sexta-feira, agosto 23, 2013

Misto quente eleitoral - NELSON MOTTA

O GLOBO - 23/08

Com o bafo das ruas no cangote e em resposta às propostas bisonhas e inviáveis do governo, o Congresso se mexeu


Assim como jogadores de futebol automaticamente levantam os braços em gesto de inocência depois de uma falta violenta, todo político pilhado em malfeitoria logo levanta a voz para culpar o sistema eleitoral, que praticamente os obriga a toda sorte de fraudes e roubalheiras, pela nobre causa de lutar pelo poder. Eles sabem que uma reforma eleitoral pode atrapalhar os seus negócios, mas não vai resolver os nossos problemas, porque ainda serão as mesmas pessoas, formadas na mesma cultura viciada.

Mas com o bafo das ruas no cangote e em resposta às propostas bisonhas e inviáveis do governo, o Congresso se mexeu e parece interessado, pela primeira vez em muitos anos e governos, em debater uma reforma eleitoral com a sociedade em 60 dias.

O trabalho da comissão já tem um relatório informal do deputado Alfredo Sirkis e surpreende com uma boa inovação, rompendo o impasse entre o voto em lista fechada e o voto proporcional, ambos com adeptos irredutíveis que inviabilizam o debate. Para isso o eleitor votará duas vezes: primeiro em um partido, que elegeria sua lista de candidatos, escolhidos em prévias por todos os filiados; depois nos candidatos, elegendo os mais votados, sem acumular votos de legenda. Metade das cadeiras seria dos eleitos em lista e metade dos mais votados.

Outra boa novidade é a permissão de candidaturas avulsas, que seriam propostas com tantas mil assinaturas.

Já que tanto o financiamento público exclusivo como a proibição de doações de pessoas jurídicas têm muitos opositores radicais, a proposta mantém as contribuições de empresas e de indivíduos, mas estabelece limites rígidos, e penalidades, para doadores e candidatos, a serem fixados pela Justiça Eleitoral. E sugere um teto de 40% da média de gastos para o mesmo cargo nas últimas eleições, como forma gradual de diminuir o poder econômico e democratizar o processo eleitoral.

Ainda é pouco, mas já é um grande avanço. O sistema misto que divide as vagas por distritos e estados é bem complicado e merece debate. Mais complicado, e nefasto, é este sistema que alimenta e serve de álibi aos suspeitos de sempre.

Oito a menos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 23/08

RIO DE JANEIRO - Há um novo formato de disco na praça: o "extended play" --um CD com quatro faixas, em vez das convencionais 12. Não era sem tempo. Até há pouco, quem comprasse um disco por causa de uma música era obrigado a engolir 11 contrapesos, que não lhe davam nenhum prazer e só faziam encarecer o produto. Com a internet, as pessoas ganharam a possibilidade de "baixar" apenas a música que lhes interessava --donde deixaram de comprar discos, e a indústria fonográfica foi para o buraco.

Nesse sentido, o CD "extended play" é uma boa ideia. Atende ao interesse de quem ainda gosta de discos "físicos" e se resume à faixa que interessa ao cliente, com, no máximo, três contrapesos. Aliás, o "extended play" é uma ideia tão boa que até já a tiveram antes --mais exatamente, em 1949, há 64 anos.

Era o que então se chamava de "45", porque rodava em 45 rpm, e não em 33 rpm, como os revolucionários álbuns "long-playing" --os LPs--, também recém-lançados pela Columbia. O "45", um mini-LP com quatro faixas, foi inventado pela RCA Victor para fazer frente ao monopólio da Columbia na rotação de 33. E chamou-se "extended play" porque comportava o dobro de música contida no antigo "single" em 78 rpm, com uma só gravação em cada lado.

O território dos "45" eram as vitrolas automáticas, chamadas "jukebox", onipresentes nos EUA. Daí aquele grande buraco no centro do disco --para comportar a largura do pino de tais máquinas. No Brasil, as "jukeboxes" nunca pegaram e, contornado o problema do monopólio, as gravadoras preferiram lançar os disquinhos em 33 rpm mesmo, chamados de "compactos duplos".

Os novos "extended plays" em CD custarão mais barato --afinal, suas despesas de produção são menores. Mas a maior vantagem é a de que suas oito músicas a menos farão um enorme bem à música brasileira.

Quem diria, eu nas mãos de uma ortoptista - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

O Estado de S.Paulo - 23/08

Faço em forma de declaração pública. Perdoem-me aqueles que receberem e-mails assinados por Ignaico. Não é spam, sou eu mesmo. Perdoem-me quando lerem palavras como trabakhar em lugar de trabalhar, gueixa em lugar de guerra, agira em vez de agora, desquycentensrio em lugar de sesquicentenário (mas por que eu escreveria sesquicentenário, a não ser em uma referência a Sarney?), bziuca em lugar de baiuca? Faço uma pausa. Quando olhei no dicionário, descobri que baiuca significa taberna pequena e imunda.

Será que o fundador do Baiuca, na Praça Roosevelt, um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo nos anos 60 e 70, sabia disso? Quem conhece a história da cidade sabe que ao lado do Baiuca - também chamado de a Baiuca - havia o Sujinho (cujo nome real era Comunidade), dos bares mais frequentados da noite, principalmente pelos músicos e cantores da bossa nova que atuavam no Baiuca, como César Camargo Mariano, Walter Vanderley, Azeitona, Marisa Gata Mansa, Claudete Soares.

Bem leitores e amigos se acaso lerem palavras com as letras trocadas me perdoem, não é culpa minha, é dos meus olhos. Na digitação troco letras. Tudo começou semanas atrás no funeral de Radha Abramo, viúva de Cláudio Abramo, um dos gênios do nosso jornalismo, daquela época em que diretores de redação berravam, gritavam, rasgavam matéria, nos esculhambavam e nos transformavam em jornalistas. De repente, vi que meus amigos Zanchetta e Florestan Fernandes tinham se duplicado. Fechei os olhos, pisquei, eles continuaram duplos. Como duplas eram Bárbara Abramo e suas filhas Alice e Maria, duplos eram os túmulos, o mundo tinha sido multiplicado por dois. Temi. Queria dizer que os 8 bilhões de habitantes da Terra eram agora 16? Como alimentar e mitigar a sede dessa gente toda? Na rua, os carros se amontoavam, em balbúrdia infernal. Mais do que isso, vinham para cima de mim, tinham desaparecido a mão e a contramão, valia tudo, salve-se quem puder.

Saí do Cemitério da Consolação para o consultório do Fernando Crosta que me atende há anos, tem acompanhando o declínio de minha visão, corroída pelos maus texto que venho lendo por obrigação como editor de revista, ou jurado de concursos literários, ou legendas de filmes, ou folhetos entregues na rua, ou de letreiros, faixas, tabuletas e placas, ou na leitura das letras do Michel Teló, Luan Santana e outros. Mas tendo lido coisas que me encantam, como a biografia de Tolstoi, por Rosamund Bartlett, e a correspondência entre Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz (1919-1935), numa belíssima edição da Capivara, com revelações inusitadas. Bem, Crosta me apaziguou e me aterrorizou: "Nada a ver comigo, ligue para seu neurologista". Catastrofista, pensei, estou cego.

Fui para o neuro, consegui um encaixe. Há anos sigo o Getúlio Rabello, ele foi um dos responsáveis por me salvar do aneurisma. É um daqueles médicos particulares de família. Isso é fundamental hoje, não podemos nos fiar em convênios médicos, se tivermos urgência. Não calculam a lista de exames que me foi pedida. Dá um poema concretista. As hipóteses se sucederam, desde o problema com a minha dosagem de vitamina B1 já no final do tanque reserva, até uma ocorrência por glicemia alta. Medicamentos dados e trocados, tomados, o corpo humano é um mistério.

Na rua, amigos sabiam do caso, recomendavam compressas com água boricada, orações para Santa Luzia, ir a pé até Aparecida, usar Colírio Moura Brasil (ainda existe?), colocar rodelas geladas de pepino sobre as pálpebras. Um velha senhora recomendou o Óleo de Fígado de Bacalhau, outra um chá de verduras amargas, escarola, rúcula, etc. Na rua, ao caminhar, vejo dois postes, chego com cuidado, sei que apenas um é real. E se eu me livro do fictício e bato no verdadeiro? Estendo a mão para pessoas e, como nos filmes de fantasmas, minha mão atravessa o vácuo. Fechando um olho, o mundo consertava.

Várias vezes, olho para uma figura imprecisa e fecho os olhos para defini-la. Mas ao fechar o olho, dou com a pessoa sorrindo para mim e piscando de volta. Vai que alguma mulher tenha namorado ou marido ciumento? Como explicar que eu estava tentando enxergar direito? Assim venho vivendo essas semanas. Olho os objetos, um existe, outro não. Coisa de Jorge Luis Borges. É e o não é. O ser e o não ser. Pensei que poderia ler O Ser e o Nada, de Sartre, tarefa acessível apenas a gente como Giannotti, Paulo Arantes, Zé Celso, Fausto Castilho. Estou vivendo entre o ser e o nada. Será que o compêndio (porque esse livro é um compêndio na acepção total da palavra) foi escrito porque Sartre era vesgo? Se fosse criança, eu estaria sofrendo bullying, chamado de caolho, vesgo, galo cego e outros epítetos.

De mão em mão fui entregue às mãos (já que vejo duplo, uso em duplicata também as palavras) de uma ortoptista. A vida é uma constante descoberta. Conheci centenas de ofícios, mas essa palavra me chegou rodeada por enigmas: ortoptista. Nélide Catach, uma senhora afável, paciente com um homem de minha idade, indisciplinado e cheio de truques, me examinava e pedia exercícios com os olhos, mas sem mover a cabeça. Eu não virava a cabeça, mas fechava um dos olhos. E ela, terna, dizia não, não queira me enganar. Eu devia seguir a bolinha (como dizemos nós leigos) do meu olho direito, mas ela se recusava a chegar onde a doutora queria. Paralisia de um músculo qualquer que se cansou de ver as besteiras, loucuras e a insensatez deste mundo.

Está tudo nesse pé. Domar minha impaciência, ansiedade, neurastenia e exercitar. Tornar-me zen (esta é antiga). Talvez possa escrever um livro de autoajuda. Perdoem-me os amigos, se eu não reconhecê-los. A essa altura, aceno para todo mundo, cordial. Penso em usar uma venda sobre o olho, como Nicholas Ray, o diretor de filmes como Juventude Transviada. Ou como John Ford. Ou como alguns vilões dos filmes do 007. De qualquer forma, quando comentei com Getúlio que envelhecer tem suas chatices, ele respondeu categórico: "É, mas a outra alternativa é bem pior".

Cuidado! Dólar antissocial! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 23/08

E avisa o Mantega que eu já sei como baixar o dólar: atrela o dólar ao São Paulo, cai rapidinho! Rarará


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Hoje eu vou dar um selinho no síndico! E sabe o que o povo falou? No síndico é mole, quero ver você dar um selinho na Dilma! Na Dilma não é selinho, é trombada! Rarará!

Pensamento do dia: o dólar sobe e Miami fica mais longe. Socorro! Toda vez que o dólar sobe, Miami fica mais longe. E avisa pro Mantega que eu sei como baixar o dólar: atrela o dólar ao São Paulo, cai rapidinho! Rarará!

E gosto quando falam na televisão: "Dólar avança!". É o dólar antissocial. Cuidado! Dólar antissocial!

E uma amiga minha quer apelidar o pingolim do marido dela de dólar: só assim sobe! É o dólar ioiô: "Pra cima, pra baixo, pra cima e pra baixo eu vou".

E a Piada Pronta do Século: "Ninguém encarna o espírito das ruas melhor do que eu", diz Maluf. Adoro! Se o Maluf é o espírito das ruas, não saio mais à noite sozinho! Rarará!

E o Sarney teve alta! Sarney tem alta, mas já está com princípio de catapora! O hospital teve alta do Sarney!

E atenção, corintianos! Hoje não tem selinho! O Corinthians perdeu do Luverdense!

E o Sheik já mandou recado: "Perdemos! Hoje não tem selinho!". Luverdense Esporte Clube, o LEC! Hoje os manos tão cantando o funk LEC LEC LEC! E declamando o poeminha: "Em São Paulo tem Corinthians/No Rio tem Fluminense/ Enquanto eu falo isso/ GOL DO LUVERDENSE!" Rarará!

E ganhar do Corinthians com gol roubado é mais gostoso! Que fase! Os gambás viraram gambis, foram pro Mato Grosso, jogaram grosso e ainda foram roubados. Conheceram o outro lado da faca! Rarará. Apito inimigo!

E tão dizendo que a torcida do Luverdense tá crescendo mais que o dólar! E que esse Luverdense é, no mínimo, melhor que o Chelsea! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! "Delegado do Piauí vai pedir prisão do cantor Belo." E o nome do delegado: Ademar CANABRAVA! Tá feio pro Belo! Aliás, o Belo é feio!

E sabe como se chama o advogado do Belo? Peralta! Um peralta defendendo outro peralta. Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

GOSTOSA


O enquadramento - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 23/08

A cúpula do PSB, após ouvir o governador Eduardo Campos, quer que o prefeito de Duque de Caxias, Alexandre Cardoso, se licencie da presidência do partido no Rio. O secretário-geral local, Marcos Vilaça, deu o recado. O PSB quer à frente do partido alguém comprometido com a candidatura de Eduardo Campos à presidência. A saída honrosa evitaria medidas mais extremas como a da intervenção ou da expulsão.

Procura-se uma saída
Abandonado pelo ex-governador José Serra, que está fazendo a opção pela luta interna no PSDB contra Aécio Neves, o PPS está conversando com três candidatos ao Planalto. O vereador paulista Ricardo Young faz a ponte com Marina Silva (Rede). O presidente da sigla, deputado Roberto Freire (SP), e o deputado Arnaldo Jardim (SP) tem conversado com os candidatos Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). A relutância de Serra irritou os militantes do PPS. Mas a direção do partido contava com a candidatura do tucano, e a criação do MD, para ganhar fôlego na eleição para a Câmara. O partido deve enfrentar uma de suas eleições mais difíceis desde a década de 80. 

Sou candidato ao governo no Rio. Eles roubaram toda a minha rejeição. Eles levaram toda minha rejeição
Marcelo Crivella 
Ministro da Pesca e senador (PRD-RJ), sobre a queda na avaliação dos governos Sérgio Cabral e Eduardo Paes

Desandou no Mato Grosso do Sul
Parecia estar tudo certo. O governador André Pucciinelli (PMDB) sairia para o Senado e o senador Delcídio Amaral (PT) ao governo. Agora o PT teme que o PMDB lance para o governo o prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho.

Banzé trabalhista
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, desautoriza o líder na Assembleia do Rio, Luiz Lima. "Apoio automático não existe", disse sobre eventual apoio ao PMDB na eleição para o governo estadual. Lupi garante que o partido tem dois candidatos ao cargo: o deputado Miro Teixeira e o prefeito Sandro Matos (São José do Meriti).

Mistério
Tucanos e até petistas estão intrigados com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Quando eclodiu o escândalo da Siemens, em São Paulo, anunciou que iria trabalhar para criar uma CPI. Mas depois, mesmo com novos fatos, não tocou mais no tema. 

As aparências enganam
Diante da certeza de uma derrota, o governo negocia com a base aliada uma transição para acabar com a multa de 10% do FGTS. Dos males o menor. Mas a ministra Ideli Salvatti protestou, dizendo que o governo é contra o fim da multa. Assim, quando a transição for aprovada, o Congresso poderá se proclamar vencedor e a oposição anunciar nova derrota do governo. 

Corrida ao Planalto
O candidato do PSDB, Aécio Neves, começa pelo Sul, dia 14, em Curitiba, rodada de reuniões regionais. Depois virão Maceió (Nordeste) e Manaus (Norte). Esta primeira rodada se encerra em novembro, em Goiânia (Centro-Oeste).

Desviando o foco
Os aecistas estão possessos com a permanência de José Serra no partido e com as prévias. Avaliam que o PSDB irá consumir energias que deveriam estar voltadas para atacar o governo Dilma e formular uma proposta alternativa.


Choradeira geral na Esplanada. Os ministros estão entregues à tarefa de escolher quais programas e obras serão incluídas no corte de gastos.

Mais-valia cubana - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 23/08

O Itamaraty e o Ministério da Saúde travam uma negociação dura com o governo de Cuba, intermediada pela Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), a respeito do valor que será pago aos médicos que atuarão no Brasil. O governo brasileiro quer fixar em contrato que os médicos ganharão pelo menos 40% dos R$ 10.000 que serão repassados ao governo cubano por profissional, mais ajuda de custo. Em outros países, os profissionais recebiam o salário-base de Cuba.

Commodity Na negociação com o Brasil, o governo cubano diz que os médicos compõem a balança comercial do país, o que justificaria a retenção de parte do valor pago pelo país importador''.

Câmbio Apesar de o Planalto negar que Dilma Rousseff tenha discutido reajuste da gasolina com ministros anteontem, auxiliares da presidente dizem que ele ocorrerá ainda este ano, mas só quando o dólar se estabilizar.

A jato A Rede Sustentabilidade vai pedir que o TSE se responsabilize pela validação das assinaturas de apoio à criação do partido, caso o tribunal julgue que os cartórios regionais não estão aptos a realizar o trabalho a tempo.

Calendário O advogado Torquato Jardim citará como precedente o caso do PSD, de 2011. A legenda de Marina Silva decidiu apresentar na segunda-feira o pedido de registro nacional do partido.

Clones Cartórios de dois Estados comunicaram à Justiça Eleitoral que encontraram assinaturas repetidas nas listas apresentadas pela Rede.

Ninho Em jantar com um grupo de 11 senadores, em Brasília, José Serra fez um diagnóstico sobre o fim do modelo econômico lançada por Lula. Ouviu de um comensal que o PSDB não se apresenta como alternativa.

Vias tortas O PSB estuda uma forma para afastar Alexandre Cardoso do comando do partido no Rio. Em vez de intervenção direta, um caminho seria aprovar resolução impedindo prefeitos de presidir a sigla nos Estados.

Índex O prefeito de Duque de Caxias caiu em desgraça ao pregar apoio a Luiz Fernando Pezão (PMDB), no Rio, e à reeleição de Dilma.

Fim do jejum Assim que teve alta, anteontem, José Sarney (PMDB-AP) chegou a seu apartamento em São Paulo e pediu que encomendassem bacalhau com sal e azeite.

Lá... Geraldo Alckmin (PSDB) conversou ontem com dirigentes do PR sobre a possível entrada do partido no governo paulista em troca de apoio à sua reeleição.

... e cá Outro grupo da sigla se reunirá com Aloizio Mercadante na semana que vem para discutir uma aliança com o PT no Estado.

Expresso Líderes do Senado pretendem incluir na pauta da Comissão de Constituição e Justiça na próxima semana o projeto que altera parte da legislação eleitoral, com medidas como a redução do tempo de campanha.

Veja bem Cotado para assumir a Procuradoria-Geral Eleitoral, Eugenio Aragão lembra que foi absolvido em inquérito em que era acusado de criar obstáculos à obtenção de provas no exterior na investigação do mensalão.

Menos O governo de São Paulo esclarece que o novo aporte de recursos para o Rodoanel é de R$ 332,8 milhões, e não R$ 1 bilhão, como havia informado um auxiliar.

Visita à Folha Marcos Mendonça, presidente da TV Cultura, visitou ontem a Folha. Estava com Jorge Damião Almeida, assessor de Relações Institucionais.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"A Organização Pan-Americana da Saúde é o navio negreiro do século 21 e o ministro Alexandre Padilha é o senhor de engenho."
DO DEPUTADO RONALDO CAIADO (DEM-GO), sobre os médicos cubanos trazidos ao Brasil por intermédio da Opas, em regime que a oposição considera escravo.

contraponto


Bancada inchada
Em uma queda de braço durante a discussão da proposta que prevê a redução do poder de investigação de promotores, na quarta-feira, deputados estaduais paulistas divergiram até sobre a formação de quorum no plenário da Assembleia Legislativa.

--Sr. presidente, para atingir o quorum o senhor está contabilizando até a esposa do nobre deputado Rafael Silva, que está no plenário? -- provocou Roque Barbieri (PTB), que queria evitar a derrubada do projeto.

Diante dos risos, o presidente Samuel Moreira (PSDB) fez uma "saudação" à mulher de Silva.

Ofensiva em Sampa - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 23/08

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) se reúne hoje com prefeitos e lideranças do PSDB na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Amanhã, ciceroneado pelo deputado Duarte Nogueira — que é de Ribeirão —, presidente do diretório estadual, participa da tradicional Queima do Alho da Festa de Barretos (SP).

Presidente do PSDB, Aécio tenta garantir o apoio dos tucanos paulistas à candidatura a presidente da República, o que não será tarefa fácil. Com a realização de prévias, o ex-governador José Serra, que ameaçava deixar o ninho tucano, pode sair do isolamento em que se encontrava na própria base.

Serra havia perdido o apoio até do senador Aloysio Nunes e do ex-governador Alberto Goldman, que se opuseram à migração para o PPS. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apoia a candidatura de Aécio. O ex-governador de Minas — que almoçará com a bancada tucana na Assembleia Legislativa de São Paulo na próxima quinta-feira —, ao aceitar as prévias, avalia que deu um xeque-mate nos serristas e conseguirá manter a unidade do PMDB.

Ambiguidade// O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), disse ontem, em São Paulo, durante encontro com empresários do setor imobiliário, que não pretende passar à oposição. Campos disse também que o governo não entendeu nem se preparou para a crise.

Abusos
O senador Eduardo Suplicy, do PT-SP, cobrou ontem a votação pelo Senado de dois projetos que coíbem o abuso de poder econômico nas eleições, um do senador Jorge Viana (PT-AC) e outro do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). O PLS n° 264/2013 veda a contribuição financeira de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Já o PLS n° 140/2012 cria o Fundo Republicano de Campanha, para o qual iriam parte dos recursos doados aos candidatos. Esses dinheiro seria distribuído igualmente entre todos os candidatos na eleição.

Urgência
Suplicy também anunciou que apresentará requerimento de urgência para o PLS n° 280/2012, que institui a prestação de contas, em tempo real, pelos candidatos, partidos e coligações durante a campanha eleitoral. Todas as informações sobre doação, segundo o senador, seriam divulgadas pela internet.

Defesa
Segundo militares que participaram da audiência pública realizada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, ontem, os recursos previstos para o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) em 2014, pouco mais de R$ 200 milhões, são insuficientes para a continuidade do projeto. O general de divisão João Roberto de Oliveira, gerente da iniciativa, informou que são necessários R$ 553 milhões no próximo ano.

Décadas
Segundo o comandante do Centro de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército, general de divisão Antonino dos Santos Guerra Neto, com a disponibilidade de recursos no patamar previsto para 2014, o projeto, para ser executado, levaria 60 anos

Mais Médicos
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (foto), de São Paulo, pedirá que o Ministério Público do Trabalho faça o acompanhamento do Programa Mais Médicos e dos profissionais que serão contratados pelo governo brasileiro. “Somos um país que sempre recebeu bem os estrangeiros. Isso faz parte da nossa formação. No entanto, existem regras que precisam ser cumpridas”, disse. Entidades médicas criticam o regime de contratação dos cubanos, que não receberão integralmente os R$ 10 mil mensais pagos pelo Brasil ao governo cubano por profissional.

Carência
Ex-ministro da Saúde, o senador Humberto Costa(PT-PE) saiu em defesa do governo na polêmica sobre a contratação de médicos cubanos para atuar em cidades do interior. “Ficou provado, no processo de recrutamento lançado pelo governo, que não há médicos dispostos a trabalhar nas cidades onde há carência de profissionais”, argumenta.

Águas/ O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) recebeu ontem representantes do Conselho Mundial da Água e defendeu que Brasília seja a sede do 8º Fórum Mundial da Água, em 2018. Depois da reunião na Comissão de Meio Ambiente, Rollemberg ciceroneou o grupo no Senado e fez uma breve exposição sobre a história e a arquitetura da capital.

Medalha/ O deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF) será agraciado hoje, Dia do Soldado, com a entrega da Medalha do Pacificador, uma das mais altas comendas do Exército brasileiro.

Mulheres
Nas três últimas décadas, 92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. São 4,6 homicídios por 100 mil vítimas do sexo feminino, o que coloca o país na sétima posição em assassinatos de mulheres no mundo, segundo a senadora capixaba Ana Rita (PT), relatora da CPI Mista da Violência contra as Mulheres. Com mais de mil páginas, o relatório será entregue à presidente Dilma Rousseff na próxima terça-feira. Serão sugeridos 14 projetos de lei para reforçar o combate à violência contra as mulheres.

Pois é, pleno emprego - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 23/08

Os números sobre o desemprego de julho divulgados ontem pelo IBGE foram suficientemente surpreendentes para dar um nó górdio nas ideias do ministro do Trabalho, Manoel Dias.

Na véspera ele olhara para o relatório do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), elaborado pelo seu Ministério, que apontara decepcionante resultado líquido nas contratações de pessoal com carteira assinada, e chegou a entregar os pontos: "Nossa realidade é essa mesmo, de crescimento do PIB de apenas 1% ou 2%".

No entanto, o desemprego medido pelo IBGE caiu de 6,0% (em junho) para 5,4% (em julho), nível que, com os devidos ajustes, apontam para algo em torno dos 5,7%, indicador muito próximo do pleno emprego.

Para o governo Dilma, que adora comparar estatísticas do Brasil com as do resto do mundo, esse patamar de desemprego por aqui seria motivo para queima de fogos de artifício. A Espanha, por exemplo, enfrenta desocupação de 26,3%; a Grécia, de 27,6%; a África do Sul, de 25,6%; a Itália, de 12,1%; e os Estados Unidos, de 7,4%.

Embora a realidade seja a de um PIB avançando a coisinha sugerida pelo ministro, o fato é que o mercado de trabalho real continua aquecido. Seria uma fornalha se, em vez do que é, o crescimento da economia fosse o pretendido pelo governo, ou seja, alguma coisa em torno dos 3%.

A que então atribuir a disparidade entre as estatísticas do Caged, que mede o trabalho formal, e as do IBGE, que se atém ao nível geral? De um lado, não há disposição das empresas de contratar quando se reforça a percepção de que a economia vai ficando entalada nas distorções e na perplexidade do governo. Além disso, elas já vinham segurando pessoal porque temiam a escassez de mão de obra, se fosse necessário contratar. São razões que podem explicar o ritmo mais lento do emprego formal.

De outro lado, o instantâneo capturado pelas objetivas do IBGE é o de que há cada vez menos gente procurando emprego no Brasil. Isso parece acontecer porque as ocupações autônomas, os serviços por conta própria, os biscates e as chamadas virações vêm dando retorno imediato melhor para o trabalhador do que o emprego numa empresa. Quem duvida deve conferir quanto fatura hoje um flanelinha numa grande cidade, como São Paulo.

Esmerilhadora de poder aquisitivo, a inflação só reforça essa tendência porque na informalidade ou no trabalho por conta própria não há os impostos e os descontos que reduzem o salário nominal em até mais de 30%.

Não está claro se o tombo do desemprego em julho é uma tendência firme ou se é apenas um fato isolado, que não deve se repetir. Em todo o caso, apesar da crise, as condições do mercado de trabalho não estão tão precárias quanto sugerem alguns líderes sindicais e o ministro do Trabalho.

A propósito, a informação mais relevante do IBGE talvez não seja o tombo do desemprego em julho, mas o baixo crescimento da massa salarial real em 12 meses (2,1%).

Tranquilizante para o mercado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/08

BC anuncia 'ração semanal' de dólares, medida que não segura valor da moeda, mas evita acidentes


O BANCO CENTRAL do Brasil deu a entender, como era mais ou menos previsível, que não vai tomar atitudes heroicas a fim de lidar com a disparada do dólar, o que seria de resto inócuo. Também indicou, outra vez, que não vai acelerar o passo da alta de juros devido ao risco de inflação maior decorrente da alta do dólar.

O BC anunciou ontem que vai oferecer uma ração semanal de uma espécie de empréstimos em dólar ("leilão de linha": venda de dólares com compromisso de recompra daqui a "x" meses). Uma ração de US$ 1 bilhão por semana. Em tese e na ausência de acidentes outros, isso tranquiliza a praça. No curto prazo, o dólar pode tomar um tombo.

Mas tal medida não serve para segurar o preço do dólar nesse ou naquele degrau. Parece mais com um aumento do estoque de bolsas de sangue num hospital em épocas nas quais ocorrem mais acidentes. Se alguém precisar de sangue, tem. Ou seja, as instituições financeiras podem oferecer dólar a preço e juro razoável para clientes que estejam com a língua de fora.

Por língua de fora entendam-se empresas que tenham problemas com dívidas e rolagem neste período complicado, em que a oferta de dinheiro no mercado mundial (para emergentes) diminuiu e/ou ficou cara demais, quando não desapareceu.

Por exemplo, considere-se o caso elementar de uma empresa que deva em dólar, mas não tenha feito operação financeira para se proteger de alta tão rápida do dólar. Pior: o caso de que empresas e/ou instituições financeiras que em massa receiem disparada ainda maior do dólar e corram ao mercado para se proteger. O dólar ficaria ainda mais caro.

O BC ofereceu condições para que empresas e instituições financeiras se planejem e se acalmem. Oferecendo "empréstimos" (leilão de linha), o Banco Central evita acidentes (por asfixia de dólar) e estresses que podem fazer o dólar dar pulos ainda maiores, por motivos menores, o que pode causar mais acidentes.

O Banco Central já fez "leilões de linha" nesta temporada de estresse. Também o fez em momentos de desastre (2001 e 2002), em 2008 e 2009 (quando o crédito secou mesmo) e em 2011, num final de ano de crise greco-europeia pegando fogo.

Isto posto, os entendidos têm ainda menos ideia de para onde vai o dólar. Desde maio, tem seguido o aumento dos juros no mercado americano, que continuam subindo, mas também ninguém sabe para onde.

Seguindo ou não os juros americanos, é improvável que o dólar se aquiete. O real se desvalorizaria mais cedo ou mais tarde porque estamos consumindo demais, o que engorda nosso deficit externo (diferença entre o que importamos e exportamos em bens e serviços). Um dólar mais caro significa que o mundo está nos dando menos crédito para continuar a consumir. Com a presente revoada de dinheiros para os EUA, há menos crédito ainda.

O real se desvaloriza, pois. Ficamos relativamente mais pobres, talvez invistamos mais. Se o governo/BC segurarem a inflação, as coisas em algum momento melhoram, com dores pelo caminho. Isto é, menos crescimento, menos emprego, salários mais contidos, melhorias para a indústria, pioras para o setor de serviços.

Esta coluna foi concluída antes do anúncio do resultado da reunião do Conselho Monetário Nacional (20h44).

Um Deus implacável - JOÃO MELLÃO NETO

O Estado de S.Paulo - 23/08

Tive a oportunidade de ler, uns 20 anos atrás, uma história que, por seu significado, muito me impressionou. Um dentista francês que fora tentar a sorte na América teve como um de seus primeiros clientes um cidadão que se trajava de modo austero e parecia homem de poucas palavras. O tratamento ia ser caro e demorado. Quando o odontólogo apresentou uma prévia do orçamento, o cliente abriu um sorriso amigável, passou-lhe um cartão de visita e foi logo dizendo: "Sou membro da Igreja Presbiteriana da Main Street e o senhor, se quiser, poderá tomar informações a meu respeito por lá".

Nada mais disse, o que deixou o francês intrigado. Ao reportar o ocorrido a um colega mais afeto aos costumes locais, foi tranquilizado: o que o cidadão quis dizer foi: não se preocupe quanto ao pagamento. Tudo foi quitado religiosamente em dia e com isso o gaulês teve sua primeira aula de América. Ele pôde perceber que os americanos honravam, como se sagrada fosse, a palavra que empenhavam.

No início do século passado, em 1904, o sociólogo alemão Max Weber esteve na América. Seu objetivo era claro: desejava conferir pessoalmente algumas características do povo local que já desconfiava que existissem e de suas pesquisas tirou conclusões inéditas e surpreendentes, que não só elevaram sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo à condição da mais importante do século 20, como também transformou de vez toda a estrutura da sociologia até então existente - antes lastreada unicamente no marxismo e no conceito materialista de "luta de classes".

Para Weber, a visão de Marx, apesar de seu potencial mobilizador - tanto que perdura até hoje -, nunca deixou de ser um whishful thinking, uma forma marota de atribuir ao próximo a responsabilidade por todas as nossas mazelas. Se a culpa é sempre dos outros, podemos todos nos eximir dos problemas. Nem sequer nos cabe fazer uma autocrítica sincera acerca de nossas eventuais deficiências.

Weber, que posteriormente escreveria um tratado sobre todas as principais religiões, chegou a conclusões opostas. Ao contrário de Marx, entendia que as raízes das nossas misérias, longe de ser materialistas, tinham todas elas um severo componente espiritual. Dependiam da nossa idealização de Deus.

Ao estudar o protestantismo, Weber notou que havia em quase todas as suas denominações um lugar-comum: Deus não perdoava as almas em função de sua vida aqui, na Terra; todos nós já teríamos um destino predeterminado antes mesmo de nascer e não teríamos nenhuma pista a respeito dele. O único indício sobre esse destino seria o grau de sucesso e prosperidade que viríamos a alcançar em nossos empreendimentos. Os ensinamentos de Weber extraídos do protestantismo inspiravam-se em suas vertentes mais radicais, representadas pelas palavras de João Calvino e alastradas pela América. Não por coincidência, foram os seguidores europeus e norte-americanos do teólogo franco-suíço os que lograram alcançar maior êxito na vida.

Segundo Weber, as virtudes associadas à honestidade, solidariedade, cumprimento fiel da palavra dada, somadas a trabalho duro e a padrões austeros de acumulação de riquezas, explicavam esse fenômeno: se todos agissem conforme tais normas, adquiririam já de início uma vantagem comparativa insuperável em relação aos demais.

A ética protestante, ademais, associava-se ao racionalismo na ciência, à jurisprudência, à observação somada à sistematização racional da administração pública. Era, por assim dizer, um desenvolvimento do Iluminismo. Essa ética ajudava, e muito, esse processo.

Paradoxalmente, foi a intransigência quanto aos usos e costumes o que mais contribuiu para seu êxito: aos cidadãos não era tolerado nenhum deslize. Qualquer escorregão ético era visto como um sinal evidente de que quem o cometera não estava entre os agraciados com a bênção divina. E isso não só torturava intimamente o pecador, como acarretava consequências sociais terríveis. As mais suaves implicavam o banimento do convívio em sociedade.

A quem deseje entender melhor esse fenômeno ouso recomendar um filme de décadas atrás chamado A Letra Escarlate. A trama é ambientada em Massachusetts, no século 17. Uma mulher jovem acredita ter perdido o marido (não me recordo das circunstâncias) e se apaixona por outro homem. Acontece que o marido não havia falecido. Tempos depois ele reaparece e a partir daí a vida dela se torna um inferno: as autoridades, para marcá-la como adúltera, ordenam que seja pregada em suas vestes uma enorme letra A de cor escarlate. A sociedade local, como era de prever, passou ostensivamente a evitá-la. E por muitas outras privações ela teve de passar antes que a morte viesse buscá-la.

Diante de toda essa severidade, o catolicismo ficava em desvantagem. Entre nós, católicos, existe o perdão. Isso torna a nossa religião mais humana, porque admite a redenção dos pecados, desde que o fiel demonstre sincero arrependimento. Somos mais tolerantes, mas pagamos um preço por isso.

Pelo sim, pelo não, o fato incontestável é que em quase todas as sociedades europeias são os protestantes que têm os melhores cargos, recebem os salários mais elevados e ocupam postos de liderança na comunidade. Isso não passou despercebido nem por Weber nem pelos pensadores que vieram depois.

Esse fenômeno significa que o protestantismo é, de alguma forma, superior ao catolicismo? Não há evidências sólidas para comprovar a tese. O que se pode afirmar com certeza é que o Deus dos protestantes é mais severo e intransigente que o Deus católico. O Deus protestante é intolerante e intransigente com seus fiéis. Já o Deus dos católicos se destaca por ser misericordioso, perdoar as nossas faltas, ser compreensivo com os pecadores. O Deus protestante conduz seus fiéis a um mundo sem pecado e com mais prosperidade. Mas, sem dúvida, é mais fácil amar o nosso Deus do que amar o Deus dos protestantes.

Como fragilizar uma empresa estatal - PAULO HADDAD

O ESTADO DE S. PAULO - 23/08

O conceito de fragilidade financeira teve maior destaque na obra de Hyman Minsky. Para ele, as unidades econômicas podem se situar numa posição financeira bastante favorável quando as receitas esperadas de seus ativos são suficientes para cobrir os compromissos financeiros no presente e no futuro. No outro extremo, elas não se habilitam, a partir de suas receitas esperadas, a fazer frente ao pagamento de suas estruturas de passivo nem aos juros que sobre elas incorrem. Para contribuir de forma significativa com o processo de desenvolvimento nacional, uma unidade econômica precisa dispor de margem de segurança financeira.

É claro que todas as unidades econômicas padecem de certo grau de fragilidade financeira numa economia em regime de recessão. Particularmente numa economia nacional globalizada econômica e financeiramente, quando a crise mundial se espraia,difunde-se, prolonga-se e se aprofunda. Mas a fragilidade financeira se amplifica para as empresas estatais do governo federal quando se consideram as questões das inadequadas escolhas estratégicas do seu controlador e as questões da ineficiência de sua gestão administrativa.

Quanto a esta última dimensão, as razões do relativo insucesso no desempenha econômico e financeiro de muitas empresas estatais estão em variados aspectos. Destacam-se a partilha político-partidária no recrutamento dos seus quadros técnicos e gerenciais; a indefinição de seus objetivos e de sua própria missão institucional; a estrutura organizacional precariamente estabelecida; e a desprofissionalização da alta direção.

De maneira sistemática, podemos identificar três mecanismos que o governo federal vem adotando e que resultaram num processo de fragilização das empresas estatais, comprometendo o seu futuro institucional. O primeiro mecanismo é a utilização da política, de preços dos bens e serviços produzidos por essas empresas para conter o processo inflacionário, o que se tolera apenas numa administração que caminha numa visão de curto em curto prazo. Quanto custa para o País a descapitalização da Petrobrás e das empresas do setor elétrico, em termos de sua capacidade de investimentos indispensáveis para o processo de desenvolvimento nacional? Essas empresas acabam sendo mergulhadas num ambiente de incerteza e de risco maior, o que resulta na perda de cadência e de intensidade na sua programação estratégica.

Um segundo mecanismo se refere à utilização das empresas financeiras do governo federal para resolver problemas que não puderam ser equacionados no orçamento fiscal. Há o risco, pois, de migrarem disfarçadamente para os três bancos públicos federais

(BNDES, Banco do Brasil e CEF) despesas próprias do governo, sem uma contabilização explícita. Esse procedimento pode levá-las a quebrar as regras prudenciais de sua missão institucional e do seu funcionamento, envolvendo-as em elevados níveis de riscos, de inadimplência e de fragilidade financeira. Em eventualidades e casos e como esses, há a formação de mega esqueletos financeiros que somente podem ser absorvidos, no médio prazo, pelo Tesouro Nacional. Este, em última instância, ao se endividar para equacionar o problema, transfere para a sociedade brasileira os custos da solução.

Na verdade, o que ocorre é a explicitação, no futuro, de um eventual endividamento público de forma indireta e disfarçada no presente. Ele, contudo, não passa despercebido pelo mercado financeiro, que o contabiliza no déficit potencial

Finalmente, a profunda restrição orçamentária para realizar uma política fiscal anticíclica de defesa dos níveis de renda e de emprego, assim como o baixo grau de implementabilidade do que o governo decide fazer, leva à tentação de jogar para as empresas estatais (mais flexíveis operacionalmente, com recursos mais livres, com bons quadros técnicos) a execução de tarefas ad hoc muito estranhas à missão institucional até mesmo para uma empresa estatal.

Bons de bico - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 23/08

Quando o PSDB elegeu o senador Aécio Neves presidente do partido, em maio último, automaticamente consolidou seu nome para concorrer à Presidência da República em 2014. Os tucanos não queriam dar mais espaço às tergiversações e aos vaivéns que marcam suas decisões sobre candidaturas presidenciais há mais de dez anos.

O próprio Aécio já havia dado ao assunto atestado de questão vencida, ao declarar que sua eleição significava a virada da página das divisões e disputas internas no partido. Portanto, não há que se falar em prévias para escolha da candidatura presidencial sem se atentar para a evidência de que se trata de uma fabulação em torno de um fato consumado.

O partido abre um debate a respeito de algo decidido; de onde, não há remota possibilidade de ocorrer uma disputa na acepção do termo. Então, qual a utilidade de tudo isso? Pelo jeito, só para ganhar tempo e espaço no noticiário, conquanto tal atitude não preste as devidas homenagens ao discernimento do respeitável público de um filme visto e revisto.

Essa história de prévias surgiu a partir da disposição cada vez mais clara do ex-governador José Serra de se candidatar em 2014 –preferencialmente à Presidência. Seus aliados resistem a deixar o PSDB e ele, por sua vez, mede o efeito da saída sobre esse grupo.

Diante do falatório, o senador Aécio resolveu rebater dizendo que aceita as prévias e Serra devolveu a bola afirmando que tudo bem, mas quer conhecer as regras sobre a abrangência de participação, prazos, condições de igualdade na competição e saber qual a “taxa democrática” da disputa.

O jogo de cena agride a lógica. Primeiro, não existe a hipótese de resultado que não a vitória de Aécio. E depois Serra fala de exigências que sabe muito bem que não vão e não podem ser cumpridas. Exemplo: como se mede a “taxa democrática”?

Falam por falar. Os tucanos não querem que Serra saia. Por menos chance que ele tenha devido à alta rejeição nas pesquisas e às dificuldades de alianças e financiamento numa campanha pelo PPS que negocia a filiação com ele, dividiria o eleitorado no mesmo campo e reduziria as chances do PSDB de estar no segundo turno.

A preliminar é: Serra quer mesmo ser candidato a presidente? Na interpretação de tucanos, a declaração dada por ele em Brasília na última quarta-feira admitindo a possibilidade é um sinal de que está iniciando os preparativos para sair do partido. Justamente porque tem perfeita noção da impossibilidade de ser candidato pelo PSDB.

Poderia ficar e disputar o Senado? Poderia, mas não há garantia de nada. Aliás, nada está garantido, saindo ou ficando. Trata-se agora de avaliar qual a decisão menos prejudicial.

De um lado, seus (ainda) companheiros de partido tentam convencê-lo de que é melhor ficar. A dúvida é: melhor para quem, para ele ou para eles?

De outro lado, o presidente do PPS, deputado Roberto Freire, repete nas conversas com Serra que a insegurança é geral. “Não se dizia que a reeleição de Dilma Rousseff estaria assegurada? Hoje esta é uma possibilidade, mas não é uma certeza como já foi”, argumenta.

Embora admita que existam muitas críticas em relação ao (ainda) tucano, Freire percebe reconhecimento aos atributos dele como gestor. “Num quadro de crise econômica, o eleitor vai levar em conta a capacidade dos candidatos de enfrentar situações difíceis e este é um ativo inegável de Serra.”

As tratativas com o PPS estão avançadas, embora não concluídas. O limite para a decisão, em tese, é o dia 5 de outubro. Na prática, porém, o prazo legal não é o mesmo que o prazo político.

Se resolver mesmo trocar de partido, mas deixar para anunciar a decisão na última hora, José Serra não terá tempo para articular adesões reduzindo a densidade política de sua filiação ao PPS para ser candidato a presidente.

O voto vencido - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 23/08

O acórdão do mensalão tem 1.336 trechos suprimidos de manifestações de ministros do Supremo Tribunal Federal ao longo de 53 sessões. Dessas, 65% são de autoria do ministro Celso de Mello.
Foi na condição de decano, a quem se reconhece autoridade para serenar conflitos, que Celso de Mello, desde a véspera, dedicou-se a obter uma retratação do presidente da Casa, Joaquim Barbosa. Mas foi também na condição de quem mais zelou para que impropriedades proferidas durante o julgamento fossem excluídas do registro oficial da história, que Celso de Mello, tentou chamar Barbosa à razão.
Ao dizer que jamais deveria ter sido necessário aquele lapidar sermão, o ministro decano deixava claro, de partida, que aquele pronunciamento seria desnecessário se Barbosa tivesse se retratado da acusação contra Ricardo Lewandowski.
Celso de Mello remeteu-se a outro discurso, feito há 12 anos, quando saudou a posse de Marco Aurélio Mello na presidência da Casa. Naquele dia, evocou dois magistrados, um do STF e outro da Corte Suprema dos Estados Unidos, para homenagear os votos vencidos.
O primeiro foi Joaquim de Toledo Piza e Almeida, ministro da turma inaugural do Supremo, de 1890. Integrou o julgamento do habeas corpus apresentado por Rui Barbosa em defesa de 46 parlamentares, generais e intelectuais, entre os quais Olavo Bilac, presos e desterrados para a Amazônia. No habeas corpus, o primeiro da história brasileira, aquele Barbosa atacava o estado de sítio decretado por Floriano Peixoto, seu colega no gabinete Deodoro da Fonseca: "Nenhuma virtude pode pôr acima da lei o chefe de uma nação republicana".
Piza e Almeida, paulista de Capivari e abolicionista como Rui Barbosa, foi o único dos 11 a votar pelo habeas corpus. Enquanto a maioria do tribunal escudara-se na necessidade de um pronunciamento prévio do Congresso, Piza e Almeida sustentou a tese de que abusos do Executivo estão na jurisdição imediata do Supremo tenha ou não o Congresso se pronunciado sobre as medidas de exceção.
Antes de sair do tribunal, Rui Barbosa beijou-lhe a mão. Dias depois publicaria um artigo em que lhe prestaria homenagem: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde".
O outro juiz citado por Celso de Mello foi contemporâneo de Piza e Almeida. Nos 30 anos em que foi ministro da suprema corte americana, Oliver Wendell Holmes Jr, se rebelaria contra a condição de prisioneiro da jurisprudência e passaria à história como um dos juristas mais citados daquela Casa.
Combatente da Guerra Civil americana ao lado dos confederados, Holmes criticava ativistas judiciais à direita e à esquerda. Dizia que tão importante para um juiz quanto conhecer as leis é estudar as motivações de seu tempo e evitar a grandiloquência: "Grandes questões e questões complicadas fazem um péssimo direito. Os grandes julgamentos são chamados de grandes não tanto pela importância que têm em delinear a jurisprudência a ser seguida, mas prioritariamente porque um acidente qualquer provocou um demasiado interesse no caso, apelando para sentimentos que distorcem o julgamento".
O julgamento em que exerceu seu mais famoso voto vencido aconteceu em 1895 quando o dono de uma padaria em Nova York recorreu de uma lei local que proibia mais de 60 horas por semana de trabalho.
Enquanto seus pares advogavam a proteção da 14ª Emenda ao liberalismo econômico, Holmes se contrapôs à maioria dizendo que a Constituição não era guardiã de teorias econômicas sejam quais fossem suas cores ideológicas. Defendia o direito de juízes novaiorquinos impor limites à atividade econômica com base na experiência vivida pela sociedade local.
A Joaquim Toledo Piza e Almeida e Oliver Wendell Holmes Jr. o decano do Supremo ainda acrescentaria Raimundo Faoro no rol dos juristas que louvam o voto vencido como legitimador das decisões judiciais: "É o voto da coragem, de quem não teme ficar só...".
Sobre o vencido da vez, Ricardo Lewandowski, registre-se a ordem que Victor Gabriel Rodriguez, antigo assessor, hoje professor da USP, relata, em livro, ter recebido ("AP 470", de Gustavo Pedrina, org.): "Leia sempre com atenção esses manuscritos, que terão sempre muitas deficiências quanto a requisitos de um habeas corpus ao Supremo Tribunal, mas que foram escritos por alguém em absoluto desespero que não tem quem fale por ele".
Lewandowski deu o caso por encerrado mas o incidente continuou a contrariar Barbosa, especialmente depois que Marco Aurélio Mello, na condição de segundo decano, descalçou as luvas para complementar Celso de Mello: "Censurar posturas diversas daquela que se tem e, a um só tempo, alardear modernidade e pluralidade soa, no mínimo, como hipocrisia. Uma sociedade aberta, tolerante e consciente pressupõe escolhas pautadas nas várias concepções sobre os mesmos fatos".
"Ao trabalho, ministro Toffoli", disse Barbosa, impaciente, em meio a intermináveis desagravos. A disposição de ministros em se alinhar ao lado de Lewandowski não se traduziu, como se previa, em voto de adesão.
Na sessão que originou o imbróglio da chicana, o revisor do mensalão se dissera arrependido de ter votado contra a demanda de Bispo Rodrigues de ter sua condenação por corrupção passiva regida pela lei anterior à atual. A mudança da lei se deu no decorrer do crime pelo qual foi condenado. Vencido por oito de seus colegas, Lewandowski talvez tenha sido um dos derrotados mais desagravados do Supremo.
"A história tem registrado que, nos votos vencidos, reside, algumas vezes, a semente das grandes transformações", disse o decano ao concluir sua fala. O ministro mais zeloso com os anais deixava registrado ali sua intenção de não passar a história como a voz que ignorou tão eloquente voto vencido.
O mais novo magistrado da Casa, Luís Roberto Barroso, que já afirmara ser o mensalão não o maior escândalo de corrupção e, sim, o mais investigado, voltou à carga dizendo que teria se posicionado de forma distinta da maioria em muitas das condenações se estivesse no julgamento desde o início.
Definidos vencedores e vencidos, a disputa dos que julgaram o mensalão é pelo registro que deles fará a história.

Jabuticaba no banco dos réus - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 23/08

BRASÍLIA - Se já há um grande condenado na segunda fase do julgamento do mensalão é o festival de recursos no Brasil. Atenção: a condenação não é ao princípio, que é questão de justiça, mas ao abuso.

Ao se manifestar contra os embargos infringentes, que podem recomeçar partes importantes do julgamento praticamente do zero, o ministro Gilmar Mendes lembrou que não há precedentes desse tipo de embargo nem no próprio STF, nem no STJ nem nos outros tribunais, o que tornaria esse recurso "mais uma jabuticaba" --ou seja, algo tipicamente brasileiro.

Na avaliação dos contrários a esses embargos, eles são cabíveis como recurso a instâncias superiores, não à mesma instância, com os mesmos ministros, o mesmo número de votos. Só estão sendo aventados por uma brecha burocrática: o regimento do Supremo prevê, mas a lei que rege julgamentos de ações penais em tribunais superiores, não.

Na véspera, o novato Luís Roberto Barroso já tinha dado uma aula ao vivo para milhões de telespectadores, condenando, em tese, "o uso de recursos de maneira manifestamente protelatória" e chamando a atenção para o descompasso do sistema brasileiro de recursos "com as demandas da sociedade".

Sua descrição é estonteante: há o recurso extraordinário, o tribunal nega; vem o agravo de instrumento, o relator desprovê; saca-se o agravo contra o desprovimento, depois entra-se com o embargo de declaração e, não raro, com um segundo embargo de declaração, que é, mais ou menos, o embargo do embargo.

"Essa praxe recorrente não é boa para a advocacia, não é boa para a sociedade nem para as partes", disse o novo ministro, defendendo dar um basta: "Verificado o caráter protelatório, declara-se o trâmite em julgado". E ponto final.

É assim, ou mudando a lei, que se pode tentar evitar a já rotineira eternização dos processos. Bem... quando o réu é rico e famoso.

A mania de culpar os outros - JOSÉ PIO MARTINS

GAZETA DO POVO - PR - 23/08

O ser humano é um animal curioso. Entre seus vários cacoetes, há um que se presta a situações jocosas como também a situações sérias. Trata-se da mania de atribuir a si próprio as causas do sucesso e transferir a terceiros os erros do fracasso. Como diz o ditado popular: “A vitória tem muitos pais; a derrota é órfã”.

Há anos, o jornal italiano Corriere della Sera noticiava que um idoso mais que septuagenário, após quatro anos de humilhante impotência, redescobrira a vitalidade perdida devido a uma dose reforçada de Viagra. Logo depois, ele abandonaria o lar deixando um recado: Scusa, cara, ma io voglio morire da stallone (“Perdoe-me, querida, mas quero morrer como um garanhão”).

A esposa, sexagenária, estaria processando o marido fujão por perdas e danos e informava que também iria processar o laboratório Pfizer por não ter etiquetado o remédio como “perigoso para o casamento”. Ela argumentava que “não se pode dar um fuzil carregado a quem não sabe usá-lo”. Quer dizer, ela transferia ao laboratório parte da culpa pelas estripulias do garanhão geriátrico.

Quando essa mania permanece em situações individuais, cujas consequências ficam restritas à vida de uns poucos, não há maiores problemas. Porém, quando se torna um hábito nacional, as consequências podem ser graves. Nos anos 70, o Brasil elegeu três inimigos externos, que seriam os culpados pelo atraso e pobreza local: a dívida externa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as multinacionais.

Políticos ditos de esquerda (coisa que, no Brasil, não significa absolutamente nada) se elegeram por vários mandatos apenas fazendo discursos inflamados contra esses inimigos, sem se dar ao trabalho de explicar por que malditas razões eles, e não nós, eram os culpados pelo atraso nacional. Um a um, esses inimigos perderam o charme e, agora, não dá para culpá-los de nada.

Mas a psique nacional, sobretudo a que acomete a paisagem política de Brasília, insiste em buscar inimigos externos. Quando o quadro internacional se mostrou favorável e os preços das commodities exportadas pelo Brasil subiram por nove anos, de 2002 a 2010, revelando a sorte que Lula teve, o governo atribuía a si uma penca de milagres. Lula estimulava que seus ministros e membros de seu partido divulgassem sempre de forma enfática que “nunca antes na história deste país” houvera governo tão proficiente.

O governo Lula teve vários méritos, mas daí a achar que a boa situação das contas externas e a dispensa do FMI como financiador de nossos déficits comerciais foram obra de sua genialidade é um pouco demais. Tanto é verdade que Dilma, treinada no governo Lula em dois ministérios, está amargando a deterioração da situação externa e a piora de alguns indicadores econômicos internos.

Se a vitória era obra do governo Lula, como eles viviam brandindo, é necessário atribuir a Dilma a culpa pelos problemas de hoje. Mas não é assim que o governo age. Mesmo Dilma continua com a mania de atribuir a si e ao PT todos os louros das boas coisas que acontecem e de transferir ao mundo e aos outros a culpa das coisas ruins. Uma adaptação de velho provérbio diz que “errar é humano, culpar os outros... isso é política”.

Os partidos que governam o Brasil se esmeraram na prática de dois esportes: um, brigar com a lógica econômica; outro, inventar culpados externos. A mania de culpar os outros também se encontra nas organizações – o que é ruim, pois um dos meios para a correção de rumos é admitir o erro, entender sua gênese e descobrir as soluções. A negação do erro é a perda de uma oportunidade para evoluir.

As duas mortes de Martinez - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/08
Ontem caiu por terra mais um dos factoides que vêm sendo criados desde o início do julgamento do mensalão na tentativa de formar um clima de suspeição sobre as decisões tomadas pelo plenário do STF. Há meses circula pela internet um vídeo, de sessão do ano passado, em que está registrado um erro de fato, ontem levantado pelo ministro Ricardo Lewandowski: a data da morte do então presidente do PTB José Carlos Martinez.
Ocorrida de fato em outubro de 2003, no acórdão a data registrada é dezembro de 2003, de acordo com a informação dada na ocasião pelo relator do processo,Joaquim Barbosa. Durante meses afirmou-se na internet, nos blogs oficiais e oficialistas que lutam desesperadamente para evitar que o ex-ministro José Dirceu e seus companheiros vão para a prisão fechada, que Barbosa cometera o erro propositalmente, para assim poder agravar as penas de corrupção ativa e passiva dos réus.

Com base nesse pressuposto, a defesa de Bispo Rodrigues, do PL, pediu a revisão de sua pena, e as defesas de José Dirceu e Delúbio Soares uniram-se a ele para fazer o mesmo, apoiadas na tese que o ministro Lewandowski defendia de que o deputado do PL cometera o crime antes da edição do novo Código Penal, que agravou as penas para crimes de corrupção ativa e passiva.

O assunto já fora resolvido na véspera, quando o plenário do Supremo confirmara a condenação de Rodrigues pelo recebimento da propina, ocorrido em dezembro de 2003, já, portanto, na vigência da lei mais dura. Ontem, o pleito de Delúbio Soares foi a julgamento, e coube a ninguém menos que Lewandowski admitir o óbvio: o erro material em nada interferiria na pena dos condenados como Delúbio, pois tanto ele quanto Dirceu foram condenados por uma série de crimes que, iniciados antes da morte de Martinez, continuaram sendo praticados, até 2005, quando o então deputado federal Roberto Jefferson denunciou o esquema.

Assim, condenados por continuidade delitiva, receberam a pena mais dura segundo a jurisprudência do STF registrada na súmula 711. No mesmo vídeo em que está registrado o erro de fato do ministro Joaquim Barbosa, definindo a data da morte como dezembro de 2003, aparece o Ministro Marco Aurélio Mello querendo se certificar da data, dizendo que ela é importante para definir quando começou o esquema.

Ele queria certamente definir que os crimes de corrupção começaram quando combinado o acordo entre PTB, PL e PT. No decorrer do julgamento, porém, essa data perdeu a importância, pois a maioria dos condenados continuou cometendo os crimes depois dos acordos partidários, caracterizando uma "continuidade delitiva", cuja pena é determinada pela última ocasião em que o crime foi cometido, e não pela primeira.

Casos como o de Bispo Rodrigues, condenado por apenas um crime de corrupção passiva, são definidos pela data em que receberam o dinheiro. O Ministro Marco Aurélio, com seu humor característico, ainda encontrou uma brecha para brincar, dizendo que, "como ninguém morre duas vezes", seria importante corrigir o acórdão.

Mesmo que a data não tenha a menor importância, é evidente que o acórdão tem de ser corrigido para que não registre uma informação errada. Como se vê, o que foi considerado "um erro crasso" que poderia provocar uma reviravolta no julgamento do mensalão, livrando da cadeia em regime fechado os petistas mais ilustres, acabou sendo apenas um fato curioso, sem a menor importância para a definição do que quer que seja.

Mesmo que os embargos infringentes venham a ser aceitos pelo Supremo, o que parece improvável a esta altura do julgamento, a data da morte de José Carlos Martinez não terá qualquer serventia para os que querem livrar os petistas da cadeia, pois somente seriam revistos os crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

O julgamento dos embargos de declaração tem sido marcado pela rapidez da revisão e pela manutenção do acórdão. Tudo indica que essa será a tendência do Supremo Tribunal Federal até o final, previsto para a primeira semana de setembro.

Última fronteira - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/08

SÃO PAULO - Receio que o governo ainda não tenha entendido bem o que a internet significa. Um dos aspectos mais notáveis da rede é que ela, se não elimina, ao menos enfraquece muito a noção de fronteira. Fica, assim, entre o quixotesco e o reacionário a disposição da Anatel e da Ancine de cobrar tributos de empresas estrangeiras de internet, como Google, Netflix etc.

Não é que a ideia de igualar as condições em que atuam firmas sediadas no Brasil e fora dele não faça sentido. Não dá para classificar como justa a concorrência na qual um paga encargos da ordem de 25%, e o outro, uma fração disso. O problema está em tentar fechar a equação pelo lado da arrecadação. Se a carga imposta aos forasteiros não é muito grande, eles se dispõem a pagá-la para garantir facilidades como manter escritórios no país e CNPJs brasileiros.

Se a conta das obrigações ficar muito pesada, entretanto, como é a tendência por aqui, as empresas estrangeiras podem simplesmente fechar sua representação no Brasil e continuar operando sem muitos transtornos, já que o consumidor local pode perfeitamente acessar um site no exterior. Anúncios também continuariam a ser comercializados por meio de transações com cartão de crédito internacional. Para impedir isso, o governo precisaria adotar medidas liberticidas e francamente impopulares, como a censura à rede e limitações a compras à distância.

Se a meta é mesmo equalizar a situação de empresas nacionais e estrangeiras, o caminho é reduzir os impostos que o Brasil cobra nessas operações, colocando-os em linha com a prática internacional. O interessante aqui é que a internet detona o confortável monopólio de que Estados gozavam para decidir sobre tributos e introduz um pouco da saudável concorrência nesse setor.

PS - Minha coluna on-line de ontem (folha.com/no1329937) responde ao pouco do que me parece pertinente no artigo de Salem H. Nasser.

Arena tucana - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 23/08
Esta semana marcou o ingresso do PSDB com os dois pés na campanha pré-eleitoral. Tudo por causa da provocação do ex-governador de São Paulo, José Serra, que andou sondando seus aliados na legenda a respeito da realização das prévias para escolha do candidato a presidente da República. Com a perspectiva da realização da consulta, que conta com a simpatia do presidente do partido, senador Aécio Neves, os diretórios estaduais começaram a se movimentar em torno do tema. O líder da Minoria, Nilson Leitão (PSDB-MT), comanda a legenda em Mato Grosso e promete ingressar na reunião da cúpula partidária, na próxima terça-feira, pedindo a prévia para outubro.
"Não podemos deixar esse assunto para o ano que vem. Quero conhecer logo o meu candidato a presidente, para que ele possa percorrer o país e mobilizar os nossos filiados. Vou propor que a prévia seja em 20 de outubro", disse ele, já antecipando o voto em favor de Aécio Neves.

Ainda não existe nada fechado em termos de data e regras para as prévias. Sabe-se apenas que, se houver, será depois de passado o prazo de filiação partidária para os candidatos às eleições do ano que vem, ou seja, 5 de outubro. Mas só a perspectiva de prévias obriga todos no PSDB a saírem da toca. Há dois dias em Brasília, José Serra admitiu que pode concorrer na prévia, o senador Álvaro Dias, do Paraná, também se apresentou. O presidente do partido, Aécio Neves, é considerado por muitos o nome mais forte contra Dilma, dado o poderio que desfruta em Minas Gerais, onde terminou o governo muito bem avaliado, e de seu jeito de fazer política.

O jogo da prévia, ainda que esteja apenas no início, coloca uma nova cor no tabuleiro do PSDB. Da parte de José Serra, que até aqui vinha sendo jogado para escanteio dentro do partido, ficou claro que ele está vivo, tem peso e não pode ser desprezado como desejavam alguns. Da parte de Aécio, a perspectiva da prévia lhe dá a permanência de Serra no ninho tucano. Assim, Serra perderia a capacidade de dividir votos que podem ser cruciais para levar o candidato do partido, seja quem for, ao segundo turno da eleição presidencial.

O problema, entretanto, é que até agora muita gente vê esse jogo da prévia como uma encenação. Os aliados de Aécio queriam, sinceramente, que ele começasse a percorrer o país como pré-candidato e não como presidente do partido. Mas podem encenar vontade de realizar a prévia apenas para garantir a permanência de Serra no PSDB. Entre os aliados de Serra, entretanto, há quem suspeite que também se trata de uma encenação dos serristas e o receio de que estejam apenas armando uma desculpa para, logo ali na frente, dizer que as regras não ficaram definidas. E assim, sem garantias de igualdade de condições, a saída de Serra seria buscar a candidatura presidencial fora do PSDB. É importante frisar ainda que, há dois dias, Serra chegou a dizer que era preciso ter regras claras para não parecer encenação.

Essa tese de que Serra joga para escancarar a porta de saída não é compartilhada por todos os aliados do ex-governador paulista. Há quem diga que ele deseja sinceramente a prévia. Esses amigos de Serra defendem que, na hipótese de não vencer a disputa, Serra deveria se colocar à disposição do partido para ajudar onde fosse necessário, largando a obsessão de chegar à Presidência da República. Ouvi de alguns que ele poderia ser inclusive candidato a deputado federal para puxar uma grande bancada tucana de São Paulo e, de dentro do Congresso, empreender a reforma tributária, um projeto que ninguém consegue fazer, dada a falta de acordos e diálogo franco entre os entes federativos.

Por falar em diálogo franco.
O problema para essa união de Serra em favor de Aécio e vice-versa é tão difícil quanto subir uma escada rolante em sentido contrário. A relação entre os dois não é das melhores. Nas duas vezes em que foi candidato a presidente da República, Serra considerou que Aécio não trabalhou com todo o afinco para ajudá-lo, embora o ex-governador paulista tenha vencido em Belo Horizonte. Não são poucos os relatos de conversas ríspidas entre os dois no período da campanha presidencial.

O perigo dessas rusgas agora é o eleitor cansar das desavenças tucanas da mesma forma que parece enfadado do toma-lá-dá-cá dos cargos, enquanto as carências do país estão aí, muitas sem uma solução. É aí que um terceiro pode se criar. Não por acaso estão todos de olho na Rede de Marina Silva e nos movimentos do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Dois elefantes na sala de Dilma Rousseff - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 23/08

O preço dos combustíveis está para a presidente Dilma Rousseff assim como a taxa de câmbio esteve para Fernando Henrique Cardoso em 1998, comparou uma fonte qualificada. Ela pode tentar segurar o reajuste da gasolina e do diesel até passar as eleições, como fez FHC com o câmbio. Ou pode não esticar tanto a corda - seriam ainda quatorze meses de congelamento de preços da Petrobras até as eleições de outubro de 2014 - e começar a resolver já.

O fato é que a depreciação da taxa de câmbio - marcada por uma alta volatilidade das últimas semanas - acentuou a defasagem dos derivados do petróleo, amplificando os problemas e colocando dois elefantes na sala da presidente, cuja remoção tem implicações econômicas e políticas.

"Você já viu algum presidente da República reajustar a gasolina às vésperas das eleições?", devolveu um ministro diante das insistentes perguntas desta coluna para saber quão iminente é a decisão do governo.

Já. Em 2002, durante a gestão FHC, a Petrobras aumentou os preços em 9,7% poucos dias antes das eleições de outubro. Fato que deixou contrariado o então candidato à presidência pelo PSDB, José Serra.

Nos últimos dias os mercados de juros e câmbio ficaram sob intenso stress. A depreciação do real frente ao dólar produz mais inflação. O aumento dos combustíveis também. Portanto, só haveria uma alternativa: o Banco Central aumentar ainda mais os juros, levando a Selic, quem sabe, para a faixa de dois dígitos. Mas um aperto monetário mais forte poderia ser letal para o frágil crescimento.

Avalia-se também que o câmbio, no país, está em depreciação mais acelerada do que em outros emergentes, portanto a situação do Brasil é muito pior do que a dos seus pares (exceto África do Sul, cuja desvalorização soma 17,58% no ano).

Ontem pela manhã o noticiário doméstico já estava povoado de expectativas do mercado à espera de uma reunião extraordinária e emergencial do Conselho Monetário Nacional. Esperava-se também o anúncio de medidas fiscais restritivas para dar um choque de credibilidade no governo. A reunião do CMN, ordinária, estava programada e a discussão fiscal é relativa ao orçamento que será enviado ao Congresso no dia 31.

O mercado se fia em qualquer coisa quando está nervoso e sem parâmetros ou quando quer mais volatilidade nos preços dos ativos para engordar seus lucros.

À noite o Banco Central anunciou um expressivo programa de leilões de câmbio que pode acalmar o mercado demandante de "hedge".

O Brasil não está à beira da falência como ocorreu nos anos 80, em 1998 e em 2002, por razões distintas. Ao contrário, as contas externas são mais sólidas do que eram nesses períodos, apesar de terem piorado nos anos mais recentes; dispõe de reservas cambiais da ordem de US$ 370 bilhões; tem um passivo externo de melhor composição; e não vive uma fuga de capital.

Todos os países emergentes estão com suas moedas em forte depreciação desde que o Federal Reserve anunciou que pretende reduzir o ritmo da expansão monetária e, portanto, a liquidez global. Só que alguns apanham mais do que outros. Enquanto a lira turca e o peso mexicano acumulam desvalorização de 10,46% e 2,08% no ano, respectivamente, a rúpia indiana teve depreciação de 14,91% e o real, de 16%.

Argumenta-se que o real se desvaloriza mais do que as outras moedas porque foi também a que mais se apreciou de 2008 para cá. E mesmo no patamar em que está atualmente, ainda estaria ligeiramente abaixo da taxa de câmbio real de junho de 1994 (Plano Real).

A perda de confiança dos investidores no governo não é apenas fruto da imaginação. Tem origens e efeitos concretos.

Começou com o governo inventando uma nova matriz econômica em substituição ao tripé que inspirava confiança nos agentes. Trocou-se o compromisso transparente com metas de inflação e de superávit primário das contas públicas e com o regime de câmbio flutuante por uma política econômica que seria sustentada por juros baixos, gasto público em expansão, taxa de câmbio desvalorizada e preços administrados sob a interferência do governo. O caso mais estridente é o da Petrobras, mas não é o único.

Dentre outros elementos de preocupação, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos aumentou nos anos mais recentes e se aproxima de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), numa clara deterioração das contas externas. Agora ele tende a cair com a depreciação do real. Estudos feitos pelo JP Morgan indicam que o déficit cairia a zero, no Brasil, a partir de uma desvalorização de 20%. Uma das razões pelas quais a Índia e o Brasil estariam pagando mais do que outros emergentes seria exatamente pelo crescente déficit externo que, num mundo de menor liquidez, fica mais difícil de financiar, e por uma inflação alta. O país também está com baixa capacidade de crescimento e investe pouco.

Se o país não está a beira de um colapso como já viveu no passado, poderia estar melhor não fossem as suas jabuticabas.

As tentativas de burlar a lógica nas contas públicas, o experimentalismo nos modelos originais das concessões, os vacilos cometidos no combate à inflação, a contínua capitalização dos bancos públicos para financiar a expansão do crédito e do consumo, prejudicaram a formação das expectativas dos agentes econômicos.

Porém, o Brasil, que nem estava tão bem há três, quatro anos, nem ficou tão ruim hoje, precisa que esses barulhentos obstáculos se afastem para que governo, mercado, sociedade, tenham clareza dos rumos de suas políticas para enxergar melhor seu futuro.

Pobres (médicos) cubanos - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 23/08
Imagine pessoas esquecidas dos grotões brasileiros sendo atendidas por um médico pela primeira vez na vida. Sim: por atenciosos e solícitos profissionais cubanos. Já pensou a carga de emoção contida em arrebatadoras imagens dessa natureza? Pois é: em 2014, certamente, você verá muitas. Elas devem povoar a cena eleitoral dos candidatos governistas. Agora, pergunto: alguém de boa-fé pode ser contra uma iniciativa que, à primeira vista, se afigura humanitária? Claro que não. E não se trata, aqui, de fazer oposição a tão nobre programa.
O foco é a medida eleitoreira e o trabalho escravo por trás da mis-en-scène. Por que, em mais de 10 anos de administração petista, o governo nunca se empenhou de verdade em criar condições (sobretudo de infraestrutura, não apenas salarial) para levar profissionais de saúde brasileiros aos mais distantes rincões do país?

Simples: porque nunca teve real interesse em oferecer à população saúde e hospitais bem equipados - ou até com padrão Fifa, como cobraram manifestantes nas ruas em junho. O que se vê, em geral, é um sistema de saúde falido, com hospitais e postos de saúde sucateados até mesmo nas principais capitais do país. Quantos políticos correm pro SUS quando adoecem? Nunca soube de nenhum.

Outra pergunta: algum cubano se inscreveu livremente no Programa Mais Médicos? Você se lembra, caro leitor? Outra vez, a resposta é nenhum. E não se inscreveram, sabe por quê? Porque não têm liberdade para isso. Virão ao Brasil num misto de trabalho escravo e de agentes de propaganda eleitoral. Serão contratados diretamente ao governo de Cuba, que é quem embolsará a grana e ficará responsável por remunerá-los. De cada R$ 10 mil dos nossos impostos remetidos à ilha, estima-se que apenas R$ 3 mil serão destinados a esses profissionais.

Como ocorreu na Venezuela, na Bolívia e no Equador, eles serão mandados ao Brasil, mas continuarão reféns de Havana, porque suas famílias ficarão em Cuba, para que ninguém nem sonhe em desertar. Mesmo assim, ainda é possível que fiquem felizes em trabalhar como escravos aqui. Isso porque, no país deles, em eterna crise devido ao criminoso embargo americano e ao fim da ajuda recebida do então império soviético -, liberdades individuais praticamente inexistem e as condições de vida são ainda mais precárias. Pobres cubanos: lutaram tanto para se livrar de uma ditadura servil a Washington e acabaram reféns de uma tirania pseudossocialista.

Dever ser - MARINA SILVA

FOLHA DE SP - 23/08

Aconcheguei-me aos meus filhos e chamei os amigos Jane, Treici, Marcelo e Natalia para ver outra vez o filme em que a atriz Barbara Sukowa vive um dos períodos mais significativos na vida da filósofa Hannah Arendt. Numa pequena pausa da agenda intensa, alimento para a mente e o coração.

Para mim, o filme de Margarethe von Trotta é "de ação". Não pelo frenesi típico desse gênero, mas pelo que tem de instigante, pelo alvoroço do pensar que interrompe o automatismo a que somos empurrados cotidianamente. A repetição apenas atende ao querer alheio de si mesmo, do que dizer, fazer e ouvir. É impotente para criar, infalível para estagnar.

O filme impressiona pela fidelidade ao pensamento em ação de Hannah Arendt, que, ao relatar o julgamento do nazista Adolf Eichmann, recusa a comodidade da condenação fácil e escolhe a imprevisível singularidade de um mergulho mais profundo. Denuncia, assim, que a banalização do mal pode esconder-se por trás do que poderíamos chamar de banalização do bem: a repetição sem reflexão do que um sistema autoritário consagra como normal, desejável e bom.

Nas escolhas de Hannah afirmam-se a autenticidade e o irredutível desejo de autoria com os quais uma pessoa consegue situar-se no mundo por sua singularidade, sem limitar-se a atender o que dela se espera em previsíveis demandas.

Ao contrário do individualismo, que atomiza a força integradora das relações, essas pessoas se dispõem à troca na diferença. Não fazem o que querem nem o que os outros querem, mas o que devem fazer. Conhecem o direito, mas conhecem mais ainda o irrenunciável dever contido no direito: de ser o que é, de afirmar o que sua singularidade lhes possibilita que sejam, como o psicanalista francês Alain Didier poeticamente insiste em caracterizar o dever-ser.

É contra essa irreflexão, de atender sem atender-se, essa "descapacidade" de agir sem pensar, que Hannah Arendt se insurge e denuncia como a causa profunda das bestialidades e da banalização do mal. Não por acaso, pagou muito caro por recusar-se a depositar a oferta de seu pensamento sofisticado e generoso no mercado das demandas alheias, sempre ávidas por inquirir, condenar e matar a tudo o que possa rotular de heresia. Tornou-se o que deveria ter sido. Foi capaz de dizer, em seu tempo, o que os ouvidos e mentes deste outro tempo, longínquo futuro, não poderiam ser privados de ouvir.

Hannah nos sussurra a coragem de seguir a nossa consciência sem nos deixar ensurdecer pelos que profetizam a ausência de futuro e nos querem fazer acreditar que a história termina neles. Em "A Condição Humana", expressa sua esperança, nosso legado: "Os homens, ainda que devam morrer, não nasceram para morrer, mas para recomeçar."