segunda-feira, janeiro 23, 2012

Capitalismo em crise - RUBENS RICUPERO


FOLHA DE SP - 23/01/12

Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais vigoroso, o da China?

É sintomático da perplexidade contemporânea que seja o "Financial Times", bastião da ortodoxia, e não um jornal de esquerda que tenha tido a ideia de publicar uma série sob o título acima. O paradoxo não escapou a um dos colaboradores do jornal, para o qual a incapacidade da esquerda de capitalizar em cima da crise financeira demonstraria que, depois do colapso do comunismo real, não seria mais possível propor alternativa ao sistema atual.

O valor principal dos artigos não está na originalidade ou profundidade das análises. As matérias não passam de variações em defesa do status quo, revisto e melhorado por reformas de seus mais aberrantes defeitos. Uma síntese do sentido geral dos comentários é o do ex-assessor do presidente Obama, Larry Summers, cuja coautoria nos erros conducentes à crise não se discute. Segundo ele, a solução se encontraria em "pequenas reinvenções", não em questionamentos radicais. Ou, como reza o título de outro artigo, "O capitalismo morreu. Viva o capitalismo!"

A série se inspirou na preocupação com a crise de legitimidade do sistema. A escandalosa concentração de riqueza e de renda já alarmava antes os mais perceptivos. Para a maioria, no entanto, a eficácia passada do capitalismo em gerar prosperidade agia como um narcótico que amortecia a consciência da injustiça. Esta se torna insuportável na medida em que deixa de ser compensada por resultados palpáveis.

O exemplo do editorial introdutório é significativo. Nos últimos 30 anos, o salário dos dirigentes das cem maiores empresas saltou de 14 a 75 vezes mais do que o salário mediano, sem que, frisa o jornal, essa diferença se justificasse por qualquer desempenho correspondente. No fundo, a moral dos autores não é melhor do que a da nomenclatura chinesa: não há problema com a desigualdade e a injustiça em si mesmas; elas são condenáveis apenas quando o sistema se torna disfuncional na capacidade de gerar crescimento.

O corolário tácito é que a deslegitimação do sistema capitalista se dissipará naturalmente quando tudo voltar ao normal. Nesse ínterim, como se ignora quanto tempo teremos de esperar, conviria acalmar os indignados com alguma atenuação dos piores excessos. Isso, é claro, se os beneficiários de remuneração obscena aceitarem entrar no jogo de sacrificar um ou outro anel a fim de salvar os dedos.

Que incentivo teriam eles para tanto se sabem que os dedos nada têm a temer de uma esquerda desmoralizada e cabisbaixa?

Não obstante essas limitações, o mérito da série é de propor reflexão que se estende além do episódico, do sobe e desce das Bolsas e das oscilações da crise europeia. O que falta é aprofundar a análise, não só dos valores morais afetados, mas de questões que tocam na própria sobrevivência do capitalismo financeiro ocidental tal como existe. Podia-se começar pelas perguntas: terá esse sistema, sem reformas profundas, a capacidade de voltar a gerar taxas de crescimento capazes de absorver o desemprego estrutural e de assegurar o regime social de bem-estar? Será ele capaz de preservar a primazia ante o desafio de um capitalismo industrial mais jovem e vigoroso, o da China?

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