segunda-feira, agosto 27, 2012

Querendo que dê certo - LYA LUFT


REVISTA VEJA


Querer que dê certo, a gente sempre quer: a nova turma na escola, o novo amigo, o vestibular, o primeiro emprego, o casamento, o filho, a decisão inescapável, o necessário e o fútil, a segurança e a aventura. Os planos do novo ano. Os desejos bons e também os menos nobres, de que alguém se ferre, que para ele dê errado – porque não somos santos. A construção da vida, tanta coisa. As pessoas queridas. O livro, o carro, o amor ou até a separação. A sobrevivência depois da morte de alguém especial. Que dê certo também o que nem é pessoal mas a todos atinge: o país, a democracia, a qualidade de vida, a dignidade de todos, a redução da desigualdade, o nível do ensino, da saúde, os cuidados com a seca, com a enchente, com os deslizamentos, com os horrores da saúde pública, com o excesso de faculdades pelo país, a insensatez das cotas que promovem a discriminação e o preconceito, e marcam como incompetentes os que se beneficiam delas. Que às vezes nem têm outro jeito, pois nivelamos por baixo: facilitamos as coisas em lugar de dar aos que precisam melhores condições, condições ótimas: isso seria o sensato. Mas somos insensatos; então, torcemos para que, apesar de tudo, dê certo.

Agora nos oferecem mais planos, projetos, pacotes, para que, finalmente, o país deslanche do seu marasmo, que pacotes anteriores não sacudiram direito. Eu quero muito que deem certo esses novos projetos. Estradas e ferrovias, para começar, pois o nosso transporte é mais um inqualificável fator do nosso inqualificável atraso. Portos e aeroportos. Espero que se incluam também saúde, ensino, segurança, que andamos cada vez mais violentos e todas as notícias negativas, que são muitas, saem mundo afora preparando os espíritos para 2016. Que sejam projetos inteligentes e possíveis; que tenham à frente gente supercompetente, embora competência seja mercadoria rara por aqui. Há gente demais improvisando, viramos o país do improviso, do puxadinho, do jeitinho, do palpite? Os muito competentes podem nem querer certos cargos e encargos. Sobretudo se ligados à política: aí tudo se complica, os jogos de poder, os postos dados por interesse, não pelo preparo e capacidade, tanta trama que nem conhecemos direito, mas de que sabemos o suficiente para ficar de cabelos em pé. Ou melhor é não saber, assim a gente se salvaria? Seja como for, eu, que me afasto da política o mais que posso – para preservar alguma qualidade de vida, de objetividade e de harmonia comigo e com o mundo –, eu, que não pertenço a nenhum partido porque são demasiados e confusos, porque brotam feito cogumelos e são mutantes como camaleões nervosos, eu mesmo assim me interesso extraordinariamente por este país. A ele dei filhos e netos, seres humanos decentes e bons, desses que como tantos outros são o sal da terra e para isso não precisam ter poder nem altos cargos: basta que existam e sejam como são. A este país Brasil dei e darei trabalhos e décadas de vida. Dele muito recebi também, nele quero sempre viver, e morrer. Nele estou por escolha consciente todos os dias de minha vida. Então, quero muito que os novos projetos deem certo, com tudo o que contiverem de bom (o medíocre que neles exista faz parte de sermos humanos).

Resta saber o que é “dar certo”. Um plano com bons projetos é um comecinho. Predominarem boas intenções será dar um pouquinho certo (tudo em diminutivos por enquanto). Ficar em mãos experientes e competentes, sem amadorismo, será dar bastante certo. Passar da utopia para entrar na realidade, com seriedade, seria ou será dar supercerto. Se tudo sair medianinho, já vai ser um avanço. Chegar a termo será quase um milagre: a gente não vê muito disso por aqui. Não acredito cegamente, pelo que temos experimentado de grandes palavras, grandes planos – e grande esquecimento. Mas eu quero, eu torço, eu apoio, eu espero, eu observo... e, quando puder, eu comento. Que eu possa comentar só coisas boas, coisas positivas e concretas, e dizer: “Finalmente está dando certo, viva a gente brasileira”.

O suicídio assistido das universidades federais e o boletim colorido da educação básica - GUSTAVO IOSCHPE

REVISTA VEJA

Daqui a um tempo, não será surpreendente se alguém sugerir extinguir as federais e transferir seu orçamento para boas universidades. As leis e manobras que deveriam garantir a sua opulência terão causado sua implosão

A família do meu pai chegou ao Brasil, com uma mão na frente e outra atrás, no começo do século XX. A da minha mãe aportou aqui fugindo do nazismo. Em ambos os casos, portanto, muito depois da abolição da escravidão. Caso a lei das cotas raciais e econômicas nas universidades federais seja sancionada, fico imaginando o que eu — e milhões de brasileiros com histórico parecido — diria ao meu filho se ele fosse excluído de uma vaga em universidade federal em benefício de um negro ou indígena com pior desempenho acadêmico. Não haveria o que dizer. Pessoalmente, acredito que o critério racial fere a isonomia, que é a base da democracia, e tisna o republicanismo com sectarismo. Racismo sempre é ruim, tanto o movido por ódios quanto o por intenções nobres. Espero que os militantes da causa negra não se iludam: esse projeto não é uma grande vitória, mas uma cortina de fumaça. Em primeiro lugar, porque o racismo brasileiro não é causado por políticas governamentais que precisam ser revertidas, como era o caso americano, mas sim por atitudes de foro íntimo de uma parte dos nossos concidadãos. A concessão de cotas não mudará esse preconceito e corre-se o risco de exacerbá-lo. E, segundo e mais importante, porque o efeito dessa lei não passa de migalha. Reportagem da Folha de S.Paulo calculou que o número de vagas reservadas nas universidades federais aumentaria em 70.000 com as cotas. A maneira de tirar milhões de negros da privação é melhorando a qualidade do ensino básico.

Não fosse o componente racial no projeto de lei aprovado pelo Congresso — que destina 50% das vagas das universidades federais a alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, a ser distribuídas respeitando a divisão racial de cada estado - , eu poderia dar-lhe o benefício da dúvida. Com o componente racial, sou contra.

Há bons argumentos favoráveis e bons argumentos contrários à concessão de cotas a alunos da rede pública de ensino, sem discriminação por raça. Os favoráveis: a medida aumenta o acesso de alunos de baixa renda à universidade, promovendo equidade social. Também pode fazer com que pais da classe média baixa tirem seus filhos de escolas particulares e os matriculem em escolas públicas. A pesquisa sugere que esse público de maior renda e instrução deverá gerar melhoria de qualidade na escola pública. Os argumentos contrários: além de ferir a meritocracia, o que conceitualmente é lamentável para uma instituição de ensino, a chegada de alunos despreparados às universidades federais poderia ameaçar sua qualidade, acabando com boa parte da pouca pesquisa que o país produz.

O tempo dirá se os efeitos negativos vencerão os positivos. É uma questão mais empírica do que opiniática. Se essa lei for mais um prego no caixão das universidades federais, é importante notar que o eventual óbito terá sido caso de suicídio assistido. Não assassinato. Agora reitores e professores protestam contra essa lei específica, mas as sementes do mal foram plantadas por eles. Porque nas últimas décadas as universidades federais se protegeram tanto, amealharam tanto dinheiro dando tão pouco em troca à sociedade, que hoje não têm mais autoridade para esperar que essa sociedade as proteja.

A marcha da insensatez começou com o artigo 207 da Constituição, que declara a “indissociabilidade entre ensino e pesquisa” nas universidades. Já seria estranho ter uma lei qualquer defendendo que o separável é, em realidade, inseparável, mas consagrar isso na Constituição do país é estapafúrdio. O resultado prático dessa lei é que 90% dos professores das federais são remunerados como se fossem pesquisadores em tempo integral, o que a grande maioria não é. Se quase todos são tratados assim sem que precisem produzir pesquisa, obviamente há pouco incentivo para que se faça pesquisa de ponta. A maioria dessas instituições é pouco produtiva. No ranking mundial de universidades do Times londrino, não há nenhuma universidade federal entre as 400 melhores do mundo. Ainda há grandes professores e pesquisadores, mas as universidades federais exigem que toda a rede seja tratada de forma homogênea, gerando dupla injustiça: não valoriza os que merecem e sobrevaloriza os que nada ou pouco produzem. Esses últimos ainda fazem greves, como a de agora. Essa estrutura toma o custo das universidades federais estratosférico: seu aluno custa quase seis vezes mais do que o aluno do ensino fundamental, o mais caro entre todos os países medidos. Finalmente. as federais resistiram e continuam resistindo a planos de expansão de vagas. Fazer universidades novas em zonas desprestigiadas pode, mas aumentar agressivamente o número de alunos nas universidades ‘"nobres”, isso não. Assim, o orçamento do Ministério da Educação destina 23,7 bilhões de reais às federais e elas matriculam apenas 763.000 alunos, menos de 15% das matrículas totais do setor. Se a instituição das cotas tiver efeito adverso sobre a qualidade das federais, é provável que haja mais um êxodo de matrículas para o setor privado, fomentando o desenvolvimento de instituições de ponta nesse setor. Daqui a um tempo, não será surpreendente se alguém sugerir extinguir as federais e transferir todo o seu orçamento para boas universidades privadas ou estaduais. Todas as leis e manobras que deveriam garantir a opulência e complacência das universidades federais terão causado sua implosão.

Na escola, havia um colega que não conseguia acompanhar o ritmo na maioria das matérias e era vítima de gozação da turma. Um dia, ao receber mais uma provocação de outro colega que tampouco era grande aluno, ele se revoltou: “Tu, não! Vai descolorir o boletim antes de abrir a boca”. O Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que dá uma nota de zero a 10 para a qualidade de todas as escolas públicas do Brasil, mostra que o boletim do país é um mar de notas vermelhas.

O Ministério da Educação, ao divulgar os resultados, enfatiza o (pequeno) progresso e o fato de 77% dos municípios terem atingido a meta. A verdade é que não há razão para contentamento. A média cai de 5,0 no 5° ano para 3.7 ao fim do ensino médio. Quanto mais tempo nosso aluno permanece na escola, pior é o seu desempenho. As metas do Ministério da Educação são ridículas, mais uma herança maldita do preclaro Haddad. Estipulam que. em 2021, o Brasil tenha o mesmo desempenho dos países da OCDE... em 2006! Isso não é meta, é uma confissão de derrota. Até 2021 esses países terão evoluído muito, e os problemas de competitividade do Brasil, causados pelo nosso apagão escolar, continuarão terríveis.

Como sabem os leitores desta coluna, só acredito que teremos mudanças significativas quando a população cobrar educação de qualidade. Políticos só atacarão o problema da educação com o devido empenho quando o mau resultado lhes custar votos. O ldeb 2011 pode ser um instrumento valioso nesse processo, porque pela primeira vez temos uma série histórica que permite avaliar o desempenho de redes municipais em um mandato inteiro de prefeitos, justamente em ano eleitoral. Para dar minha pequena colaboração, as tabelas aqui reproduzidas mostram, entre as cidades com mais de 100.000 habitantes, quais as redes municipais que mais melhoraram e as que mais pioraram no país, e também aquelas que obtiveram os melhores e os piores resultados absolutos. Em twitter.com/gioschpe você encontra os dados completos do Ideb por município, por estado e pelo país, desde 2005. Espero que ajude na hora de votar para prefeito.

Zé Linguiça - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


Pode até não ser uma verdade comprovada pela história, mas ninguém discute que se trata de uma belíssima ideia. Na Roma antiga, quando um grande general voltava de uma campanha vitoriosa no estrangeiro, fazia-se uma fabulosa procissão triunfal pelas ruas da cidade, o “triunfo”, para exibir diante do mundo a glória do comandante vencedor, e homenagear a grandeza que ele trazia à pátria. Era a honra máxima que um cidadão romano podia obter, e dava um trabalho danado chegar lá. Ele tinha de ter matado em combate pelo menos 5 000 soldados inimigos. Tinha de mostrar, presos, os chefes derrotados. Tinha de ter enfrentado um exército pelo menos equivalente ao seu. Tinha, sobretudo, de trazer sua tropa de volta para casa. O problema, nisso tudo, é que os romanos da Antiguidade eram gente que tinha em altíssima conta a modéstia pessoal — e, em conseqüência, fechava a cara para qualquer demonstração de soberba. O que fazer, então, na hora em que o general vitorioso desfilava perante a multidão como se fosse um rei? É aí que aparece a ideia mencionada acima. Logo atrás do “triunfador”, no mesmo carro puxado por quatro cavalos que ele conduzia, ficava um escravo que, de tanto em tanto tempo, lhe dizia baixinho ao ouvido: “Memento mori”. Nada melhor, provavelmente, para baixar o facho de qualquer alta autoridade que começa a se achar.

Esse procedimento poderia ser o tipo da coisa útil no governo brasileiro de hoje. Seria uma beleza, por exemplo, se o chanceler Antonio Patriota, ao desfilar pelo planeta com a sua bela pasta de couro, distribuindo em nome da presidente Dilma Rousseff as advertências do Brasil para os grandes, médios e pequenos deste mundo, tivesse algum recurso parecido — naturalmente, com as adaptações necessárias às nossas realidades atuais. Um oficial de chancelaria, digamos, andaria sempre atrás dele; só que, em vez do severo aviso romano, ficaria repetindo ao seu ouvido: “Lembre-se do Zé Lingüiça”. Deveria ser o suficiente para o dr. Patriota cair bem depressa na real. Ele se lembraria imediatamente de que vem do país do Zé Lingüiça — e ninguém, nem a presidente Dilma, consegue transformar em potência mundial um país que chega a ter no centro do maior espetáculo jurídico da sua história, mesmo por um momento fugaz, um cidadão chamado Zé Lingüiça. Quem acompanha o julgamento do mensalão pode estar lembrado desse Zé Lingüiça — o elo perdido entre um dos réus e a mala preta do professor Delúbio Soares, o tesoureiro do PT. Mas falar dele justo nesta hora, na suprema corte da nossa terra, em seus dias de solenidade máxima? Bem no momento em que cada ministro quer ser, no mínimo, um Cícero, e outros são capazes de escrever mais de 1000 páginas para dizer se um cidadão é culpado ou inocente? Pois é — aí vem o Zé Lingüiça, e com um personagem desses não há pose que resista. Some, na hora, o Brasil Grande. Aparece o Brasil de verdade.

Falou-se do ministro Patriota, mas o aviso ao pé do ouvido vale para qualquer grão-duque do poder público brasileiro, e para a própria presidente da República, quando começam a imaginar que são o rei Luís XV de França. Quanto à mensagem dos lembretes, então, há uma infinidade de coisas a dizer além do Zé Lingüiça. A voz poderia lhes recordar, por exemplo: “Todo ano há 50000 homicídios no Brasil”. Em três anos, com 150000 cadáveres, é o equivalente a uma bomba de Hiroshima. Ou: “O ensino médio brasileiro, pelos dados oficiais de 2011, tem nota 3,7, numa escala que vai de zero a 10”. Seria possível lembrar que as dez entradas de São Paulo, a cidade mais rica e possante do Brasil, formam uma das mais pavorosas sucessões de favelas de todo o mundo; nosso desenvolvimento, em qualquer lugar do país, tem o dom de atrair miséria. Também seria útil que nossas autoridades, em seus acessos de grandeza, lembrassem que a população brasileira está proibida de freqüentar áreas inteiras das grandes cidades, tomadas por bandidos, vadios e predadores diversos, como se vivesse sob o toque de recolher imposto por um exército de ocupação. Como essa gente que está no governo pode dormir em paz num país assim?

Esse pesadelo não foi criado pelo governo da presidente Dilma, nem será resolvido por ela. Mas então, como o rei da Espanha recomendou tempos atrás ao coronel Hugo Chávez, por que não se calam? Por que se metem na vida do Paraguai ou dão palpites na economia da Europa? Por uma questão de decência comum, e em nome do senso de ridículo, todos deveriam fazer, já, um voto de silêncio.

Novela dos caças - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 27/08

Dilma aguarda a eleição nos EUA para decidir sobre a compra dos caças da FAB.
A presidente espera para saber se os americanos ainda podem melhorar sua proposta de venda de aviões da Boeing, como fizeram suecos e franceses nas últimas semanas.

A longa batalha
Dilma soube que, desde o ano passado, os sindicatos das categorias mais poderosas do funcionalismo público federal já arrecadaram uns R$ 20 milhões em doações de trabalhadores para um fundo de greve.
O dinheiro vem sendo acumulado para custear as manifestações.

Para o Planalto...
Isto quer dizer, no entendimento do governo, que as greves de agora foram planejadas há muito tempo.
Também é percepção do Planalto que os sindicatos, com esta grana, têm fôlego para manter a greve setembro adentro, inclusive repondo salários de grevistas que tiverem pontos cortados.

Quem vem
Amanhã, Dilma receberá Tony Blair.
O ex-premier britânico tem tentado retomar sua carreira política como um líder preocupado com a paz no Oriente Médio.

Os brutos
FH contou numa roda que, em conversa com Fernando Haddad, candidato petista à prefeitura de São Paulo, deu um toque:
— Esse negócio de prefeitura não é para você, que é intelectual. É para gente bruta, como Maluf, Serra ou Marta Suplicy.

Segue...
Diante da reação da plateia, o ex-presidente tentou explicar:
— Gente bruta no bom sentido.
Ah, bom!

ABERTA A TEMPORADA DE IPÊS
Este ipê-branco que floresce no quintal do leitor Luiz Cláudio Sodré, no bairro de Pontinha, em Araruama, RJ, faz festa para os olhos de quem passa em frente. Mas, como todo ipê, árvore que é xodó da coluna, este aí também só se abre em belezura assim uma vez por ano, e por um dia ou dois apenas. Este flagrante é de sexta, quando estava em seu auge. “Sempre que meu ipê dá flor, as pessoas param e fotografam”, conta Luiz, orgulhoso. Que Deus proteja os ipês, e a nós não desampare jamais •

Pé no freio
A subida do dólar afetou um pouco as viagens dos brasileiros ao exterior.
A demanda de passageiros das voadoras nacionais no mercado internacional caiu 2,33% em julho, em relação ao mesmo período de 2011.

Já...
No mercado doméstico, a festa continua.
Hoje, a Anac divulga seus dados comparativos, mostrando que a demanda do transporte aéreo doméstico de passageiros cresceu 7,86% em julho, em relação ao mesmo mês de 2011. A taxa de ocupação subiu 5,67% no mesmo período.

Lá como cá
A pedido dos Correios do Uruguai, a ECT brasileira não tem aceitado a postagem de cartas e encomendas para o país vizinho, por causa de uma greve lá.
Deve ser terrível viver num país em que funcionário público cruza os braços.

Grande Bibi
O show que Bibi Ferreira, 90 anos, vai fazer dia 4 de outubro, em São Paulo, será transmitido ao vivo para cinemas de 20 capitais do país.

Menino do Rio
Aécio Neves participou, na madrugada de sexta para sábado, no Cervantes, comitê central da boemia em Copacabana, de uma celebração do PC — Partido... do Chope.
Rodeado de amigos, simpático, o senador tucano, segundo testemunhas, por volta de 4h da manhã, socializou sua renda — deu uma nota de R$ 100 para cada um dos dois camaradas garçons que o serviram.

Aliás...
Tem sido bom negócio trabalhar no Cervantes.
Depois dos garçons que ganharam na loteria, lembra?, agora estes dois levaram R$ 100 de gorjeta.

Imagina na Copa

Sábado, no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, no Rio, só havia uma torneira funcionando no banheiro masculino, em pleno dia de casa cheia, com o musical "Mágico de Oz”

Saudade
É hoje, às 19h30m, na Paróquia de N. S. da Divina Providência, na Rua Lopes Quintas 274, no Jardim Botânico, a missa de um ano da morte do saudoso coleguinha Rodolfo Fernandes.

Thor na Sapucaí

Paulo Barros, o genial carnavalesco, fechou a programação visual do enredo de 2013 da campeã Unidos da Tijuca — "Desceu num raio, é trovoada. O deus Thor pede passagem pra mostrar nessa viagem a Alemanha encantada!”
Veja acima logo do enredo.

Muito além da tevê - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 27/08


Enquanto a educação de determinados municípios foi de mal a pior, muitos prefeitos cuidaram muito bem do próprio bolso. Isso o horário eleitoral não mostra. Só o jornal

Duas reportagens publicadas pelo Correio, uma ontem e outra hoje, mostram aquilo que o eleitor dificilmente verá no horário eleitoral gratuito em temporadas de eleições de qualquer natureza. Tampouco será estampado em coberturas que se dedicarem exclusivamente ao acompanhamento do dia a dia dos candidatos. São dois trabalhos de deixar os eleitores pra lá de revoltados com o que acontece no Brasil. 
Para você que não teve tempo de ler o jornal de ontem ou mal passou os olhos pelo de hoje, vai aqui um pequeno resumo: na edição de domingo, a repórter Adriana Caitano desvendou o subterrâneo da composição de programas de governo que chegam aos tribunais eleitorais. Candidatos a prefeito surgem tão desleixados como alunos que compram suas monografias. Na internet, há modelos vendidos a R$ 5 mil. Basta trocar o nome da cidade. 
Hoje, o Correio expõe um veio que, se investigado a fundo, pode resultar em CPI. Refiro-me ao cruzamento dos piores resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) com o patrimônio declarado pelos prefeitos desses municípios reprovados no ranking do Ideb. O trabalho do repórter Leandro Kléber mostra que, em 14 dessas cidades, houve variações expressivas dos bens declarados pelos administradores, alguns casos em torno de 700% a 1.200%. 
Não se pode afirmar que as piores avaliações do Ideb estejam diretamente relacionadas ao enriquecimento do prefeito. Mas é importante observar que, enquanto a educação de muitos municípios foi de mal a pior, prefeitos cuidaram muito bem do próprio bolso. Isso o horário eleitoral não mostra. Só o jornal. As duas histórias são exemplos do tipo de jornalismo que deve pautar a eleição, instigando discussões de vários temas e não ficando apenas no declaratório dos candidatos. 

Por falar em declaratório...Esta semana promete. O julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, pode ter seu primeiro veredicto. As greves do funcionalismo estarão em xeque, diante do envio do Orçamento de 2013 ao Congresso com reajustes salariais modestos e investimentos aquém das necessidades do país. De quebra, a CPI que investiga as relações do contraventor Carlos Cachoeira recebe o ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes Luiz Antônio Pagot, disposto a abrir o verbo. 
No caso do julgamento do mensalão, as paixões correm o risco de serem retomadas hoje nas réplicas e tréplicas do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowsky. Mas se isso não ocorrer, será sinal de que as paixões vão mesmo migrar para o leito próprio, o das campanhas políticas, em que o debate do mensalão ingressa devagar, marcando terrenos e incitando ataques de lado a lado. Especialmente, na campanha paulistana, na qual o ex-candidato a presidente da República José Serra representa os tucanos, tudo indica que vem por aí uma forte onda de exploração do tema. 

Por falar em temas...O mundo também se agita na política por esses dias. O encontro do Movimento dos Países Não Alinhados (MPNA), em Teerã, traz preocupações ao Ocidente, com a perspectiva do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, aproveitar o comando da reunião para tentar cavar apoios ao ditador sírio Bashar Assad. Para completar o cenário, amanhã começa a convenção do Partido Republicano nos Estados Unidos, onde o representante da direita radical Mitt Romney parte oficialmente para a campanha contra o presidente Barack Obama. 
Não dá para deixar de comparar comportamentos de candidatos de lá com o que ocorreu recentemente no Brasil. Romney trata de esconder o ex-presidente George W. Bush, enquanto os democratas ressaltam Bill Clinton. Bush, o escondido, se dava muito bem com Lula, o garoto-propaganda das campanhas de seu partido no Brasil. E Clinton, sempre lembrado, criou uma amizade com Fernando Henrique Cardoso, a quem as campanhas presidenciais tucanas não deram muito destaque. Os tucanos que esconderam FHC perderam a eleição. Lá, tem brasileiro torcendo para que Romney tenha o mesmo destino. 

Eu vos declaro marido e mulheres - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA




Tinha de ser em Tupã o cartório que lavrou a primeira escritura brasileira de um “casal de três”: um homem e duas mulheres. Tupã, bem antes de ser uma cidade do interior de São Paulo, era o deus do trovão dos guaranis. E nós, caras-pálidas, sabemos que os índios nunca se interessaram pela monogamia. Por que a maioria de nós sente uma necessidade visceral de regular o amor e de se apropriar do outro a qualquer custo?

O trio familiar – “triângulo” virou coisa antiga por sugerir traição – é do Rio de Janeiro e só foi para Tupã oficializar a união estável porque está ali uma tabeliã de cabeça aberta: a paulistana Cláudia do Nascimento Domingues. Ela faz doutorado na USP sobre “famílias poliafetivas”. Um nome pomposo que evita a armadilha da “poligamia” e confirma uma tendência: adaptar o Direito a uma realidade bem mais plural que o casamento tradicional.

A tabeliã Cláudia – que vive com um homem uma união estável e sem filhos – tem sido procurada nos últimos meses por vários tipos de famílias, ansiosas para registrar o “poliamor” em cartório, assegurar direitos e comemorar visibilidade social. Família de três mulheres. Família de dois homens e uma mulher. Família de quatro pessoas: dois homens que moram no Brasil e suas duas parceiras que viajam muito. “Esta última é uma relação estável de cinco anos, e todos os amigos sabem que se relacionam entre si. É uma união ampla, conjunta, múltipla”, diz Cláudia.

A série de adjetivos revela uma dificuldade natural: como classificar o mundo novo do amor sem amarras. Como revestir de respeito e legitimidade o que muitos chamariam pejorativamente de “suruba”. Numa sociedade estruturada na monogamia, onde casais prometem, no altar, no cartório ou na cama, fidelidade até que a morte os separe, como aceitar formatos de família tão, digamos, criativos?

Os casais de três ou quatro pessoas que têm buscado o cartório de Tupã fazem parecer careta a “relação aberta” da geração hippie. Até os casais gays, chamados de homoafetivos, começam a ter um ar conservador... caso exijam exclusividade no afeto. No próximo século, segundo Cláudia, cuja orientadora na USP é uma desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, não olharemos o homo ou o heterossexual pela distinção de gêneros: “Será uma preferência, como quem gosta de vinho ou de cerveja”.

“Onde está escrito que família precisa ser de um tipo só?”, pergunta Cláudia. “Não estamos inventando nada, não é? Na verdade, estamos voltando ao passado, aos gregos, ou então imitando os índios.”

São exceções, mas, quem sabe, moram no apartamento ao lado do seu. E, caso encarem com honestidade o “poliamor”, quem somos nós – alguns nos engalfinhando por casos extraconjugais passageiros ou longos – para julgar o que é certo e errado na expressão do afeto e do desejo?A televisão já ilustra de forma folclórica os “poliafetivos compulsivos”, aqueles homens que elas costumavam chamar de “galinhas”. É o caso de Cadinho, personagem de Alexandre Borges na novela Avenida Brasil, com suas três mulheres. Foram elas, cansadas de ser enganadas, que decidiram compartilhar Cadinho num contrato com regras, horários, direitos e deveres. Em sua tese de doutorado, Cláudia pretende incluir papos com o autor da novela, João Emanuel Carneiro, e também com Pedro Bial, por seu programa das quintas-feiras, Na moral.

Para oficializar a união estável do trio do Rio, as primeiras preocupações de Cláudia foram: algum deles é casado? Não. Algum tem impedimento legal para viver em conjunto? Não. “Marquei com o homem e as duas mulheres para entender seus motivos. Não queriam casar. Só queriam definir regras em contas conjuntas, compra de imóvel, herança. Parentes e amigos já os tratavam como família havia alguns anos. Lavramos a escritura no fim de março. Até onde sabemos, é a primeira do tipo no Brasil.”

Apesar de pioneira, essa escritura é mais aceitável porque todos estão de acordo. E quando uma pessoa casada tenta registrar no cartório uma família paralela, sem conhecimento do cônjuge, para garantir os direitos do(a) amante? “É uma questão para a Justiça decidir”, diz Cláudia. Se a pessoa não se divorciou, pode até estar separada, mas, por ter uma união civil reconhecida, não pode legalmente registrar em contrato público uma família paralela. Mesmo que a relação, correta ou não, seja de amor. “Quando o Direito não oferece alternativa, as pessoas sempre dão um jeito. Fazem um contrato privado.”

Um dos casais que procuraram a tabeliã planeja driblar a lei. Eles são casados oficialmente, mas há uma terceira pessoa aceita pelos dois. Pretendem então se divorciar para, depois, constituir uma “família poliafetiva”. Tortuoso, não? Pois isso se chama realidade.

O país dos elefantes - REVISTA ÉPOCA


REVISTA ÉPOCA

JOSÉ FUCS


As greves que pararam o país e os supersalários do funcionalismo público colocaram na agenda o problema da remuneração do setor público. Já estava na hora

Um elefante incomoda muita gente. Dois elefantes incomodam, incomodam muito mais. Quando são gordos, movimentam-se com dificuldade. E, quando param no meio do caminho, impedem que os outros sigam em frente. Gigante e ineficiente, o estado brasileiro é frequentemente comparado a um elefante. Talvez o paralelo mais correto fosse compará-lo não com um, dois, três ou quatro, mas com uma manada inteira, cujo peso se fez sentir, em toda a sua portentosa tonelagem, nas últimas semanas.
Primeiro, na maior onda de greves de funcionários públicos desde que o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder, em 2003 - os elefantes que param no meio do caminho e impedem que o país siga em frente. Extremamente bem tratados no governo Lula, quando ganharam aumentos salariais bem acima dos obtidos pelos trabalhadores da iniciativa privada (leia o quadro na página 52), os servidores se tornaram pesados demais para o país carregar. A ponto de o próprio Lula ter reconhecido isso publicamente, apoiando a presidente Dilma Rousseff em seu esforço para enfrentar as greves. Embora algumas categorias ligadas ao Executivo federal, em especial os professores, não tenham recebido aumentos tão polpudos na era Lula, a maioria não tem do que reclamar (leia a reportagem na página 54). Segundo, na grita dos sindicatos ligados ao setor público – e na enxurrada de ações judiciais que eles promoveram - para tentar evitar a divulgação dos salários nominais do funcionalismo. Esses são os elefantes gordos. As ações conseguiram travar a abertura dos vencimentos de funcionários de várias categorias, como no caso dos servidores do Congresso Nacional. Outras categorias não ofereceram resistência à medida ou foram derrotadas em seus pleitos na Justiça, com base na Lei da Transparência, em vigor desde maio. Entre as listas divulgadas em todo o país, uma das mais controvertidas foi a que revelou os maiores salários pagos pelo governo do Estado de São Paulo, objeto da reportagem que começa na página 56. A reportagem é a primeira de uma série que ÉPOCA inicia nesta semana sobre os supersalários pagos nos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e nas três instâncias de governo - federal, estadual e municipal.
Os dois fatos - a controvérsia sobre a divulgação nominal dos salários e a paralisação do funcionalismo - revelam a urgência de o país realizar uma discussão séria sobre o assunto. A indignação causada pelos supersalários acabou contribuindo para aumentar a consciência da sociedade em relação ao problema, além de fortalecer a posição do governo nas negociações com os grevistas. “O governo criou uma armadilha, pagando altos salários, que é difícil desmontar”, afirma o economista Raul Velloso, especializado no estudo das contas públicas. O debate, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, é complexo e não se resume a uma simples caça aos marajás, para usar uma expressão que se popularizou no país no fim dos anos
1980. Um exemplo dessa complexidade são os salários recebidos pelos funcionários de alto escalão do governo federal. De acordo com a Constituição, nenhum servidor poderia ganhar mais que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - eles recebem R$ 26.723,13 por mês, o mesmo valor que Dilma. 
Só que os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Miriam Belchior, do Planejamento, ganham mais do que ela. Em junho, graças à verba que recebem por participar dos Conselhos de Administração da Petrobras e da BR Distribuidora (R$ 8.246,71 e R$ 8.232,74, respectivamente), eles conseguiram turbinar para R$ 43.202,58 os salários a que teriam direito como ministros, igual ao de Dilma e dos ministros do STF. O raciocínio vale também para secretários estaduais, como Andrea Calabi, responsável pela pasta da Fazenda no governo de São Paulo. Embora seu salário nominal bruto seja de R$ 14.980, Calabi alavancou seus vencimentos para R$ 82.156,04 em julho, graças às participações nos Conselhos de Administração de seis estatais paulistas - prática que, a partir de agora, não poderá mais se repetir. “Ele (secretário) pode participar de quantos Conselhos a lei determina, mas só pode receber por até dois Conselhos. Além disso, o bônus por resultados não será pago mais para conselheiros”, afirma o governador Geraldo Alckmin.
Será que é justo os ministros ganharem mais que a presidente da República ou secretários de Estado receberem mais que o governador? A resposta imediata seria não. Agora, será que cargos como ministro e secretário de Estado não merecem salários à altura da altíssima responsabilidade que carregam? Talvez seja o caso de considerar o que seus titulares ganhariam se ocupassem posições de liderança na iniciativa privada. “Há muita hipocrisia nessa questão”, afirma Nelson Marconi, ex-diretor de carreiras e remuneração do Ministério do Planejamento e coordenador do curso de graduação em economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Muita gente acredita que, mesmo ocupando um cargo de confiança, o sujeito tem de ganhar um salário baixinho.”
Outro exemplo da complexidade do assunto vem do Legislativo. Um garagista da Câmara Municipal de São Paulo, que trabalha como assessor parlamentar e há seis anos não aparece na garagem, ganha R$ 23.206,96 por mês - 2,5 vezes o salário do presidente da Casa, José Police Neto, de R$ 9.288,05. A repercussão do caso, divulgado no mês passado, ultrapassou as fronteiras do país. A revista britânica The Economist publicou uma reportagem sobre o tema, com o título “Shaming the unshamable” (Envergonhando o invergonhável) e o subtítulo “Como os burocratas roubam os contribuintes”. “O prefeito Gilberto Kassab brinca que, quando terminar seu mandato, procurará um emprego como garagista na Câmara”, escreveu a Economist. Aqui, cabe a pergunta: é justo quem paga impostos bancar salários para os servidores muito maiores do que a média de mercado? A resposta também seria claramente negativa. “Muita gente no setor público tem um salário incompatível com suas atribuições”, diz Marconi.
Talvez um ponto para iniciar a discussão seja: como adequar os salários dos funcionários públicos ao mundo real do trabalho sem que isso implique o fim dos tetos salariais existentes nas diferentes instâncias de poder, que funciona como uma espécie de seguro contra o ímpeto gastador do Estado? É até possível que, para isso acontecer, chegue-se à conclusão de que seria necessário aumentar os tetos atuais. Seria possível promover o reajuste do teto, mas respeitando a Constituição, impedindo os demais servidores de receber benefícios por fora - manobras que transformam o teto em peça de ficção e estimulam ações semelhantes em instâncias inferiores.
Há também um aspecto importante que transcende os números. Muitas vezes, para definir o aumento salarial de um funcionário, conta mais o tempo de serviço do que o mérito de cada um. É justo isso? Como é possível melhorar a qualidade do serviço público se os funcionários já sabem por antecipação que, ao completar um determinado tempo de serviço, ganharão um aumento? Não seria mais justo uma remuneração baseada em desempenho? Na área de educação, seria possível aferir se o professor é eficiente em transmitir conhecimento ou se tem trabalhos relevantes publicados em revistas científicas brasileiras e estrangeiras. Mas isso não acontece. Recentemente, chamou a atenção o caso de uma professora do curso de Direito da Universidade Federal do ceará que recebe um salário bruto de R$ 59.109,86, o mais alto do país em sua área. O caso é uma aberração, embora ela embolse R$ 18.624,32 líquidos, em razão de um recurso conhecido como “abate-teto”, que impede o pagamento de valores superiores ao teto estipulado para o cargo. Se há algo que o Estado brasileiro não conseguiu fazer até hoje, é criar uma estrutura que premie quem merece. Eis uma lição a aprender com os países que implantaram a meritocracia no funcionalismo público, como Cingapura, ou empresas privadas, na qual a avaliação de desempenho está impregnada na cultura e no dia a dia de seus trabalhadores e executivos.
Todas essas discussões partem da questão da transparência. Elas surgem quando se examinam os ganhos dos servidores, cuja divulgação foi tão contestada pelos sindicalistas brasileiros. A mudança de atitude do poder público em relação às informações, cristalizada na Lei da Transparência, é um grande avanço e representa uma transformação radical na cultura de sigilo que imperava no país até pouco tempo atrás. Certamente, a nova lei contribuirá de forma decisiva para moldar a gestão pública daqui para frente, além de ajudar a conter a corrupção. 
“A transparência funciona como inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público”, disse a presidente Dilma Rousseff. Ela patrocinou o envio da nova lei ao Congresso Nacional e trabalhou para remover as resistências dos parlamentares a sua aprovação e implementação.
A rigor, o texto da nova lei não prevê explicitamente a divulgação nominal dos salários e dos benefícios dos servidores. Essa divulgação foi definida apenas na regulamentação da medida, por parte do governo, para todos os órgãos ligados ao Executivo federal - exceto no caso das estatais de capital aberto, que devem seguir as normas fixadas pela Comissão de Valores Mobiliários. A determinação do governo federal acabou estabelecendo um padrão nacional de qualidade para a divulgação dos dados, que permite a abertura da “caixa-preta” dos salários do funcionalismo e começa a contagiar de forma progressiva o setor público do país como um todo.
Falta muito, porém, para atingir a transparência desejável. Ao contrário do governo federal, que publica os dados salariais do funcionalismo na internet num formato que permite ao cidadão organizar a tabela segundo diferentes critérios - nome, salário bruto, salário líquido etc. -, vários Estados, como São Paulo, que até passaram a divulgar nominalmente os salários de seus servidores na rede, dificultam a manipulação das informações. O governo federal também não divulgou os dados dos aposentados. “Cabe à sociedade exigir as informações dos órgãos públicos, em qualquer instância e de qualquer poder”, afirma Mário Spinelli, secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), responsável pela divulgação dos dados do governo federal.
A discussão sobre o assunto é urgente, até porque o teto do funcionalismo, um fator essencial para se controlar o peso da manada de elefantes no país, está em xeque. Durante o “recesso branco” dos parlamentares, no mês passado, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que acaba com o teto salarial dos servidores públicos não apenas da União, mas também dos Estados e municípios. Em vez de uma medida que poderia diminuir as distorções em relação à iniciativa privada, a PEC parece ser uma manobra para tornar os supersalários mais aceitáveis. Considerada pelo governo como “um grande retrocesso”, ela transfere da Presidência da República ao Congresso o poder de determinar o maior salário pago pela administração pública no país e vincula os salários de deputados e Senadores aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto ainda precisa ser votado em dois turnos pelo plenário da Câmara, antes de ser analisado pelo Senado. “Foi uma primeira votação, mas a mudança seria significativa, e, por isso mesmo, espero que não avance”, afirma a ministra Miriam Belchior. Ainda há muita resistência ao fim das benesses proporcionadas aos servidores públicos no Brasil. “A Lei da Transparência representa uma evolução da sociedade brasileira, mas não é em um ou dois meses que essa mudança se consolidará”, diz o economista Nelson Marconi. Trata-se de uma transformação cultural de longo prazo, que envolve um aprendizado de cidadania - em que o contribuinte deve zelar pela eficiência de sua contribuição, e o servidor público deve colocar sua missão acima da voracidade por salários e benefícios fora da realidade de mercado.

Mensalão e eleição nada a ver - GUILHERME FIÚZA

REVISTA ÉPOCA



O julgamento do mensalão começou muito bem, com exibições em grande estilo do procurador-geral, do re­lator e do revisor, com citações a Chico Buarque, Cazuza, Drummond, Fernando Pessoa e Camões. Já foi pedida a con­denação de alguns famosos vilões do escândalo, incluindo o diretor do Banco do Brasil que o Tribunal de Contas da União tentou proteger, num arranjo sombrio com o governo popular. O show, portanto, está ótimo. Pena que o eleitorado brasileiro não esteja assistindo.

A campanha para as eleições municipais 2012 começou como se o mensalão tivesse acontecido 50 anos antes de Cristo (ou de Lula, tanto faz). Candidatos em todo o país disputam o apoio do messias petista e se exibem ao lado dele no horário eleitoral gratuito - mostrando que, só em gravação de propaganda política, Lula trabalhou nos últimos meses mais do que o governo inteiro. No momento em que se julga o maior escândalo da história da República, envolvendo todos os homens do então presidente, os candidatos por ele apoiados vão muito bem, obrigado, nas intenções de voto.

O cenário eleitoral está tão tranquilo que até o mensaleiro João Paulo Cunha, considerado culpado pelo ministro relator Joaquim Barbosa - portanto, correndo o risco de ir preso -, é candidatíssimo a prefeito de Osasco, e não se esconde de ninguém. Se ele cair, não tem problema. A máquina de eleger gente está em grande forma, Lula e Dilma são os maiores cabos eleitorais da eleição, e o mensalão não vai atrapalhar mais um banho de urna em escala nacional.

A tomada dos municípios, como se sabe, sempre foi a base da indústria fisiológica do PT & simpatizantes. Às vezes, alguém atravessa o samba, como no assassinato do prefeito Celso Daniel, e aí o país lembra que a revolução companheira é feita de propina e lixo, ou vice-versa, e que não é seguro deixar os revolucionários sem receber. Mas logo depois escorre tudo para a pré-história, como se vê agora com o mensalão. Chega a ser comovente que um ex- presidente citado a todo momento no maior julgamento da corte suprema, com seu nome rodeado por golpistas e salafrários hospedados em seu grupo político, ressurja como estrela das próximas eleições.

Se tudo correr bem para as “forças populares” na votação de outubro, como a campanha já sugere, em 2014 o país poderá decidir seu rumo de acordo com a nova forma de alternância no poder: Dilma ou Lula.

Não será uma escolha tão difícil assim. Haverá debates profundos sobre qual dos dois é mais amigo de Hugo Chávez ou quem alcançará primeiro o populismo desvairado de Cristina Kirchner. Mas a essência é a mesma - como mostra a compra do apoio de Maluf para a candidatura Haddad, descrita em detalhes sórdidos por Luiza Erundina.

Por falar em Haddad, sua candidatura também já de­monstrou imunidade ao show do mensalão - apesar de urdida na marra por Lula, com supervisão de José Dirceu. Enquanto o assalto dos companheiros era cantado em prosa e verso pelos juizes do Supremo, o candidato do PT saiu da patinação e cresceu 50% graças à porção paulistana da “pátria-mãe tão distraída”.

Tão distraída que nem nota a relação entre a avacalhação do ano letivo nas universidades públicas e a gestão educacional do candidato a prefeito de São Paulo. No MEC, como se sabe, Fernando Haddad fez o que faz todo ministro do PT: política. Defendeu livros com erros de português para agradar ao povão, fez comícios sobre cotas para mi­norias, tentou emplacar um kit gay como pedagogia eleitoreira, mergulhou na cam­panha presidencial de Dilma, enquanto o Enem bagunçava a vida dos estudantes brasileiros - enfim, mostrou por A + B ser a pessoa certa para administrar a maior cidade do país.

Mas os méritos não são só dele. Dilma Rousseff tem sido elogiada até pela imprensa burguesa (que conspira contra o governo popular, como denunciou nosso Delúbio) na forma de enfrentar a greve nas universidades e no funcionalismo em geral. Dizem que, com Dilma, acabou a moleza para os sindicalistas. Se, com esse rigor todo, a população é chantageada pela Polícia Federal nos aeroportos e nas estradas, imagine como seria com a moleza.

Não adianta. O império dos coitados veio para ficar. E, com essas filas imensas, nem dá mais para dizer que a melhor saída é o aeroporto.

UM VAGABUNDO MENTIROSO!


País algemado - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 27/08


Em dias passados, a imprensa noticiou que a senhora presidente estava decidida a imprimir nova orientação ao seu governo no que concerne aos setores rodoviário e ferroviário, com a participação da iniciativa privada, mediante concessão de serviço público e parcerias público-privadas. A notícia pouco esclarece a respeito, mas, ao que parece, o estatismo implantado entre nós sofreria discreta limitação, talvez para sentir as reações, tanto mais quando governos anteriores sofreram objurgatórias por privatizações praticadas.

Confesso que não morro de amores por essa orientação, menos por motivos de ordem doutrinária, do que pelo fato desta modalidade aumentar desmesuradamente a já imensa irresponsabilidade do Poder Executivo, que se desdobra em dezenas, centenas e milhares de postos, cargos e agentes e em outros tantos se esgalharia; mas não é só, esses serviços custam caro e o serviço prestado não é bom; de modo que, salvo em casos em que o interesse é prevalente, em princípio, parece ser preferível deixá-lo fora da máquina estatal, o que não significa permanecer livre de fiscalização pública; se a fiscalização não for capaz de fiscalizar da maneira adequada o serviço concedido ou a parceria público-privada (que até agora não foi dito como), pior seria inserir esse segmento na intocável máquina estatal, quando já se disse que, entre nós, o preço dos serviços é sueco enquanto seus resultados são africanos. Enfim, não me parece razoável se dê o caráter do serviço público ao que não presta serviços bons, onera o erário e ainda desacredita o serviço público necessário.

Em outras palavras, é imprescindível a extinção desses elefantes brancos soterrados e bem soterrados pela comodidade das omissões, pois se a omissão é o pecado que se faz não fazendo, como disse o Padre Vieira, basta esquecê-las; com o tempo e a repetição tornam-se inamovíveis. Ora, recorrendo ao expediente alvitrado, o governo poderá tirar o Estado do pântano que dificilmente poderia ressecar mesmo que usando os meios orçamentários, considerando de um lado, a possível descontinuidade administrativa, de outro já a excessiva carga tributária, que desaconselha, senão impede seu agravamento.

Diante de tudo isso, e para não dizer que não falei de flores, confesso simpatia pela ideia, aliás, apenas esboçada, pois o que for feito para remover os esqueletos da nossa infraestrutura e substituí-los por coisa que valha, merece estímulo, ainda que desvalioso.

Com efeito, estou convencido de que não é aceitável deixar problemas dessa dimensão para as calendas gregas, permanecendo o país atolado em tremedais imensos. A propósito tenho diante dos olhos extensa notícia, segundo a qual, para possuir infraestrutura na medida de suas necessidades, teria que investir R$ 2,5 trilhões nos próximos 25 anos, aumentando o nível de investimentos no setor de 2% para 4%. De outro lado, li e vi que rondando o porto de Santos havia 150 navios para embarcar e desembarcar bens vários. A simples espera importa em dano considerável que o país sofre interna e externamente. Dessa forma, não há meio de fazer competitivo o país. Está algemado. É hora de soltá-lo.

Dilema da escova de dente - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 27/08


RIO DE JANEIRO - Ouço dizer que o Brasil joga 768 milhões de escovas de dente anualmente no lixo. Deve ser verdade. À base de uma escova por mês, eu próprio contribuo com pelo menos 12 por ano para esse descalabro -assim que as cerdas começam a desbeiçar, lá se vai embora a escova. Ouço também que, no mundo, descartam-se 26 bilhões de escovas por ano, e que cada uma leva 450 anos para se decompor. É o horror, o horror.

A ideia de um novo apocalipse, não mais pela água ou pelo fogo, mas com o mundo sufocado por escovas de dente, lembra os filmes B americanos de terror dos anos 50, só que a sério. Bem que Woody Allen perguntava: "Por que as pessoas escovam os dentes quatro vezes por dia e fazem sexo duas vezes por semana? Por que não o contrário?".

Idem quanto à montanha de fraldas descartadas por mães zelosas e bem-intencionadas. Perguntei a uma delas quantas fraldas seu bebê teria consumido em seus primeiros três anos. Ela fez as contas: à média de cinco fraldas por dia, foram 1.825 fraldas por ano, donde 5.475 fraldas em três anos, fora as dorezinhas de barriga. Acho assustador que uma simples criança ainda em seus cueiros já tenha produzido tanto lixo.

Ouço ainda que outro produto capaz de entupir o mundo são os o.b.s, com pouco ou muito uso. À média de três por dia, durante cinco dias, uma mulher dispensa 15 o.b.s por mês. E quantas mulheres em idade de usar o.b. existem somente no Brasil? E na China? E no mundo?

Não admira que, depois de usados e despejados nas privadas, no lixo ou pela janela, trilhões de escovas de dente, fraldas, o.b.s, camisinhas, pilhas, lâminas de barbear, DVDs de André Rieu, embalagens de batata frita e que tais, levados pelos esgotos e correntes, estejam asfixiando rios, baías, oceanos. E agora, como escovar os dentes sem um certo sentimento de culpa?

GOSTOSA


O trem das 7h40 - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 27/08


Quando viajávamos para a casa de meus avós maternos, no Arriá, bairro rural do Pinhalzinho, em Bragança Paulista, o trem sempre saía da estação da Luz no mesmo horário: 7h40 da manhã. Na ansiedade da viagem, de madrugada já começavam nossas férias de começo e de meio de ano. Tomávamos o trem em São Caetano aí pelas 6h, para estar na Luz às 6h30. O trem para Jundiaí partia da plataforma da Rua Mauá. Nervosismo, excitação, disputa para achar um lugar junto à janela. E a São Paulo urbana ia raleando até a Lapa, os bairros e subúrbios românticos e calmos fugindo ao olhar na pressa do trem, agarrados à cauda de fumaça da locomotiva a vapor. Da Lapa em diante começava o interior, cheiro de capim-gordura, casas esparsas, roças aqui e ali, vacas pastando, anúncios do Café Paraventi nas estações isoladas. Lá longe, o Pico do Jaraguá viajando em sentido contrário.

Depois de Belém de Jundiaí (hoje Francisco Morato) vinha Botujuru, estações muito antigas. Adiante, o túnel, vidros levantados às pressas para evitar que as fagulhas da locomotiva a vapor queimassem a roupa domingueira dos viajantes. O bilheteiro passava, cantando: "Próxima estação, Campo Limpo! Baldeação para a Bragantina!"

Campo Limpo era um lugar ermo, apenas a estação e umas poucas casas de empregados da ferrovia. Suas manhãs eram lindas manhãs de roça, mato e neblina, cheiro de café coado de pouco. O trem da Bragantina saía 10 minutos depois da chegada do da São Paulo Railway. Dava tempo para um cafezinho no bar da estação, um pastel, um doce. Se tempo não desse, havia o sanduíche de mortadela e a Tubaína, refrigerante do interior, vendidos no trem por um empregado uniformizado. A locomotiva era antiga, do século 19, que tinha nome, "Dr. Luiz Leme", em enorme placa de metal. Hoje ela descansa sob um telheiro junto ao local em que houve a estação do Taboão, em cuja praça fronteira as folhas largas dos plátanos amarelavam e caíam com a passagem do tempo e da vida.

O trem chegava em Bragança às 11h07. Do outro lado da rua, à porta da Pensão Brasil, parava a jardineira dos Granatos, que ia para Socorro e Thermas de Lindoia. Subia devagar a Serra das Araras. No meio do caminho parava para que os passageiros tomassem a água de uma bica, que vinha do meio da mata e lá do alto. Do lado de baixo, um extenso cafezal, de velha fazenda, cuja sede e cujas tulhas eram pintas brancas no verde distante. Pouco adiante, na Rosa Mendes, descíamos. Depois, era uma caminhada de dez minutos até a casinha branca de pau a pique de meus avós, e o feijão com farinha de milho, do almoço, o aroma do café plantado, colhido, secado, pilado, torrado, moído e coado por minha avó. Um aroma que se sentia de longe. No meio do caminho uma velha araucária, que talvez ainda exista, carregada de pinhões e de saudade.

Jornalistas Coca-Cola - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 27/08


Se não me trai a memória, três é o número de livros que não escrevi. Explico: o público foi poupado da minha falta de imaginação, inspiração ou, vamos lá, proficiência, cada vez que me ofereceram a oportunidade de escrever um livro e tive o bom senso de recusar. Apesar de lisonjeada pelas ofertas e a confiança em mim depositada, meu faro autodepreciativo sempre concluía que a oportunidade era fruto de sinergia, indissociável do fato de ter aparecido na TV e de morar em Nova York. E o teste que aplicava era infalível: Tenho vontade de ler um livro escrito por mim? O "não" ecoava com a força do som atravessando o Grand Canyon.

A não carreira de escritora me veio à mente ao acompanhar este verão recheado de vexames de escritores-jornalistas e jornalistas-escritores.

Jonah Lehrer, autor de Proust Foi Um Neurocientista e, mais recentemente Imagine, Como a Criatividade Funciona foi defenestrado pela, ó, céus, New Yorker, porque colocou palavras na boca de Bob Dylan e, questionado por um dylanófilo da revista Tablet, mentiu repetidamente. Não foi demitido pelo editor-chefe David Remnick quando, semanas antes, ficou claro que se autoplagiava na sua coluna Frontal Cortex, na New Yorker. Publicava, ipsis litteris, trechos de artigos que já havia publicado no Wall Street Journal. Lehrer, com apenas 31 anos e uma Rhodes Scholarship no currículo, pertence a esta estirpe de autores, como Alain de Botton, que mistura ciência com autoajuda para formar uma espécie de Britney Spears do conhecimento.

Já Fareed Zakaria, autor de O Mundo Pós-Americano, sofreu um açoitamento público tão violento que acabou por despertar uma brigada de defensores. Zakaria citou na sua coluna sobre o controle do porte de armas, na Time, um excelente artigo da revista New Yorkerque citava um livro sem citar a autora do artigo. Copiou o parágrafo. Em seguida, foi acusado erroneamente de ter roubado outra citação em seu livro, numa caça às bruxas que cheirava a inveja.

Zakaria é um aristocrata indiano de Mumbai, cuja carreira estelar no jornalismo americano foi marcada, digamos, por uma evolução ideológica que começou com o hoje déclassé apoio à guerra no Iraque. Ele é um híbrido de jornalista e intelectual público. Tendo tido contato com o homem, confirmo sua fama de cavalheiro e profissional honrado.

Mas Zakaria é também um exemplo do jornalista como Coca-Cola. Ele é uma marca registrada. Tem coluna na Time, no Washington Post e um programa semanal na CNN. Atrai cachês de US$ 75 mil ou mais para fazer palestras. A mesma quantia cobrada pelo über-pontificador Thomas Friedman, o colunista do New York Times, um jornal cujo código de conduta ética acabou por lhe forçar a devolver honorários recebidos em 2009 por uma palestra que, além de violar as restrições do patrão, era idêntica a outra que já estava disponível, de graça, no YouTube.

O que estas figuras têm em comum? São jornalistas transformados em marcas e em potencial rota de colisão com a independência do jornalismo.

Como recente objeto de uma pancadaria digital por ter ousado desafiar a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, que considero inconstitucional, não posso culpar os leitores que desconfiarem que eu tenho um cavalo nesta corrida, um interesse pecuniário em defender a opinião de que ninguém precisa de canudo para escrever. Não tenho interesse oculto, mas, como posso ser encontrada no GNT, na rádio Estadão ESPN e nestas páginas, quando não cometo um frila aqui e ali, não é absurda a suspeita de que, quando favoreço um ponto de vista, posso sofrer influência de minha vida terceirizada, longe da redação. Será que ela investiu numa fábrica de camisetas ou numa loja de pão de queijo? Não, é a resposta. Adoro pão de queijo e costumo sonhar com frases impressas em camisetas.

Mas o leitor/internauta/ouvinte/espectador faz por bem cobrar transparência de suas fontes de informação.

Picada bendita - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 27/08

O Instituto Butantan, de São Paulo, vai abrir inscrições nos próximos dias para selecionar 300 voluntários que servirão de cobaia para a vacina da dengue que está sendo fabricada em seus laboratórios. Sua chegada ao mercado está prevista para 2015.

QUADRADO

Ela já foi testada em 20 pessoas para analisar se poderia causar reações alérgicas. A próxima fase verificará sua segurança e efetividade na neutralização de quatro tipos de vírus. O Butantan espera ter as respostas nos primeiros 12 meses. Mas os voluntários, homens e mulheres com idades entre 18 e 50 anos, serão monitorados por cinco anos.

FOCO

Se tudo der certo, será feita a imunização de até 4.000 pessoas na Baixada Santista, em São Paulo.

É lá que as autoridades de saúde esperam um eventual novo ciclo de pico da doença.

GARFO E FACA

A cantora Madonna, que se apresenta no Brasil em dezembro, quer se encontrar com a presidente Dilma Rousseff em Brasília.

Emissários da cantora já se movimentam para tentar marcar um jantar das duas no Palácio da Alvorada.

PACOTE

Por pouco a banda americana Maroon 5 não teve as apresentações canceladas no Brasil. O grupo desembarcou na quinta em SP -mas, por causa da greve da Receita, equipamentos e instrumentos ficaram presos na alfândega. Foram liberados em cima da hora. A produção fretou um avião só para levar tudo a Curitiba na sexta, dia da primeiro show.

JARDIM

Os olhos e ouvidos dos advogados dos réus "políticos" do mensalão estarão hoje todos voltados para a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ela revelará seu primeiro voto no julgamento, indicando se seguirá a linha considerada mais "dura", do relator Joaquim Barbosa, ou a do revisor, Ricardo Lewandowski.

JARDIM 2

O voto de Rosa, mesmo contra a sua vontade, será traduzido como o empenho (ou a falta dele) de Dilma pela absolvição de réus. Recém-nomeada para o STF, a ministra é amiga pessoal da família da presidente.

CLARICE ENTREVISTA

A coletânea "Clarice na Cabeceira - Jornalismo" (Ed. Rocco), com textos inéditos de Clarice Lispector, sairá em novembro. Trará a primeira entrevista que ela fez, em 1940, com o poeta Tasso da Silveira, e a última, em 1977, com a artista Flora Morgan Snell. Também terá conversas com Sarah Kubitschek, Maysa e Elke Maravilha.

SEGURANÇA VALE OURO

A joalheria Cartier que foi inaugurada no shopping Cidade Jardim na semana passada tem segurança extra. "A loja não tem entrada de serviço. As paredes são reforçadas, mais grossas. E ficamos bem longe da porta principal", diz Juan Carlos Delgado, diretor da marca. A Tiffany's, no mesmo shopping, foi assaltada em 2010.

OLHA O MAMÃOZINHO!

Isabella Fiorentino estendeu aos seus trigêmeos de um ano algumas regras da medicina oriental que usa na sua dieta. "Eles só comem orgânicos, e eu procuro não misturar algumas frutas porque pode fazer mal."

FESTA ARTÍSTICA

A Gagosian, uma das maiores galerias do mundo, já disparou convites para a festa que dará no Rio durante a feira ArtRio, em setembro. A galeria, que representa artistas como Andy Warhol, Damien Hirst e Jeff Koons, não informa o local. Apenas pede para as pessoas reservarem a data.

KAKÁELHINHA

Caroline Celico, 25, mulher do jogador Kaká, fez um ensaio ousado para a "RG" de setembro. À revista, disse: "Fazia as coisas para agradar aos outros, achando que assim estaria agradando a Deus". Ela e o marido deixaram a Igreja Renascer em 2011. Agora, Caroline planeja abrir a franquia de uma loja espanhola de artigos para bebês em São Paulo.

DANDO VALOR

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a presidente da Petrobras, Graça Foster, foram ao lançamento do anuário "Valor 1.000", do "Valor Econômico". Entre os empresários na festa, no Hyatt, no Morumbi, estavam Laércio Cosentino, da Totvs, Raul Penteado, da Duratex, Luciano Siani Pires, da Vale, e Paulo César Teixeira, da Telefônica/Vivo.

Curto-circuito

Beatriz Segall apresenta o Prêmio Carlos Gomes de Ópera e Música Erudita hoje, no Theatro Municipal.

Tony Blair, Geraldo Alckmin e Julio Semeghini discutem hoje o projeto "SP 2030" e assinam convênio com a ONG Movimento Brasil Competitivo.

Daniel Campello inaugura a CQ rights para gerir os direitos de artistas como Carmen Miranda e MV Bill.

O ex-ministro Celso Lafer e Cássio Clemente, presidente da Apae de SP, assinam acordo para selecionar quatro pós-doutores voltados a pesquisas sobre deficiência intelectual. Hoje, na Fapesp, às 16h.

O restaurante Buttina comemora 16 anos com festa para convidados, às 20h.

A Assembléia Legislativa realiza hoje sessão para homenagear o Exército.

com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, CHICO FELITTI e LÍGIA MESQUITA

Educação - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 27/08


Tornou-se lugar comum a defesa conceitual da educação como caminho seguro para o desenvolvimento dos estados nacionais.

Não é sem razão: as emblemáticas experiências de inúmeros países provam que a travessia para um outro patamar de qualidade de vida exige um decidido, concentrado e duradouro (para não dizer paciente) investimento na qualidade da educação pública. Esse direito praticamente nunca existiu para os brasileiros.

As avaliações do MEC têm sido claras mostram o quanto ainda estamos distantes de realizar a sonhada transformação do nosso ensino público -municipal, estadual ou federal- em escolas equipadas, professores motivados e bem remunerados e alunos preparados para a vida.

Ainda assim, ao ver os últimos números do Ideb, não posso deixar de ressaltar os resultados obtidos pelos alunos de Minas, que ficaram nos primeiros lugares na avaliação.

Muitos perguntam como o Estado conseguiu esse resultado, com tantas e graves diferenças regionais e o maior número de municípios entre os demais Estados brasileiros.

Eu respondo: priorizando o que é prioritário. Foi isso que levou Minas a ser o primeiro a universalizar o ensino fundamental de nove anos, o que, ao lado de outras medidas inovadoras no campo da gestão, tomadas ao longo dos últimos anos, criou as bases para os avanços já conquistados.

Sabemos que o país fez parte do dever de casa nos anos 90, quando universalizamos o acesso ao ensino fundamental sob a gestão do presidente Fernando Henrique. Daí em diante, poucos avanços foram registrados, como a extensão do ensino fundamental para nove anos e a implantação dos sistemas de avaliação de desempenho de escolas e alunos.

Nada de relevante ocorreu para reverter a baixa qualidade do ensino oferecido a crianças e jovens, o que coloca o Brasil em posição inferior a de muitos países menos desenvolvidos economicamente.

O fato é que, estando com a responsabilidade de traçar e coordenar uma política educacional para o país, função intransferível do governo federal, o MEC parece ensaiar novos passos sem a segurança necessária a quem responde já há uma década pelo futuro de uma geração inteira.

Impossível não temer as consequências para os nossos alunos do ensino médio na implantação da nova grade curricular anunciada. Se a necessidade de mudanças é quase um consenso entre especialistas, é bom lembrar que deve também caber ao MEC a responsabilidade de dotar os Estados dos instrumentos necessários a essa implantação.

A ausência de políticas públicas que requerem planejamento de médio e longo prazos tem sido um problema constante em todas as áreas que dependem do Estado brasileiro nos últimos dez anos.

Sem vinho, camarão nem estratégia - SERGIO LEO


Valor Econômico - 27/08


Em uma decisão que não resistiria a um sopro no tribunal de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Ministério da Pesca vem barrando a importação de camarões da Argentina - para proteger os empregos do setor no Brasil, segundo confessaram candidamente funcionários do ministério ao repórter Tarso Velloso, do Valor. Nos próximos dias, o governo decide se decreta ou não outra medida de proteção a produtores brasileiros: o pedido de salvaguarda contra a importação de vinhos - que, se adotada, golpeará duramente as vendas do produto chileno ao Brasil. Legítimas ou não, decisões como essas são sintoma de uma grave doença na política comercial brasileira.

A doença tem várias causas, uma delas a flagrante perda de competitividade da mercadoria nacional em um mundo de estoques crescentes e disputa medonha por mercados consumidores. A patologia não merece, porém, o diagnóstico simplista de protecionismo, é algo maior e mais abrangente. Combina um quadro clínico de alta pressão pela integração de mercados com o raquitismo melancólico de parcelas do setor produtivo brasileiro e a elefantíase de certos setores exportadores (especialmente os de commodities e alguns segmentos turbinados por injeções anabolizantes do BNDES).

A necessidade de aumentar a escala da produção brasileira, para enfrentar concorrentes gigantescos como a China, faz parte de todas as receitas para aumento de competitividade do produto nacional. Seria natural que o Brasil buscasse, como já busca, ampliar seu mercado para os países vizinhos - e neles muitas indústrias brasileiras encontraram a porta de entrada para a globalização. Mas não existe comércio de uma só via, as barreiras a produtos dos países vizinhos e os crescentes superávits com alguns de nossos parceiros sul-americanos tornaram-se um obstáculo nas negociações comerciais com os países do continente.

Comércio não tem uma só via: barreira brasileira atrapalha

O setor agrícola é fonte da maior parte das pressões por maiores barreiras a importados dos países vizinhos. A banana do Equador (para quem, aliás, o Brasil é apenas 0,8% do mercado de exportações) encontra os mais variados argumentos de regulação sanitária para ter barrada sua compra por brasileiros, produtos cítricos argentinos são alvo de rígida fiscalização, que inviabiliza a venda ao Brasil até de frutas sem riscos sanitários, e o arroz uruguaio está sob ameaça de um imposto adicional de 9,25%, embutido na Medida Provisória 563, a ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff - outra medida que, se aplicada, violará as normas da OMC e do Mercosul.

Agricultores brasileiros se queixam de que, no esforço de integração com os países do Mercosul, foram sacrificados, fragilizados em relação à forte concorrência vizinha, para abrir mercados e favorecer a indústria paulista. Têm certa razão. A verdade desagradável é que é muito difícil falar em ampliação de mercados e integração produtiva se o país continua a raciocinar como se devesse ser uma autarquia, onde tudo é produzido, não importam as condições de competitividade. E, como mostram a soja e o milho, nem todo o setor rural está em má situação.

O Brasil tem obstáculos à produção conhecidos, mas seria incorreto minimizar as barreiras competitivas enfrentadas também pelos países vizinhos, como na Argentina, onde produtores são sujeitos a impostos de exportação, intervenção arbitrária do Estado no sistema produtivo, dificuldade de acesso a financiamento e instabilidade macroeconômica.

Adaptação não é novidade no campo. Na gestação do Mercosul, os produtores de trigo mantinham um lobby frequente em Brasília, exigindo subsídios no país e barreiras ao produto mais competitivo do vizinho e pintando cenários de fim de mundo para o setor no Brasil. A abertura trazida pelo bloco esvaziou o lobby e eliminou custosos subsídios, obrigou produtores a se adaptarem: paranaenses investiram em qualidade, empresários subiram um degrau na escala produtiva investindo em moinhos, aumentou o plantio de milho.

Não acabaram os problemas no setor, nem se criou um modelo universal, mas se mostrou que mudanças nas condições de competitividade são administráveis. Hoje, o problema do setor é outro, o subsídio argentino à farinha de trigo, tema para outra coluna.

No governo Lula, as pressões dos setores agrícolas não encontraram muita receptividade. Testam agora a disposição de Dilma. Encontraram argumento e espaço com o protecionismo tosco da Argentina, imposto na base de licenças não automáticas e intervenção pessoal do ministro argentino Guillermo Moreno, com ameaças a importadores.

Discretamente, como reação à retenção de produtos brasileiros nas alfândegas, o Brasil passou a reter também mercadorias argentinas de regiões com forte peso eleitoral, como maçãs, uvas, peras, camarões e cebolas. O próprio Moreno levantou a bandeira branca, e, desde junho, Brasil e Argentina trocam telefonemas quase diários para administrar a passagem de mercadorias pelas fronteiras. Pouco a pouco, carne suína do Brasil, antes retida, ganha acesso ao mercado vizinho. As barreiras brasileiras também afrouxaram, mas nem tanto.

O modelo adotado com a Argentina responde à situação particular do país, sem financiamento externo, temeroso de uma fuga de capitais, obcecado com superávit nas contas de comércio. É também a manifestação mais evidente do dilema brasileiro no esforço de ampliação de mercados e integração produtiva na região. Não existe uma estratégia no Brasil para lidar com os setores perdedores - no país e nos vizinhos - e adaptá-los a uma eventual integração comercial digna do nome, tão necessária quanto distante.

Na falta dessa estratégia, o caminho para os microfones de onde as autoridades fazem declarações de amor à integração sul-americana estará sempre atravancado. Por sacos de arroz, garrafas de vinho, cestas de camarão, garrafas de leite...

"Elas gostam de apanhar" - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 27/08


"Reacionário, machista!", gritam os inteligentinhos que nada entendem da "vida como ela é"


"Elas gostam de apanhar." Esta é uma das máximas mais famosas de Nelson Rodrigues, nascido no dia 23 de agosto de 1912 no Recife. Esta afirmação ainda choca muita gente. "Reacionário!", "machista!", gritam os inteligentinhos que nada entendem da "vida como ela é".

É comum se dizer que Nelson está assimilado ao cenário cultural, mas não é verdade. A prova é que livros best-sellers como "Fifty Shades of Grey" ("Cinquenta Tons de Cinza"), de E. L. James, ainda causam ira em setores "progressistas" (a esquerda festiva da qual tanto falava Nelson), apesar de as mulheres "normais", que segundo Nelson são as que gostam de apanhar, estarem devorando o livro com imenso prazer.

No livro de James, Anastasia Steele, universitária, se apaixona pelo poderoso Christian Grey, de quem se torna amante, perdida nas delícias de uma relação "sadomasô light" à qual ela se deixa submeter. E gozará maravilhosamente na submissão. No primeiro momento em que ela o encontra, tropeça e cai, anunciando o domínio que Christian terá sobre ela. Na linguagem feminina comum, "ele tem pegada!". E o afeto feminino responde à "pegada".

Não se trata de dizer que Nelson está estimulando surras, mas sim que o desejo feminino passa pelo gozo da submissão ao macho desejado, dentro do jogo da sedução e do sexo. O "elas gostam de apanhar" no Nelson também fala do enlouquecer o homem, como no caso de adultério, e esperar dele uma bofetada acompanhada de "sua vagabunda", revelando o quanto ele ama esta mulher que o traiu. A psicologia rodriguiana parte da sua máxima "a vida é sempre amor e morte".

"A prostituta é vocação, e não a profissão mais antiga." Há uma relação íntima entre sexualidade feminina e a figura da prostituta como eterna promiscuidade temida. A mulher que nunca encenou "sua" prostituta no sexo nunca fez sexo.

"Dinheiro compra até amor verdadeiro." Imaginemos duas situações hipotéticas.

Hipótese 1: alguém convida você para um longo fim de semana na costa amalfitana na Itália. Executiva, hotel charmoso, longas caminhadas por ruas quietas e antigas, sem pressa, vinho (não "bom vinho" porque isso é papo de pobre querendo parecer rico, do tipo que os jovens chamam de "wannabe", gente que queria ser chique, mas não é).

Hipótese 2: alguém te convida para um fim de semana longo na Praia Grande, você pega oito horas de Imigrantes, trânsito infernal, o carro ferve, você fica na estrada esperando o socorro da Ecovias. Chega lá, apartamento apertado, cheiro de churrasco na laje por toda parte. Crianças dos outros gritando em seu ouvido.

Onde você acha que o amor verdadeiro nascerá? Se responder "hipótese 2", é mentiroso ou não sabe nada acerca dos seres humanos, vive num aquário vendo televisão e se olhando no espelho.

Antes de alguém dizer obviedades entediantes como "preconceito" (agora quando alguém fala para mim "preconceito", não levo mais essa pessoa a sério) ou "depende do contexto em que a pessoa nasce", esclareço: é fácil migrar da Praia Grande para a costa amalfitana, mas não o contrário. E quanto ao "preconceito": não se trata de preconceito, trata-se do tipo de verdade que todo mundo sabe, mas é duro reconhecer. Sim, o amor verdadeiro está à venda, e, enquanto você não entender isso, você permanecerá um idiota moral.

O reconhecimento desse fato torna você adulto, não torna você "melhor". E ser adulto é saber que o mundo não é um lugar "bom". Começando por você e eu.

Sábato Magaldi chamava o Nelson de "jansenista brasileiro". Jansenistas eram escritores franceses do século 17 que partilhavam uma visão de natureza humana na qual somos vítimas de desejos incontroláveis (ou pecado, na linguagem da época) e que, por isso, não conseguimos escapar dessa armadilha que é interior, e não "social". A raiz desse pensamento é a concepção de ser humano de santo Agostinho que eles herdaram. Pascal, Racine e La Fontaine foram jansenistas.

Eu acrescentaria que Nelson era um moralista. Moralista em filosofia é um especialista na alma humana. Proponho que ensinem mais Nelson na escola e menos Foucault.

Contar palavras - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 27/08


SÃO PAULO - Coube ao ex-ministro Roberto Rodrigues, expoente do agronegócio brasileiro, a 57ª menção do ano à "reforma agrária" nas edições impressas da Folha. Também de sua lavra, no mesmo artigo de sábado passado, surgiu o 270º emprego do vocábulo "sustentabilidade" em 2012.
São palavras que convivem com tendências opostas na passagem dos anos. "Sustentabilidade", que mereceu parcas 15 menções em todo o ano de 1994, foi escrita em média mais de uma vez por dia em 2011.
Já o termo "reforma agrária", que chegou a ser empregado quase seis vezes por dia em 1997, demorava quase quatro dias, em média, para reaparecer no ano passado. Declínio parecido afetou, no mesmo período, a "exclusão social": de 227 aparições em 1997 para perto de um décimo disso (27) em 2011.
Os acervos de jornais e revistas, que vão sendo digitalizados e expostos a eficientes ferramentas de pesquisa, permitem registrar esses flagrantes -na verdade banais- e muitos outros das movimentações históricas do Brasil moderno.
Outro gênero de pesquisa que pode dar saltos com o advento dos acervos digitais é o dos estudos do português escrito para o grande público letrado. Na coleção da Folha, por exemplo, vemos ascender nos últimos anos o modismo do "por conta de", utilizado como preposição.
A expressão, bem empregada quando sinônimo de "por causa" ou "em razão de", aparecia 3 vezes por dia em meados dos anos 1990. Veio ganhando terreno e, no final da década seguinte, recebia 7 menções por edição. Ainda não encontrei uma boa explicação para esse fenômeno.
Nem tudo muda, entretanto -ao menos não no lapso de uma geração. Para cada 100 menções ao "de", já que falamos das preposições, o "em" surgirá de 83 a 86 vezes. Variância irrisória para vocábulos publicados aos 500 por dia.

Lewando... para onde? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 27/08


Para Lewandowski, “houve crimes graves, e quem os cometeu vai ter de pagar”. Se houve tentativa de compra de votos, não há corrupto e corruptor político?
 



Um ministro do Supremo Tribunal Federal tem o direito de votar como bem entender no julgamento do mensalão. Dispõe de conhecimento especializado para tal. Mas nós, cidadãos, temos também o direito de interpretar seu voto como pudermos entender. Temos, afinal, os mais legítimos interesses no aperfeiçoamento de nossas práticas políticas.

Preocupou-me bastante, portanto, a celebração do voto do ministro Ricardo Lewandowski pelos advogados dos réus. Lembrei-me da "dança da pizza”? com que uma deputada comemorou a absolvição do colega de partido sob ameaça de ser cassado por participar do mensalão. A dimensão histórica desse julgamento vem exatamente dessa leitura simbólica que dele faremos.

Os advogados dos réus festejaram o voto de Lewandowski como "uma vitória da tese do caixa 2” "uma nova corrente de pensamento que abre caminho para a absolvição’! Essa é a pior interpretação que poderíamos ter do voto de Lewandowski. Uma coisa são as circunstâncias específicas de seu voto de absolvição do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Coisa distinta é a absolvição de práticas políticas degeneradas e sua legitimação futura. Seria uma deformidade a tese geral de que publicitários, banqueiros e outros grupos de interesses privados são condenáveis como corruptores, mas não há políticos condenados como corruptos.

Principalmente se, como revelou o próprio Lewandowski a Merval Pereira, "houve crimes graves, e quem os cometeu vai ter de pagar mesmo” Corruptos e corruptores envolvidos em subtração de propriedade privada são caso de polícia. Mas, no mensalão, o que nos interessa é o julgamento de uma tentativa de compra de representantes do Legislativo por representantes do Executivo. Num atentado à independência dos poderes, ainda que lubrificados por interesses privados, corruptos e corruptores pertencem à classe política.

É, portanto, absolutamente idiota para economistas versados em "equilíbrio geral” se não for apenas escárnio, essa "nova corrente de pensamento” celebrada por advogados. O que não escapa aos mais argutos observadores políticos: "De minha parte, espero ter me precipitado ao afirmar que Lewandowski agia de modo a ajudar réus políticos, especialmente petis-tas. Vamos aguardar para ver como distribuirá sua justiça” observa Merval Pereira.

Onde estão nossos engenheiros? - LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

FOLHA DE SP - 27/08


Enquanto mais de 80% da alta burocracia chinesa é formada de engenheiros, no Brasil não devem ser 10%

Dada a necessidade premente de investimentos na infraestrutura, o governo Dilma decidiu conceder à iniciativa privada os principais aeroportos brasileiros, e, em seguida, estradas de rodagem e ferrovias.
Não há garantia de que os serviços passem agora a ser realizados com mais eficiência. O mais provável é que custarão mais caro, porque as empresas terão condições de transferir para os usuários suas ineficiências e garantir seus lucros.
Por que, então, a presidente Dilma Rousseff tomou essa decisão? Não foi porque faltem recursos financeiros ao Estado, já que caberá ao BNDES financiar grande parte dos investimentos. Nem porque acredite na "verdade" de que a iniciativa privada é sempre mais eficiente.
Não obstante, foi uma decisão correta, porque falta capacidade de formulação e de gestão de projetos ao governo federal. Ou, em outras palavras, porque faltam engenheiros no Estado brasileiro.
Há advogados e economistas de sobra, mas faltam dramaticamente engenheiros. Enquanto mais de 80% da alta burocracia chinesa é formada por engenheiros, no Brasil não devem somar nem mesmo 10%.
Ora, se há uma profissão que é fundamental para o desenvolvimento, tanto no setor privado quanto no governo, é a engenharia. Nos setores que o mercado não tem capacidade de coordenar são necessários planos de investimento, e, em seguida, engenheiros que formulem os projetos de investimento e depois se encarreguem da gestão da execução.
Mas isto foi esquecido no Brasil. Nos anos neoliberais do capitalismo não havia necessidade de engenheiros. Contava-se que os investimentos acontecessem por obra e graça do mercado. Bastava privatizar tudo, e aguardar.
A crise da engenharia brasileira começou na grande crise financeira da dívida externa dos anos 1980. No início dos anos 1990, no governo Collor, o desmonte do setor de engenharia do Estado acelerou-se. Dizia-se então que estava havendo o desmonte de todo o governo federal, mas não foi bem assim.
Há quatro setores no governo: jurídico, econômico, social e de engenharia. Ninguém tem força para desmontar os dois primeiros; seria possível desmontar o setor social, mas, com a transição democrática e a Constituição de 1988, ele passara a ser prioritário. Restava o setor de engenharia -foi esse o setor que se desmontou enquanto se privatizavam as empresas.
Quando fui ministro da Administração Federal (1995-98) isso não estava claro para mim como está hoje. Eu tinha uma intuição do problema e, por isso, planejei realizar concursos parciais para a carreira de gestores públicos que seriam destinados a engenheiros na medida em que as questões seriam de engenharia, mas acabei não levando a cabo o projeto.
Quando o governo Lula formulou o PAC, reconheceu que os setores monopolistas necessitavam de planejamento, mas não tratou de equipar o Estado para que os projetos fossem realizados. Agora o problema está claro. Fortalecer a engenharia brasileira nos três níveis do Estado é prioridade.
A criação da empresa estatal de logística é um passo nessa direção. O Brasil e seu Estado precisam de engenheiros. De muitos. Vamos tratar de formá-los e prestigiá-los.

O crivo do contraditório - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 27/08


BRASÍLIA - As rusgas e desacordos entre relator e revisor não atrapalham nem comprometem o julgamento do mensalão. Pelo contrário. Tornam-no mais dinâmico e justo.

Joaquim Barbosa, o relator, tem sido duro com os réus. Sua decisão de fatiar o exame do caso facilita a compreensão do esquema criminoso. Quem jogava na confusão ficou desesperado; quem insistia na tecla de que o mensalão não passava de uma "farsa" foi exposto ao ridículo.

Em seu voto substantivo e substancioso, Barbosa não só corroborou as conclusões de uma CPI (presidida por um petista), da Polícia Federal e de dois procuradores-gerais da República. Foi além. Mostrou que existem provas, de sobra, do desvio de dinheiro público -seja para o enriquecimento ilícito de sanguessugas do Estado, seja para a compra de apoio político ao governo Lula.

Ricardo Lewandowski, o revisor, tem recebido críticas -não sem razão- por ignorar conclusões da PF e dar excessivo crédito aos testemunhos de correligionários dos réus. Mas suas divergências de encaminhamento têm sido ponderadas. É importante seu alerta para que ritos e direitos não sejam atropelados.

As patrulhas se atiçam. O revisor é acusado de operar para evitar ou atrasar as condenações; o relator, de tramar a entrega expressa de cabeças à opinião pública. Este, leviano; aquele, complacente. É do jogo.

O que interessa: Barbosa se contrapõe a quem aposta na impunidade, e Lewandowski, aos que anseiam pelo linchamento geral e irrestrito.

Ainda que pontuado por arroubos de vaidade, esse contraditório faz bem ao Judiciário. Indica que não há cartas marcadas no plenário do STF. Contribui para legitimar o julgamento e os vereditos que hoje devem começar a ser proferidos. Algo valioso num caso com tantas repercussões políticas e jurídicas.

Em tempo: Barbosa, a partir de novembro, e Lewandowski serão os próximos presidentes do STF.

O PT não é comunista - RENATO JANINE RIBEIRO


Valor Econômico - 27/08


De vez em quando, leio em blogs ou mesmo em cartas que recebo enquanto colunista deste jornal ataques aos "comunistas" do PT. Ora, é importante esclarecer algumas coisas. Todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. Melhor aclarar alguns pontos, para que os adversários do PT ou do comunismo possam criticá-los sem incorrer nessa confusão.

O PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história.

Vamos ao programa ou, se quiserem, aos ideais. O princípio de todo partido ou militante comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu moro não é "meio de produção". Menos ainda, minha roupa. Mesmo a horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for, o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção - fazendas, fábricas - é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem essa tese, não há comunismo.

A maior diferença é a questão da propriedade

Um parêntese: até o presente, esse projeto não funcionou. Para Marx, a questão não era moral, mas econômica. A propriedade privada acabaria se mostrando ineficiente. Seria superada por uma forma superior de propriedade, a coletiva. Ora, até hoje a propriedade privada se mostrou mais produtiva. E ninguém conseguiu mostrar na prática (ou teorizar) o que seria a propriedade "social" dos meios de produção. Houve, sim, propriedade estatal deles. Mas Marx era claríssimo: o Estado tinha que ser abolido. Nunca propôs ampliá-lo. Nem reduzi-lo. Ela ia mais longe do que os próprios liberais: queria suprimir o Estado. Era o contrário do que fizeram os Estados comunistas, que reforçaram a polícia e controles de toda ordem. Eles suprimiram a propriedade privada, mas não o Estado: criaram um monstro policial que Marx jamais aceitaria.

Pois bem, o PT namorou em seus inícios a ideia de um socialismo vago, mas nunca se bateu pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. Daí que, nos seus primórdios, fosse até acusado de ser uma armação contra a "verdadeira" esquerda, a comunista. Dizia-se que Lula seria um ingênuo, ou um agente da CIA aqui infiltrado. Além disso, o PT nasce de um inovador movimento sindical; ora, Lênin fora áspero na crítica ao "sindicalismo", que padeceria de uma ilusão reformista, querendo melhores salários em lugar da revolução. Tínhamos um abismo entre o projeto petista e o comunista. Finalmente, o lado libertário do PT - o fato de reunir descontentes com a cultura dominante, machista, racista etc. - desagradava a quem achava que a contradição decisiva da sociedade seria o conflito do capital com o trabalho. Havia marxistas no PT, talvez ainda os haja, mas sempre foram minoria.

Daí vêm duas consequências curiosas e paradoxais quanto ao comunismo. Para ele, o fim da propriedade privada não é só um projeto. É uma certeza científica. O marxismo pretende ser a ciência das relações humanas. É científico que um dia virá o socialismo. Disso decorre que, sendo uma ciência, o marxismo no poder não admite discordância. O dissidente é um errado. E por que autorizaríamos os errados a falar? Eles só atrasarão a rota da história... Seria mais econômico e melhor, para a humanidade, calá-los. Daí, o caráter não democrático dos regimes comunistas (é por isso que, na democracia, a liberdade de expressão significa que podemos erra, renunciamos à certeza). E disso decorre, também, que os marxistas fora do poder não têm pressa. Um dia, chegará o comunismo. No poder, enfatizam que o socialismo é uma necessidade histórica. Fora do poder, enfatizam que a história não precisa ser apressada. Dão-se bem com a adversidade. Derrotados, sabiam ser serenos, para usar a virtude que mostravam em tempos nefastos: a história lhes daria, um dia, razão.

É paradoxal, não é? A mesma convicção de que o marxismo seja uma ciência leva os comunistas, no poder, a não tolerar a oposição, e fora do poder a fazer tudo o que é acordo, mesmo dos mais espúrios, a aguentar qualquer derrota, a esperar. Ora, é digno de nota que o PT nunca aceitou o pressuposto do marxismo como ciência. Por isso mesmo, também recusou suas consequências. Nunca reprimiu divergências ao feitio comunista. E sempre teve pressa (exceto, talvez, depois de chegar à Presidência). Não foi à toa que, entre petistas e comunistas, as relações nunca tenham sido fáceis. A queda do Partido Comunista tradicional, o "partidão", acaba coincidindo com a ascensão do PT. Não restou espaço ao PCB. Mudou de nome, abriu mão do fim da propriedade privada, manteve uma excelente retórica, foi para a direita.

Em suma, há muito a criticar ou a elogiar no PT, mas será errado criticá-lo (ou elogiá-lo) por ser comunista.

Depois de meu último artigo, recebi de Fernando Henrique Cardoso amável e-mail. O ex-presidente se diz leitor da coluna e, confiando na minha boa-fé, desmente que seu governo tenha restringido a apuração dos escândalos da privatização das teles e da compra de votos para a reeleição. Esta existiu, diz, mas por parte de políticos locais. É importante o seu depoimento. E lembro aos leitores que o eixo de meu artigo estava na tese de que as questões de corrupção, que pareciam tão claras quando o lado do bem se opunha à ditadura, se transformaram num cipoal desde que PT e PSDB se digladiam. Agradeço a carta e a gentileza do ex-presidente.


NOTA DO BLOG:

O PT é formado por VAGABUNDOS E LADRÕES!