segunda-feira, agosto 19, 2013

Trens, o dever da denúncia - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADÃO - 19/08

Em artigos publicados neste espaço opinativo, sempre defendi o dever de denúncia da imprensa e seu relevante papel no resgate da ética na vida pública. Foi assim no caso do mensalão. Sobrou, então, muita crítica injusta ao trabalho da mídia. Jornais e repórteres foram acusados da prática de prejulgamento e de descuido com a presunção de inocência. Políticos e governantes devassados pelos holofotes da imprensa em situações delituosas e constrangedoras, independentemente do colorido partidário, vislumbram atitudes de engajamento onde só há empenho de apuração.

Agora, um escândalo potencialmente explosivo sacode o coração do tucanato. É surpreendente o que vai aflorando da investigação em curso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a formação de cartel em licitações para a compra de equipamentos, construção e manutenção de linhas de trens e metrôs em São Paulo. O cartel também atuou em Brasília e o Ministério Público Federal (MPF) vê impressões digitais do grupo em licitações federais.

A reação inicial do governo paulista foi errática. Em vez de enfrentar a denúncia, sem dúvida contundente, adotou a técnica conspiratória, segundo a qual o Cade, órgão ligado ao Ministério da Justiça, agia como “polícia política” do PT ao vazar, de forma seletiva e a conta-gotas, documentos em seu poder sobre o escândalo. As críticas ao trabalho da imprensa já começam a pipocar. Afirma-se que, no amanhecer de uma eleição em que o PT joga todas as fichas para quebrar a hegemonia tucana, a imprensa estaria colaborando para a desestabilização do PSDB em São Paulo. Lança-se, mais uma vez, suspeitas sobre o trabalho dos jornalistas. Esquece-se de que não somos pró ou contra qualquer partido e não fazemos jornalismo seletivo. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. Nada mais.

Tentam jogar nas costas da mídia suposta politização de suas pautas. Imprensa boa para os políticos é imprensa a favor. Nosso papel é mostrar a verdade, independentemente de eventuais simpatias ou antipatias. É exatamente isso que faz do jornalismo um dos pilares da democracia. Impõe-se, como é lógico, redobrado cuidado na apuração. Não podemos, e não devemos, fazer uma competição de furos em prejuízo da qualidade. O brilho da manchete não está acima da dignidade das pessoas. É preciso ouvir o outro lado, evitar precipitação, ponderar antes de publicar. Mas isso não significa renunciar ao dever ético da denúncia.

Na verdade, os brasileiros assistem, mais uma vez, a uma vertiginosa sucessão de escândalos da novela da corrupção. Mas não devemos perder a esperança. Trata-se de um processo purificador. O Brasil não está pior, mais corrupto. Simplesmente as lentes de aumento da imprensa são mais sofisticadas. Temos mais liberdade de imprensa e de expressão. A democracia ventila tudo. Ficamos sabendo mais das coisas. E isso é bom. Manifesto, portanto, otimismo com as lições do novo escândalo.

O jornalismo, como qualquer atividade humana, está sujeito a erros. Um balanço objetivo, no entanto, indica um saldo favorável ao trabalho da reportagem. Na verdade, a imprensa, mais uma vez, se transformou numa instância importante no combate aos malfeitos e à impunidade, independentemente do matiz partidário dos supostos envolvidos. A repercussão do mergulho no cerne das irregularidades dá alento à cidadania.
A sociedade, ao contrário do que pensam os céticos e pessimistas, pode emergir desses episódios num patamar mais elevado. Graças ao papel da imprensa e ao cumprimento do seu dever de denúncia, seja qual for o desfecho das investigações em andamento, depois delas estaremos melhores. E o efeito cascata, espero, será irreversível.

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