sábado, abril 27, 2013

Vote limpo - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Uma democracia consolidada não pode transformar um exercício de cidadania em dever draconiano


É muita cara de pau exigir do eleitor brasileiro que “vote limpo”. Como se a lisura de nossa democracia dependesse de mim e de você. Durante dois meses, a televisão transmitiu 20 vídeos por dia para convencer o cidadão “infrator”, que não votou nas três últimas eleições, a pagar multa e regularizar sua situação. A campanha custou R$ 184 mil – de verba pública. E ameaçava punir pesado. O prazo terminou na última quinta-feira, 25 de abril.

Havia mais de 1,5 milhão de eleitores em falta com a Justiça Eleitoral. Desses, 129 mil ficaram “quites” nos últimos dias. O resto, pau neles. São maus cidadãos. O título de eleitor será cancelado, serão impedidos de tirar documento de identidade e passaporte, não poderão obter alguns empréstimos nem se matricular em qualquer escola ou universidade pública.

Não está certo. Um país que se gaba de ser uma democracia consolidada não pode transformar um exercício de cidadania num dever draconiano. Se não votarmos por impedimento geográfico ou inapetência pelo jogo sujo dos políticos, somos obrigados a nos justificar? Entre as dez primeiras economias do mundo, o Brasil, em sétimo lugar, é o único país a manter o voto obrigatório. Quem defende essa excrescência fala “em nome da representatividade”, mesmo forçada.

Os intelectuais adeptos do voto compulsório dizem que, se o voto for facultativo, menos pobres e mais ricos votarão – e o resultado da eleição será distorcido em favor da elite. É uma bobagem. Reforça a tese discriminatória de que “pobre não sabe votar”. Tantos países ricos têm lamentado a alta abstenção nas eleições. É cansativa, preconceituosa e ilusória essa tentativa de dividir as opiniões, as ideologias e a consciência da sociedade entre ricos e pobres. Como se a vontade de votar dependesse do contracheque. E como se os ricos tivessem mais motivo para votar.

O voto obrigatório mascara o real interesse da população na eleição. Faz muita gente (de todas as classes sociais) eleger “rostos conhecidos” ou “amigos de amigos”. Falta maior consciência do eleitor, falta educação política? Falta. O voto facultativo levaria às urnas quem acha que sua escolha pode mudar o atual estado de coisas. Falta vergonha na cara dos políticos, falta transparência nos gastos públicos? Falta. O voto facultativo obrigaria o Estado a fazer campanhas sobre a importância de participar do processo democrático. Obrigaria os políticos a se preocupar mais com sua ficha corrida e a prestar contas de seus atos. O voto seria dado com consciência e por convicção, não por medo de pagar multa. Hoje, no Brasil, o cidadão que não está em dia com a Justiça Eleitoral “não está em pleno gozo de seus direitos civis”.

Ora, diante de um Renan Calheiros presidindo o Senado... Diante do pastor Feliciano cuidando dos Direitos Humanos... Diante da presença dos mensaleiros José Genoino e João Paulo Cunha e do deputado Paulo Maluf na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara... Diante do senador cassado Demóstenes Torres como promotor vitalício no Ministério Público em Goiás... Diante da manobra casuísta do governo Dilma para boicotar futuros potenciais adversários em 2014, como a ex-senadora Marina da Silva... Diante da lentidão da Justiça, que pode devolver à vida pública o ex-governador condenado do Distrito Federal José Roberto Arruda... Diante da censura do PT nacional a qualquer crítica aos Sarneys na TV do Maranhão, por pedido de Roseana a José Dirceu... Diante do salário de R$ 15 mil para garçom que serve cafezinho no Senado, nomeado por ato secreto... Bem, diante de tudo isso, qual eleitor e cidadão está “em pleno gozo” de alguma coisa? Eles é que estão gozando com a gente. E ainda exigem que eu vote limpo.

Na briga entre Congresso e Supremo, com quem fica a palavra final? É uma briga chata de doer. Não há santos nem no Judiciário nem no Legislativo. Mas o momento favorece o Supremo. É no Congresso que condenados e cassados se locupletam. O deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da emenda contra o STF, se queixa de que “o Judiciário vem interferindo em decisões do Legislativo; há uma invasão de competência”. Ou seria “de incompetência”?

Ao ver na semana passada as imensas filas diante de cartórios para justificar a “infração eleitoral”, fiquei constrangida. O voto obrigatório ofende a democracia, desonra a expressão “direito de voto”. Se posso anular meu voto ou votar em branco, por que sou obrigada a comparecer às urnas? Voto porque quero, mas respeito quem não quer. O Brasil se livrou da ditadura. Numa democracia formal, o eleitor vota se quiser, se algum candidato o representar e se achar que sua opinião conta. Um dia essa obrigação cairá, por bom-senso. Por enquanto, se os políticos querem um voto limpo, façam sua parte. Comportem-se.


O oitavo pecado - ARNALDO BLOCH

O GLOBO - 27/04

‘Cada um corre o risco de ser chato. (...) O chato puro, contudo, não aceita zonas cinzas: diante dele, nenhuma unanimidade é burra’


A ideia de que a chatice é o maior dos pecados faz parte do arsenal de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, um dos maiores e mais divertidos pensadores da cultura carioca.

Embora espirituosa, a máxima de Stanislaw não é peça de humor, mas uma denúncia: tida habitualmente como um mal circunstancial, necessário, “leve”, a chatice na realidade é a pior das perversões. O oitavo pecado capital.

A chatice corrói e corrompe as relações. Consome tempo incalculável de vida, exaurindo corpo e alma. Inibe o gozo e produz tédio, melancolia e depressão nas almas educadas que deixam germinar sua semente.

Já nas almas aguerridas que cismam em reagir, a chatice causa acessos de fúria assassina ou perda das faculdades da razão, o que em nada ajuda a causa da résistance.

O equívoco, talvez até a cegueira, na guerra dos chateados contra a chatice é crer que o chato é, sempre, inocente. Ele pode ser culpado de seus atos e por eles ser condenado, mas jamais irá em cana. O chato escapa do paredón pois a culpa, em última análise, é da chatice, faculdade transcendental.

É aí que está o erro. Ao considerar-se o chato um indivíduo inimputável, abrem-se as comportas para que os mais conscientes usem o poder da chatice como um meio para fins muito mais graves que o ato simples e isolado de aporrinhar o próximo.

Em outras palavras, o chato mal-intencionado está livre para destruir a comunhão entre iguais. Ele interrompe encontros harmoniosos, estraga festas, inibe gozos, corta climas, desvia assuntos e espalha argumentos nos quais nem acredita só com o intento de desorientar pensamentos que procuram convergir, levando-os de volta às trevas.

Cada um corre o risco de ser chato ao olho subjetivo do outro. O chato puro, contudo, não comporta zonas cinzas: diante dele, nenhuma unanimidade é burra.

Da teoria à prática

Semanas atrás, estacionei numa rua em Laranjeiras, onde tenho aulas de piano. A rua é confusa, mão dupla, carros parados, atropelamentos de motocicleta. Pus-me no que acreditava ser uma vaga: meio-fio alto e espaço entre dois carros.

Uma hora depois voltei cantarolando e instalei-me na poltrona.

Girei o pescoço para o lado direito e lá estava ele, debruçado no vidro.

— O senhor sabe onde está parado?

— Como assim?

— Olhe bem onde o senhor está parado.

Olhei bem e vi um portão sem número, de cor parecida com a do muro, muito difícil de identificar como garagem, ainda mais com o meio-fio de meio metro, sem rampas. Mas não quis discutir. Esqueci os argumentos atenuantes e parti para o perdão.

— Desculpe. Eu realmente não percebi.

Ele não deu sinal de reconhecimento.

— Mas como é que o senhor faz isso? Jura que não viu mesmo? Ocupou minha garagem por uma hora.

— Juro que não vi. Estava realmente um pouco distraído, o meio-fio é alto, o portão indefinido, desta vez falhei mesmo.

Minha humildade era vã.

— O senhor devia ver isso. O senhor deve ser mesmo muito distraído. Como é que pode?

— É verdade. Sinto muito. Vou ver isso. O senhor teve algum dano? Precisou sair com o carro neste meio-tempo?

— Não. Mas isso não vem em absoluto ao caso. Não é desculpa.

— Não, não é desculpa. Fiquei preocupado que o senhor tenha tido um prejuízo maior com a minha infração.

— A sua infração foi devidamente anotada e comunicada.

— Ah, sim, o senhor ligou para as autoridades. Claro que sim.

— Sim, eles vieram e anotaram.

— Obrigado por avisar, vou ficar de olho no correio. O senhor fez o que devia fazer. Como dizem os filmes americanos, o senhor fez a coisa certa. Obrigado.

— E o senhor fez a coisa errada.

— Sim, indiscutivelmente. Agora, se o senhor me permite, eu vou indo, tenho um compromisso, não posso fazer mais nada para minimizar o seu sofrimento e o meu.

Ele ficou parado, pasmo ainda, diante da janela enquanto eu manobrava.

Estava visivelmente inconformado.

Eu poderia ter dado melhor troco. Perguntado o que essa criatura faz na vida.

Há quanto tempo não tem um intercurso ou um sorriso em sua vida.

Poderia ter informado que de almas como a dele nascem os grandes dedos-duros de pequenos delitos, os carrascos de ladrões de maçã, as polícias do pensamento, os torturadores, os príncipes da intolerância e os fascismos de todas as cores.

Aquele homem era, sem dúvida, um objeto de estudo de costumes, um herói pós-balzaquiano da decadência humana.

Omisso ou não, escolhi poupá-lo de maior punição por seus vis pecados. E voltaram a ocupar minha mente os exercícios de piano.

Mulheres (des)cobertas - LAURA GREENHALGH

O Estado de S.Paulo - 27/04

E a briga entre as ativistas do peito aberto e as muçulmanas defensoras dos véus? Que embate... De um lado, as moças do Femen, organização nascida na Ucrânia, de orientação "sextremista". No cocuruto de uma estátua, em frente a uma mesquita, na Praça São Pedro, em Roma, ou num estúdio de TV, elas tiram a blusa com a velocidade do raio. E mostram os seios, em protesto pela opressão feminina. Do outro lado, alistam-se as seguidoras do Islã tradicional, milhares de adeptas dos jihabs e niqabs, decididas a não baixar a guarda. Juram por tudo que é sagrado, e aqui não se trata de força de expressão, que jamais serão subjugadas por feministas etnocêntricas, degradadas e por aí vai.

Os dois exércitos se engalfinham desde o mês passado, quando uma jovem da Tunísia, Amina Tyler, de 19 anos, postou na internet fotos nua da cintura para cima, com slogans sobre os seios: "my body is my own" (conhecido bordão feminista) ou "f*ck your morals" (empunhando um cigarrinho). Antes que acendesse outro, a batata já assava na Comissão de Promoção da Virtude, órgão do regime tunisiano que zela pela orientação moral e religiosa da população. Almi Adel, à frente da comissão, decretou que Amina deveria ser punida segundo o código da sharia, merecendo 80 a 100 chibatadas para começar e apedrejamento até a morte para completar o serviço. Mas, como estava de bom humor naquele dia, ordenou que ela fosse recolhida a um hospital psiquiátrico, "para se curar".

As louras do Femen (parecem primas da Sharapova) endiabraram. Lançaram o Topless Jihad Day, com o alerta de que muitas muçulmanas irão se despir nos próximos tempos. A jihad pipoca na Europa. Aleksandra Shevchenko, líder "femenista", foi presa dias atrás ao literalmente peitar a polícia alemã diante da chanceler Angela Merkel e do presidente russo Vladimir Putin (este só perde para Berlusconi, "o bastardo", no ódio das ativistas). Muçulmanas dão o troco. Propagam o Muslimah Pride Day, sucesso no Facebook, e a campanha Muslim Women Against Femen.

Para quem não vive com seios à mostra nem se cobre com uma barraca de camping para ir ao supermercado, o embate parece bizarro. Mas não é. O Femen nasceu denunciando o turismo sexual na Ucrânia, depois incorporou a crítica ao patriarcado. Tal como o poeta, a organização sacou que beleza é fundamental... à causa. Suas ativistas são jovens, esbeltas, usam guirlandas de flores na cabeça, como fadinhas, e chutam os genitais da polícia, com coturnos. Têm a noção do espetáculo quando presas por atentado à ordem pública, delito do qual se safam. Só que Amina corre risco: passou por testes de virgindade, está sob vigilância da comissão e sua família tornou-se alvo do desprezo social. Com uma rebeldia tão pulsante quanto seus hormônios, Amina foi recrutada por "femenistas" de Paris.

É interessante ver a reação ao Femen. Nas redes sociais, muçulmanas defendem o corpo da mulher sob a veste tradicional - "my hijab, my choice, my dignity", postou uma delas. Outras dizem que não precisam ser salvas por feministas colonizadas, "agentes da guerra ideológica que dissemina a islamofobia no mundo". São defendidas por homens que as chamam de "irmãs" - "go and stay strong, sisters". Na região de Khar, no Paquistão, um ermo habitado por radicais e drones, a muçulmana Badam Zari ousa disputar um cargo político. Tem o apoio do marido, a estupefação da tribo e uma torcida que vem de longe. Aonde isso vai dar? Sabe-se lá. Porém, na gritaria da internet, mundos distantes se confrontam. Convicções arraigadas, idem. E tudo se passa no campo das representações do feminino. Terá sido sempre assim?

Guerreiras, virgens, sacerdotisas, feiticeiras, parece que a humanidade caminha atada às nossas vestes. Em 1995, em meio à balbúrdia da Conferência da ONU para Mulheres, na China, me vi frente a frente com uma intelectual saudita, coberta dos pés à cabeça. Nunca tinha estado com alguém naqueles trajes. Manifestei interesse jornalístico e propus que conversássemos. A acadêmica teve um surto. Disse que estava farta das feministas, da conferência, dos chineses e, me encarando com o único naco descoberto do corpo, perguntou: "Sabe qual é a diferença entre nós duas? Eu sou feliz". Deu as costas, deslocando no ar a pesada massa de panos. Senti o baque. Mas logo saí caminhando pelas ruas de Beijing, de bem com a minha felicidade imperfeita.

Torpedo Ilegal - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 27/04

Das 5 bilhões de mensagens de texto enviadas mensalmente no Brasil, 35% utilizam as chamadas rotas ilegais. Desse total, 30% são de SMS corporativos enviados por meio de "chipeiras", espécie de máquina que utiliza chips pré-pagos de várias operadoras para fazer "spam". Já 5% dos torpedos partem de operadoras instaladas em outros países.

PAINEL
A adoção das rotas ilegais é uma forma de burlar o sistema de cobrança das operadoras, roubando os códigos das empresas para não pagar pelos torpedos. Os dados, coletados em pesquisa do MEF (Mobile Entertainment Forum), serão apresentados no evento Tela Viva Móvel, em maio, em São Paulo.

NA PRATELEIRA
José Luís Próspero afirma que sua saída do cargo de diretor-presidente da editora Saraiva, função que ocupava desde 2005, foi de comum acordo com a empresa. "Vou continuar mantendo vínculos para novos projetos", diz. A sua saída intensificou os rumores de que a editora estaria sendo vendida para a Amazon, maior varejista on-line do mundo. Ele não comenta.

VIAJAR É PRECISO
Se política externa pudesse ser feita "por fax e por e-mail, a Hillary Clinton não teria viajado tanto, o [Henry] Kissinger também não", diz Lula em entrevista para o livro "Dez Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma", organizado por Emir Sader, que chega às livrarias em maio. "A relação humana produz uma química entre as pessoas. Você tem que conversar, pegar na mão, abraçar a pessoa. Tem de olhar no olho."

QUASE TUDO
O mensalão não foi tema da entrevista de duas horas e meia concedida em fevereiro a Sader e ao sociólogo Pablo Gentili --e que tem sido anunciada como o primeiro balanço de Lula sobre sua gestão. O petista confirmou presença no Centro Cultural São Paulo, no dia 13, para o lançamento do livro da editora Boitempo. A primeira tiragem é de 4.000 exemplares.

ADEUS, SÉCULO 19
E já tem data o lançamento do livro "1889" (Globo Livros), de Laurentino Gomes, que fecha a trilogia "1808" e "1822". As duas obras chegaram, juntas, a mais de 1,5 milhão de cópias. O novo trabalho do jornalista será apresentado ao público durante o fim de semana de abertura da 16º Bienal do Livro do Rio, que ocorre entre 29 de agosto e 8 de setembro.

NAS ONDAS DO RÁDIO
Mariana Weickert comanda, a partir de quarta-feira, boletins diários sobre moda, gastronomia e qualidade de vida na rádio Iguatemi Prime.

Em junho, a modelo estreará como repórter do programa "A Liga", da Band.

SOBE SOM
Arthur Britto, Bernardo Rolla, Marcelo Tché, Pata e Pedro Pepe, da banda Holger, lançam hoje, no Museu da Imagem e do Som deSP, o clipe "Great Strings", dirigido por Luciano Ferrarezi (terceiro a partir da dir.) com apoio da Mixer, representada por Seb Caubron.

MUSEU PARTICULAR
A exposição "Modernidade - Coleção de Arte Brasileira Odorico Tavares" foi inaugurada, anteontem, no Museu Afro Brasil. O diretor da instituição, Emanoel Araujo, recebeu convidados como José Roberto Marcelino, diretor do Banco Safra, a galerista Andrea Rehder e a atriz Sephora Venites. Luciano Tavares, neto do colecionador Odorico Tavares, foi conferir a mostra.

SALVE HÜSEYIN
A curadora Kiki Mazzucchelli inaugurou a exposição "Istambul Agora 2013", no Sesc Pompeia, com peças do turco Hüseyin Bahri Alptekin, morto em 2007. Camila Rocha, viúva do artista, e seu filho, Marino Alptekin, o arquiteto Alvaro Razuk e Amanda Rodrigues Alves, da galeria Fortes Vilaça, estiveram no vernissage anteontem.

CURTO-CIRCUITO
Fafá de Belém cantará no largo do Arouche, dia 19, durante a Virada Cultural.

É hoje o último dia da exposição "Circuito de Narrativas Líquidas", de Stela Barbieri, na Galeria Central, na Vila Madalena.

A banda Double You faz show na festa Sunset Clubinho, hoje, às 16h, no La Luna, no Butantã. 18 anos.

O projeto Espantaxim premia amanhã, no MAM, os campeões do 2º Concurso Nacional Literário Infantil.

Marcos Quintela, presidente da agência Y&R, receberá o prêmio Líder de Comunicação 2013, neste fim de semana.

O DJ Fernando Figueiredo e o músico Bruno Villa Maior farão a trilha da abertura da Copa das Confederações, em junho, em Brasília.

Darwin e a prática da 'Salami Science' - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 27/04

Em 1985, ouvi pela primeira vez no Laboratório de Biologia Molecular a expressão "Salami Science". Um de nós estava com uma pilha de trabalhos científicos quando Max Perutz se aproximou. Um jovem disse que estava lendo trabalhos de um famoso cientista dos EUA. Perutz olhou a pilha e murmurou: "Salami Science, espero que não chegue aqui". Mas a praga se espalhou pelo mundo e agora assola a comunidade científica brasileira.

"Salami Science" é a prática de fatiar uma única descoberta, como um salame, para publicá-la no maior número possível de artigos científicos. O cientista aumenta seu currículo e cria a impressão de que é muito produtivo. O leitor é forçado a juntar as fatias para entender o todo. As revistas ficam abarrotadas. E avaliar um cientista fica mais difícil. Apesar disso, a "Salami Science" se espalhou, induzido pela busca obsessiva de um método quantitativo capaz de avaliar a produção acadêmica.

No Laboratório de Biologia Molecular, nossos ídolos eram os cinco prêmios Nobel do prédio. Publicar muitos artigos indicava falta de rigor intelectual. Eles valorizavam a capacidade de criar uma maneira engenhosa para destrinchar um problema importante. Aprendíamos que o objetivo era desvendar os mistérios da natureza. Publicar um artigo era consequência de um trabalho financiado com dinheiro público, servia para comunicar a nova descoberta. O trabalho deveria ser simples, claro e didático. O exemplo a ser seguido eram as duas páginas em que Watson e Crick descreveram a estrutura do DNA. Você se tornaria um cientista de respeito se o esforço de uma vida pudesse ser resumido em uma frase: Ele descobriu... Os três pontinhos teriam de ser uma ou duas palavras: a estrutura do DNA (Watson e Crick), a estrutura das proteínas (Max Perutz), a teoria da Relatividade (Einstein). Sabíamos que poucos chegariam lá, mas o importante era ter certeza de que havíamos gasto a vida atrás de algo importante.

Hoje, nas melhores universidade do Brasil, a conversa entre pós-graduandos e cientistas é outra. A maioria está preocupada com quantos trabalhos publicou no último ano - e onde. Querem saber como serão classificados. "Fulano agora é pesquisador 1B no CNPq. Com 8 trabalhos em revistas de alto impacto no ano passado, não poderia ser diferente." "O departamento de beltrano foi rebaixado para 4 pela Capes. Também, com poucas teses no ano passado e só duas publicações em revistas de baixo impacto..." Não que os olhos dessas pessoas não brilhem quando discutem suas pesquisas, mas o relato de como alguém emplacou um trabalho na Nature causa mais alvoroço que o de uma nova maneira de abordar um problema dito insolúvel.

Essa mudança de cultura ocorreu porque agora os cientistas e suas instituições são avaliados a partir de fórmulas matemáticas que levam em conta três ingredientes, combinados ao gosto do freguês: número de trabalhos publicados, quantas vezes esses trabalhos foram citados na literatura e qualidade das revistas (medida pela quantidade de citações a trabalhos publicados na revista). Você estranhou a ausência de palavras como qualidade, criatividade e originalidade? Se conversar com um burocrata da ciência, ele tentará te explicar como esses índices englobam de maneira objetiva conceitos tão subjetivos. E não adianta argumentar que Einstein, Crick e Perutz teriam sido excluídos por esses critérios. No fundo, essas pessoas acreditam que cientistas desse calibre não podem surgir no Brasil. O resultado é que em algumas pós-graduações da USP o credenciamento de orientadores depende unicamente do total de trabalhos publicados, em outras o pré-requisito para uma tese ser defendida é que um ou mais trabalhos tenham sido aceitos para publicação.

Não há dúvida de que métodos quantitativos são úteis para avaliar um cientista, mas usá-los de modo exclusivo, abdicando da capacidade subjetiva de identificar pessoas talentosas, criativas ou simplesmente geniais, é caminho seguro para excluir da carreira científica as poucas pessoas que realmente podem fazer descobertas importantes. Essa atitude isenta os responsáveis de tomar e defender decisões. É a covardia intelectual escondida por trás de algoritmos matemáticos.

Mas o que Darwin tem a ver com isso? Foi ele que mostrou que uma das características que facilitam a sobrevivência é a capacidade de se adaptar aos ambientes. E os cientistas são animais como qualquer outro ser humano. Se a regra exige aumentar o número de trabalhos publicados, vou praticar "Salami Science". É necessário ser muito citado? Sem problema, minhas fatias de salame vão citar umas às outras e vou pedir a amigos que me citem. Em troca, garanto que vou citá-los. As revistas precisam de muitas citações? Basta pedir aos autores que citem artigos da própria revista. E, aos poucos, o objetivo da ciência deixa de ser entender a natureza e passa a ser publicar e ser citado. Se o trabalho é medíocre ou genial, pouco importa. Mas a ciência brasileira vai bem, o número de mestres aumenta, o de trabalhos cresce, assim como as citações. E a cada dia ficamos mais longe de ter cientistas que possam ser descritos em uma única frase: Ele descobriu...

A crise que afronta - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 27/04
Há muito eu não via num dia só tanta gente conhecida preocupada com a perspectiva de uma crise institucional no país. A causa seria a emenda parlamentar que pretende submeter ao Congresso decisões do Supremo Tribunal Federal, usurpando-lhe o poder constitucional de dar a "última palavra". Saindo de uma sessão especial do belo e comovente filme "Flores raras", de Bruno Barreto, encontro Cacá Diegues que, como se sabe, filma e pensa o Brasil com igual lucidez. Estava chocado com a declaração de Renan Calheiros, acusando o STF de "invasão" por ter barrado a tramitação do projeto que limita a criação de novos partidos. É curioso porque o presidente do Senado carrega nas costas pesadas denúncias de "invasão", só que do terreno da ética e dos bons costumes morais.

À tarde, eu já recebera de Ziraldo um telefonema indignado, dizendo que preferiria deixar o país se a ameaça se consumasse. Nem quando foi preso pela ditadura militar umas quatro vezes manifestou essa disposição de agora. "Isso é uma afronta à democracia." À noite, em casa, vi na TV Arnaldo Jabor revoltado, afirmando que se o "vexame" de fato acontecesse seria melhor fechar o Supremo. Ou então mantê-lo aberto, tendo na presidência José Dirceu e na Procuradoria-Geral da República, Valdemar da Costa Neto.

Sem ironia, a mesma hipótese tinha sido levantada pelo ministro Gilmar Mendes: "Se algum dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor que se feche o Supremo." Seu colega Marco Aurélio não acredita na possibilidade de o Congresso "virar a mesa", mas admite que a medida seja uma "retaliação" ao julgamento do mensalão pelo STF. Não por acaso, na Comissão de Constituição e Justiça, que aprovou a emenda, estão homiziados dois mensaleiros condenados na ação penal 470, José Genoino e João Paulo Cunha, e um procurado pela Interpol por causa dos milhões de dólares que tem em contas bancárias no exterior: Paulo Maluf.

Finalmente, resta o personagem que criou toda essa confusão, um obscuro deputado pelo PT do Piauí, Nazareno Fonteles, que diz falar em nome do povo: "Nos submetemos ao crivo popular." Suplente que deve o cargo não ao "crivo popular", mas ao titular da vaga, Átila Lira (PSB), que se afastou para ser secretário de governo, esse Nazareno é um daqueles tipos do baixo clero prontos para os serviços sujos. Insignificante, sim, mas capaz de pôr em risco com uma proposta irresponsável o que o país custou tanto a conquistar: o equilíbrio entre os poderes constituídos e a harmonia institucional.

A empregada foi embora - ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA

O GLOBO - 27/04

Chegou ao Brasil um problema que, na Europa, velho de meio século, em nosso país só as empregadas domésticas enfrentavam: como viver sem empregada, esse personagem que, dentro de casa, serve de amortecedor às tensões entre homens e mulheres confrontados às exigências do cotidiano de uma família.

Quem faz o quê na infinidade de pequenos gestos do dia a dia? Nem um nem outro. A resposta é simples: a empregada, a babá, a cuidadora. Por vezes as três tarefas em uma mesma pessoa. Baixos salários, jornadas infindáveis, condições de alojamento deploráveis, essa sequela da escravidão exigia uma abolição. A lei é bem-vinda. Abre uma dinâmica de transformação da sociedade que ainda não está visível em toda a sua profundidade e cujos desdobramentos vão muito além dos muros da casa. Vai interpelar, para além do orçamento das famílias, as contas públicas e a organização do tempo nas empresas.

Mulheres pobres conhecem bem os malabarismos que fazem para criar seus filhos quando a oferta de creches públicas é ridícula em relação à demanda e a escola de tempo integral uma promessa sempre adiada. Jovens pelas ruas são vitimas e herdeiros de um país em que suas mães foram invisíveis e impotentes. A elas não se dava resposta, apenas o conselho de que não tivessem filhos, embora cuidassem dos filhos dos outros. São elas a maior parcela da mão de obra feminina e de mulheres chefes de família.

A classe média resolvia o seu problema delegando-lhes as tarefas que, sem elas, recairiam — e vão recair — sobre as mulheres com carreiras em construção. Nossa cultura, até aqui, isentou os homens desse tipo de atividade dita subalterna. É essa classe média, cada vez mais numerosa e influente, que tem voz e é capaz de defender seus interesses, que vai colocar no debate público as relações entre o mundo do trabalho e o da família no momento em que o emprego doméstico muda de estatuto.

Essa mudança põe a nu o valor — e também o peso — da vida privada que, longe de ser um bloco homogêneo de gestos que se repetem, é uma teia de situações variadas que se tecem ao longo dos dias, envolvendo sentimentos delicados e rotinas que garantem a sobrevivência.

A família não é apenas abrigo, o lugar do sustento material. É o espaço onde somos iniciados à nossa própria humanidade. Quando a escola assume a educação formal das crianças já trabalha sobre uma imensa soma de conhecimentos práticos, gestos aprendidos, atitudes consentidas ou coibidas, agressividades domadas sem as quais seria não só inútil como impossível ensinar a ler e a escrever e a efetuar as quatro operações. Ironia: essa soma de conhecimentos muitas vezes é transmitida por uma mulher sem educação formal, que exerce junto a uma criança, que não é sua, um papel maternal. E aí reside a complexidade da relação humana imbricada ao trabalho doméstico. De modo ainda mais pungente, a relação de idosos e doentes com quem lhes cuida, testemunhas e alívio de suas fragilidades.

O Estado, de maneira imperceptível, descansava nas costas dessa mão de obra barata que velava a deficiência de uma rede institucional de creches, casas para idosos e escolas de tempo integral. A lei das domésticas rasgou o véu. O Estado doravante vai ter que devolver em serviços os impostos pagos. Essa rede institucional se torna imprescindível e inadiável, como é nos países europeus e nos Estados Unidos, onde os direitos que a lei avança não teriam sido exequíveis sem serviços públicos eficientes.

As empresas também vinham sendo poupadas pelo trabalho doméstico barato. Ele liberava o tempo que homens e mulheres não reivindicavam como fazem nos países do hemisfério norte onde a conciliação entre trabalho e vida privada define a fronteira entre atraso e modernidade. A lei das domésticas torna evidente que, em um mercado de trabalho que absorve homens e mulheres em igual proporção, a vida privada, que as empresas sempre se permitiram ignorar, impõe novos arranjos e temporalidades.

A sociedade é um sistema complexo. Não se faz contemporânea em apenas um aspecto. Não se mexe em uma variável sem que haja repercussões no todo. A conciliação da vida familiar com o mundo do trabalho entra de uma vez por todas na agenda da sociedade brasileira. Não como uma questão privada a ser debatida em cada casa, como tem sido até aqui, mas como uma questão pública que chama às suas responsabilidades, exigindo que as assumam, homens e mulheres, governantes e empregadores. Todos entoando o refrão bem conhecido das donas de casa: e agora, que a empregada foi embora?

Um corpo no rio - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

FOLHA DE SP - 27/04

Acusado falsamente pela "nova mídia" de ser um dos terroristas de Boston, Sunil apareceu morto


Surgiu esta semana um corpo boiando no rio em Providence, capital de Rhode Island. Era Sunil Tripathi, estudante de filosofia em uma universidade americana de primeira linha, a Brown. Quando escrevo, ainda não se sabe como ele morreu.

Tripathi foi alvo de histeria nas redes sociais e sites colaborativos, especialmente no Reddit.com, muito influente nos Estados Unidos. Era acusado por justiceiros on-line pelos atentados de Boston.

Ele estava desaparecido desde março. Descobriu-se no Facebook uma página criada por parentes para tentar encontrá-lo. Alguém julgou que o rapaz sumido se parecia com um dos suspeitos. Pronto: a informação errada se espalhou sem controle.

Como todos sabemos, nós que seguimos a revista "Wired" e acompanhamos cada novidade do vale do Silício, os sites colaborativos de notícias surgiram para suplantar a "velha mídia" --jornais, revistas, TVs, monstros sensacionalistas sedentos por lucros e pontos de audiência.

O conteúdo colaborativo, sem filtros ou mediações, seria um canal direto com a voz do cidadão. Informação pura, nada de interesses ocultos. Anátema da imprensa estabelecida.

Se Sunil Tripathi não estivesse morto, poderia dar um grande depoimento sobre a qualidade e a precisão das informações surgidas nas redes sociais.

Que fique claro: não se trata de negar a importância das novas mídias --especialmente do Twitter, feito sob medida para esse tipo de evento em que surgem novidades a cada minuto.

O assassinato de um policial no campus do MIT, por exemplo, foi narrado em tempo real por estudantes no Twitter, algo impensável no esquema tradicional da "velha mídia".

Mas o que os atentados de Boston deixaram claro é que as relações entre "velha" e "nova" mídia são muito mais nuançadas do que supunham os gurus do jornalismo-cidadão.

A "nova mídia" funcionou, ao menos neste caso, como uma geradora de ruídos aleatórios. Uma avalanche de dissonância e distorção, em meio à qual se descobriam umas poucas notas de melodia coerente.

Na hora em que se precisa de informação de qualidade e bem apurada, em quem confiar? Nos tuítes de um garoto de 15 anos que vê a confusão pela janela ou num texto apurado por seis repórteres e revisto por mais dois editores no "New York Times"?

Será que as redes sociais são de fato fontes soberanas de informação ou apenas geradoras de "fatos", "certezas" e boatos, a serem conferidos por profissionais do ramo?

E os canais de TV especializados em notícias, como a CNN, perderam para a internet o monopólio da informação imediata?

Como dez entre dez jornalistas, acompanhei pela CNN, desde o início, a cobertura do atentado. E, no começo, quase não havia informações.

Só uns poucos vídeos, repetidos seguidamente. A cobertura demorava a decolar. Os principais repórteres e apresentadores eram, provavelmente, chamados em casa para assumir as transmissões.

Demora um tempo até que cheguem à TV, se arrumem, colham informações para não falar bobagem. Enquanto isso, o pessoal que está no ar se vira como dá.

Começa então o "backlash" na internet. Vi jornalistas, alguns até conhecidos, bradando contra a repetição de imagens, dizendo que era uma espécie de pornografia.

A razão de os vídeos serem reexibidos é óbvia: não havia dado tempo de obter nenhuma outra imagem. E, se a cobertura é ininterrupta, alguma coisa é preciso mostrar.

Agora, imagine o seguinte cenário: a CNN, para não ficar repetindo os vídeos, para não praticar "pornografia", decide sair do assunto e apresentar um daqueles programas mensais de golfe ou tênis.

As mesmas vozes que clamavam contra a "pornografia" da violência iam se deliciar apontando a inércia da "velha mídia", a falta de sintonia da imprensa tradicional com a realidade, iriam dizer que as informações quentes mesmo estavam no Twitter, no Facebook e no Reddit.

É um jogo impossível de ganhar. Se entrou de cabeça no assunto, está praticando "pornografia". Se ignorou o tema, não entende o século 21.

Talvez aconteça, mas não foi com as bombas de Boston que a "nova mídia" tomou o lugar da "velha" como portadora de informação confiável, ou pelo menos da mais confiável que se pode obter.

Agora, vem a investigação. A história contada pelas autoridades americanas está cheia de lacunas. Vamos ver quem vai desvendar o caso. Se algum blogueiro ou tuiteiro que não sai da poltrona ou um repórter com fontes e tempo para mergulhar no assunto.

Minha casa no país do carro zero - SÉRGIO MAGALHÃES

O GLOBO - 27/04

Diferentemente do que ocorre com os automóveis, para os quais há crédito direto e o interessado escolhe o que quer, no caso da casa popular é o governo que escolhe



Preocupada com a qualidade de obras do programa Minha Casa Minha Vida, a presidente Dilma Rousseff declarou: “Eu não fui eleita para dar casa de qualquer jeito para a população.”

É de meados do século passado que data a grande expansão demográfica e de ocupação territorial que caracteriza o Brasil de hoje. Foram as cidades que suportaram o crescimento populacional e proporcionaram grandes melhoras nos indicadores sociais. Em setenta anos, os moradores em cidades passaram de 12 milhões para 170 milhões. E os domicílios urbanos, que eram 2 milhões, passaram a 50 milhões, multiplicando 25 vezes. Hoje, 85% dos brasileiros vivem em cidades.

E como foram construídas as moradias para essa população? Foram construídas pelo próprio povo, na precariedade que a falta de recursos impõe. Daí, expressiva parcela morando em condições irregulares, em favelas e em loteamentos sem infraestrutura adequada.

De fato, 80% dos domicílios foram erguidos exclusivamente com a poupança familiar, sem financiamento algum. Isto, apesar de, desde os anos 1940, o governo ter assumido a responsabilidade de prover a moradia popular.

Através de programas habitacionais que se sucedem, seja o dos IAPs, da Casa Popular, do BNH, do Minha Casa Minha Vida, são os governos os protagonistas. Mudaram os regimes, ditadura, democracia, ditadura, democracia — mas o modelo permanece o mesmo. É o governo que diz onde e como o povo deve morar.

Diferentemente do que ocorre com os automóveis, para os quais há crédito direto, abundante, a juro zero, e o interessado escolhe o que quer, no caso da casa popular é o governo que escolhe. Escolhe a tipologia a construir, escolhe onde e quem constrói, e detém o monopólio do financiamento. Mas, nestes setenta anos, promoveu apenas 20% das moradias urbanas — somando tudo que foi construído por todos os governos, em todas as instâncias, mais o que foi financiado pelo BNH, Caixa e todos os bancos privados.

Ou seja, a família brasileira construiu, sozinha, quarenta milhões de domicílios, enquanto a soma de todas as políticas habitacionais alcançou dez milhões.

O MCMV é um esforço importante. Mas é mais do mesmo. Atingindo as metas, construirá 3,4 milhões de moradias em 8 anos, enquanto no período o país terá construído 12 milhões. Como? Tal como antes, na dificuldade, na precariedade, na irregularidade.

O governo não precisa dar casa para o povo. Sobretudo “de qualquer jeito” — a má qualidade inclui a má localização. Basta que não monopolize os recursos e as decisões. Que o cidadão seja considerado apto a decidir onde e como morar. E que o crédito lhe seja assegurado, tal como o é para comprar um automóvel. (O subsídio do MCMV é importante, é um avanço que precisa ser preservado.) Certamente, teremos obras com preços menores e melhor qualidade.

A presidente Dilma, se assim for, não dará casa, mas oferecerá a oportunidade de moradia para todos. Se o povo fez as cidades apenas com a própria poupança, com a participação da poupança coletiva fará cidades muito melhores.

Em artigo anterior (“Coelho por gato”), inadvertidamente, omiti a autoria arquitetônica do estádio do Engenhão, dos arquitetos Carlos Porto, Gilson Santos, Geraldo Lopes e José Gomes. Retifico com as devidas excusas.

Risco de contágio - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 27/04

Com Aloizio Mercadante declarando-se fora do páreo pelo governo paulista, o PT terá de lidar com dilema que aflige sua cúpula: o risco de a candidatura do agora favorito Alexandre Padilha levar para o palanque o desempenho do governo Dilma Rousseff na Saúde, área mal avaliada nas pesquisas. Petistas temem desgaste à reeleição da presidente em São Paulo, maior colégio eleitoral do país e onde o partido acredita ter chances de inédita vitória na corrida pelo Planalto.

Geopolítica 
O desempenho de Dilma no Estado é considerado decisivo, uma vez que o PT trabalha com expressiva perda de vantagem em Minas Gerais, de Aécio Neves (PSDB), e no Nordeste, de Eduardo Campos (PSB).

Sem sinal 
Padilha estará hoje em uma aldeia indígena a 1.500 km de Manaus (AM), incomunicável. A ordem no QG do ministro é que nada muda na rotina por ora.

Chapão 
Sem o recall de Mercadante, o PT vê como prioridade tentar uma aliança com PMDB e PSD já no primeiro turno. Nunca testados nas urnas, Padilha ou Guido Mantega (Fazenda), também lembrado como opção, precisarão de mais tempo de TV para serem competitivos.

Bumbo 
Auxiliares de Dilma afirmam que o foco do governo para o 1º de Maio será o trabalhador doméstico. A presidente queria o projeto que regulamenta a PEC das Domésticas pronto para divulgação da data, mas falta ajustar detalhes com o relator Romero Jucá (PMDB-RR).

Ampulheta 
Setores do governo não apostam na conclusão do estudo de impacto financeiro do projeto antes do Dia do Trabalho. Na terça, Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Jucá devem se reunir.

Brecha 1 
Contrários à decisão de Renan Calheiros (PMDB-AL) de segurar a criação de quatro novos tribunais regionais federais, deputados petistas incentivam André Vargas (PT-PR) a promulgar o projeto na ausência do presidente do Congresso.

Brecha 2 
Existe previsão de que Renan viaje em maio, o que levaria o vice-presidente da Câmara a assumir o Congresso. "Ainda não tenho decisão, mas é uma possibilidade", diz Vargas.

Endereço 
A ênfase dada por Eduardo Campos ao desequilíbrio entre União, Estados e municípios na propaganda do PSB se deve a uma aposta do governador de Pernambuco. Ele acha que líderes políticos locais podem ajudá-lo a compensar a falta de palanques fortes em algumas regiões do país em 2014.

Costura 
Acompanhada de deputados e senadores, Marina Silva fará visita ao gabinete de Joaquim Barbosa na próxima semana. A ex-ministra pretende levar ao presidente do STF seus argumentos contrários ao projeto que restringe os direitos dos novos partidos políticos.

Arena 
Em conversa com Gilmar Mendes ontem para agendar encontro na segunda-feira, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), brincou: "Ministro, vamos conversar antes que nos coloquem como guerreiros em guerra".

Visitas à Folha 
Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União, visitou ontem a Folha. Estava com Artur Cotias e Silva, chefe de Gabinete, Hamilton Delfino Silva, secretário de Controle Externo, Cláudia Jordão, secretária de Comunicação, e Simone Barbosa, assessora do cerimonial.

Ricardo Young (MD), vereador em São Paulo, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Ana Carolina do Amaral Silva, assessora de imprensa, e Felipe Neves, assessor de comunicação.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
"Não estou cogitando deixar o partido, mas, se estivesse, não me filiaria a nenhuma legenda. Afinal, não sou candidato a nada em 2014."
DO GOVERNADOR CID GOMES (CEARÁ), sobre as especulações de que deixará o PSB por discordar da candidatura de aliado Eduardo Campos ao Planalto.

contraponto


Memória seletiva


Em reunião na quarta-feira, vereadores de São Paulo discutiam a pauta de projetos na Comissão de Constituição de Justiça. Como é praxe, alguns pediam vistas ou adiamento de votação para averiguar o conteúdo das proposituras ou obstruir os trabalhos.

Em dado momento, o presidente da CCJ, Antonio Goulart (PSD), anunciou texto de Arselino Tatto (PT).

Para surpresa geral, o líder governista solicitou a retirada da pauta de votações. E explicou, arrancando risos:

--Presidente, por favor. É que eu já não faço a menor ideia do que se trata esse projeto.

Barbeiragem - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 27/04

A Fazenda está criando problemas para o governo no Senado. A equipe do ministro Guido Mantega escalou o ex-líder Romero Jucá (PMDB-RR) como interlocutor. Alijado, o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), está irritado. O Planalto detectou que este foi um dos motivos do quórum baixo no Senado e que atrapalhou a votação do projeto com restrições aos novos partidos.

Um dia depois do outro
No debate da reforma da legislação partidária e eleitoral a história se repete, só mudam os papéis. Hoje, no governo Dilma, o PT, em nome de defender “o fortalecimento dos partidos”, quer deixar sem Fundo Partidário e sem tempo de TV os novos partidos. O PSDB acusa: “É um atentado à democracia”. Mas nem sempre foi assim. Em 1999, no governo Fernando Henrique, o então líder do PSDB no Senado, Sérgio Machado (hoje presidente da Transpetro), liderou a aprovação da cláusula de barreira que, segundo o cientista político Jairo Nicolau, deixaria fora do Congresso 11 dos 18 partidos comdeputados eleitos, mas que não atingiram 5% dos votos para a Câmara.

Mudança de lado no balcão
Os petistas protestam contra a liminar do STF que suspendeu a votação do projeto que restringe a criação de novos partidos. Mas em 1996, no governo FH, aplaudiram liminar do STF que suspendeu a votação da PEC da Previdência.

“Rapaz, o jogo ainda nem começou e o Aécio (Neves) já quer me passar a tarefa dele”
Eduardo Campos - Governador (PE) e candidato a presidente (PSB), reagindo à declaração (“Bem-vindo à oposição!”) do candidato do PSDB ao Planalto, senador Aécio Neves (MG), sobre o programa de TV do PSB

Repórter por um dia
Em conversa informal, ontem no Copacabana Palace, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) pergunta: “Por onde você entrou na política?”. O astro Arnold Schwarzenegger responde: “Pela direita, mas hoje sou uma pessoa de centro”.
Schwarzenegger, que foi governador da Califórnia pelos Republicanos, está no Brasil para um evento de fisiculturismo.

Em busca de um lugar ao sol
O ex-diretor-geral do Dnit Luiz Antonio Pagot, nomeado pelo PR e demitido durante a faxina promovida pela presidente Dilma nos Transportes, vai se filiar ao PTB na segunda-feira. Ele pretende ser candidato a deputado federal.

Cidade maravilhosa
O sambista Martinho da Vila gravou esta semana uma versão inédita da música hino carioca “Cidade Maravilhosa” para a festa de hoje no Maracanã com a presidente Dilma e os operários que trabalham na reforma do estádio. Os arranjos foram criados pelo maestro Guto Graça Mello. Martinho cantará para a presidente e a presenteará com um CD.

Deu ‘ibope’
O décimo assunto mais falado no Twitter, na noite da última quinta-feira, foi o programa de TV em que o PSB desfila um rosário de críticas ao governo Dilma. Os estrategistas de Eduardo Campos comemoram a “repercussão estrondosa”.

Para bom entendedor
Dezoito dias depois de conceder entrevista dizendo que esperava por aval da presidente Dilma para concorrer ao governo de São Paulo, o ministro Aloizio Mercadante declarou ontem que não será candidato. Pelo visto, foi vetado.


A DIREÇÃO DA REDE, partido de Marina Silva, só vai tratar da política de alianças e de sua candidatura ao Planalto depois de obter o registro no TSE.

Maracanã! Supremo X Congresso! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 27/04

Restaurante em São Paulo tá tão caro que o garçom deveria trazer a conta com meia na cabeça e luva


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Polêmica em Brasília! No edifício Milênio: um casal que transa pro prédio inteiro ouvir. Moradores protestam.

Mas um vizinho solidário colocou este cartaz no elevador: "Por um mundo com menos reclamações e mais gritos de prazer! Eu apoio os vizinhos que transam!". Eu também! Desde que não seja com eco. Nem no terraço. E que a mulher não seja asmática. Rarará!

E acaba de sair uma nova versão do hit do Roberto Carlos: "O cara que censura toda hora/ qualquer livro da Jovem Guarda/ Esse cara sou eu". Rarará!

E esta: "Garçons recebem até R$ 15 mil de salário por trabalho no Senado". Tá certo! Taxa de insalubridade, periculosidade e proximidade física! Já imaginou ter que servir o Renan e o Sarney? Eu servia rato morto. Cuspia no cafezinho antes de servir!

O garçom que cuspir no cafezinho do Renan eu pago mais 15 mil por fora. Rarará! E já imaginou o garçom servindo o Suplicy e ele: "Já ouviu essa do Bob Dylan?". E o garçom tendo que ouvir em pé com aquela bandeja pesada! Quinze mil é pouco.

E restaurante em São Paulo tá tão caro que o garçom deveria trazer a conta com meia na cabeça e luvas pra não deixar impressão digital!

E esta: "MP apresenta parecer favorável ao contrato entre Caixa e Corinthians". E o Itaquerão vai se chamar Caixão? Rarará!

E a manchete do Piauí Herald: "Clássico entre Congresso e Supremo abrirá o Maracanã". Avôs de Batman X Coringas de Terno Mal Cortado!

O Joaquim Barbosa tem a coluna perfeita pra jogar futebol. O Lesandowski com aquela cara de defunto amanhecido. E o Gilmar Mendes com aquela carranca do São Francisco! O Gilmar Mendes escova os dentes com vinagre!

E aqui no centro de São Paulo estão recolhendo assinaturas para mais um novo partido chamado NOVO! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! No Brasil todo mundo escreve errado, mas todo mundo se entende! Adoro esta placa: "CROCETE E SUCO". E esta outra: "Se Deus Eco Nois Quem Cera Com Tra Nois". A língua portuguesa. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

É preciso reestatizar a Petrobras - ANTONIO IMBASSAHY

O GLOBO - 27/04
É conhecida a tendência dos petistas de apelar para a mistificação, para o engodo, justificando os seus malfeitos. Mas este desvirtuamento de postura vai ao extremo quando o assunto é a Petrobras. Nestes casos, alopram de vez.

Foi o que aconteceu com o deputado José Guimarães, líder do PT na Câmara, em artigo publicado no último dia 19 neste jornal. Ele recorreu à velha estratégia petista de fabricar fantasmas e tecer fantasias, tentando encobrir os graves problemas que afligem nossa maior empresa pública, desrespeitando os brasileiros.

A estatal enfrenta uma das mais graves crises de sua história, para a qual foi empurrada pelas temerárias gestões petistas. Nunca a companhia se viu tão aviltada pela ocupação partidária, tão prejudicada pela má administração e tão desnorteada por escolhas equivocadas.

A própria presidente da Petrobras, Graça Foster, reconheceu: nos últimos anos, a companhia viveu, em algumas de suas investidas, "uma história a ser aprendida e não repetida". Ela conhece os descaminhos em que a empresa se meteu nos anos em que teve Dilma Rousseff como presidente do Conselho de Administração e Sérgio Gabrielli no comando.

Um dos mais graves problemas da Petrobras é a sua insuficiência de refino. Os novos projetos só fazem sorver dinheiro. A Refinaria Abreu Lima teve seus custos multiplicados por dez. As do CE e do MA continuam em promessas. O Comperj se arrasta e Passadena, um escândalo. Por isso, o país se vê mais dependente de petróleo e combustíveis importados. A aclamada autossuficiência em petróleo revelou-se uma quimera.

Os últimos anos têm sido de rotineira frustração: na última década, a Petrobras jamais cumpriu uma meta de produção, que continua a cair e, mesmo com o pré-sal começando a produzir, não deve voltar a subir antes de 2015.

Guimarães diz que a Petrobras está entre as marcas mais valiosas do mundo. Mas omite que a empresa já vale menos que a AmBev e a Ecopetrol, a petrolífera colombiana.

A abertura à concorrência, decorrente da lei do petróleo de 1997, tornou a companhia muito mais competitiva, rentável e produtiva, sustentada num corpo funcional de excelência. Foi no governo Fernando Henrique que a estatal teve seu melhor momento. Infelizmente esse processo foi refreado e invertido, a partir da mudança no marco legal do setor, imposto pela gestão Lula sob as bênçãos da então ministra Dilma.

O futuro da Petrobras é uma incógnita. Quando na oposição, o PT se arvorava a maior defensor da empresa e acusava os adversários de tramarem o mal para a companhia. Urge reestatizar a Petrobras e tirá-la dos interesses privados e partidários que o PT lá incrustou.

O mundo de sombras da meta de inflação - ROLF KUNTZ

O ESTADO DE S. PAULO - 27/04
Qual a meta de inflação? No Brasil é um mistério. Pode ser 4,5% ou qualquer ponto até 6,5%. A confusão é mantida e adubada, no dia a dia, pelo discurso oficial. Ora se fala dos 4,5% como a própria meta, ora como centro da meta. Isso faz enorme diferença para quem deseja saber para onde estão apontadas, de fato, as armas da política monetária. Uma das pretensões de todo banco central, incluído o brasileiro, é administrar as expectativas do mercado. Isso inclui tanto o pessoal do mercado financeiro quanto os empresários e, na condição mais desejável, também os trabalhadores e consumidores. Mas como administrar ou coordenar essas expectativas, se o objetivo da política é obscuro? Já houve quem apontasse a taxa de 5% como o alvo real da autoridade monetária. Mas até essa opinião, de aparência tão razoável, pode ser muito otimista.

A confusão foi nutrida mais uma vez, na quarta-feira, pelo Ministério da Fazenda. Segundo a nova edição do boletim Economia Brasileira em Perspectiva, as metas de inflação vêm sendo cumpridas desde 2004. A isso se acrescenta um pretenso esclarecimento: "Ou seja, por nove anos consecutivos a inflação ao consumidor medida pelo IPCA tem ficado dentro do intervalo dos porcentuais estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional". Em seguida aparece uma referência aos "desvios do centro da meta".

Embora esse discurso alimente o mistério geral sobre o assunto, deixa claro pelo menos um ponto: para o pessoal da Fazenda, a taxa de 4,5% é apenas o centro e a meta oficial é todo o espaço entre 2,5% e 6,5%. Qualquer pessoa poderia acrescentar: na prática, o alvo real é qualquer ponto até o limite superior, porque em Brasília ninguém deve estar interessado num resultado abaixo do centro. Ao contrário. O mais provável, num governo petista  seria um empenho para evitar uma ação anti-inflacionária mais forte. Isso faria mal ao crescimento, um efeito parecido com a mistura de manga com leite. Esse ponto de vista foi reafirmado há poucas semanas pela presidente Dilma Rousseff, portadora de um diploma de Economia.

Mesmo sem essas teorias pitorescas, desmentidas pela experiência tanto internacional quanto nacional, segundo a turma do Banco Central (BC), a bagunça conceituai já seria suficiente para prejudicar a administração de expectativas. O portal do BC registra numa tabela o Histórico de Metas para a Inflação no Brasil desde 1999, quando foi adotado o sistema.

A primeira coluna indica as várias resoluções sobre o assunto. Na segunda aparecem as datas iniciais de vigência. O título da terceira é tão simples quanto claro: Meta (%). O da quarta é igualmente límpido: Banda (p.p.). As outras duas apontam os limites inferior e superior de cada banda e a inflação efetiva em cada período. Nada parece duvidoso. Meta é uma coisa, banda é outra. Não se menciona "centro da meta", porque a meta é um ponto. A palavra banda aparece na tabela sem qualificação. Mas é difícil, quando se quer examinar o assunto seriamente, imaginar algum sentido diferente de "margem de erro" ou "margem de tolerância".

Essa margem é necessária, obviamente, por mero realismo. O alvo pode ser muito bem definido, mas a eficácia da política monetária pode ser afetada por circunstâncias imprevistas ou incontroláveis. Secas, inundações, crises políticas no Oriente Médio, turbulências financeiras no mercado internacional podem afetar fortemente o câmbio e outros preços. A margem de tolerância deve servir, portanto, para acomodar desvios e evitar complicações para os dirigentes do BC.

Mas a clara diferença entre banda e meta é indispensável como segurança para todo o sistema econômico. Sem essa distinção, quem pode dizer se as autoridades se contentarão facilmente com resultados como os dos últimos três anos - 5,9% em 2010, 6,5% em 2011 e 5,8% em 2012 - sem se esforçar mais duramente para atingir o "centro da meta", ou, sem embromação, a meta oficial sem mais qualificações? Só num desses anos, 2010, a economia brasileira exibiu alguma vitalidade, com crescimento de 7,5% na saída da recessão. Nos outros dois o produto interno bruto (PIB) aumentou 2,7% e 0,9%, num ambiente de baixa produtividade e severas restrições de oferta. Sem dispor sequer de um desempenho econômico decente para contrabalançar a gandaia dos preços, o governo decidiu atribuir a inflação destrambelhada a choques de preços internacionais. Outros governos de países em desenvolvimento, com resultados muito melhores para apresentar, ficaram dispensados de inventar desculpas desse tipo.

O governo dificilmente poderia evitar, nessas condições, a fama de tolerante com a inflação. Ele mesmo reforçou essa fama ao insistir na confusão entre meta e banda, como se um resultado de 6,5% fosse uma prova de empenho contra a alta de preços. A imagem de leniente foi sustentada pela fácil aceitação, nos anos seguintes, de taxas próximas de 6%, enquanto metas mais ambiciosas eram anunciadas na América Latina.

A acusação de leniência foi estendida ao BC, com a reputação já afetada pela aderência à política de juros defendida pela presidente Dilma Rousseff. A noção da autonomia operacional do Comitê de Política Monetária (Copom) foi pelo ralo. Para efeito de administração de expectativas, tomou-se irrelevante saber se essa opinião era justa ou infundada. O presidente do banco, Alexandre Tombini, e seus companheiros parecem ter iniciado uma reviravolta para impedir um desastre maior. Isso deve explicar, entre outras novidades, o anúncio, pelo diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, de um possível endurecimento da política de juros. Pode ser a reafirmação do compromisso com um sistema sem confusão entre meta e banda. Mas esta, por enquanto, é só uma hipótese otimista. A maior parte do governo continua em outra direção. Quem já avacalhou as metas fiscais só pode ter interesses de outro tipo - eleitoreiros, por exemplo.

Ruído monetário - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/04

Em poucos dias, o governo emitiu diferentes sinais sobre a política monetária, de combate à inflação. A presidente disse que os juros têm que ficar em níveis "adequados", o ministro Fernando Pimentel disse que o Brasil tem uma inflação "de base" entre 5% e 6%. A ata do Copom mencionou cautela com a alta de juros, e um diretor do Banco Central falou em intensificar o uso da política monetária.

O governo Dilma tem um claro problema de comunicação na política monetária. Tem sido assim desde o começo. Certas autoridades, quando falam, afetam diretamente a taxa de juros futuras. É o caso da presidente quando ela esteve na reunião dos Brics e fez aquela polêmica declaração criticando política de combate à inflação que reduza o crescimento, "o remédio que mata o doente". Foi também o caso de quinta-feira, na declaração do diretor Carlos Hamilton de Araújo. A ata deu um sinal de manhã, ele deu outro à tarde, e o mercado ficou no pêndulo.

Esse sobe e desce dos juros futuros tem perdas e ganhos para agentes do mercado. Mas há algo mais preocupante. O ruído sobre a política monetária, que já envolveu várias autoridades em vários momentos, acaba passando para o empresário que vai definir seu preço a ideia de que é melhor subir mais porque o governo não sabe para onde vai.

A relação com o Banco Central no governo Dilma piorou em comparação ao governo Lula. O ex-presidente delegou mais ao BC a definição da taxa de juros, apesar de reclamar também, de vez em quando, e muito mais o vice-presidente. Mas havia mais confiança de que a equipe de Henrique Meirelles faria o que fosse necessário.

A presidente Dilma passa a impressão de interferir mais diretamente, e outros ministros e até autoridades de escalões inferiores ganharam mais desenvoltura para falar sobre o tema inflação e juros. Já o Banco Central é mutante. O tom muda de uma ata para outra e bateu seu próprio recorde de velocidade de mudança no ata-desata de quinta-feira.

Segundo a ata, a inflação está em "nível elevado", com "dispersão" e é "resistente", mas as incertezas internas e, sobretudo, externas, recomendam "cautela". No desata do diretor, ele disse num evento em São Paulo que "cresce em mim a convicção de que o Copom poderá ser instado a refletir sobre a possibilidade de intensificar o uso do instrumento de política monetária".

Nesses momentos, cresce em todos os agentes que formam preços a convicção de que o governo é confuso sobre esse tema. A comunicação é indissociável da política de metas de inflação e é por isso que é tudo tão programado: as reuniões periódicas são seguidas de comunicados breves; a ata sai em uma semana; nos períodos prévios à reunião e na semana entre reunião e ata, o Banco Central raramente fala.

Dessa forma, ele se esforça para passar a todos a mesma informação, no mesmo momento, da forma mais clara possível, a todos os agentes que possam de uma forma ou de outra interferir na formação de preços. A torre de babel que o governo Dilma virou, com todo mundo falando, a bateção de cabeça, com sensação de que a presidente mantém o Banco Central na rédea curta, só prejudicam a política anti-inflacionária.

O Banco Central nunca teve autonomia na lei, mas teve autonomia de fato, em níveis diferentes, em outros governos, desde o início do regime de metas. O atual BC está conformado com quatro anos de inflação fora do centro da meta e comemora qualquer coisa que seja de 6,5% para baixo.

O resultado é um país com inflação em 6,6%, como está agora, tendo crescido menos de 1% no ano passado. Os choques existem, mas é para isso que se mira o centro da meta e o BC segue rituais. Se buscar o ponto certo, mais chance terá o BC de não estourar o teto quando vier o inesperado.


O aniversário do Trabalho - JOSÉ EDUARDO G. PASTORE

O Estado de S.Paulo - 27/04

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que rege as relações de trabalho no Brasil, está completando 70 anos. Devemos nos alegrar com o "parabéns a você" ou nos preocupar com os "muitos anos de vida"?

Sancionada em 1943 por Getúlio Vargas, a CLT foi e ainda é muito importante, porque há no Brasil um conjunto de trabalhadores que, inegavelmente, necessitam de proteção. Nesse sentido a CLT vai bem, mas, em outros aspectos, nem tanto. E, onde não vai bem, provoca sérios problemas para as empresas e para os próprios trabalhadores. Vejamos mais de perto.

O Direito do Trabalho enxerga o trabalhador, visto que foi criado para protegê-lo, mas enxerga pouco a empresa, como se a presença dessa não fosse tão importante quanto a do empregado. É um fenômeno socioeconômico, embora se pretenda apenas uma manifestação de cunho social. E vai a extremos, entendendo que os aspectos sociais devem prevalecer, mesmo que isso venha a custar a existência da própria empresa - e dos empregos. É o princípio do "custe o que custar o custo".

O Direito do Trabalho olha para a hipossuficiência do empregado, economicamente mais fraco; mas se esquece de que as empresas também podem ser hipossuficientes, quando do cumprimento das leis trabalhistas. E, ao mirar o trabalhador, trata desigualmente os desiguais, o que não faz com as empresas, que deveriam usufruir do mesmo princípio, já que não têm todas elas a mesma capacidade econômica para pagar todos os direitos do trabalhador.

O Direito do Trabalho é crítico, mas faz pouca autocrítica. Reprova o comportamento das empresas que não cumprem a CLT - o que de fato ocorre -, mas deixa de refletir sobre os problemas de eficácia de suas leis e seus comandos normativos. Muitas leis deixam de ser cumpridas não porque as empresas não queiram, mas porque não conseguem fazê-lo. Esse é um exemplo de falência legal, muito presente nas relações de trabalho.

O Direito do Trabalho preconiza que o risco é inerente à atividade empresarial - e assim deve ser. Porém ele ignora que contribui para que esse risco se potencialize em consequência de suas súmulas e sentenças. O empresário brasileiro tem um sócio que nunca pediu: a Justiça do Trabalho, que interfere brutalmente na gestão do seu negócio. E se a empresa não funciona por causa disso, quem perde é ela mesma - como se fosse possível apenas ela perder e o trabalhador, não. Assim, o direito trabalhista acaba hostilizando o poder econômico com seu ultraintervencionismo nas relações entre capital e trabalho. E a conta será cobrada também do trabalhador.

O Direito do Trabalho defende os interesses da pessoa física do empregado, mas é incapaz de enxergar a outra pessoa, a jurídica, tão importante quanto a primeira. As duas não vivem uma sem a outra. Temos aí o que se chama de cegueira legal.

O Direito do Trabalho gosta de afirmar seu caráter social em detrimento dos aspectos econômicos, porém se esquece de que alguém tem de pagar por esses direitos. Cria-se uma situação paradoxal, em que o capital é, ao mesmo tempo, odiado e desejado. Isso se chama patologia legal.

O Direito do Trabalho insiste em demonizar as questões econômicas, lembrando delas unicamente quando são favoráveis aos empregados. É o que se denomina trabalho sem lastro. E rechaça a realidade, argumentando que as mazelas trabalhistas decorrem do ganancioso sistema capitalista, ignorando que isso também decorre do sistema de relações de trabalho mais complexo, caro e inseguro do planeta.

Como se sabe, quando o Direito ignora a realidade, a realidade ignora o Direito. Talvez por isso o Brasil seja campeão mundial em descumprimento das leis trabalhistas.

Com seu brutal intervencionismo, o Direito do Trabalho contribui para o "estrangulamento normativo", minando a competitividade das empresas. E quando muitas vezes elas não aguentam o peso das contas e fecham, ou desistem do País e vão embora, vem o risco de desemprego. Mesmo sendo parte do problema, porém, o Direito do Trabalho acredita piamente que não tem nada que ver com isso. E prefere criticar quem o critica, em vez de lamber as próprias feridas. O certo é que, enquanto não olhar para dentro de si, haverá cada vez menos gente batendo palmas na sua festa de aniversário.

Novos tempos, nova política - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 27/04

Uma boa política agrícola, em última instância, protege não o agricultor, mas o próprio país


Salta aos olhos de todos os brasileiros, hoje, o desenvolvimento impressionante de nossa produção rural em pouco mais de 30 anos. Nesse período, a produção de grãos, fibras, carnes e etanol multiplicou-se e nos tornamos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e fonte estratégica de abastecimento do mundo.

Não fosse o Brasil, o aumento do consumo mundial teria se tornado uma crise humanitária com falta de comida e preços elevados, em vez de ser o que de fato é: uma libertação da miséria e da fome.

A revolução agrícola brasileira foi o resultado do esforço de pesquisa realizado pela Embrapa e da emergência do novo empresário rural, que deu feições capitalistas a uma atividade até então marcada pela tradição e pelo atraso.

Um terceiro pilar desempenhou também papel estratégico: a política agrícola do governo. Com a oferta ampla de crédito acessível e com juros especiais, no mesmo nível das taxas praticadas nos países desenvolvidos, o governo foi indispensável.

Três décadas atrás, nem o governo nem os empresários sonhavam que a produção rural brasileira atingiria a dimensão que tem hoje. No imaginário da sociedade daquela época, só a industrialização era capaz de gerar desenvolvimento.

O aumento da produção agrícola era objetivo subsidiário, destinado a abastecer o mercado interno e baratear o custo de vida dos trabalhadores.

Não podemos nos esquecer de que, nos anos 1970, o trabalhador médio brasileiro gastava 49% de sua renda com alimentação.

Hoje, o agronegócio é elemento estratégico da economia brasileira. O declínio sustentado dos preços reais da alimentação abriu espaço na renda do trabalhador para o consumo de bens não agrícolas, expandindo o mercado interno.

Os grandes saldos positivos no comércio exterior têm livrado o país dos graves transtornos do desequilíbrio cambial. Não fora o agronegócio, o Brasil estaria proibido de crescer.

Para essa nova realidade, é preciso uma mudança no modelo da política agrícola atual. É necessário ampliar o seu escopo e ir além do crédito. E ela não pode ter a limitada duração de um ano.

Os volumes de crédito têm crescido muito e os juros foram reduzidos nos últimos dois anos. Isso foi muito bom, mas agora é preciso dar um novo salto.

Se faz necessária a substituição do Plano Anual de Safra por um Plano Plurianual, para que o setor privado possa operar e tomar decisões num marco de menos incertezas, inclusive com a fixação de preços mínimos que realmente reflitam os custos de produção e sejam capazes de reduzir a exposição dos produtores à volatilidade do mercado, como ocorre hoje com os cafeicultores.

O pilar fundamental de todas as políticas agrícolas do Primeiro Mundo é o seguro da produção contra eventos climáticos.

O volume de investimentos e riscos na atividade rural é muito alto e, apesar da tecnologia, a agricultura é --e sempre será-- dependente do clima. Por isso, os custos totais do prêmio do seguro são incompatíveis com as margens de que dispõe o produtor.

O programa de seguro desses países chega a cobrir 70% do prêmio e é negociado diretamente pelos produtores com as seguradoras, que conseguem, assim, reduzir seus custos.

Além disso, a cobertura da área plantada é quase total. Nos EUA, chega a 86%, enquanto no Brasil o seguro cobre menos de 18,76%. Na safra brasileira atual, os recursos evoluíram de R$ 270 milhões para R$ 400 milhões, o que não é pouco. Mas, para 2013-2014, esperamos que esses valores evoluam significativamente, de forma a que cheguemos a 2015 com pelo menos 50% da área plantada segurada.

É preciso ficar claro que uma boa política agrícola, em última instância, protege não o agricultor, mas o próprio país. Quando, por exemplo, as condições do clima devastam uma propriedade, o que se perde é mais do que uma produção. Quase sempre é o produtor que também se perde.

A terra pode ser vendida, mas, no agronegócio, aquele que produz é sempre mais valioso do que a terra. E um produtor arruinado é um ativo que se perde para sempre.

Grande Irmão ataca - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/04
Em questão de poucos dias, uma instrução normativa da Receita Federal e uma resolução do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) confirmaram a tendência autoritária do governo federal. Uma violação da privacidade, na definição do tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita. Um Big Brother multiplicado por milhões, segundo o advogado tributarista Brasil do Pinhal Pereira Salomão, do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, que deu o alerta em seu site.

A resolução do Coaf determina que pessoas físicas ou jurídicas que vendam itens com preço maior que R$ 10 mil precisam, obrigatoriamente, fazer um cadastro de seus clientes, com nome, CPF ou CNPJ, documento de identidade e endereço completo, que deve ser mantido por cinco anos. Se o cliente, no período de seis meses, fizer aquisições de serviços ou produtos em valor superior igual ou superior a R$ 30 mil, o vendedor ou prestador está obrigado a comunicar isso ao Coaf pelo site.

Já a instrução normativa da Receita Federal exige que quem gaste mais de US$ 20 mil por mês com serviços no exterior informe onde esses valores foram gastos, com notas fiscais. A regra vale para hospedagem, transportes, alimentação ou mesmo saúde, em caso de pessoas física; e viagens, honorários advocatícios, treinamentos, licenciamento, direitos, software, prestação de serviços em geral no caso das jurídicas.

A declaração deve ser feita no site da Receita, no centro virtual de atendimento ao contribuinte (e-CAC) e ficará no Siscoserv (sistema criado no ano passado para monitorar compra e venda de serviços de pessoas físicas e jurídicas no exterior).

O advogado tributarista Brasil Salomão diz que a primeira regra, referente aos gastos de R$ 10 mil, já é extremamente gravosa para o empresário, mas não o transforma em "agente" do governo. No segundo caso, "serei obrigado a comunicar o Coaf, dando início a um expediente administrativo de verificação da vida do cliente. É terrível".

Ele considera a medida "uma violação inconteste aos artigos 1º e 170 da Constituição, que enaltecem, como fundamento do Estado democrático de direito, a livre iniciativa". Salomão está aconselhando a seus clientes que questionem essa nova regra na Justiça. A Ordem dos Advogados do Brasil já conseguiu isentar os advogados no exercício da profissão dessa obrigação.

Brasil Salomão vê ainda "uma violação ao sigilo de dados porque em toda operação empresarial (prestação de serviços ou venda de mercadorias) há um contrato entre pelo menos duas partes, ainda que verbal, e alguns dos seus dados estão protegidos pela Carta Constitucional".

Já Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, classifica as medidas como "tentativas de controlar a vida das pessoas" e compara com o que foi feito na Argentina, "coisa de país subdesenvolvido". Maciel cita o advogado Paulo José da Costa, autor do livro "O direito de estar só", para falar da "violação da privacidade das pessoas" que essas medidas representam: "São contra nosso direito de estar só."

Porque elas não correspondem ao dever fundamental de pagar impostos, nem a nenhuma obrigação fiscal, Maciel as considera "uma violência, bisbilhotice desnecessária". Ele diz que o que estão fazendo na área tributária é inacreditável. "Lido com isso há 40 anos e nunca vi uma coisa tão desastrada como essa. Há uma sinfonia das loucuras, crise da estupidez desassistida."

Há diferenças entre as duas novas regras. Enquanto o advogado Brasil Salomão alerta que "a nova e draconiana regra, se não atendida, poderá gerar multas pecuniárias de até R$ 200 mil, cassação de registro profissional e, para o comércio, vedação do exercício da atividade", Everardo Maciel lembra que a instrução normativa da Receita Federal é inócua para as pessoas físicas, pois a Receita não tem autorização para multar os que se recusarem a colocar os dados no Siscoserv. A portaria prevê apenas multa para as pessoas jurídicas, de R$ 1.500 por mês.

A República Corporativa do Brasil - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 27/04

Os aprendizes de feiticeiro não percebem a dimensão das ameaças que fabricam. Por isso, eternos aprendizes, os ajuizados mudam automaticamente de ofício.

Antes mesmo de descoberto, o país tinha sua integridade territorial já garantida pelo Tratado de Tordesilhas, e até hoje essa tem sido a prioridade absoluta dos governantes. A construção, nesse espaço, de uma sociedade equitativa, capaz de garantir a sua intangibilidade e progresso, ficou sempre relegada ao segundo plano. De colônia espoliada a Reino Unido, de monarquia a república, e desta às mais diferentes e estúpidas formas de tutelagem, nosso tecido político manteve-se desfiado, fragilizado pelo horror das elites à isonomia e à igualdade.

O inimigo mais recente chega desembestado, açulado pelos mais desagregadores instintos: o corporativismo e seus bastardos – o casuísmo e o revanchismo. Todas as crises que nesse momento se amontoam na pauta política, institucional, econômica e social estão intoxicadas pela mesma matéria-prima que nos anos 20 do século passado exibia-se gloriosamente como a obra máxima do fascismo italiano.

O corporativismo é uma construção medieval atualizada pela mente doentia de um ex-socialista chamado Benito Mussolini, cuja única ambição era reviver a pax romana: acabar com o debate político, a disputa social, a concorrência, o processo eleitoral e os demais instrumentos democráticos. No tapa, à base da truculência e da intimidação.

A ofensiva para manietar a suprema corte retirando-lhe o principal atributo de intérprete da Constituição, o esforço para emascular o Ministério Público (até há pouco a menina dos olhos das forças progressistas), a surpreendente reviravolta no processo eleitoral estrangulando as tentativas de ampliar o espectro ideológico (contrariando os recentes estímulos aos partidos de aluguel) e até mesmo o torpedeamento inicial da Medida Provisória dos Portos saíram dos mesmos laboratórios.

De forma coordenada ou por coincidência, fruto de um único bonapartismo ou de múltiplas jogadas individuais, obra de uma facção política hegemônica ou nivelada pelas piores vocações, o que se descortina no momento é um enorme território igualmente brutalizado pelo retrocesso.

Por influência talvez da deletéria telenovela Salve, Jorge, estamos nos assumindo como uma imensa Capadócia (no sentido moral), inspirados pela milongueira Cristina Kirchner, cuja única ambição é esconder suas rugas, banhas e liquidar o que há de inteligente, criativo e vital em seu país.

O ideal corporativo é um Estado anestesiado, inerte, incapaz de reagir às provocações e perigos. A atual sanha corporativista-revanchista, além de rudimentar, deixa mal a nossa presidente Dilma Rousseff, que há poucas semanas, certamente inspirada por algum adversário de Maquiavel, sugeriu que antes das eleições vale o diabo. Depois, vota-se em paz.

A Itália entregou-se ao diabo em 1922 e nele está enredado até hoje.

Corrida pra lá de maluca - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE  - 27/04

Zero é a dúvida do descaramento político do projeto que dificulta a criação de legendas. A ideia até parte de um belo conceito, o veto ao oportunismo partidário, a chance de bloquear o repasse de recursos e o tempo de televisão a meros aventureiros, gente interesseira, disposta apenas a barganhar cargos e verbas. A cretinice, porém, está no fato de a ação valer de imediato, sem um prazo para adequações e sem impugnar agremiações oficializadas nos últimos três anos — ou seja, o período que compreende a atual legislatura. Se antes liberaram, agora tentam sufocar novas siglas.

E pior: inviabilizar os planos de uma adversária em potencial do governo petista, a ex-senadora Marina Silva. Tal qual o personagem Dick Vigarista — o vilão do desenho animado de Hanna-Barbera —, caciques governistas tentam atrapalhar, ainda na largada, a candidatura da Rede Sustentabilidade. Na vida real, entretanto, são bem menos incautos do que os retratados nos episódios da Corrida maluca, produzidos no final da década de 1970. Dessa vez, não há espaço para a inocência.

Na prática, a proposta, caso aprovada, poderia ser chamada de Lei contra Marina Silva. É ela, ou melhor, será ela, a maior prejudicada pelo texto. Explica-se. Hoje, deputados que decidirem migrar para uma legenda criada depois de uma determinada eleição levam parte da fatia do fundo partidário e do horário político eleitoral. Pelas regras do projeto, partidos criados ou fundidos depois da sanção da lei ficarão com o mesmo tempo de tevê e o mesmo percentual do fundo partidário que são distribuídos às legendas sem representação na Câmara. E, assim, os parlamentares que mudarem para as novas agremiações não levam nem tempo de televisão nem recursos partidários. A ideia parece perfeita.

Oportunismo
A cretinice está no fato de ser uma proposta oportunista, especificamente para abater Marina antes mesmo do voo. Há menos de dois anos — em setembro de 2011 —, foi criado o PSD, o partido de Gilberto Kassab, um político de movimentos tortos, mas que, na época do surgimento da legenda, contou com o apoio do governo federal. E ficou com tempo e dinheiro do fundo partidário. Com a tramitação urgente do projeto no Congresso, os parlamentares ligados ao Planalto poderão aprovar uma lei que, em menos de quatro anos, o tempo de uma legislatura, beneficia um partido e prejudica outro. Tudo poderia ser legítimo, se valesse a partir de 2014. Com a urgência, não passa de manobra.

Há pouco mais de dois anos, Marina recebeu quase 20 milhões de votos, chegando a aparecer em primeiro lugar depois da abertura das urnas no Distrito Federal, por exemplo. Antes da campanha de 2010, o poder da ex-senadora passou despercebido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apenas se deu conta do potencial da adversária ao longo da eleição, prorrogada para o segundo turno entre a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra. Além disso, transformou Marina em símbolo por conta da capacidade de atrair os mais jovens e os eleitores cansados da disputa entre PT e PSDB. Depois da eleição, caciques governistas chegaram a lamentar o fato de não utilizarem a máquina pública, oferecendo cargos federais a então caciques do PV, para inviabilizar a Marina. Se não fizeram um movimento tão grotesco na época, agora tentam, tal qual o Vigarista, afastá-la de 2014.

A discurseira ambiental e errática de Marina — nas questões do aborto e do casamento gay — deve fazer falta aos eleitores da ex-ministra. Eles deverão saber quem culpar se a proposta contra ela vingar.

Outra coisa
Se os nossos políticos estavam achando pouco antecipar a campanha presidencial, agora resolveram abrir de uma vez a disputa pelo governo de São Paulo. Com a desistência de Aloizio Mercadante, o favoritismo na escolha dos petistas a partir de agora é do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Na queda de braço entre Lula e Dilma, o ex-presidente mais uma vez impôs a própria vontade.

Em 138 caracteres
Sim, e o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, aquele do carro oficial e da academia de ginástica? Tá institucionalizado?