domingo, fevereiro 19, 2012

Fidel Castro e a fé - MAC MARGOLIS


O ESTADÃO - 19/02/12


Fidel Castro logo mais estará de joelhos. Pelo menos assim garante a imprensa italiana, afirmando que o octogenário líder da Revolução Cubana está preparando seu regresso à Igreja Católica. O retorno será dramático, segundo o La Stampa, o maior jornal do país, e ocorrerá em março, durante a visita do papa Bento XVI à ilha. É que aos 85 anos e com a saúde fragilizada, o ditador comunista estaria "mais próximo à religião e a Deus", disse sua filha Alina ao jornal La Reppublica.

A "boa nova" varreu a mídia cristã. O maior ícone vivo do comunismo estará mesmo à beira da penitência? Embora distante do pai, Alina é devota e frequentemente peregrina a Roma, onde goza de trânsito fácil na Santa Sé.

Já uma fonte do Vaticano assegura que o papa terá, sim, um encontro reservado com Fidel a quem concederá a bênção. Mas o resto pode não passar de fumaça benta.

Quando ouviu a "notícia" a historiadora americana Julia Sweig, uma das maiores estudiosas de Cuba contemporânea, soltou uma gargalhada.

"É verdade que a Igreja e o Estado sempre tiveram uma relação diferenciada em Cuba", diz. "Mas isso não indica que uma conversão tardia está nas cartas." O brasileiro Frei Beto, amigo de Fidel e talvez o maior intérprete da alma do ditador, tampouco avaliza a versão italiana.

Mas o que estaria atrás da boataria e qual é a relação real do velho ditador com a fé? Em meio século de socialismo, onde o maior padroeiro usava boina e charuto, a convivência do governo e a Igreja cubanos foi frequentemente tumultuada.

Católico, protestante ou adepto de santeria, os religiosos de Cuba tinham de orar escondidos e se esquecer de Deus se quisessem servir à pátria e ao partido. Não ajudou alguns padres benzerem os rebeldes da Baía dos Porcos, na fracassada invasão apoiada pela CIA. Fidel, famosamente, chegou a cancelar o feriado de Natal de 1969.

Tamanho foi o estremecimento entre a cruz e o castrismo, que o papa João Paulo XXIII teria excomungado o líder comunista em 1962, mas há controvérsias. Quem conhece Fidel o chama de agnóstico e não ateu. "Alguns têm a fé religiosa, outros a fé de outra espécie. Sempre fui um homem de fé, confiança e otimismo", disse a Frei Betto, autor do livro Fidel e a Religião, publicado em 1985.

Com o tempo, a fé ganhou oxigênio. Desde o papado de João Paulo II, com quem Fidel gozava de "uma química fantástica", segundo Frei Betto, a repressão cedeu lugar à convivência tensa, porém pragmática. No pacto inédito, a Igreja teria compreendido que o comunismo não tinha prazo de validade iminente, enquanto a cúpula comunista se convenceu de que bater em religião era dar murro em ponta de baioneta. Pois até os ideólogos oram.

A partir de 1991, com a reforma do Partido Comunista, os devotos clandestinos no governo já podiam sair do armário. Mais recentemente, a decisão de libertar dezenas de prisioneiros políticos em 2010 foi fruto de um pacto costurado entre o presidente Raúl Castro e o cardeal arcebispo de Havana, Jaime Ortega y Alamino. O mesmo sacerdote teria persuadido o regime a conter os ataques às Damas de Branco, o grupo de parentes dos dissidentes presos.

Para quem conhece a alma castrista, nada disso surpreende. Questionado se é ateu, Fidel disse a Frei Betto: "Infelizmente, os jesuítas não me imputaram uma formação verdadeiramente da fé cristã". Essa admissão implícita, de que possa existir uma verdadeira formação da fé cristã, talvez anime a torcida cristã.

No evangelho da Igreja Católica contemporânea, que amarga escândalos e a sangria de fiéis, uma alma desviada é um convertido em potencial, mesmo que seja de um tirano. Para quem imagina a contrição do velho ditador e o perdão papal, pode esperar sentado.

Mas vale especular. Como seria a confissão do ditador mais longevo do hemisfério?

GOSTOSA


Rio Branco - CELSO LAFER


O Estado de S.Paulo - 19/02/12


No último dia 10 de fevereiro, sob os auspícios do chanceler Antonio Patriota, celebrou-se no Itamaraty o centenário de falecimento do barão do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos Júnior, que morreu no pleno exercício de suas funções de ministro das Relações Exteriores. Em 2002, na minha gestão, o Itamaraty promoveu um seminário para comemorar o primeiro centenário da posse de Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores.

Qual o significado da obra e da ação de Rio Branco, que é um raríssimo caso de diplomata que alcançou o status de herói nacional? Rio Branco integra três vertentes da memória coletiva brasileira - a memória nacional, a memória patrimônio e a memória fundadora - que explicam a continuidade da sua ressonância.

Começo com a memória nacional, apontando que Rio Branco, na perspectiva da História, completou na República a obra do Império. Pela ação dos seus estadistas, o Império construiu, no plano interno, a unidade nacional. Rio Branco assegurou-a no plano externo por meio da conclusiva definição pacífica das fronteiras do País. Dessa maneira, resolveu o primeiro item da agenda de qualquer Estado independente, que é o de poder demarcar, com reconhecimento internacional, aquilo que é o interno de uma nação e o que é o externo, do mundo.

Com efeito, Rio Branco, como advogado do Brasil, teve sucesso nas arbitragens internacionais das Missões - 1895 - (limites com a Argentina) e do Amapá - 1900 (limites com a Guiana Francesa). Subsequentemente, como chanceler, conduziu a grande operação diplomática que, dosando poder e concessões negociadas, equacionou a questão do Acre com a Bolívia por meio do Tratado de Petrópolis (1903). Na sua gestão como chanceler, solucionou os demais itens pendentes das fronteiras nacionais (Venezuela, 1905; Guiana Holandesa, 1906; Colômbia, 1907; Peru, 1909; Uruguai, 1909) e faleceu tendo legado ao País o mapa definitivo do Estado brasileiro. Por isso é que Rui Barbosa o qualificou como um nume tutelar, um deus Terminus da nossa integridade nacional.

Lembro que o Brasil é um país com dez vizinhos e mais de 16 mil km de fronteiras terrestres. Tem, no plano internacional, escala continental, como a China, a Rússia, a Índia (que integram o Brics) e os EUA, que George Kennan qualificou como o conjunto dos países "monstros". Rússia, China e Índia são países com problemas de fronteiras que afetam, até hoje, a sua política externa e as fronteiras dos EUA são o resultado de um alargamento que se fez a expensas do México. Rio Branco contribuiu com uma política territorial pacífica e não violenta, de maneira decisiva, para moldar a personalidade internacional do Brasil como, nas suas palavras, um país "que só ambiciona engrandecer-se pelas obras fecundas da paz, com seus próprios elementos, dentro das fronteiras em que se fala a língua dos seus maiores e quer vir a ser forte entre vizinhos grandes e fortes".

Observa Rubens Ricupero que Rio Banco, ao definir o espaço territorial do Brasil, definiu também um modo de inserção do País no mundo. Por isso sua obra integra não apenas a memória nacional de suas realizações, mas a memória patrimônio de um legado diplomático que retém a atualidade da visão de um estadista empenhado em descortinar novos horizontes para o futuro do Brasil de uma maneira, ao mesmo tempo, muito firme e muito sóbria.

Esse legado provém de uma prática diplomática que leva em conta a existência dos conflitos, mas diligencia na identificação do potencial de sociabilidade que permite explorar construtivamente espaços de cooperação e abrir caminhos para uma crescente presença do Brasil no mundo. São componentes dessa prática, na atuação de Rio Branco, uma avaliação realista dos condicionantes do poder, uma compreensão precisa do papel das negociações e do Direito na vida internacional e o reconhecimento da relevância daquilo que hoje se denomina soft power. Foi na linha dessa visão que Rio Branco criticou os que se entregam à "loucura das hegemonias ou ao delírio das grandezas", defendeu a paz como "uma condição essencial ao desenvolvimento dos povos" e argumentou que "o nosso Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a confiar acima de tudo na força do Direito e do bom senso".

Foi com essa perspectiva organizadora que buscou a convergência e o entendimento com os nossos muitos vizinhos na América do Sul e trabalhou uma aproximação com os Estados Unidos, na época da sua gestão a potência emergente, para criar espaços adicionais para o Brasil na interação com as então potências hegemônicas da Europa.

Concluo com a memória fundadora. No Império, política interna e política externa foram dois passos do mesmo processo: o da constituição e consolidação do Estado imperial, na precisa avaliação de Gabriela Nunes Ferreira. Por essa razão os grandes estadistas do Império sempre se ocuparam da política externa, chefiaram missões diplomáticas, em especial no Prata, e o processo decisório da política internacional passava pelo imperador, pelo Conselho de Estado, pelo Congresso e pelos partidos, na vigência de uma monarquia de regime parlamentar. Era dentro desse contexto circunscrito que atuava o ministro.

O sucesso de Rio Branco contribuiu para a legitimação da República, liberou os homens públicos do Brasil para se concentrarem no desenvolvimento do espaço nacional e permitiu, assim, que o barão transformasse o Itamaraty numa instituição do Estado brasileiro respeitada internacionalmente e dotada de autoridade própria na condução da política externa. É por isso mesmo que foi - e a Casa da diplomacia brasileira reconhece no seu patrono - o grande institution builder do Itamaraty, que continua haurindo força na memória fundadora da sua notável atuação.

Carnavais - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 19/02/12


A autêntica, pura e legítima expressão "Carnaval carioca" não tem mais sentido; o desfile das escolas de samba não é Carnaval, simplesmente


GRANDE E duradouro sucesso de público e de crítica, a expressão "Carnaval carioca" passou um período sumida, de raro em raro alguém a visitava no asilo da história. De uns tempos para cá, voltou ao cardápio dos assuntos frequentes, e é cada vez mais usada. Mas posso garantir, e o faço com palavra da moda para não deixar dúvida: a expressão que está aí é um clone. Preferiria dizer, por natural rejeição a modas, ainda mais se vocabulares, que é uma contrafação. Posso até admitir, no entanto, em benefício da compreensão, que é cópia pirata. E não paraguaia, não.

A autêntica, a pura e legítima expressão "Carnaval carioca" não tem mais sentido. Não o perdeu no de desuso, não, muito ao contrário. Ali, entre as velharias do asilo, a maioria deformada por falta de rigor histórico ou excesso de fraude interesseira, "Carnaval carioca" foi sempre o repositório zeloso de originalidades encantadoras. Guardiã de tanta criação que nasceu para ser popular e se elevou a clássico, guardiã de uma criatividade livre e libertária, espontânea e feliz.

A reanimação, recente e crescente, dos dias reservados a Carnaval tem no Rio, como centro de tudo que então se passa, o desfile das escolas de samba: "a maior festa do mundo", dizem, pelo planeta afora, um de seus slogans no comércio internacional de turismo e os meios de comunicação lá e cá. Festa de quem ou para quem? Carnaval é, por definição, festa popular, o povo em festa.

No sambódromo, pesadão, um maciço de concreto, feio e óbvio, "povo" exige nova definição. No mês passado, por mais de uma vez a imprensa do Rio noticiou a procura de negros por algumas escolas de samba para participar dos seus desfiles. Isso, na pista.

Na assistência, o preço das arquibancadas e a reserva para os pacotes turísticos sugerem onde foi parar o povo mesmo. Aliás, o afastamento intransponível do "povo" em relação ao que se passa na pista, tal como se assistisse a um balé no Municipal, e os numerosos e vastos salões chamados de camarotes já diriam o suficiente sobre a relação do sambódromo com festa popular.

O desfile das escolas de samba deve ser posto à parte do Carnaval. Não é Carnaval, simplesmente. Pode ser o mesmo em qualquer dia do ano, sem necessidade de qualquer coisa nele ou fora. Seria até mais um evento turístico. Escola, como se denominaram as agremiações de samba mais populares, não há ali. Samba, idem.

O objetivo de desfilar e seus diferentes canais de dinheiro apropriaram-se das agremiações ("escolas" porque o mero dançar ali ensinava o samba no pé, como as artes da bateria).

Repórter iniciante no "Diário Carioca", fui muito, com um colega já grande repórter, Mário Ribeiro, à Império Serrano. O belo nome desse Grêmio Recreativo Escola de Samba me fascinou, e quis conhecer sua razão de ser. Ficava em um recanto do subúrbio de Madureira, quase ao final da escadaria impiedosa que escarpava uma colina, também graciosa no nome, chamada Serrinha. Preliminares atraentes demais.

E a hospitalidade franca, a bateria diabólica, e sobretudo as músicas (muitas, grandes sucessos dez e mais anos depois, com Nara, Clara Nunes, Beth Carvalho, mais e mais) faziam o resto, naquele galpão improvisado para a alegria semanal de poucas dezenas de pessoas.

Assim e ali, fizeram-se os títulos conquistados pela Império na avenida Rio Branco e depois na Presidente Vargas, com o povaréu se somando aos figurantes vestidos de barões e marquesas que, por mais uma distração da obra divina, tivessem o samba no pé e a alma do povo. Carnaval Carioca.
Do Vassourinhas, de tempos que não conheci, ao Bafo da Onça, de meado do século passado, e ao antigo Cordão do Bola Preta, blocos incontáveis fundiram-se à história do Carnaval carioca. Tinham umas quantas centenas de componentes, às vezes uns poucos milhares.

Mas sua fama nunca intimidou ninguém. Era comum ruas, empresas, clubes terem seus próprios blocos, nos quais iam entrando e saindo aderentes eventuais. E dando sentido às ruas, em todos os bairros, a cidade toda eram um só Carnaval. Seu e à sua maneira.

As estimativas dos blocos atuais dão-lhes 300 mil integrantes, 500 mil, 1 milhão e até 2,5 milhões no Bola Preta. Quando ouço estes números, penso nos 200 mil que superlotaram o Maracanã, uma multidão tão espantosa que, mesmo tendo-a visto de dentro, dela só se pode lembrar vagamente. Pois, lê-se e ouve-se, ficou fácil haver blocos com vários Maracanãs superlotados. O Bola Preta viria, nos 2,5 milhões, com mais de 12 Maracanãs, apesar de inexistir onde os por a desfilar. Ou como desfilar.

Divida-se cada uma de tais cifras pelo número que se quiser, os meios de comunicação não se importam. Nem importa mesmo: esses blocos não são blocos cariocas. Com os seus milhões ou trilhões, as pessoas apenas se apertam e, como velhinhos de últimos cansaços, arrastam os pés. Na forma, tais blocos são uma importação mal adaptada do Carnaval de Recife. Nada a ver com o Carnaval carioca.

E agora começou no Rio o Carnaval à maneira de Salvador, em que cantores têm camarotes e palanques de onde conduzem o Carnaval, uma espécie de show aberto. Nada a ver com o Carnaval carioca.

Nesse quesito das marchas, não se pode esquecer a força do grotesco: o que seria o samba do desfile das escolas de samba é um ritmo inidentificável, horrendo, com as "celebridades" e as modelos (seja lá do que forem, mas a variedade não é grande) arrastando os pés e, diante de alguma câmera, dando uns pulinhos como se o chão estivesse pelando -é o seu samba no pé.
E aos lados da correnteza, atrás, por toda parte, uns sujeitos gritando "corre!", "acelera!", "corre mais!", "correeendo! mais depreeessa!".

Com o tempo e com outras mudanças, haveria de mudar. Mas não desse jeito. Não precisava, ao menos, deixar de ser o Carnaval carioca.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 19/02/12
Reorganização ainda não é ação regular entre empresas

Apesar de a crise mundial ter levado grande parte das empresas a pensar em estratégias de reestruturação nos últimos anos, apenas 22% delas têm processos de reorganização como atividade regular atualmente.

Cerca de 15% nem pretendem realizar projetos de reorganização, segundo estudo da Deloitte no Brasil que abordou um grupo de companhias com receitas líquidas somadas de mais de R$ 78 bilhões em 2010.

Mas a quantidade de empresas em busca da reorganização, processo que envolve esforços como adaptação de departamentos e novos produtos, e da reestruturação, em que credores participam da busca de soluções, deve crescer, segundo a consultoria.

"Só 22% ter isso como atividade regular ainda é baixo, mas tende a aumentar com o amadurecimento do ambiente econômico do Brasil", diz Luis Vasco, sócio da Deloitte.

Entre as causas de maior impacto às atividades empresariais atualmente estão a concorrência nacional (35%) e a chegada de competidores estrangeiros (32%), além da mudança no perfil socioeconômico da população (43%).

Cerca de 40% informam que pretendem fazer ou já estão no meio de um processo de reorganização.

Os principais motivos para as empresas se renovarem são gestão (77%), expansão (63%) e busca por novos mercados (59%). "Falta de governança e dificuldade dos executivos em reconhecer a necessidade de mudança pioram o cenário", afirma.

O QUE ESTOU LENDO
Pierre Moreau, advogado e sócio da Casa do Saber

"'Palavras de um Professor', de San Tiago Dantas, é uma obra-prima de um dos maiores professores, advogados, diplomatas e políticos que o Brasil já teve", diz o advogado Pierre Moreau. Sócio da Casa do Saber, ele relê a obra "para inspirar [sua] atividade de professor". Outras leituras são "O Argumento Liberal", de José Guilherme Merquior, e "Why Lawyers Should Eat Bananas", de Simon Tupman, "divertido livro sobre como conduzir a vida de advogado com menos estresse".

ILUSTRAÇÃO ECONÔMICA
Esta coluna publica hoje a charge de Max Velati, um dos vencedores do 5º Concurso de Ilustração da Folha, desta vez, dedicado à economia.

Os outros ganhadores foram Fabrizio Lenci, Francisco Lederly Sousa de Mendonça, Rafael Corrêa e Rafael Campos Rocha.

Entre os artistas premiados, apenas dois são da cidade de São Paulo. Os demais são de Fortaleza (CE), São João del Rei (MG) e Porto Alegre (RS).

Osvaldo da Costa, de Santos (SP), e Lézio Custódio Júnior, de São José do Rio Preto (SP), receberam menções especiais.

COM QUE ROUPA

AUMENTO DA RENDA
A renda entrou na agenda presidencial.

Não bastassem as críticas ao silêncio da presidente Dilma Rousseff ante o desrespeito a direitos humanos em Cuba, sobraram comentários sobre o seu figurino na visita à ilha dos Castro.

Em missão oficial, a presidente desembarcou com um casaquinho de renda, sem forro nos braços. Em poucos dias, ela repetiria a fórmula nas posses do ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, e da presidente da Petrobras, Graça Foster.

Em tempos de alta popularidade, especialistas mostraram-se cautelosos ao opinar.

"O mais importante seria agregar mãos profissionais para auxiliá-la na escolha de proporções, materiais nobres e cores adequadas. Sua imagem deve ser extremamente cuidadosa", diz a estilista e proprietária da Fillity, Esperança Dabbur.

Para Rosângela Lyra, da Dior, "a renda 'guipure', muito usada atualmente, não chega a ser transparência".

É ótima alternativa para dar graça a "looks" de trabalho, define Eliana Pena Moreira, proprietária da marca Lita Mortari. Mas ressalva: "Desde que tenha forro e não deixe soutien e barrigas à mostra. Com partes transparentes, só para baladas ou desfiles."

Não há nada de errado com a transparência que a presidente vestiu, defende Juliana Antunes, de Brooksfield Donna e Salvatore Ferragamo.

"Na posse do ministro, ela acertou de novo ao misturar alfaiataria clássica com 'casaqueto' de renda, um figurino moderno e feminino." A pedido da coluna, sugeriram figurinos para executivas no verão. Lyra apoiou-se na primeira-dama francesa, Carla Bruni, que, prestigiando a indústria local, veste Dior.

Os poderes de Graça Foster - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 19/02/12


Ao assumir a presidência da Petrobrás, Maria das Graças Foster jurou "fidelidade incondicional" à estatal e à presidente Dilma Rousseff. A sra. Foster pertence a uma geração que construiu a vida profissional ali, naquele prédio da Avenida Chile, no Rio de Janeiro. Ela progrediu junto com a empresa, a quem defende com a força de 35 anos de convivência e dedicação.

Mais recente, sua relação com a presidente começou no final dos anos 1990, quando Dilma era secretária de Energia do governo gaúcho. As duas não foram companheiras de militância política nem de cadeia, ingressaram no Partido dos Trabalhadores (PT) sem se tornarem quadros partidários e têm um perfil parecido: são exigentes com comandados, rigorosas e ríspidas com erros alheios, além de ocuparem funções de mando, poder e de enorme importância para o País. Apesar da identidade, o velho provérbio "dois bicudos não se beijam" a elas não é aplicado. Lógico, na divergência, a razão sempre esteve com Dilma. Pelo menos até agora.

Pois bem, não se sabe ao certo como Graça Foster vai conduzir essa dupla "fidelidade incondicional" na presidência da maior empresa da América Latina, liderança inquestionável no mundo do petróleo, que precisa ser administrada com competência, criatividade e profissionalismo, mas que tem um acionista controlador - o governo -, que insiste em atrapalhar e atrasar o seu destino com suas interferências políticas. Do impositivo controle artificial dos preços de combustíveis à escolha de fornecedores e patrocínios culturais de nenhuma eficácia, graduados do governo federal, governadores, deputados, senadores, sindicalistas e toda a sorte de políticos profissionais tentam fazer da Petrobrás moeda de troca de seus interesses.

Este é o dilema que Graça Foster vai enfrentar de agora em diante: o que fazer quando os interesses do governo colidirem com os da empresa? Um exemplo: para controlar a inflação (em alta por outras razões), há três anos o governo sufoca a Petrobrás e não reajusta os preços dos combustíveis. Só em 2011 essa política causou prejuízo de R$ 2,8 bilhões para a estatal. "O que é muito", reconheceu ela em entrevista ao jornal O Globo.

E agora, dona Graça? "Em algum momento os preços terão de ser reajustados", ela responde, mas sem revelar se tal momento está próximo ou distante. Não precisa agir como o ex-presidente da estatal Francisco Gros, que aumentou os preços nas refinarias sem avisar ninguém, o que deixou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso irritado, e com razão. Bastaria combinar com Dilma uma trajetória de pequenos e graduais reajustes para evitar um efeito inflacionário brusco. Mas anúncios pingados de reajustes podem prejudicar a imagem política do PT junto dos eleitores... Então, o interesse político se sobrepõe à racionalidade.

Quando o nome de Graça Foster foi anunciado, o mercado respondeu positivamente e as ações da Petrobrás subiram. Seu perfil técnico indicava resistência a influências políticas e fez renascer a esperança de mudanças no rumo da empresa. Porém o final da gestão Gabrielli foi desastroso: no último trimestre de 2011 o lucro caiu pela metade, muito abaixo das previsões dos analistas. Na Bovespa e na Bolsa de Nova York, as ações desabaram nos últimos dias e, no dia seguinte à divulgação dos resultados, a Petrobrás perdeu nada menos do que R$ 28 bilhões em valor de mercado, segundo cálculos da Economática. Para piorar, a empresa errou na descrição de cifras do balanço. Mais ainda: o erro não foi detectado internamente, mas por um analista de um banco privado. Tudo isso gerou enorme desconfiança em relação à empresa.

Como se vê, a sra. Foster estreou sua gestão em conjuntura nada favorável.

Virar o jogo. Mas ela pode virar esse jogo, usando seu capital profissional de competência técnica e independência política. Quem há muito acompanha a Petrobrás sabe não ser fácil derrotar pressões político-partidárias quando um cargo de diretor fica vago. Mais difícil ainda depois de Lula, que tornou rotineira a prática de entregar cargos técnicos a partidos aliados em troca de apoio político. A ponto de o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti bradar publicamente: "Quero aquela diretoria que fura poço e encontra petróleo".

Pois no dia de sua posse, Graça Foster nomeou para duas diretorias estratégicas funcionários de carreira, sem nenhuma vinculação partidária e por critério técnico-meritório. Claro, sem o apoio de Dilma seria impossível. Ponto para as duas.

Esse episódio provou que agarrar-se ao governo feito carrapato para seguir a vida usufruindo de suas benesses é o oxigênio dos partidos fisiológicos no Brasil. Eles não têm para onde correr. Só Lula não percebia que contrariá-los não implica necessariamente perda de apoio político no Congresso Nacional. No caso das cobiçadas diretorias da Petrobrás, Dilma e Graça rejeitaram o toma lá dá cá e os partidos ficaram miudinhos, caladinhos, nem chiaram.

A revista The Economist, que chegou às bancas em Londres na sexta-feira, considera "particularmente notável" a escolha de Graça Foster para a presidência da Petrobrás, indicando que, além de sair da sombra de Lula, Dilma pode estar "pavimentando o caminho para uma agenda mais ambiciosa". No âmbito da Petrobrás uma nova agenda é possível e bem-vinda. Mas não basta afastar as influências políticas - muitas delas de difícil remoção, por estarem enraizadas na empresa.

É preciso também livrá-la de ranços ideológicos que fazem recair sobre seus ombros o peso e a responsabilidade de gerar recursos financeiros - que ela não tem - para participar de todos os consórcios que irão explorar o petróleo do pré-sal.

Esse modelo não convém a ninguém. Nem à Petrobrás, que é obrigada a sobrecarregar o seu já elevado endividamento para cumprir sua parte nos consórcios, nem ao progresso econômico do País, já que os investimentos paralisam por falta de recursos da estatal.

É verdade que a Petrobrás é diferente da Infraero. Além de levar vantagem em qualidade de gestão, a corrupção na Petrobrás não é endêmica como é na Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Mas o ranço estatizante do governo Lula levou o País a correr o risco de chegar à Copa do Mundo com os aeroportos funcionando precariamente. Mudar o modelo do pré-sal seria um grande salto rumo a uma nova agenda para a Petrobrás.

GOSTOSA


Carnaval da bajulação do poder - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 19/02/12

Como Getúlio Vargas, Lula se torna tema de mais um samba-enredo amalucado, submisso e sem graça


O povo que compõe sambas-enredo gosta de ordem e progresso, de elogiar presidentes, ditadores e os imperadores idiotas (e escravistas, o que deveria revoltar músicos que não raro foram netos de escravos).

O povo do samba & desfiles costumava ser "nacional-desenvolvimentista" em versão adoidada, mistura de chauvinismo varguista com patriotadas das aulas de moral e cívica ou OSPB da ditadura militar.

Se o enredo era ex-presidente ou o Brasil do futuro, logo vinha versalhada sobre ordem, progresso, petróleo, aço ou Transamazônica. O povo do samba adora petróleo.

Lula virou enredo da Gaviões da Fiel, de São Paulo. Foi canonizado em vida por uma escola grande, privilégio de Getúlio Vargas, que manipulava sambistas, foi ditador e esteve no poder por quase 20 anos.

No samba do Lula não tem pré-sal. Lula ("e o sonho se torna real/ Luiz Inácio o operário nacional") "viu no coração do Brasil/ Tanta desigualdade/ O retrato da realidade/ A utopia buscando a dignidade".

O samba, indizível, quer "comemorar/ a soberania popular" e a vitória pessoal de Lula. Mas parece que o motivo da coisa toda é o fato de o ex-presidente ser corintiano e um ex-pobre invejável ("Cresceu, foi à luta... Pra vencer").

Já houve exaltação mais repulsiva. Em 1956, a Mangueira cantava assim de Getúlio: "Foi ele o presidente mais popular/ Sempre em contato com o povo/ Construindo um Brasil novo/ Trabalhando sem cessar/ Como prova em Volta Redonda a cidade do aço/ Existe a grande siderúrgica nacional / Que tem o seu nome elevado no grande espaço/ Na sua evolução industrial".

Ou seja, "desenvolvimentismo" e elogio do quase-fascismo de GV.

No ano seguinte, a Mangueira cantaria no samba "juscelinista" "Emancipação Nacional, Rumo ao Progresso": "Ó, meu Brasil/ Seu progresso avança/ Sem oscilação/ A cachoeira do Iguaçu/ No futuro será o ponto vital/ da eletricidade nacional". Quase acertaram Itaipu, mas cantavam em seguida:

"Canto a canção da emancipação da minha nação/ Vencendo no terreno educacional/ Marcha o meu país para a soberania universal".

Não rolou.

A Beija-Flor começou a vida entre as escolas grandes do Rio vendendo favores à ditadura e seu Brasil Grande: "É estrada cortando/ A mata em pleno sertão/ É petróleo jorrando/ Com afluência do chão" ("O Brasil no ano 2000", de 1974).

No ano 2000 ele mesmo, a Portela elogiava a época de ouro de cassinos, "vedetes, cadillacs e brilhantina" e, claro, de Getúlio:

"Aclamado pelo povo, o Estado Novo/ Getúlio Vargas anunciou... Nossa indústria cresceu (e lá vou eu...)/ Jorrou petróleo a valer".

O Salgueiro em 1985 também elogiava GV, seu Estado Novo e, claro, o petróleo. "No palácio das Águias foi o senhor/ Levantando o povo trabalhador/ Do solo fez jorrar o negro ouro/ E a usina do aço/ Transformou em um tesouro."

O Império Serrano de 1951 conseguiu falar bem de quase todos os presidentes da República Velha, elogiou o massacre de Canudos e, ainda, a eleição de Getúlio (1950): "Eleito pela soberania do povo/ Sua vitória imponente e altaneira/ Marcará por certo um capítulo novo/ Na história da República brasileira".

Em 2020 ouviremos "Dilma e o mestre-sala do trem-bala?"

A reforma do Judiciário em perspectiva - CONRADO HUBNER MENDES


O Estado de S.Paulo - 19/02/12


Depois do longo recesso de verão, o ano judiciário de 2012 finalmente começou. No ato oficial de abertura, o discurso do ministro Cezar Peluso buscava dissolver a percepção de crise que ronda o Poder Judiciário há alguns meses. Na sua avaliação, ao Judiciário não se poderia atribuir "nenhum dos males que atormentam a sociedade brasileira", afinal, este seria "o melhor Judiciário que já teve o País". Em suas palavras, "nenhum outro serviço público evoluiu tanto em todos os sentidos". Ao tom triunfalista mesclou momentos de moderação: reconheceu que o Judiciário "não é perfeito" e a magistratura é "tão imperfeita, nos ingredientes humanos, quanto todos os demais estratos da sociedade".

Não seria justo, porém, reduzir o discurso às suas frases de efeito. Para além de representar uma autoafirmação política, ele não deixa de ser uma peça informativa, em dois sentidos. Primeiro, porque fez um breve histórico das reformas que sofreu o Judiciário nos últimos 20 anos, desde a Proposta de Emenda Constitucional n.º 96-A, de 1992, passando pela aprovação da Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, pelos dois pactos republicanos e por outras inovações normativas e procedimentais. Foram, de fato, mudanças relevantes para o aperfeiçoamento da função judicial.

O discurso do ministro Peluso, entretanto, é também ilustrativo pelo que não diz. Vale mencionar ao menos quatro informações que teriam sido úteis a uma discussão franca dos vícios e virtudes do Judiciário brasileiro.

Esse Poder oferece uma das carreiras públicas mais bem pagas entre todas as democracias ocidentais. Bons salários e longas férias, sem dúvida, seriam motivo de celebração, não estivessem tantas carreiras públicas de igual importância social - como as de médicos, professores, policiais ou assistentes sociais - no distante extremo oposto da pirâmide salarial do serviço público.

Embora se torne gradativamente mais plural na primeira instância (em termos de gênero, raça, origem socioeconômica e criatividade jurisprudencial), o Judiciário ainda é estratificado e pouco heterogêneo daí para cima.

O Judiciário continua sendo excessivamente lento. Isso se deve, em parte, ao aumento da litigiosidade a partir do advento da Constituição de 1988, mas, sobretudo, à irracionalidade processual e de gestão.

Apesar dos esforços de ampliação da acessibilidade, o Judiciário permanece excludente e discriminatório: o tempo, o mérito e a execução das decisões judiciais ainda variam conforme o tamanho do bolso e a cor da pele. Estatísticas do processo criminal e do sistema prisional são apenas as evidências mais gritantes dessa distorção.

Não se trata de contrapor uma versão pessimista a um discurso que se confessa, logo de início, "otimista por convicção" nem de dizer que o copo está meio vazio, não meio cheio. O discurso inaugural parece não perceber que, a despeito dos avanços, os problemas estruturais do Judiciário e o DNA aristocrático de sua cúpula permanecem firmes e fortes. Objetivamente, o copo não chegou à metade. Omitir esse fato e se apegar ao autoelogio não contribuem para um debate sincero.

Nesse contexto, foi um alívio ver que o Supremo Tribunal Federal (STF), horas mais tarde, preservou as competências constitucionais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Reconheceu que este não ameaça o equilíbrio entre os Poderes nem o princípio federativo. Ao contrário do que sugeria a ironia de um ministro vencido, o CNJ não ganhou carta em branco nem se transformou num superórgão, desprovido de limites. Sua função essencial é administrativa e, portanto, não poderá interferir, sob pena de desvio, na forma como cada juiz aplica o Direito. Agora, mesmo que parte influente da magistratura não esteja feliz e continue a resistir ao controle de suas atividades, a sociedade espera que o CNJ, moralmente revigorado e com credibilidade em alta, expanda as investigações de improbidade que despertaram tanta comoção dentro do Judiciário. É o próprio Judiciário, antes de qualquer outra instituição, que se fortalece com isso.

Apesar do alívio que trouxe a apertada decisão do STF, a energia contestatória que emergiu nos últimos meses não pode subestimar a dificuldade dos próximos passos. O momento é oportuno para um balanço do processo de reforma do Judiciário. A agenda pendente é extensa e inclui mudanças de caráter administrativo, procedimental e cultural. Algumas exigem inovações legislativas, outras dependem de adaptações de normas, ritos e costumes internos aos tribunais. Outras, ainda, exigem maior reflexão sobre a ética da imparcialidade, base da judicatura legítima. Dessa agenda participam operadores do Direito, governos, legisladores, jornalistas e cidadãos em geral. Participam também escolas de Direito e cientistas sociais comprometidos com a pesquisa isenta e empiricamente rigorosa.

Entre os obstáculos à frente há muitos de primeira grandeza. Cito dois para começar: a substituição da antiga Lei Orgânica da Magistratura, de 1979, por um Estatuto da Magistratura que não mais misture ou confunda garantias da função judicial com privilégios de classe; e a elaboração de um sistema recursal que não se limite a adaptações superficiais do código de processo nem manipule o significado constitucional do direito de defesa. A um se opõe o corporativismo judicial, ao outro se opõe o corporativismo advocatício, duas forças com notável capacidade de mobilização política e tergiversação retórica. Cabe às mentes avançadas do Judiciário e da advocacia liderar o contramovimento.

Modernizar e democratizar o Judiciário é trabalho para uma geração. É tarefa política indispensável dentro do inacabado projeto da democratização brasileira. Não é menos importante do que a conquista de eleições livres e diretas, nem menos difícil. Em perspectiva, essa é a magnitude histórica de tal processo.

Os Carnavais do Tarlis - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 19/02/12


RIO DE JANEIRO - Garantem que todos temos um Carnaval dentro de si. Por motivos que não vêm ao caso, sou uma exceção: não tenho nenhum Carnaval encravado na alma ou no corpo, sequer na caverna escabrosa da memória.

Mas todo santo Carnaval lembro -me do Tarlis, um colega de trabalho durante anos, do qual sinto falta sempre que há uma Copa do Mundo, um desastre coletivo, um crime sensacional, uma visita importante e, naturalmente, um Carnaval.

Repórter de texto regular, mas de fome exacerbada, era um faz-tudo em qualquer Redação ou tarefa investigativa. Conseguiu entrar no apartamento de Frank Sinatra, namorou Bo Derek, foi cicerone de Roman Polanski e até Rachel Welch quis levá-lo para si, tamanha foi a paixão que despertou na atriz.

Nos Carnavais, vivia a sua "finest hour". Arranjava centenas de crachás especiais, aliás, especialíssimos. Tinha direito a tudo, podia frequentar as entranhas das escolas de samba, os labirintos dos camarotes mais incrementados, andava pela pista com liberdade total, nada lhe era proibido. Impressionante o número e a qualidade das suas credenciais.

Com elas, podia entrar no Salão Oval da Casa Branca, nos aposentos particulares do papa, nos porões do Pentágono.

Só não podia entrar na sala da edição que eu ocupava, nos muitos anos em que fiz o fechamento de uma das revistas do Grupo Bloch.

Sabia tudo sobre os desfiles, mas não era confiável. Tinha sempre alguém para promover e outro para pichar. Mantinha-o à distância, mas precisava dele.

Morreu ainda jovem, coisa de cinco ou seis anos atrás. Tenho absoluta certeza que um de seus crachás, pendurado sempre no pescoço, dava-lhe direito a entrar fulminantemente no reino dos céus. Deve estar se fartando com as 11 mil virgens.

Equilibrista - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 19/02/12


COM FERNANDA KRAKOVICS

Mesmo já tendo declarado que está amarrado em São Paulo à candidatura de José Serra, Gilberto Kassab ainda é pressionado por uma ala de seu partido a fechar com o PT em São Paulo, já que a eleição na capital paulista tem caráter nacional. Eles não querem se indispor com o ex-presidente Lula. Além disso, argumentam que José Serra garantiu que não seria candidato e que o PSDB não quis apoiar Guilherme Afif Domingos. “A ficha do Serra demorou a cair”, diz um dirigente do PSD.

Esperando Serra
O grupo do PSD que defende o alinhamento com Serra ressalta que Kassab sempre foi “muito transparente” ao avisar que, se o tucano fosse candidato, ele não teria como não apoiá-lo. Mas esses integrantes deixam claro que isso não significa compromisso para 2014. Quanto às conversas com o PT e à presença de Kassab no aniversário do partido, o discurso está pronto: “Ele se expôs, mas tem palavra”. O que aflige a todos agora é o prazo. Serra disse que precisava fazer algumas conversas durante o carnaval antes de anunciar sua candidatura. Enquanto ele não formalizar sua decisão, todos ficam inseguros, inclusive o PSDB.

Sem rodeios
Na reunião do Conselho Político, terça-feira, a presidente Dilma disse aos líderes partidários que já avisou aos ministros que não quer mais saber quais obras e programas estão atrasados, e sim o motivo, e a tempo de intervir.

"Aquilo foi um ponto fora da curva” — Jaques Wagner, governador da Bahia, tentando se livrar do desgaste com a radicalização da greve da PM

AZEDOU. Apesar de terem aceitado as explicações do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), na foto, lideranças da bancada evangélica dizem que houve uma quebra de confiança e que ele perdeu a qualificação para ser o interlocutor do governo com eles. Carvalho pediu desculpas pelo efeito de suas declarações no Fórum Social Mundial, sobre a influência das igrejas evangélicas na periferia das grandes cidades.

Novo xodó
Na mesma reunião, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) fez uma demonstração do sistema de acompanhamento, em tempo real, do atendimento em hospitais do país. E afirmou que o mesmo modelo será adotado para os aeroportos.

Queda-de-braço
Lideranças do governo reclamam de o relator da Lei Geral da Copa, deputado Vicente Cândido (PT-SP), ouvir demais os advogados da Fifa. O mal-estar aumentou com nota divulgada pela entidade dizendo estar “decepcionada” com a comissão especial da Câmara, por não ter votado a Lei Geral da Copa na última terça-feira. A votação foi adiada porque a sétima versão do texto ainda tem pontos sobre os quais há divergência.

Rebuliço
A ida do ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli para o governo da Bahia já está provocando rebuliço. Para que ele entre, alguém terá que sair. Ele quer a vaga de secretário do Planejamento, comandada pelo deputado Zezéu Ribeiro (PT).

Zerando o jogo
Pré-candidato à prefeitura de Niterói, o deputado Chico D´Angelo (PT-RJ) propôs ao partido que os 10 mil filiados votem nas prévias, em vez dos 185 delegados. Isso porque uma parte desses não poderá votar porque mudou de lado.

CABECEIRA. Por sugestão da presidente Dilma, o ministro Gastão Vieira (Turismo) está lendo o livro “Antônio Vieira: Jesuíta do Rei”, de Ronaldo Vainfas.

FICHA LIMPA. Do ministro Jorge Hage (Controladoria Geral da União), sobre o último julgamento do STF: “A denominada Lei da Ficha Limpa haverá de tornar-se um marco no aprimoramento das instituições e na luta contra a corrupção.”

ASSESSOR especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia passa o carnaval em Lima, tratando da agenda Brasil-Peru, como combate ao tráfico de drogas na fronteira.

GOSTOSA


Kassab confunde até o PSD - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 19/02/12


As marchas e contramarchas do prefeito Gilberto Kassab não desorientaram só adversários, mas seu próprio partido, o PSD. De início críticos ao passo dado em direção ao PT, os integrantes do partido acabaram desenhando um cenário estratégico para o resto do atual mandato da presidente Dilma Rousseff, que passa pelo apoio à sua reeleição em 2014.

Até a noite de quinta-feira, o PSD não acreditava na hipótese de Kassab recuar do acordo com Lula para apoiar a candidatura de José Serra. Respaldava essa convicção a garantia já dada por Serra ao prefeito de que não seria candidato na eleição municipal, liberando-o do compromisso com o PSDB.

Dada por certa a aliança com o PT, o PSD passou a raciocinar com participação num futuro governo Dilma, a partir de 2014. O partido considera que apoiando sua reeleição estaria legitimado a ocupar ministérios, mantendo no atual mandato da presidente apenas o apoio parlamentar.

O cenário mais interessante para o PSD seria, então, em 2018, quando já estará com sete anos de fundação e consolidado em todo o País. Estimam seus estrategistas que Dilma não teria a mesma condição de Lula para fazer seu sucessor e que o quadro de alianças estará aberto e não poderá desconsiderar sua parceria.

Diante da surpresa com a decisão de Kassab de voltar atrás no acordo com o PT, a exigência ao prefeito passou a ser a de deixar claro com o governo e o partido que o acordo com o PSDB na eleição municipal não se estenderá a 2014.

Do contrário, como disse um pessedista, "só nos resta torcer para que isso dê errado".



Inquietação

Mesmo limitada a São Paulo, a aliança com o PSDB não desfaz a inquietação no PSD. Alguns temem pela credibilidade do partido, exposto a ficar fora dos planos do governo e refém da candidatura Aécio Neves em 2014. Também ainda não cicatrizaram as feridas da campanha presidencial de 2010 quando, no DEM, reclamavam do tratamento do PSDB. "Éramos aquela amante maltratada", diz um parlamentar, contrário à parceria com os tucanos.

Duelo de CPIs

Os tucanos estão em pé-de-guerra com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que prometera arquivar a CPI da Privataria, mas não o fez. Ele autorizou o funcionamento de três outras e adiou a decisão sobre a das privatizações. Os tucanos ameaçam dar o troco com uma CPI na Assembleia paulista sobre o caso Santo André, aproveitando a volta ao Brasil de Bruno Daniel, o irmão do ex-prefeito Celso Daniel, assassinado em 2002. Bruno ficou seis anos exilado na França, temendo ser mais uma vítima da máfia daquele município.

Aliado "de fé"

Por trás da promessa de retorno do PR ao ministério está a tentativa do governo de usar o partido para neutralizar a campanha evangélica contra Fernando Haddad. Além da bancada de 43 parlamentares, o PR tem influência sobre lideranças evangélicas que ameaçam o candidato petista com o tema do aborto e o kit gay. A "Marcha para Jesus em São Paulo", que reúne todo ano 2 milhões de evangélicos, está marcada para julho.

Terceirização

O governo e o PT atuam para retardar a votação do projeto que regulamenta a terceirização da prestação de serviços. O PT quer proibi-la na área fim das empresas. Outro ponto polêmico é a anistia para sanções, impostas por lei anterior, a condenados por trabalho escravo. A proposta seria votada em caráter terminativo na CCJ, mas o PT ainda quer levá-la para a comissão de Agricultura.

Vírus assassinos e medo da ciência - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 19/02/12



Iniciativa de interromper a pesquisa sobre o H5N1 e a circulação livre dos resultados é alarmante

No final de janeiro, cientistas de vários países assinaram uma moratória de 60 dias cessando certos tipos de experimentos genéticos envolvendo o vírus H5N1, que causa a gripe aviária. Sei que estamos em ritmo de Carnaval, mas achei o assunto importante, mesmo nesta época de hedonismo puro.

O vírus H5N1, comumente encontrado em aves selvagens, raramente afeta humanos e não é transmitido facilmente. Porém, quando afeta, sua eficiência é alta: das 500 vítimas registradas, metade faleceu.

A interrupção das pesquisas foi necessária após um grupo da Holanda mostrar que, quando geneticamente modificado, o vírus pode ser transmitido entre ferrets, mamíferos que fazem o papel de cobaias. O grupo holandês queria demonstrar que devemos ter cuidado: pequenas mudanças podem transformar o vírus numa doença letal e altamente contagiosa, com potencial de causar uma pandemia catastrófica. Ao aprender mais sobre o vírus, poderíamos nos preparar melhor caso ele venha a se transformar.

Os resultados levantam uma série de questões sobre a natureza da pesquisa científica e o seu controle. Tanto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) organizou uma conferência às pressas na semana passada com alguns especialistas.

Parece enredo de filme: acidente em laboratório permite que o vírus escape e comece a infectar a população, matando milhões.

Na imaginação pública, é o mito do doutor Frankenstein, o cientista que, mesmo agindo com a melhor das intenções, cria um monstro assassino que foge do seu controle. (Ao menos na versão de Hollywood, mais popular do que a original de Mary Shelley, uma exploração brilhante da ciência de ponta de sua época -início do século 19- e dos limites do poder que temos sobre as forças da natureza).

Quando cientistas veem necessidade de censurar o trabalho de outros cientistas podemos ter certeza de que o debate será ferrenho. Afinal, um dos aspectos mais essenciais da ciência acadêmica é justamente sua abertura: qualquer um pode ter acesso aos dados e à metodologia usada, de modo que os resultados possam ser replicados, testados e, em geral, melhorados.

A iniciativa de interromper a pesquisa e a livre circulação dos resultados é alarmante. Será que esse tipo de pesquisa deve ser proibido? Será que deve ser relegado a laboratórios ultrasseguros, como os que guardam amostras de varíola ou ebola? Será que salvaguardas podem ser implementadas de modo que detalhes-chave sejam revelados apenas para pesquisadores selecionados? E quem decide que pesquisadores são esses? Isso me lembra a paranoia durante o Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica na Segunda Guerra. O medo de espionagem quase destruiu a carreira de J. Robert Oppenheimer. Imagine só as teorias de conspiração que surgirão a partir do vírus.

Da bomba atômica deveríamos aprender que a pesquisa nunca anda para trás. Uma descoberta nunca é esquecida. Por outro lado, não devemos equacionar a ciência com a caixa de Pandora. No caso do H5N1, a pesquisa que estuda como o vírus pode ser transmitido entre humanos é o melhor modo de entendê-lo. Ou, caso ocorra, de como criar uma imunização eficiente.

Sem advogado, não há justiça - LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO

FOLHA DE SP - 19/02/12


Hostilizado pelo público ou pela mídia, o criminalista não deve ser confundido com o cliente; quem já foi acusado e sofreu processo sabe o valor da defesa

Uma das referências históricas mais emblemáticas sobre a importância da missão do advogado está em uma frase de Napoleão Bonaparte, que dizia preferir cortar a língua dos advogados a permitir que eles a utilizassem contra o governo.

Esse tipo de pensamento demarca que a advocacia definha nas sombras do autoritarismo, porque o confronta, e só prospera dentro do Estado democrático de Direito.

O papel social e institucional do advogado é imprescindível nos regimes democráticos. Ele assegura, na esfera jurídica, a todos os cidadãos a observância a seus direitos constitucionais e legais.

Quem já foi acusado de algum ilícito e sofreu processo penal conhece a importância do trabalho da defesa, visando aclarar os fatos, superar as arbitrariedades e fazer triunfar a justiça.

Os julgamentos de crimes com grande repercussão popular, quando o clamor público não admite ao acusado nem mesmo argumentos em sua defesa, se tornam combustível para os erros judiciários.

Nesses casos, o que nem sempre é claro para a sociedade é que o advogado tem a missão de buscar um julgamento justo no interesse de seu constituinte, com base no direito e nas provas. Sua missão é chegar à verdade e à justiça, anseios de todos.

Por mais grave que seja o crime, o advogado tem o dever de promover sua defesa. Rui Barbosa é muito incisivo ao afirmar que ninguém é indigno de defesa.

"Ainda que o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova. Ainda que a prova inicial seja decisiva, falta não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, mas também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas", afirmou em carta ao advogado Evaristo de Morais Filho.

O advogado criminalista não pode ter sua figura confundida com a do seu cliente, não deve ser hostilizado pela opinião pública e pela autoridade judiciária ou sofrer "linchamento moral" por parcela da mídia.

A sua atuação acontece no âmbito do devido processo legal. Ele deve garantir a ampla defesa e o contraditório ao acusado, observando o princípio da presunção de inocência, até decisão judicial com trânsito em julgado. O advogado não busca a impunidade do seu cliente, mas tem a obrigação de assegurar que seja feita justiça.

Assim sendo, os direitos contidos no ordenamento jurídico nacional não podem sucumbir ante a opinião pública "convencida" da culpa de alguém. Não pode também a defesa ter sua atuação cerceada pela intensa reação popular, guiada pela emocionalidade e pelo sensacionalismo, pois isso constitui grave violação ao Estado de Direito.

A profissão de advogado foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988, reconhecendo o legislador a sua indispensabilidade à administração da Justiça e a inviolabilidade do advogado por atos e manifestações no exercício profissional.

Quando a opinião pública, comovida, negar-se a ver e a ouvir os fatos, o advogado criminalista deve manter os olhos bem abertos e os ouvidos atentos para conduzir o seu constituído pelos caminhos do Estado de Direito.

Com independência e arrojo, ele deve promover a sua defesa, independentemente de ser amado ou odiado, e cumprir com dignidade a função tutelar do direito.

Centrifugando - HUMBERTO WERNECK


 O Estado de S.Paulo - 19/02/12


Dona Alzira diz que já começou a centrifugar.

A esta altura da vida, nada do que a boa senhora diz ou faz me surpreende. Vai longe o dia em que ela me deixou de queixo caído com a história do escudo de eucatex que mandou fazer para se proteger do raio laser de um tarado que assombrava a mulherada do bairro - ela, em especial. É, dona Alzira, já bem entrada nos 70 anos de idade, sentiu-se a fêmea mais visada pelo lascivo malfeitor. Lembra? Tinha até cor o tremebundo raio laser do degenerado - e por favor se abstenha de interpretações cromático-psicanalíticas: a estrovenga do malfazejo expedia raios vermelhos. Cheguei a ver o tal escudo, encostado junto à porta de entrada para qualquer eventualidade. Com tarado não se pode bobear. Tem tempo que dona Alzira não fala nele. Sua conversa, agora, é outra: a centrifugação.

Desde então, mais algum tempo desabou sobre seu alquebrado lombo. Donde a centrifugação. Daqui a pouco você vai entender. Eu próprio demorei um pouco. Dona Alzira às vezes recorre à linguagem figurada. E às vezes envereda pela filosofia. No caso, juntou as duas coisas. Estávamos na sala de seu apartamento e ela me falava da cruel passagem do tempo (estou reproduzindo suas palavras), da nossa finitude (usou esta expressão), da inexorabilidade (idem) da morte que faz tocaia na mais pacata curva da existência.

Nesse ponto dona Alzira suspendeu a explanação, esteve por uns segundos meditabunda (ela talvez preferisse dizer meditanádega), ruminando coisas, depois acendeu um sorriso (gostaria desta imagem) - e então me convidou para passar à área de serviço, onde me tangeu até a máquina de lavar. E aí, tendo por fundo musical o chac-chac da lavadora, voltou a fiar sua filosofia.

Em síntese, o seguinte: nossa existência se compõe de ciclos que são mais ou menos os mesmos de uma máquina de lavar roupa. Prosaico, porém verdadeiro, enfatiza dona Alzira. Se bem compreendi, no fundo somos todos uma brastemp. Nos anos de formação, é como se você estivesse de molho, preparando-se para as refregas a vir. Em seguida vamos para o mundo, e ele, impiedoso, nos chacoalha de lá para cá, que nem faz a lavadora com a nossa roupa.

Depois de muito sacolejo existencial, vem a fase do enxágue, que em sentido figurado equivaleria à progressiva depuração que a vida promove em nossas pessoas, à medida que amadurecemos - se bem obrarmos, evidentemente. O importante é que aos poucos nos livremos das nódoas que trazemos de origem (o pecado original, digamos assim) e daquelas que vamos adquirindo pelo caminho.

E quando bem maduros estamos, arremata dona Alzira, maduros e limpos, eis que inelutavelmente ingressamos na fase derradeira - a centrifugação, após a qual estará completo o périplo que cumpre ao bicho homem (ela adora a expressão, aprendida numa entrevista do Sebastião Salgado) empreender na áspera superfície desse planeta em que nos é dado viver (palavras, outra vez, do famoso fotógrafo).

Engenhoso, sem dúvida - mas a coisa não está completa, ouso observar: a roupa que acaba de ser lavada ainda não está pronta para ser usada, sendo preciso, antes, pô-la para secar, seja no varal, seja numa secadora. Dona Alzira me endereça um olhar condescendente, carregado da sabedoria de quem, ao cabo de tanta peleja, se sente centrifugar: isto é irrelevante, como irrelevante é o destino dado ao nosso cadáver, que pode ser enterrado ou cremado, sem que isso altere em nada o que foi vivido.

Só me resta observar: ahnn... E concluir, um tanto apreensivo, que também eu, ai de mim, já estou centrifugando, ou quase: cheguei àquele ponto em que não terá cabimento alguém falar em morte prematura quando eu bater a pacuera. Certa está dona Alzira! E sabe Deus que lições mais a boa senhora, com sua inteligência de alta voltagem, poderá tirar dos outros eletrodomésticos que povoam sua casa - a geladeira, o grill, a torradeira, o ar-condicionado, o aquecedor de ambiente, o ventilador, a enceradeira, o ferro de passar, o mixer, o liquidificador, a batedeira de bolo, o aspirador de pó, o vaporetto, o espremedor de laranja, o secador de cabelo, quem sabe mesmo o barbeador do Walter...

CARNAVAL


O jogo dos acasos - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 19/02/12
É que viver é assim: o acaso promove os encontros e a necessidade os integra em nossa vida ou não


Foi por acaso que Valdomiro veio a se chamar Valdomiro, já que, por decisão da mãe, ia chamar-se Valdir. Sucedeu que o pai, a caminho do cartório onde faria o registro de seu nascimento, em vez de seguir por uma rua, seguiu por outra e, nessa, deparou-se com a seguinte pichação num muro: "Vote em Valdomiro, amigo dos pobres".
Foi o bastante para mudar de ideia e pôr no filho o nome do político que admirava. Mas não disse nada a sua mulher, que ficou chamando Valdomiro de Valdir até o dia em que descobriu o engano. E foi também por acaso que, em vez de estudar sanitarismo, estudou contabilidade, matéria em que se formou e passou a ganhar a vida.
"Meu sonho era ser sanitarista, mas o professor que ensinava essa matéria morreu no dia mesmo em que me matriculei no curso, que foi cancelado temporariamente. Como Jorginho, meu primo, havia escolhido estudar contabilidade, segui a sugestão dele e, assim, me tornei contador", contou ele certa vez.
Não menos inesperado foi seu encontro com a moça que se tornaria sua mulher. Aconteceu numa festa de São João, numa cidade vizinha; festa à qual não iria até que a família inteira seguiu para lá. De má vontade concordou em ir somente porque não queria ficar sozinho em casa. Pois bem, ali conheceu Julinha, que também não era da cidade e só foi a convite de uma irmã. Amor à primeira vista, pois já se despediram com encontro marcado para a semana seguinte, na cidade dele.
Pois é, mas isso não teria maiores consequências se com ela não houvesse ocorrido um fato que viria precipitar seu namoro com Valdomiro: rompera recentemente um noivado que já durava vários anos, devido a suas hesitações. Poucos meses antes de conhecer Valdomiro, tomara coragem e rompera: "Eu gostava dele como amigo, mas não para ser meu marido".
Foi um escândalo nas duas famílias, na dela e na do noivo, que já se tinham como uma só. Para livrar-se do incômodo que essa situação lhe causava, passou a viajar sempre que podia, mesmo que fosse para passar apenas alguns dias distante daquilo. A decisão de casar-se com Valdomiro foi certamente um modo de pôr fim àquela situação. É que viver é assim mesmo: o acaso promove os encontros, e a necessidade os integra em nossa vida ou não. Isso significa que, naquelas circunstâncias, ela se casaria com qualquer um? Não se sabe. A verdade é que com Valdomiro ela se casou.
E mudou a vida dele que, de fato, não estava à procura de uma mulher. Ou, se estava, não se tinha dado conta, mesmo porque, muitas vezes, são os acontecimentos que nos revelam o que estávamos buscando sem o sabermos. A ida do casal para o Rio foi facilitada por um tio de Julinha, que tinha uma firma de representação na rua da Alfândega. Esse tio arranjou para Valdomiro fazer alguns bicos, ora na sua própria firma -que não era grande-, ora em outras que negociavam com ele.
Valdomiro alugou um pequeno apartamento no Catete, e Julinha conseguiu um emprego num salão de beleza ali perto. Aos domingos, pegavam o metrô e iam à praia de Copacabana tomar banho de mar.
E foi na praia que ele conheceu um cara simpático, com quem passou a jogar frescobol e que o convenceu a fazer um curso de aperfeiçoamento profissional para conseguir um emprego numa firma importante que lhe pagasse bem e onde pudesse fazer carreira. O curso era noturno e dado num edifício do centro da cidade, próximo ao Theatro Municipal, mais precisamente no edifício Liberdade, que ficava na rua 13 de Maio, 44. As aulas começariam dali a um mês.
Acertou tudo, a primeira aula seria no dia 25 de janeiro. Mas aquele foi um dia estafante e, se dependesse de sua vontade, ficaria em casa, deitado no sofá, vendo televisão. Chegou a dizer isso a Julinha, mas ela, que via naquele curso um caminho para melhorarem de vida, convenceu-o a ir à tal aula.
Vestiu-se e saiu para tomar o metrô que o levaria à estação Cinelândia, próxima à rua 13 de Maio, mas tamanho era seu cansaço que adormeceu e só foi acordar na estação Uruguaiana. Ansioso, tomou o trem de volta e desceu no Largo da Carioca, no momento exato em que o prédio para onde ia desabava.

Correção de rota - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 19/02/12


O possível ingresso de José Serra no cenário eleitoral paulistano acendeu luz de alerta no Planalto. Em análise preliminar, Dilma Rousseff avalia a necessidade de dedicar mais atenção que o planejado à campanha de Fernando Haddad se o ex-rival tucano se candidatar. A presidente criará embaraço com aliados, sobretudo o PMDB, mas reconhece que Serra transformaria a corrida pela Prefeitura de São Paulo numa espécie de "terceiro turno" da disputa presidencial de 2010.

Ministros palacianos entendem que o ex-governador paulista, caso entre no páreo, atacará Haddad mirando Dilma, forçando o governo a reagir com energia.

Muita calma 
Na contramão, outros conselheiros temem que, aceitando o embate direto com os tucanos, Dilma exponha seu capital político numa operação de risco.

Em outra 
Haddadistas já preparam o discurso de desembarque da negociação com o PSD. Em privado, dizem que o gesto de aproximação foi de Gilberto Kassab. Afirmam ainda que as vaias ao prefeito na festa de aniversário do PT mostraram que "o sentimento do partido era contrário à aliança".

Calculadora 
Petistas simpáticos à composição com Kassab advertem que a campanha de Haddad precisará de reengenharia a fim de avançar sobre o eleitorado historicamente demotucano. E lembram do teto histórico de 35% dos votos na capital.

Pré-show 
De um bem-humorado observador da encrenca tucana na corrida pela Prefeitura de São Paulo: "Os quatro pré-candidatos continuam aquecendo a plateia do PSDB para a atração principal. Só falta agora Serra entrar no palco de vez".

Biodiversidade 
Preocupado com os movimentos pendulares de Kassab, o PV abriu tratativas com o PPS. Os verdes agora admitem uma dobradinha de Soninha Francine com o secretário Eduardo Jorge (Verde e Meio Ambiente) de vice.

Limpeza 1 
Na esteira do julgamento do STF que validou a Ficha Limpa, Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab impedirão a nomeação de secretários e diretores de autarquias que possuam condenações em segunda instância. No Bandeirantes, o decreto deve ser assinado até março.

Limpeza 2 
No âmbito da capital, a Câmara unificou todas as propostas que tramitavam desde 95 e apresentou novo texto na quinta-feira aos líderes. Como já há acordo entre os partidos, o projeto será submetido ao plenário, estendendo as restrições a ocupantes de cargos de confiança da prefeitura.

Copyright 
O comitê paulista da Copa prepara manual para orientar as cidades que planejam organizar eventos alusivos ao Mundial de 2014. O objetivo da cartilha é assegurar que toda a programação visual siga as normas da Fifa, inclusive no uso das marcas e patrocinadores oficiais da competição.

Na mesa 
Paulo Skaf negocia encontro do ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e do vice-presidente, Michel Temer, com as centrais sindicais, dia 27, na Fiesp. A ideia é retomar a discussão de medidas para enfrentar a desindustrialização.

Ressaca 
Com o esvaziamento de Brasília no pré-Carnaval, as queixas sobre os cortes orçamentários de Dilma, que alvejaram emendas parlamentares, ficaram para a Quaresma. "Nesse caso, a pressa foi inimiga da reclamação", diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

Folha, 91 A Folha completa hoje 91 anos.
com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
"Diziam que a CPI do Correios ia acabar em pizza, mas a Câmara fez sua parte. Não acredito que haja alguém com vocação para pizzaiolo no Judiciário."

DO DEPUTADO OSMAR SERRAGLIO (PMDB-PR), analisando a condenação de Marcos Valério, baseada em inspeção realizada pela comissão da qual foi relator, e a perspectiva de julgamento do caso pelo Supremo neste ano.

contraponto
Outros tempos

Em 1991, numa tentativa mal sucedida de revisar o Código Penal, Evandro Lins e Silva (1912-2002) ouviu da procuradora Luiza Nagib Eluf, única mulher entre os integrantes da comissão, que o texto deveria incluir o crime de assédio sexual. Impaciente, o jurista respondeu:

-No Brasil, sexo não tem os mesmos tabus dos EUA. Você está importando uma daquelas ideias americanas radicais. O que faremos com as praias do Rio?

Na época, a tese de Lins e Silva prevaleceu. Dez anos depois, assédio sexual tornou-se crime no Brasil.

Um complô contra o papa Bento XVI - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 19/02/12


O papa Bento XVI será assassinado. Quando? Nos próximos 11 meses.

Este diálogo parece fazer parte de um desses romances fantásticos que os americanos adoram, do gênero O Código da Vinci, de Dan Brown, ou então, subindo um pouco na hierarquia literária, no estilo O Nome da Rosa, de Umberto Eco.

No entanto, a notícia não tem nada de romanesco. E não data da Idade Média. Ela é atual e não é imaginária. Há três dias o jornal italiano Il Fatto Quotidiano trouxe a manchete: "Dentro dos próximos 12 meses o papa vai morrer".

Para melhorar ainda mais a informação, ficamos sabendo que a descoberta desse plano foi do arcebispo de Palermo, na Sicília, cardeal Paolo Romeo, que ouviu rumores neste sentido quando fez uma viagem recente à China.

Assim, passamos do medíocre romance de Dan Brown para um outro modelo de ficção, de melhor qualidade, como O homem que veio do frio, de John le Carré, ou James Bond, de Ian Fleming.

No Vaticano, ninguém nega a existência de um documento assinado do cardeal Dario Castrillon Hoyos relatando esses projetos de assassinato, mas não os levam a sério.

"Não, o papa não está ameaçado. Essas informações não têm fundamento."

Contudo, mesmo que sejam falsos e imaginários, esses ruídos não são inocentes. Servem a alguém ou alguma coisa. E confirmam que o fim de reinado do papa Bento XVI, gentil, teológico e envelhecido, constitui um terreno favorável para as especulações e também as manobras envolvendo a sua sucessão.

Não vamos ter a arrogância de achar que conhecemos a solução do enigma. Inquirir o Vaticano é uma missão desesperadora. Como conhecer uma verdade nesses edifícios seculares interrogando batinas vermelhas ou violetas, escutando confidências tão serenas, tão belas e inteligentes que parecem silêncios.

Um nome surge em todos os discursos referentes a esse problema cada vez mais urgente, que é a sucessão do papa. É o do cardeal Tarcisio Bertone, o número dois do Vaticano, secretário de Estado de Bento XVI.

Um homem de 77 anos, suspeito de ter influenciado o papa a nomear cardeais algumas pessoas muito próximas dele, Tarcisio.

Para o especialista em assuntos ligados ao Vaticano Iacopo Scaramuzzi, "Bento XVI provavelmente compreendeu que fez uma má escolha ao confiar a Secretaria de Estado a Bertone, mas é tarde. Ele não vai mudar sua decisão no momento".

Mas contra o cardeal Bertone um outro homem lança suas flechas, denuncia a corrupção dentro da secretaria. Trata-se do arcebispo Carlo Maria Vigano, ex-secretário de Estado do Vaticano, que foi substituído por Bertone e em seguida enviado pelo próprio Bertone para a Nunciatura de Washington, um posto de prestígio, porém distante de Roma.

O papa Bento XVI é um homem justo, um pouco eclipsado pela figura excepcional do seu predecessor, João Paulo II, e, na sua idade avançada, precisa administrar uma instituição magnífica, de quase 2 mil anos, arruinada por escândalos recorrentes: corrupção, lavagem de dinheiro, problema de integristas, pedofilia, entre outros.

Ele não se manifestou sobre esses tristes casos. O L' Osservatore Romano, órgão do Vaticano, assim se manifestou em 14 de fevereiro: "Em matéria de inovação e purificação, justiça será feita ao pontificado de Bento XVI, este pastor indulgente que não conspira no meio dos lobos". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Os homens se fantasiam com patacões - ELIO GASPARI


O GLOBO - 19/02/12

Os homens gostam de se divertir à custa da vaidade das mulheres e de seus balangandãs, mas são eles quem sustentam boa parte de um dos ramos mais lucrativos da indústria do luxo, o dos relógios de pulso extravagantes. Depois de um tempo em que prevaleceram relógios baratos, como os Swatch, ou mesmo caros, porém, discretos, como os Piaget, deu-se uma epidemia de patacões. Marmanjos que jamais fizeram um exercício físico ostentam cronômetros de mergulhadores. O mercado de relógios de luxo chegou a US$ 19 bilhões no ano passado (incluindo os femininos) e o filé mignon está na China, com o Brasil em posição emergente. Um patacão que se preza custa em torno de US$ 5 mil. Um blogueiro chinês caçou os relógios dos hierarcas do Império do Meio e achou uma coleção que vale US$ 62 mil enfeitando o ministro dos Transportes, ex-chefe da Receita. O que aconteceu com o blogueiro, não se sabe, mas o seu site saiu do ar.

Depois que o comissário José Dirceu ganhou um Rolex estimado em R$ 15 mil e verificou-se que era falso, é impossível avaliar quanto os brasileiros notáveis levam nos pulsos. Os maiores patacões do Executivo estão com os ministros José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante (pelo menos dois). No Congresso, o senador Aécio Neves lidera a bancada com dois, um dos quais é o maior do país. O presidente da Câmara, Marco Maia, já mostrou três. No Judiciário, o campeão é o ministro Luiz Fux, cujo patacão é quase do tamanho do nó de sua gravata. No bloco das mulheres predomina a discrição. A doutora Dilma já usou um, branco, com jeito de Chanel, mas ele sumiu.

O pavão mundial é o ex-presidente Bill Clinton. Enquanto esteve na Presidência, usava um Timex de US$ 50. Depois dela, tornou-se colecionador e tem um Jaeger-LeCoultre que chega a custar US$ 7 mil. Nicolas Sarkozy coleciona um Breitling (marca preferida de Fernando Collor), um Cartier e um Patek Phillippe. Vladimir Putin tem um bom estoque e já presenteou um operário com o Blancpain de US$ 10 mil que tinha no pulso. O companheiro Obama usou o mesmo Tag Heuer durante 15 anos. Na Casa Branca, ganhou um modelo presenteado pelo Serviço Secreto.

O mais curioso nessa moda é que ela surge numa época em que cada vez mais gente vê as horas no celular.

Trapalhões

O companheiro Obama não fez o governo que prometeu, mas os deuses deram-lhe adversários que são o sonho de qualquer político. Os republicanos Mitt Romney e Rick Santorum fazem campanhas nacionalistas, do tipo "compre produtos americanos".

Em 2008, Santorum tinha um Audi (alemão). O caso de Romney é pior. Ele apareceu numa peça publicitária destinada aos eleitores do Michigan (o Estado onde ficam as ruínas industriais de Detroit) dirigindo um Chrysler 300 montado no Canadá.

O poderoso diretor

No seu balanço do último trimestre de 2011, a Petrobras embaralhou os valores de quatro cifras. Numa das trocas, R$ 95,484 milhões viraram R$ 25,2 milhões. Ocorreram erros de digitação, tornando absurdas as informações. Coisas da vida, pois só encalha quem navega.

Na hora de explicar, o diretor financeiro da empresa, Almir Foster, na primeira entrevista que concedeu durante a gestão da nova presidente, Graça Barbassa, exercitou a sabedoria dos burocratas infalíveis: "Não foi trapalhada alguma, trocou-se uma linha pela outra".

Fica combinado que trocar o sobrenome doutor Almir Barbassa pelo de Graça Foster não é uma trapalhada.

Os cirurgiões plásticos acordaram

Foi-se o tempo em que o Conselho Federal de Medicina se opunha à exigência de uma simples comunicação formal, pelos médicos, dos riscos a que estavam submetidas as mulheres que fazem implantes mamários. Depois da ruína provocada pela vigarice do silicone PIP, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica está criando mecanismos que protegerão as pacientes e os médicos.

Ela instituiu um Cadastro Nacional de Implantes Mamários e combinou com a Anvisa a criação de um sistema mais eficiente para a notificação de problemas surgidos depois das cirurgias. De abril de 2010, quando os implantes de PIP foram proibidos, até o final do ano passado, nenhum médico notificou à Anvisa casos de rompimento de implantes. (É verdade que o portal da Agência é paleolítico.)

A SBCP promete que nos próximos meses colocará no seu portal um modelo de documento no qual a paciente informará que tomou conhecimento dos riscos da cirurgia. Mais: a SBCP redigirá uma cartilha, na qual detalhará os riscos do implante e pedirá aos médicos que recomendem sua leitura, com um carimbo no verso do receituário.

Se o médico oferecer um texto de consentimento com menos detalhes que o da SBCP, cuidado. Se ele também não se referir à cartilha, é melhor mudar de médico.

Mestre Tourinho

O desembargador Tourinho Neto, membro do Conselho Nacional de Justiça acha que os juízes estão sendo encurralados pela exibição da contabilidade de alguns tribunais: "O juiz desonesto deve ser punido, mas não é assim que a imprensa está fazendo. Precisamos de associações para lutarmos contra essa imprensa marrom".

Numa trapaça do destino, na mesma sessão, por 12 a 2, o Conselho aposentou compulsoriamente o desembargador Roberto Wider, do Tribunal de Justiça do Rio. Em 2009, os repórteres Chico Otavio e Cássio Bruno informaram que o doutor facilitava a vida de amigos em nomeações para cartórios e litígios imobiliários. No ano seguinte, Tourinho Neto relatou o processo de Wider e defendeu sua absolvição.

Sem imprensa e sem o CNJ, nada disso teria acontecido.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e pede que se registre a infinita confiança que deposita no desempenho do deputado Aguinaldo Ribeiro, novo ministro das Cidades.

O idiota pede esse registro porque soube que o doutor destina R$ 1.500,00 mensais do dinheiro da Viúva para subsidiar sites que falam bem de sua augusta pessoa. Espera que o doutor corresponda à confiança que deposita nele, botando um capilé na conta da Estação Primeira de Mangueira.

Madame Natasha

Madame Natasha zela pela harmonia do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao economista Samuel Pessoa pela seguinte evolução:

"Todos os complexos modelos ''dinâmicos e estocásticos de equilíbrio geral'' que os bancos centrais utilizam para auxiliar na formulação da política monetária empregam o princípio da demanda efetiva. Assim, estou ciente que a causalidade é da poupança para o investimento."

Madame desconfia que ele quis dizer o seguinte: "Todas as estimativas têm margem de erro. Entendo que a poupança determina o investimento possível".

Outra carta da Dorinha - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 19/02/12

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, até hoje só perdeu um carnaval. Foi quando morou um ano no exterior com um milionário cujo título ela não se lembra (“Duque, Sultão... Sei que era nome de cachorro”). O romance durou pouco porque ele tinha lhe jurado que era do “jet set” mas se revelou um teco-teco na cama. Até hoje Dorinha só se refere a ele como “Le Blef”. Fora este interregno impensado, Dorinha nunca deixou de desfilar no carnaval. Inclusive com sacrifícios pessoais, como na vez em que saiu como destaque num pedestal tão alto que ficou presa na rede elétrica e foi salva por um bombeiro chamado Eudir, com quem ela não tem certeza mas acha que se casou depois. Ficou famosa a sua passagem triunfal na avenida como rainha da bateria, só de tapa-sexo e puxando o Pitanguy pela mão, para o caso do publico começar a gritar “O autor! O autor!”. Por tudo isto, pode-se compreender seu desalento com a possibilidade de não desfilar este ano. Sim, ela e seu grupo de pressão política e carteado, as Socialaites Socialistas, estão ameaçadas de serem cortadas do desfile da sua escola, porque... Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinta púrpura em papel rosa e com aroma de “Sacanage”, um perfume recém lançado e já banido em vários países.

“Queridíssimo. Beijos tristes e babados. Agora esta: estão preocupados com a quantidade de brancos nas escolas de samba e a solução, na nossa escola, foi adotarem um sistema de cotas! Parece que se deram conta da gravidade da situação quando descobriram que justamente este ano, quando o tema da escola é ‘Esplendor de um Rei Nagô’, a porta-bandeira será canadense e o mestre-sala dinamarquês, e os dois aprenderam a evolução por correspondência. Concluíram que se não fosse tomada uma resolução drástica agora em breve teríamos baterias formadas só de alemães. Como o ritmo dos desfiles fica cada vez mais marcial, nesse quesito os alemães não seriam problema. Problema seria eles não pararem na praça da Apoteose, seguirem adiante e invadirem a Polônia. Concordamos que alguma coisa deve ser feita, mas o fato é que as cotas para brancos já foram todas preenchidas por um grupo ucraniano e não sobrou nada para as Socialaites Socialistas, vítimas de odiosa discriminação. Pensamos em muitas maneiras de contornar a situação, todas envolvendo algum tipo de escurecimento rápido da pele, culminando com a decisão da Tatiana (‘Tati’) Bitati de mergulhar em tinta nanquim. Mas temos pouco tempo. E o impensável talvez aconteça. Este ano, a avenida pode não ver Dora Avante. Domage. Estou com seios novos, ainda não testados em público. Assim passam as glórias, e as doras, deste mundo. Beijíssimo da tua Dorinha”.

Contraste chocante - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 19/02/12


Abrir uma empresa no Brasil demanda 119 dias distribuídos em 13 procedimentos burocráticos, que saem por R$ 2.038. Melhoramos em relação a 2007, quando eram necessários 152 dias e 15 carimbos, mas, globalmente, ocupamos a 179ª posição entre os 183 países avaliados pelo Banco Mundial.

Em 2009, eu e meus colegas da Folha, Claudio Angelo e Rafael Garcia, num experimento jornalístico, criamos a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, cujos estatutos podem ser descritos como puro nonsense teológico. Ela nos custou cinco dias (não consecutivos) e R$ 418. Munidos do registro em cartório e do CNPJ, abrimos uma conta bancária e fizemos aplicações financeiras que estavam livres de impostos, uma vez que se tratava de instituição religiosa.

O contraste é chocante, especialmente quando se considera que o impacto que empresas exercem na geração de empregos e na produção de bens e serviços, isto é, no bem-estar objetivo e mensurável da sociedade, tende a ser maior que o de igrejas.

Cuidado. Não estou afirmando que instituições religiosas jamais façam o bem nem que não existe lógica no dispositivo constitucional que confere imunidade tributária aos templos de qualquer credo. O intuito aqui é o de assegurar a liberdade de culto, uma ideia importante, mesmo para quem não liga para religião mas defende a democracia.

De tempos em tempos, porém, é bom pararmos para nos perguntar se os caminhos que trilhamos são os mais corretos. É claro que precisamos de controles burocráticos sobre a criação de empresas, mas será que não avançamos além da conta quando eles se tornam um obstáculo à atividade econômica?

Dá para defender que a fé não seja tributada, mas o mesmo poderia ser dito de itens ainda mais essenciais à vida, como alimentos e remédios, sobre os quais incidem impostos às vezes bastante pesados. Aqui, eu tenho mais perguntas do que respostas.

GOSTOSA


Eleições e escolhas - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 19/02/12
Há outras, mas seis eleições são fundamentais este ano: as da França, Estados Unidos, Venezuela, Grécia, Rússia e México. Haverá ainda uma delicada troca de comando na China, feita à moda totalitária: negociações fechadas com critérios opacos decidiram os novos chefes do país. Em cada um desses sete países há travessias importantes e dilemas a serem enfrentados na política e na economia.
A Venezuela está com o mesmo presidente há 14 anos e uma ressaca econômica.
Tem a maior inflação da América Latina e baixo crescimento. Cicatrizes do longo mandarinato estão nas instituições minadas pelo intervencionismo chavista; na oposição, que só agora começa a se organizar; e na sociedade, que ficou polarizada.
A doença de Hugo Chávez traz incerteza para o país e para a sociedade. As informações sobre a evolução do câncer são guardadas ao estilo soviético. Ele comandou um movimento político tão personalista que poucos líderes floresceram. Como governou incitando o ódio aos seus opositores, a fratura da sociedade se aprofundou. A oposição mostrou força ao escolher um candidato, o jovem Henrique Capriles Radonski, aprovado por três milhões de participantes das primárias. Chávez controla o Judiciário, o Legislativo e encurralou a imprensa. Nada da sua conhecida pirotecnia venceu a inflação e o baixo desempenho econômico.
Nas duas eleições mais críticas do ano, os governantes disputam reeleição. O presidente americano, Barack Obama, com muita chance de ser reeleito; o da França, com pouca. Nos Estados Unidos, os eleitores vão para as urnas em novembro; na França, daqui a dois meses. Obama está começando a colher os frutos do esforço de retomada econômica e tem a vantagem da fraqueza dos adversários.
O Partido Republicano escolheu ir tão para a direita que se afastou dos eleitores do centro, sempre decisivos em qualquer eleição.
Obama tem chances de um segundo mandato.
O presidente Nicolas Sarkozy está atrás nas pesquisas e sente o desgaste provocado pela crise econômica da Zona do Euro. O Partido Socialista está recompondo com François Hollande o favoritismo que tinha perdido com o escândalo de Dominique Strauss-Khan.
Num cenário em que Hollande seja o novo presidente há perguntas para além das fronteiras francesas, porque Sarkozy tem sido o copiloto da crise. O Partido Socialista é tradicionalmente mais europeísta, mas também é menos favorável às medidas de controle de gastos. Se Hollande for eleito, mas não tiver maioria no congresso, terá que ser formado novo gabinete de coabitação, que será um governo fraco para quem precisa debelar a crise. A França enfrenta desafios enormes na área econômica: sua dívida é de 85% do PIB, seu déficit é 5,8%, o desemprego está em 10%, e a classificação de risco está sendo ameaçada pelas agências.
Na Rússia, o processo de escolha será em março. Se for eleito presidente, Vladimir Putin estará no seu quarto mandato sucessivo. Um deles como primeiro-ministro, mas em todos foi o verdadeiro poder. Tem sido acusado de fraude, enfrenta manifestantes, mas está na frente nas pesquisas. A inflação está alta, mas o país cresce. Se vencer, como parece, a Rússia estará mais distante da democracia.
A Grécia antecipou para abril as eleições e até agora o favorito é a Nova Democracia, de extrema-direita, o que faz de Antonis Samaras, presidente do partido, o político com mais chance de ser o próximo primeiro-ministro, no lugar de Lucas Papademus.
A nova Democracia governou o país até 2009, deixando para o ex-primeiro-ministro George Papandreau a herança maldita do déficit e dívida crescentes e mentiras contábeis. O Partido Socialista revelou o tamanho do verdadeiro rombo e naufragou na crise. Agora, vê o rival na frente nas pesquisas. A Nova Democracia escreveu uma carta assegurando que respeitará o acordo que está sendo negociado com os credores.
O novo governo receberá o país no quarto ano de recessão. Como lidará com esta crise um partido que foi capaz de mentir tão descaradamente sobre os dados fiscais do país? O México vive tempos sangrentos.
O presidente, Felipe Calderón, governa com o país vivendo um dos mais graves períodos de violência. O país está entregue a gangues que controlam áreas, o saldo de mortes é de proporções alarmantes, e a economia está neste momento perdendo força e terminou o ano passado com um crescimento anualizado de apenas 1,7%. Principalmente, o país perdeu atratividade na disputa por investimentos.
A China vive mais uma das suas exóticas trocas de governo.
Obscuras, difíceis de serem entendidas, mas que sempre têm profundas repercussões na vida chinesa. No segundo semestre se reúne o Congresso para eleger os sucessores de Hu Jintao e Wen Jiabao. O vice-presidente, Xi Jiping, foi anunciado há dois anos como o escolhido para a presidência. Ele é filho de um ex-vice-primeiro-ministro tido como reformista, faz parte do que os especialistas chamam de aristocracia do partido, ao contrário de Hu Jintao, que era da burocracia partidária.
Em visita aos Estados Unidos, ele se expõe pela primeira vez. Foi técnico e previsível até chegar à cidadezinha do interior do Iowa, onde esteve há mais de duas décadas num intercâmbio.
Essas seis eleições e a troca de comando chinês marcarão o ano com decisões políticas que afetarão a economia.