insuficiente é um dos fatores que mais oneram os custos de produção no Brasil. Se o país hoje cresce pouco, uma das razões está nas deficiências de infraestrutura. No passado, o setor público assumiu a responsabilidade por praticamente todos esses segmentos por envolver investimentos de longa maturação, para os quais talvez não houvesse empreendedores privados capazes de assumir esse risco.

Mas esse quadro mudou. O mercado de capitais se sofisticou no mundo e propiciou o surgimento de fundos fechados ou abertos que servem de lastro para compromissos que avançam por décadas. É o caso, por exemplo, de fundos de aposentadoria e pensões. Assim, o mercado foi criando mecanismos que multiplicaram o interesse e o número de empreendedores em projetos de infraestrutura. Em face dos desequilíbrios macroeconômicos do país, que encurtavam o horizonte de potenciais horizontes, o Brasil entrou nesse processo como retardatário. Mas, ainda assim, as experiências bem-sucedidas já somam um número razoável, suprindo a redução de capacidade financeira do setor público. Poderia ter sido mais, se o preconceito contra os empreendedores não tivesse alimentado um debate político bizantino em torno da privatização. Como o PT demonizou esse tema, o governo Lula resistiu o quanto pôde a recorrer a concessões de serviços públicos, e quando o fez tentou caracterizá-las de maneira diferente, sem qualquer vinculação com a experiência acumulada.

Pouco importa essa discussão semântica, desde que a questão principal seja atacada: a necessidade de incrementar e acelerar investimentos na área de infraestrutura. Devido às incertezas nos rumos da economia mundial (e aos equívocos cometidos no Brasil), os mercados que podem financiar esses investimentos se retraíram. Para que os próximos leilões tenham êxito, o governo deve abandonar a postura de soberba, de querer ditar todas as regras (como o de estabelecer a taxa de retorno dos investimentos), e ouvir as ponderações dos que conhecem os mercados. O Brasil já perdeu muito tempo retardando esses investimentos. A trajetória da economia brasileira teria sido mais positiva se tais inversões já estivessem em curso. Se os leilões deslancharem conforme o previsto, é possível que a trajetória se modifique já a partir do ano que vem.

Crise dos médicos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/08

Atrapalhou-se outra vez o governo federal na condução do programa Mais Médicos. Agora, no anúncio de que pretende importar 4.000 profissionais de Cuba para suprir a carência em periferias e regiões distantes das grandes capitais do país.

No dia seguinte à celebração do acordo entre as duas nações, intermediado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Ministério Público do Trabalho declarou que abrirá inquérito para apurar irregularidades na forma de contratação escolhida pela presidente Dilma Rousseff.

Diante do desinteresse dos médicos locais em preencher as vagas mais remotas, é bem-vindo o esforço de trazer profissionais do exterior. Deveria ser óbvio, no entanto, que tal iniciativa não pode ser conduzida ao arrepio da lei.

O programa Mais Médicos prevê remuneração mensal de R$ 10 mil --independentemente da nacionalidade-- para esse atendimento às populações marginalizadas.

Com os cubanos, a contratação não se dará de forma direta. As verbas serão pagas ao regime castrista, que então repassará um percentual aos médicos em território brasileiro. Trata-se, portanto, de terceirização da atividade (proibida por lei) e discriminação entre os cidadãos de Cuba e os demais participantes do programa.

Não se pode afastar também o temor de que os cubanos tenham remuneração inferior ao salário mínimo brasileiro, hoje em R$ 678. Quando atuam no próprio país, não ganham mais de R$ 100 por mês. Os que atuam na Venezuela recebem cerca de R$ 550.

É, em todo caso, inadmissível que o governo federal contrate médicos sem saber quanto os profissionais de fato receberão pelo trabalho prestado.

Há razoável distância, no entanto, entre os problemas legais do acordo e a acusação de que configuraria trabalho escravo, como fez o presidente da Federação Nacional de Médicos, Geraldo Ferreira.

Além de salários aviltantes, seria preciso haver condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida para configurar trabalho escravo. Tais elementos não estão presentes.

A crítica do Conselho Federal de Medicina é mais pertinente. Para a entidade, o convênio com Cuba seria uma medida eleitoreira.

No afã de obter resultados políticos positivos na área da saúde, o governo Dilma cometeu grave equívoco. Atropelar a legalidade apenas reforça os argumentos daqueles que, movidos pelo corporativismo, sempre se opuseram à importação de médicos ao país.

Promessas recicladas - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 26/08

O governo petista é bom de promessas. Em 2010, por exemplo, prometeu entregar até julho deste ano uma ferrovia na Bahia, mas ainda não instalou nem um único metro de trilho. Outra especialidade é anunciar como se fosse novo um investimento prometido anos antes. Foi o que a presidente Dilma Rousseff fez ao lançar com fanfarra um programa de 2009, o PAC das Cidades Históricas. Com isso, ela deixou claro que não terá nenhum pudor em usar truques marqueteiros para confundir o eleitor, na sua ânsia de recuperar a popularidade e minar adversários.

Na terça-feira passada, Dilma foi a São João del-Rei para anunciar a liberação de R$ 1,6 bilhão para as ações do PAC com vista à restauração de cidades históricas em 20 Estados. A escolha daquele município mineiro para a montagem do palanque da candidata à reeleição não foi nada sutil: trata-se da cidade natal de Tancredo Neves, avô do tucano Aécio Neves, cotado para disputar a Presidência.

Dilma, que discursou de costas para uma estátua de Tancredo, ressaltou sua mineiridade e, com a profundidade que lhe é característica, disse que escolheu São João del-Rei para o evento porque foi lá que nasceram "grandes brasileiros e brasileiras". Bem ao estilo de Lula, seu criador, Dilma apelou ao "nunca antes", dizendo que o PAC das Cidades Históricas "é o maior e mais abrangente programa de preservação cultural já realizado no Brasil". Segundo ela, é nas cidades históricas que se aprende "o sentido da liberdade, do desenvolvimento, da soberania e da justiça social". Aprende-se também, seria o caso de acrescentar, que é preciso preservar a memória para não se deixar ludibriar por demagogia e falsas promessas.

O PAC das Cidades Históricas é, com o perdão do trocadilho, uma histórica embromação. Quando foi anunciado pela primeira vez, em outubro de 2009, o programa previa benefícios a 173 cidades, com investimentos de R$ 890 milhões até 2012. Na ocasião, ao lado de uma estátua de Tiradentes, o presidente Lula disse que aquela seria "a maior ação conjunta pela revitalização e recuperação das cidades históricas já implantada no nosso país". Como se vê, entre o discurso de Lula e o de Dilma, só a estátua mudou.

Sem que nenhum centavo da verba anunciada por Lula fosse efetivamente liberado, o programa foi sendo vitaminado, nos discursos do governo, à medida que se aproximavam as eleições. Em junho de 2010, a quatro meses do primeiro turno da votação para presidente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou, em Minas Gerais, que o PAC das Cidades Históricas havia tido a adesão de mais municípios e que o valor somado dos recursos federais, estaduais e municipais chegaria a R$ 1,129 bilhão.

O programa, no entanto, permanecia apenas no papel quando foi relançado em setembro de 2012, às vésperas das eleições municipais. Na posse da ministra da Cultura, Marta Suplicy, Dilma informou, orgulhosa, que seria investido R$ 1 bilhão nas cidades históricas.

O valor ficou ainda maior em janeiro deste ano, quando Dilma voltou a tocar no assunto em discurso a prefeitos em Brasília. Além do R$ 1 bilhão anunciado anteriormente, seriam liberados mais R$ 300 milhões em financiamentos para a restauração de prédios privados.

No entanto, a reciclagem do PAC das Cidades Históricas reduziu o total de cidades contempladas - das 173 prometidas por Lula, restaram agora apenas 44. Dos 20 municípios mineiros que haviam assinado convênios com o Iphan na esperança de participar do programa, somente 7 permaneceram na lista. O prazo da liberação do dinheiro, no entanto, ficou para 2015.

Seja como for, a julgar pelo histórico, não é o caso de nutrir esperanças de que o governo petista enfim passe da retórica eleitoreira à ação e que esse imenso patrimônio cultural brasileiro venha a ser devidamente preservado. No final do ano passado, a própria presidente do Iphan, Jurema Machado, admitiu ao jornal Estado de Minas que o PAC das Cidades Históricas era uma miragem: "O Iphan tentou pegar o PAC e executar, mas ele de fato não existiu".

Engessando o Executivo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 26/08


O modelo atual de liberação de emendas parlamentares tem seus defeitos, mas o orçamento impositivo, que tramita no Congresso, só tende a piorar o sistema



A ideia de o Brasil adotar um orçamento impositivo parece bem sedutora: o Executivo propõe a peça – na qual faz previsões sobre de quanto será a arrecadação no exercício seguinte, e como pretende gastá-la – e manda para aprovação do Congresso. Lá, deputados e senadores apresentam emendas: suprimem algumas despesas inicialmente definidas pelo governo e deslocam os valores correspondentes para projetos bem ao gosto dos seus interesses político-eleitorais. Quando aprovado, o Executivo se obriga a cumprir religiosamente o que foi escrito, sem possibilidade de remanejamentos. Senadores e deputados ficarão muito contentes, pois suas paróquias pagarão com votos na próxima eleição a generosidade das emendas com que foram contempladas. É exatamente essa a proposta que, depois de uma avassaladora aprovação na Câmara dos Deputados no dia 13, deve passar por uma segunda votação na mesma Casa amanhã.

Em tese, o orçamento impositivo, diferentemente do sistema vigente de orçamento autorizativo, suplantaria a velha noção de que orçamentos públicos não passam de obras de ficção, já que nem as receitas se cumprem e muito menos as despesas seguem as destinações previstas, pois o governo pode mudá-las ao seu talante. E o “talante”, no caso, é a supressão ou redução das emendas parlamentares – ou, pior, é a sua transformação em moeda de troca naquelas horas angustiantes em que o Executivo se vê necessitado de assegurar fidelidades no Legislativo.

Portanto, vistos sob tais ângulos, tanto o orçamento impositivo quanto o autorizativo não são infensos ao jogo político. De modo geral, quer num quer noutro, as emendas parlamentares podem ser usadas ora visando ao atendimento de demandas distantes de um desejável projeto de nação, ora à compra dos votos (e das consciências) dos parlamentares, ou mesmo podem servir aos piores desvios de finalidade, como frequentemente comprova o noticiário. Não há infalibilidade nem perfeição em qualquer dos dois sistemas.

Entretanto, bem ao contrário da interesseira tendência que se verifica no Congresso em favor do orçamento impositivo, é preciso defender a manutenção do autorizativo. São muitas as razões a recomendar tal posição.

A primeira delas advém da compreensão de que orçamentos públicos devem ser derivados de um planejamento responsável e do comprometimento com as prioridades nacionais – logo, remanejar verbas do que é essencial para privilegiar acessórios paroquiais ao sabor de seus chefetes políticos não é, nem de longe, conveniente – aliás, por que não incentivar as emendas de bancada, que tendem a priorizar temas de interesse de todo o estado em vez de favores localizados? Ou por que não rediscutir o pacto federativo, que hoje concentra recursos demais em Brasília quando parte desse dinheiro poderia ficar nos estados e municípios, que, mais próximos das necessidades locais, poderiam aplicar essas verbas sem a necessidade da barganha política?

Outro motivo para evitar o engessamento dos orçamentos encontra-se na própria dinâmica da administração pública, que, embora planejada no que tiver de previsível, pode e deve sofrer alterações recomendadas por conjunturas ocasionais. Uma alta súbita do petróleo, uma crise cambial, uma desvalorização das commodities exportáveis, um processo de recessão global são fatores suficientes para promover necessárias alterações orçamentárias e consequentes remanejamentos. O Executivo precisa contar com essa maleabilidade e de ser-lhe garantida a liberdade, sob limites, para redirecionar investimentos e aplicações no custeio.

São condições, sem desprezar o papel do Legislativo – ao contrário, valorizando a instituição à qual cabe prioritariamente produzir leis e fiscalizar o Executivo, e não a de ser um conjunto de “vereadores” preocupados com seus currais e com a próxima eleição –, absolutamente essenciais para que também o Executivo cumpra bem o papel que lhe cabe.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

MÉDICOS-ESPIÕES CUBANOS VIGIAM OS COLEGAS

Médicos cubanos que trabalhavam no Tocantins, durante o governo FHC, eram vigiados por colegas espiões. A informação é de uma médica cubana que veio trabalhar no Brasil e desertou em 2004. Lilia Rosa Leyva Urquiza é médica da família em Chapecó (SC). Acredita-se que o modelo se repetirá, com os 4 mil profissionais contratados para atuar no Brasil. Para cada grupo, a ditadura cubana designa um dos médicos para espionar os colegas e delatar ameaças de deserção.



ESTADO POLICIAL

Médico cubano que deixar escapar a vontade de desertar é denunciado à Embaixada de Cuba em Brasília, e repatriado sem demora.


CONTRATO ASSINADO

Antes de sair de Cuba, o médico se obriga em contrato a transferir grande parte do salário (no mínimo 50%) à embaixada cubana.


MEIO A MEIO

Paga com cheque, a médica Lilia Rosa era obrigada a descontá-lo e entregar a metade a um funcionário da embaixada, na boca do caixa.


MEDO DE DESERTORES

Lilia Rosa reforça o medo cubano de perder os médicos para o Brasil, e lembra que ao desertar ficou proibida de voltar a Cuba por oito anos.


ITAMARATY NÃO SABE QUANTOS TRABALHAM NO EXTERIOR

A Associação de Funcionários Locais do Ministério do Exterior no Mundo apelou à Lei de Acesso à Informação para que o Itamaraty revele o número de contratados lá fora. Com ajuda de parlamentares, a Aflex tenta há dois anos a relação de nomes e nacionalidades dos funcionários, e estima que sejam 3 mil ou 4 mil, mas a insistente recusa em divulgar indica, no mínimo, que nem mesmo o Itamaraty sabe.


GRANDE FESTA

Em setembro, o PSB fará uma grande festa para a filiação do senador Vicentinho Alves, candidato ao governo do Tocantins.


PROMESSA E…

O presidente do PR, Alfredo Nascimento, prometeu a Eduardo Campos não pedir na Justiça o mandato do senador Vicentinho Alves (PR).


…COMPROMISSO

Já Eduardo Campos prometeu a Alfredo Nascimento não pedir na Justiça o mandato de Romário (PSB-RJ), que vai trocar o PSB pelo PR.


ASSIM É FÁCIL

Um instituto cultural vai captar R$ 1,2 milhão em isenção fiscal através do Ministério da Cultura para exposição itinerante com obras do acervo do banco Santander. O banco mão de vaca não quer coçar o bolso.


FOLCLORE CUBANO

O ministro Alexandre Padilha (Saúde) acredita em Saci Pererê e Mula sem Cabeça, esclarecendo que os médicos cubanos são protegidos pela lei trabalhista de Cuba. A mesma que proíbe o direito de greve.


ENCRENCA À VISTA

O contrato do Brasil com a Organização Panamericana de Saúde esconde uma armadilha: o Estatuto do Estrangeiro determina inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina. Sem registro, a responsabilidade será da Organização, em caso de erro médico.


PÕE O TUBO

Candidato ao governo paulista, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) comemora por conta a destrambelhada importação de cubanos. Têm até outubro de 2014 para tirar o governo Dilma da UTI da Saúde.


OJERIZA A PT E PSDB

O deputado Márcio França (PSB-SP) cita pesquisa sobre a classe C (54% da população): só 5% tem simpatia partidária; o restante vota “em manada” e busca novidades, o que explicaria o fenômeno Marina Silva.


PARTIDOS EM BAIXA

Pesquisa do Ibope no Distrito Federal mostrou os partidos com maior “preferência ou simpatia”: PT (11%), o PMDB (7%) e o PSDB (4%). Ex-gigantes como o DEM, PDT, PTB e PCdoB não chegam a 1%.


VAI VENDO

Em “Carta aberta ao povo brasileiro”, estudantes brasileiros da Escola Latino-Americana de Medicina, em Cuba, se ofereceram ao SUS, contra “a medicina mercantilizada e desumanizada” do Brasil. A escola já formou mais de 2 mil “companheiros”, impedidos de atuar na ilha.


NO PREJUÍZO

Novo revés na Justiça para a empreiteira OAS, sucessora da Bancoop, cooperativa dos “aloprados” petistas: terá que pagar R$ 30 mil em aluguéis de “lucros cessantes” por atrasar o apartamento de associado.


PENSANDO BEM…

…após Dilma Paz e Amor molhar as mãos do PMDB e demais aliados, queremos a volta de Dilma Enfezada. Custa bem menos ao País.