domingo, setembro 11, 2011

CAETANO VELOSO - Lurdinha

Lurdinha
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 11/09/11 

Eu tendia a gostar dos artistas insubmissos a programas que deveriam servir a alguma “ditadura do proletariado”

Paulinha Lavigne, que foi minha mulher e é minha empresária (portanto tem de me conhecer um bocado), riu muito ao me ler aqui contando que quase colaborei com a luta armada. Mesmo Dedé, que era minha mulher no tempo em que essas coisas se deram (e que é minha amiga queridíssima), poderá ter se surpreendido: não me lembro de ter dito a ela sobre o esboço de combinação que fiz com Lurdinha de dar apoio logístico à guerrilha. Ambas devem estranhar que um banana de pijama como eu, que, como disse o brilhante Lobão numa pocket-palestra, toca violão como quem está tomando um cafezinho (embora eu não tome cafezinho), pudesse estar ligado, ainda que remotamente, a atos de violenta bravura.

Lurdinha era minha colega de sala na faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. A turma era muito pequena. Os professores não despertavam entusiasmo. O interesse em ir à faculdade se centrava nos encontros com Wladimir Carvalho e Fernando Kraichete e nas conversas com Rose Foly no Diretório Acadêmico. Lurdinha, no entanto, com sua genuína vocação para a disciplina, assistia às aulas e executava as tarefas curriculares com pontualidade. Várias vezes ela foi me buscar em casa, fazendo arrancarem-me da cama às pressas, para que eu não perdesse uma prova. Ela era comunista e olhava com benevolência meu jeito boêmio.

Wladimir também era comunista. Todos os meus amigos na faculdade — e fora dela — eram de esquerda. Nenhum iria ao Cine Roma assistir a um show de rock de Raulzito e os Panteras. Íamos ao clube de cinema, ao MAM, ao Teatro dos Novos, aos concertos da Reitoria, ouvíamos João Gilberto e Thelonious Monk. Rock era lixo e anátema. Carlos Nelson Coutinho era nosso contemporâneo na faculdade e já escrevia artigos sérios: era o lado teórico do movimento que crescia no período pós-Jânio e pré-ditadura . Quando surgia uma discussão sobre se Luís Carlos Maciel escrever um livro sobre Kafka e Beckett representava alienação, eu sempre me posicionava do lado dos malucos: embora só tivesse lido “A metamorfose” e os contos “Na colônia penal” e “O faquir” (estes, na revista “Senhor”) — e nada de Beckett — eu tendia a gostar dos artistas insubmissos a programas que deveriam servir a alguma “ditadura do proletariado”. Apesar da minha teimosia em não entrar em grupo nenhum, eu era tratado com simpatia. O Centro Popular de Cultura da UNE local me pediu que escrevesse um samba para um bloco de carnaval engajado. Fiz “Samba em paz” — que veio a ser gravado, anos depois, por Elis.

O que mais impressionava em Lurdinha era sua sobriedade. Ela não exibia retoricamente a força de suas convicções: seu despojamento pessoal, sua lealdade inabalável, sua decisão de não perder tempo com discussões decorativas é que mostravam a firmeza de sua orientação política.

Quando nos jogamos no tropicalismo, Lurdinha tinha se casado com o pintor Humberto Vellame e se mudado para São Paulo. Entre móveis de plástico transparente e manequins de fibra de vidro, tínhamos, Dedé e eu, em nossa sala, um quadro de Vellame. O casal nos visitava de vez em quando. O tropicalismo tinha uma fome estética de violência que se traduzia em imagens fortes nas letras, sons elétricos e distorcidos nas bases, aproximação com a vanguarda radical da música clássica, contraste gritante com a bossa nova. Isso correspondia a uma impaciência com a inatividade dos comunistas sob ordens de Moscou e a uma identificação com a nascente dissidência liderada por Marighella. Faz pouco Juca Ferreira me alertou para o fato de que não toda a esquerda era hostil ao tropicalismo: dentre a turma da Lubelu (Liberdade e Luta) havia quem gostasse do nosso estilo. Lurdinha — que nunca fez coro às reações antipáticas ao nosso trabalho por parte da esquerda — sentia a mesma impaciência que eu. Só que ela nunca fora nem boêmia nem retórica: seu sentimento tinha de se expressar em ação. Quando ela me pediu um eventual apoio logístico, acedi de imediato.

Em "Verdade Tropical" digo que se a nossa revolução de esquerda tivesse vencido talvez daí saísse apenas mais um gigante com câimbras. Mas Marighella foi morto numa rua de São Paulo antes que isso se tornasse ao menos provável. E pela mão de Sérgio Fleury, o truculento policial que, em entrevista à revista“Realidade”
nos anos 70, disse da “Baixinha” que estivera sob tortura: “Maria de Lourdes do Rego Mello: Está aí uma das moças mais corajosas que vi na minha vida. De uma lealdade e segurança impressionantes. Nunca se deixou trair nos interrogatórios, nunca arrancamos dela uma palavra que levasse ao ‘Velho’ (Joaquim Câmara Ferreira, o ‘Toledo’). Foi seguida durante 60 dias, filmada, fotografada, até que foi presa. Essa moça recusou ir para o Chile, na troca com um embaixador. Quando soube disso, eu a chamei até minha sala. Disse: ‘Olha aqui, Baixinha, você mentiu para mim o tempo todo. De tudo quanto disse, 99% era mentira. Mas gostei de sua atitude. Aceito as suas mentiras. Agora deixo você em paz.’”

Desde que fui preso e exilado, eu não tinha notícias de Lurdinha. Temia que ela não estivesse viva. Foi o blog “Obra em progresso”, da feitura do Zii e Zie, quem a trouxe de volta. Um dos comentaristas, Julio, tinha o sobrenome Vellame. Perguntei se ele era parente de Humberto. Ele respondeu: “Sou filho de Lurdinha, Caetano.” Assim, a internet de Hermano Vianna me reaproximou da Maria Quitéria da guerrilha urbana.

EDITORIAL - O GLOBO - 'Estado obeso' e os servidores públicos



'Estado obeso' e os servidores públicos
EDITORIAL 
O Globo - 11/09/2011

Trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o funcionalismo público, divulgado quinta-feira, traz números sugestivos em torno de algo já conhecido: o governo Lula contratou bem mais servidores do que a gestão FH. De forma precisa, três vezes mais. Enquanto, nos oitos anos do tucanato no poder, o contingente do funcionalismo federal cresceu em 51.613 novos servidores, nos dois mandatos do lulopetismo, 155.534.

A comparação confirma os estilos diferentes de visão sobre o funcionalismo: com Fernando Henrique, menos contratações e ênfase numa reforma administrativa em busca de eficiência profissional, por meio de avaliações, metas e premiação; com Lula, a máquina entulhada de gente em nome de um projeto de "Estado forte", mas cujo resultado é um estado obeso, pois a preocupação com a eficiência do servidor foi engavetada por pressão das corporações sindicais petistas (CUT). Sem considerar o aumento dos tais cargos de confiança de aproximadamente 18 mil para mais de 20 mil, pessoas contratadas sem concurso, quase sempre por critérios políticos e pessoais, porta escancarada pela qual a máquina pública é aparelhada.

O fato de o número de servidores civis em 2010 (630.542) ser inferior ao de 1992 (686.618) induz à percepção de que o estado lulopetista pesa menos para a sociedade do que há 19 anos. Engano. A simples comparação entre os dois números reforça a definição jocosa de que estatística é igual a biquíni: mostra muito, mas esconde o essencial.

Este tipo de análise precisa considerar a conta financeira que recai sobre a população para pagar servidores ativos e inativos. Os aposentados (900 mil), por exemplo, representam um peso maior para o Tesouro do que todos os beneficiários do INSS (28 milhões). O déficit anual da despesa com as aposentadorias dos servidores chega a R$50 bilhões, superior ao do INSS, mais de R$40 bilhões.

Também pouco significa que o gasto com pessoal está nos 5% do PIB do fim do governo FH. Pois falta lembrar que ficou mais pesada a carga tributária, e o próprio PIB também cresceu. Vale dizer, o custo dos servidores e da manutenção do Estado como um todo subiu para a sociedade.

Além disso, a política adotada a partir de 2003 de privilegiar os salários dos servidores - algumas categorias têm melhor remuneração que a existente no mercado privado de trabalho para as mesmas funções - elevou a despesa com a folha do funcionalismo para bem mais de R$180 bilhões, se considerarmos os três Poderes, cifra que rivaliza com a conta de juros e a da própria Previdência. A situação é tal que o governo Dilma deveria desengavetar no Congresso o projeto que limita o crescimento anual da folha de pagamento do funcionalismo (em 2,5% reais), além de retomar linhas da reforma de FH, para não apenas melhorar a qualificação dos servidores, como também cobrar-lhes eficiência, pelo usual sistema de premiação ao mérito. Tudo feito sem dogmas ideológicos, contra ou a favor dos servidores.

O principal é a busca por eficiência no atendimento à população --- que não existe ----, e a um custo menor que o atual, muito alto.

DANIEL PIZA - Certezas em ruínas


Certezas em ruínas
DANIEL PIZA
O Estado de S. Paulo - 11/09/2011

Hoje faz dez anos que as torres do World Trade Center em Nova York caíram depois de atingidas por aviões sequestrados por terroristas suicidas sob comando de Osama Bin Laden. Há muitos dias a mídia do mundo inteiro vem falando do assunto, tentando um balanço do decênio como se o ataque tivesse determinado todos os eventos que se seguiram. O fato de Osama ter sido preso e morto no Paquistão há cinco meses impediu que neste aniversário alguns rabugentos apontassem o dedo para o governo americano e dissessem "Como o mundo está mais seguro, se Osama continua por aí?" - o mesmo Osama que George W. Bush disse que seria caçado não importa em que caverna e, à maneira dos cartazes de um faroeste texano, "vivo ou morto". Ao mesmo tempo, diversos atentados marcaram o período - Madri, Londres, Bali e o que levou à morte do brasileiro Sergio Vieira de Mello na sede da ONU em Bagdá - e outros foram descobertos pouco antes de causarem novos traumas em solo americano, até mesmo na Times Square. Isso sem falar nos bilhões de dólares e nos milhares de vidas desperdiçados em guerras.

Os falcões que dominavam a política externa durante o governo Bush II dizem que a ausência de outra agressão do mesmo porte a uma cidade americana mostra o acerto de suas reações ao terror. Mas a insegurança persiste, até porque seu discurso nunca foi nesse tom, e sim baseado em expressões como "Eixo do Mal". Eles também alegam que hoje o mundo árabe vive uma primavera libertadora, como se fosse efeito de sua política de invasões e sanções. Outros fatores, porém, parecem ter sido mais determinantes para o esgotamento das autocracias, como os mais de 40 anos de Kadafi no poder, o aumento da troca internacional de informações e - como não? - a retórica mais multilateral e pacifista de Barack Obama. Supor que apenas o combate ao terror serviu de "lição" para que o mundo islâmico se afastasse do fanatismo e do apoio a tiranias é, no mínimo, por conveniência, como notou o jornalista David Remnick. De qualquer modo, movimentos como o dos rebeldes da Líbia não foram previstos em 2001.

O que esses dez anos mais demonstram é justamente o erro das profecias, principalmente as mais apocalípticas, de ambos os lados. A própria eleição de Obama em 2004 - um presidente negro, jovem e democrata, livre de discursos polarizadores - não foi imaginada por ninguém na sequência dos atentados de 11/9, quando a ampla maioria da população deu apoio à vingança de Bush II. Lembrar o que foi dito e escrito naquele momento, por sinal, não é muito confortador. Se gente como Susan Sontag disse que os EUA colheram o que semearam e Stockhausen afirmou que aquele filme-catástrofe real era "a mais bela obra de arte jamais feita", outros falaram em "choque de civilizações" e em "cruzada" (Berlusconi) e houve discriminações contra imigrantes em vários locais. Pouquíssimos, como Obama, mantiveram o equilíbrio e viram diferença entre retaliar o Talebã e ocupar o Iraque. Uma espécie de retrocesso civilizatório era o mais aguardado para os anos seguintes; os atentados teriam dado início ao século 21 e este não parecia o mais promissor, com fundamentalistas do Ocidente e do Oriente entrando em rota de colisão crescente.

Quando se compara a primeira década do século com a anterior, no entanto, há outras mudanças que chamam atenção e raramente são notadas. Os protestos contra a tal globalização, por exemplo, perderam muita força, eles que eram tão comuns nos fóruns de Porto Alegre, Davos e outros endereços. O conceito de "globalização" como algo unilateral começou a cair por terra. Afinal, antes ela era atacada por trabalhadores do Primeiro Mundo indignados com a perda de empregos para o Terceiro Mundo, onde a mão de obra é bem mais barata, quando não semiescrava; e também pelos trabalhadores do Terceiro Mundo indignados com a expansão das corporações, que tirariam a soberania das nações e seriam nova modalidade de colonialismo. Tais certezas ruíram, e esta é uma boa notícia. Os países desenvolvidos estão em marcha lenta, vergados sob o peso das dívidas públicas, e o crescimento mundial depende de China, Índia e outros emergentes. Não foi o "neoliberalismo" que salvou o planeta com sua receita comum, mas a própria dinâmica de economias que deram mais espaço ao mercado de consumo sem necessariamente seguir a receita.

Na cultura, o 11 de setembro teve inúmeros subprodutos, desde referências em filmes de super-heróis (que voltaram com tudo, eles que quase sempre atuam em Nova York) até trabalhos de reportagem de alto nível, como os de Lawrence Wright, Jon Lee Anderson e Seymour Hersh, e diversos documentários em TV e cinema, passando por livros criativos como À Sombra das Torres Ausentes, de Art Spiegelman, e romances de autores como Don DeLillo, Ian McEwan e Joseph O"Neill. Num campo mais rasteiro, um dos temas mais comuns tem sido o da dita "decadência da América", já que o país mais rico do mundo tem enfrentado a desaceleração econômica, com aumento do desemprego, e movimentos reacionários como o Tea Party têm trazido outras pautas para o debate político. Mas, como escrevi recentemente, a cultura americana continua a ser consumida intensamente, graças também ao aumento dos meios de comunicação, e a internet ainda não fala chinês. Se existe algo que mudou o mundo nos últimos dez anos, é certamente essa tecnologia.

É um mundo pior ou melhor? A pergunta tem um aspecto infantil, uma necessidade de consolo sentimental. Osama atacou torres nas quais trabalhavam pessoas de mais de 90 países diferentes, e seu plano já existia quando Bill Clinton era presidente. Sua agenda tinha outra escala de tempo, ou seja, dizia respeito a séculos em que a maioria dos países islâmicos estagnou enquanto o Ocidente fez o Renascimento, o Iluminismo e a democracia moderna; mas também tinha objetivos mais imediatos, como incendiar as nações árabes contra Israel e o apoio dos EUA. Que ele não tenha conseguido e que muitos países do Norte da África e do Oriente Médio queiram mais liberdade política e um democrata sensato como Obama tenha chegado à Casa Branca, eis uma série de alívios. Mas a maioria das questões levantadas pelos escombros permanece não resolvida, como as fronteiras de Israel e a autonomia palestina, a rendição das classes políticas às gigantes multinacionais, a dependência de petróleo e outros combustíveis fósseis, o estilo de vida cada vez mais consumista, etc. Só que não precisávamos de Osama e seu terror para ver isso tudo. Dez anos depois, pelo menos a cegueira ideológica não saiu vitoriosa.

Cultura desbotada. Comentei em muitas ocasiões que nossos tempos vivem de reciclar obras do passado. Basta ver a onda de "remakes" no cinema e na TV, o uso que os DJs e rappers fazem de melodias antigas, os livros e prédios construídos em torno de citações e alusões, a volta dos anos 80 e 90 em shows e jogos, a quantidade de efemérides nos jornais. A moda da primeira década do século 21 foi uma sucessão de nostalgias: cada temporada trazia uma década do século anterior como referência, a tal ponto que será difícil que um dia alguém faça um retorno à "moda dos anos 00", porque nada a marcou a não ser essa onda retrô, que pôs em ampla circulação a palavra "vintage" (maneira mais chique de se referir a uma coisa antiga)... Há até um livro na praça sobre isso, Retromania, de Simon Reynolds, sobre como a cultura pop está "viciada em seu próprio passado". Em parte, sim, trata-se de uma geração descobrindo coisas com as quais não conviveu, como relógios de ponteiro, telefones de disco e outros itens analógicos, inspirada pelos bancos audiovisuais hoje disponíveis na internet. Mas não há como negar que tanta dependência de signos reciclados mostra falta de originalidade, uma grave anemia criativa.

Rodapé. Fiquei feliz com a notícia de que a editora Novo Século publicou de novo a tradução que fiz em 1993 (para a editora Imaginário, hoje extinta) de A Arte da Ficção, de Henry James, para a qual fiz novo prefácio. O ensaio do título é um marco na crítica literária de todos os tempos, provando que muitos dos maiores criadores modernos foram também grandes críticos (como Proust, Eliot e muitos outros). James também escreve sobre Maupassant e Zola, comenta "o futuro do romance" (tão contestado como gênero naquele momento quanto agora) e defende o valor da crítica, algo que no Brasil nunca é demais. "O senso crítico está tão longe de ser frequente que é absolutamente raro, e a posse do arsenal de qualidades que ele exige é uma das mais altas distinções."

Por que não me ufano. O crescimento do PIB brasileiro neste ano, segundo a maioria dos cálculos, mal vai passar de 3%. A inflação dos últimos 12 meses ficou acima de 7%. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros, parece mais preocupado com o primeiro índice do que com o segundo. A presidente Dilma Rousseff deixou tudo às claras, então, ao fazer pronunciamento em TV nesta semana, alertando para a crise internacional que bruxuleia no horizonte, "complexa" e "pior que a crise de 2008". É melhor já botar a culpa nos brancos de olhos azuis, certo? Afinal, o Brasil tem reservas financeiras muito altas e um mercado interno crescente; só não vai melhor por causa da conjuntura mundial. A ineficiência dos gastos públicos, mesmo com recordes de arrecadação, e uma taxa de investimentos que não chega nem a 20% do PIB, tais os entraves à produtividade, não passam de intrigas da mídia...

Aforismo sem juízo

Poucas coisas são tão machistas quanto a atração feminina pelos poderosos

GOSTOSA

J. R. GUZZO - O mundo se curva

O mundo se curva
J. R. GUZZO
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LYA LUFT - Educação: reprovada

Educação: reprovada
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MERVAL PEREIRA - Voto consciente


Voto consciente
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 11/09/11

Não é a primeira vez que um fato isolado expõe com crueza a separação entre o que quer a sociedade e o que fazem os políticos. A absolvição da deputada federal Jacqueline Roriz, flagrada em filme recebendo uma propina do esquema do então governador Arruda em Brasília, foi um tapa na face da opinião pública e explicitou a necessidade de uma mudança na representação congressual para aproximá-la do sentimento da sociedade.

A proposta de reforma política apresentada pelo relator da comissão especial, o petista Henrique Fontana, dá, com a lista fechada, uma força às direções partidárias que elas não estão a merecer.

A proposta de voto distrital, em contrapartida, dá ao eleitor a chance de fiscalizar de perto a atuação de seu escolhido e, por isso, a adesão ao manifesto se amplia.

A legitimidade do Congresso Nacional como instituição estaria ameaçada por práticas fisiológicas que já são nossas velhas conhecidas: clientelismo, malversação, promiscuidade.

Os defensores do voto distrital alardeiam pesquisas que mostram que um mês após a eleição, 30% dos eleitores já não se lembram em quem votaram, pois votam sem conhecer bem os candidatos.

Este número aumenta para 70% em relação às eleições anteriores. O mesmo processo aconteceria em relação ao candidato, que, tendo uma votação fragmentada, não se sentiria ligado ao eleitor e, por outro lado, os eleitos por votos corporativos só se sentiriam responsáveis por aqueles nichos em que atuam.

O voto distrital é um sistema de voto majoritário no qual um estado (ou cidade) é dividido em pequenos distritos com aproximadamente o mesmo número de habitantes. Cada partido indica um único candidato por distrito e cada distrito elege um único representante pela maioria dos votos.

O movimento #euvotodistrital defende o sistema majoritário de dois turnos, ou seja, o voto distrital puro. Essa modalidade, alegam seus coordenadores, além de trazer todos os benefícios do distrital como conhecemos, preserva os interesses das minorias ao exigir segundo turno, caso o candidato não tenha 50%+1 dos votos.

Já está em tramitação um projeto de lei que determina que as eleições para as câmaras em municípios com mais de 200 mil habitantes sejam feitas pelo sistema majoritário, proporcionando aos eleitores a experiência de viverem um sistema eleitoral diverso, para que, no futuro, possa ser adotado em outras eleições legislativas.

Uma das características do voto distrital seria possibilitar ao eleitor trabalhar contra um candidato, o que, no atual sistema brasileiro, simplesmente não existe.

Um parlamentar corrupto em busca da reeleição dispõe, no sistema atual, de caminhos para contornar resistências e continuar fraudando o mandato popular. Como é o caso do deputado Valdemar da Costa Neto, que se elegeu às custas das sobras de votos de Tiririca.

As vantagens do sistema distrital majoritário são muitas, segundo os formuladores do projeto: é um sistema simples e de fácil implantação; incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito, e permitiria diminuir o custo das campanhas eleitorais para o país como um todo.

Cada partido só poderá apresentar um candidato por distrito, reduzindo drasticamente o número de candidatos nos estados e no país.

Além disso, o candidato concentrará sua campanha no distrito no qual concorre, tendo fim as campanhas eleitorais milionárias em que os candidatos, no sistema atual, se veem obrigados a fazer campanha em todo o estado.

Uma campanha milionária num distrito, por sua vez, será escancarada perante o eleitor, podendo criar constrangimentos.

Na definição do cientista político Amaury de Souza, que também está envolvido na campanha, o voto distrital, ao adensar a relação do eleitor com o deputado, fortalece o Poder Legislativo face ao Executivo.

A acusação de que o voto distrital é paroquial é rejeitada pelos coordenadores da campanha, que afirmam que, ao contrário, o voto distrital majoritário é muito menos provinciano e paroquial do que o sistema atual.

Um deputado que disputa uma eleição majoritária num distrito que pode ter 250 mil eleitores é obrigado a compor com todos os interesses daquela comunidade, não pode ser paroquial.

Ao contrário do paroquialismo, o voto distrital majoritário modernizaria, tornaria cosmopolita a representação na Câmara.

Para Amaury de Souza, o distrital majoritário torna a eleição mais inteligível, o eleitor vê melhor a relação entre seu voto, seu candidato e o vencedor.

Uma projeção das bancadas partidárias, respeitando-se o número de cadeiras existentes para cada estado na Câmara dos Deputados, e criados tantos distritos quantas cadeiras estarão sendo disputadas, mostra um quadro de perdas e ganhos para os partidos.

O PT, por exemplo, perderia oito cadeiras na Câmara, enquanto o PMDB ganharia nada menos que 14. O PSDB ganharia cinco deputados federais, enquanto o DEM perderia dois. PP, PR, PDT e PCdoB seriam os partidos mais prejudicados: cada um perderia cinco deputados federais. Entre os nanicos, o PSC perderia seis deputados federais.

- Evidentemente, esse cálculo foi feito com base em resultados de uma campanha proporcional. Com o voto distrital, os critérios de escolha do candidato têm que ser outros, daí a vantagem do sistema, que aproxima o eleito do eleitor - defende Amaury de Souza.

MÍRIAM LEITÃO - Dia sem fim


Dia sem fim
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 11/09/11

O panorama visto do Brasil mostra que os Estados Unidos são hoje um país menor e menos importante para nós do que era há dez anos. Em 2001, os americanos compravam um de cada quatro dólares exportados pelo Brasil; hoje, compram apenas um em cada dez. A China virou nosso maior parceiro comercial. O 11 de Setembro até hoje produz reflexos na economia do mundo.

O atentado às torres gêmeas foi como uma pedra grande lançada num lago: até hoje os círculos que se formam e se espalham têm a ver com o impacto inicial. Pode-se traçar uma linha entre os eventos que nasceram no dia que nunca terminou.

Depois das cinzas e do espanto veio o medo de uma depressão mundial. O pânico não é um ambiente em que a economia prospere. O risco era de as seguradoras quebrarem pelo peso do sinistro a ser pago; de as companhias aéreas tombarem sob o peso dos novos custos; de a paralisia contaminar toda a economia. Se, como dizia Dionísio Dias Carneiro, 2001 foi o ano em que os fantasmas chegaram todos de uma vez, o atentado de Bin Laden foi o maior deles.

O ambiente de vingança se espalhou nos EUA e alavancou o gasto militar para sustentar duas guerras. Um levantamento feito por Raphael Martello, da Tendências consultoria, mostrou que as despesas militares mais que dobraram: de US$315 bilhões para US$704 bilhões. Isso erodiu o superávit orçamentário deixado por Bill Clinton, que virou um déficit de 4,8% do PIB já em 2004. Este ano, o déficit público chegará a 11%.

Para evitar a recessão, os maiores países derrubaram os juros vertiginosamente e irrigaram o mercado financeiro. Os administradores de fundos e bancos correram com seus empréstimos atrás de quem não podia pagar. Por uma rentabilidade maior, a liquidez escorreu para todos os ativos de alto risco.

A economia retomou o crescimento e por cinco anos o mundo cresceu fortemente. Nesta onda o Brasil surfou elevando as reservas cambiais a partir de 2003. As commodities que o Brasil exporta começaram um ciclo de alta que ainda não acabou. Os juros baixos e os estímulos criaram lendas, como a da infalibilidade de Alan Greenspan. A falta de regulamentação do mercado financeiro incentivou a criatividade do mercado. Sem freios, com liquidez e muita ganância, fundos e bancos criaram exóticas criaturas. Esses papéis formatados sob conselhos, em alguns casos, das agências de classificação de risco tiravam boas notas dessas mesmas agências. Por isso, títulos arriscados, mas classificados como bons para investimento, começaram a entrar até na carteira de fundos conservadores.

O excesso de dinheiro no mercado, os juros baixos, e a valorização de todos os ativos, inclusive imóveis, criaram bolhas, principalmente no mercado imobiliário. O 15 de setembro de 2008, quando quebrou o Lehman Brothers, nasceu no 11 de setembro de 2001. O Lehman, ao quebrar, testou no limite o mercado financeiro americano e europeu. E a resposta foi negativa. Vários bancos e seguradoras quebraram em seguida e foram socorridos por gordos empréstimos concedidos sem exigências nem punição.

Começou aí uma armadilha em círculos: os bancos foram salvos pelos governos, que ficaram muito endividados, e por isso os bancos passaram a exigir mais juros de alguns países para rolar suas dívidas. Isso alimentou a desconfiança de calote de dívida dos governos, e por isso teme-se que os bancos quebrem, porque são eles que compraram esses títulos impagáveis. Nessa armadilha está a Zona do Euro neste momento.

Os EUA cresceram empurrados principalmente pelas bolhas e pelos gastos com as guerras. Uma parte da alta se deve sempre à inovação, um forte da economia americana. Mas a quebra do Lehman Brothers e os gastos necessários para resgatar a economia revelaram o tamanho do pântano que o desequilíbrio do gasto público havia criado. Aconteceu o impensável: a dívida americana foi rebaixada da melhor nota onde sempre tinha estado.

De 2001 a 2011, segundo o levantamento da Tendências, a participação dos Estados Unidos no PIB mundial caiu de 23% para 19,8%. No comércio mundial, caiu de 16% para 11%. Nas exportações brasileiras, eles caíram de 24% para 9,9%. Os Estados Unidos ficaram menores e não apenas para nós.

Quem mais cresceu nesse vácuo foi - todos sabem - a China. Aproveitou-se do boom para alavancar suas exportações para o mundo inteiro a preços baixos, permitidos pelo câmbio colado ao dólar. A relação dólar/real que era de US$1 para R$2,60 está hoje em US$1 para R$1,60. Nesse meio do caminho foi até a R$4, mas era o período anormal da incerteza criada na transição política.

Para recuperar-se da queda da economia, que ocorreu após a crise bancária e a crise de confiança que se abateu sobre empresários e consumidores, a solução foi mais injeção monetária. O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, que sucedeu Alan Greenspan, parecia ser o homem certo no lugar certo. Afinal, ele estudou sempre o que fazer diante do risco de depressão. Evitou o pior, mas suas injeções de dinheiro têm dado alívio momentâneo, não conseguem tirar a economia da paralisia e, mais importante, não criam emprego.

Há outras causas paralelas que ajudaram a fomentar a complexa crise atual, mas não há explicação possível sem passar por aqueles aviões que abateram duas torres no coração de Nova York.

ILIMAR FRANCO - Fazendo água

Fazendo água
 ILIMAR FRANCO 
O GLOBO - 11/09/11
 
O Minha Casa Minha Vida está patinando. Turbinado pela presidente Dilma para chegar aos dois milhões de casas construídas até 2014, ele pode afundar. Foi contratado um milhão de casas, mas apenas 30% estão em execução. As construtores enfrentam novo problema, nas grandes cidades: a valorização dos terrenos. A Copa do Mundo está inflando as folhas de pagamento. Especialistas avaliam que o governo terá de aumentar a contrapartida para garantir o programa.

Lavando as mãos

O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), vai orientar a base do governo a votar a favor do destaque da oposição, à
Emenda 29, que suprime do texto a cobrança da alíquota de 0,01% das operações financeiras. A Contribuição Social da Saúde terá sido criada, mas não vai gerar qualquer efeito financeiro. Para tal, será preciso aprovar uma Lei Complementar. O governo federal não
vai patrociná-la. Os governadores estaduais que se virem. Em 2002, a União investiu R$ 13 bilhões na Saúde, mais R$ 11 bi da CPMF. No ano passado, sem CPMF, foram R$ 62 bi, e a previsão de gasto para este ano é de R$ 72 bi.

A CPMF fez um raio X da bandidagem. A carga tributária não caiu com seu fim. O que caiu foi o poder fiscalizatório da lavagem e da sonegação” — Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais

BOLA FORA. Pré-candidato do PSDB à prefeitura do Rio de Janeiro, o deputado Otávio Leite rodou a baiana para impedir que o PSDB patrocinasse ação, no STF, contra a política de cotas do governador Sérgio Cabral, pela qual 20% das vagas nos concursos públicos do estado são para negros e índios. Leite justifica sua ação: “É uma barbaridade política, o PSDB não é um partido de direita.”

Na berlinda
Expectativa no Congresso com a atitude que a OAB adotar diante de propostas para reduzir o número de recursos nos julgamentos. A quantidade de recursos é considerada um dos fatores que favorecem a impunidade no país.

Reduzir custos

O PSDB é contra o projeto de reforma política do relator Henrique Fontana (PT-RS). Mas os tucanos gostariam, pelo menos, de aprovar uma proposta limitando os gastos das campanhas dos candidatos a deputados federais e estaduais.

Oposição: o povo na rua e a CPI
Mesmo sendo tratados pelos manifestantes anticorrupção com a mesma desconfiança dos governistas, os partidos de oposição querem capitalizar o movimento para pressionar o Congresso a criar uma CPI para investigar o governo Dilma. O líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), viu na caminhada “o apelo pela CPI”. E alfinetou: “Os discursos desta tribuna com o talento de um Pedro Simon, de um Cristovam Buarque e de tantos outros não satisfazem a expectativa da sociedade.”

Os faxineiros
Nada irrita mais os senadores que estimulam a presidente Dilma a manter a faxina do que o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), afirmar que, historicamente, o discurso anticorrupção serviu ao golpismo.

Egos
O protagonismo do senador Pedro Simon (PMDB-RS) no apoio à faxina da presidente Dilma gera ciúmes. Consta que a ideia original foi do senador Jarbas Vasconcelos (PMDBPE). Hoje aliados, eles quase sempre divergiram no partido.


ÂNCORA. Nem todo mundo no PSB gostou do protagonismo do governador Eduardo Campos (PE), presidente licenciado do partido, no programa de propaganda na TV que foi ao ar na semana passada.
A ASSESSORIA 
da senadora petista Marta Suplicy garante que “ela não está desistindo de concorrer à prefeitura de São Paulo”, pois este “é o melhor momento dela” e o “cenário é totalmente favorável”

VIROU MODA. A exemplo do ministro Guido Mantega (Fazenda), o presidente do BC, Alexandre Tombini, também consome aquelas balinhas de gengibre.

FERNANDO DE BARROS E SILVA - O calcanhar de Sócrates

O calcanhar de Sócrates
FERNANDO DE BARROS E SILVA 
FOLHA DE SP - 11/09/11

SÃO PAULO - "Muito alto e de pés pequenos, com dificuldade para virar rapidamente em direções opostas, ele deu uma dimensão inesperada ao passe de calcanhar, que explorava em condições inimagináveis, incluindo lançamentos longos -como se fosse um Curupira adulto e esclarecido, capaz de investir de um sentido positivo o ponto fraco de Aquiles". Talvez essas sejam as palavras mais inspiradas e certeiras para descrever o que distinguia o gênio de Sócrates em campo.
José Miguel Wisnik, seu autor, diz ainda em "Veneno Remédio: o Futebol e o Brasil" que nunca sabíamos bem "o que esperar daquele genial gafanhoto ambulante que não parecia ostentar o inteiro domínio da sua disposição física".
O próprio Sócrates, em entrevista reunida no livro "Recados da Bola", do jornalista Jorge Vasconcellos, conta que desenvolveu o passe de calcanhar ainda jovem, diante da necessidade de se desfazer rapidamente da bola, antes do contato físico com o adversário, que seu corpo esguio não suportava. "O sapo não pula por boniteza, mas por precisão", dizia Guimarães Rosa.
Ainda sob o regime militar, Sócrates foi mentor e líder da Democracia Corintiana, uma experiência adulta e avançada no ambiente em geral infantilizado e até hoje arcaico e autoritário do futebol. No auge dos anos 80, passava semanas sem falar com a Rede Globo e se dava o direito de reagir com indiferença aos próprios gols, em protesto contra atos hostis da torcida.
Antiatleta com nome de filósofo -e Brasileiro como Tom Jobim-, Doutor Sócrates foi o capitão da seleção de Telê Santana em 1982, segundo ele "o grande time" em que jogou na vida, capaz da proeza de vencer perdendo, como a Hungria de 1954 ou a Holanda de 1974.
O drama decorrente do alcoolismo que ele enfrenta agora o coloca na posição de um Garrincha moderno, ou de um Garrincha esclarecido: desconfiado do sucesso, despreparado para a solidão, outsider como Mané, gauche na vida.

JANIO DE FREITAS - A queda

A queda
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 11/09/11 

Nada na vida social, política e militar americana voltou à sua natureza depois da derrubada das torres


As celebrações e as atividades jornalísticas e políticas a propósito do 11 de Setembro não se fazem a propósito de vitória. E se não o fazem, dissociados da visão gloriosa que o Ocidente tem de si mesmo, é por não poderem fazê-lo. O acontecimento de 11 de setembro de 2001 não se completou ainda.
A concepção histórica e social, religiosa e combatente que gerou o ataque vitorioso às torres simbólicas não deu sinais, nestes dez anos seguintes, de que as respostas ocidentais a tenham reduzido à vida vegetativa. Para nem falar em extinção. Está viva, sem sinal de derrota próxima, na geografia hostil às forças norte-americanas e outras que se enredam em mortandade até hoje sem efeito além da mortandade mesma. A par de ser esse enredamento a causa, agravante senão originária, de gastos que têm uma quota alta de responsabilidade na crise do poder e da vida nacional nos Estados Unidos.
Nos dez anos recentes, nada, entre os norte-americanos, pôde desfazer-se por completo das influências decorrentes do 11 de Setembro. O poder policial agigantou-se a ponto de se tornar inconciliável com a democracia. E o medo conferiu-lhe primazia sobre os direitos gerais de cidadania, tornados alcançáveis e vitais desde que enfim abolida a discriminação racial há cerca de 50 anos.
Nada na vida social, política e militar americana voltou à sua natureza depois da derrubada das torres gêmeas. O que Barack Obama prometia era a superação dessas condições, a começar da retirada quase imediata das tropas invasoras do Iraque e do Afeganistão. Desistiu ou fracassou, não faz diferença. Nem os arremedos e promessas de retirada futura têm sequer o mínimo de crédito. A arrogância natural dos norte-americanos, fruto personalizado do seu êxito nacional sobre o planeta, continua a mesma, porém minada por sentimentos de insegurança e por interrogações até aqui insuperáveis. E, pior, sem indícios de se deixarem superar em tempos mais ou menos próximos.
As celebrações nos Estados Unidos e a abundância da rememoração jornalística do 11 de setembro de 2001 ocupam-se da dor e do pasmo de uma derrota que não teve, e não se sabe quando e se terá, o seu reverso.

JOSUÉ GOMES DA SILVA - Vade retro, corrupção!

 Vade retro, corrupção!
JOSUÉ GOMES DA SILVA 
FOLHA DE SP - 11/09/11

Foi muito importante para o Brasil a recente atitude de um empresário em Santa Catarina que se recusou a pagar propina a funcionários públicos para facilitar a liberação de obra na região metropolitana de Florianópolis. Entre dois caminhos possíveis, ele escolheu o melhor para a sua empresa e para o país; ainda que, em princípio, o mais difícil.
O gesto do empresário lembrou-me importante ensinamento de Jesus Cristo no Sermão da Montanha (Mateus, 7: 13-14): "Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ela. Que estreita é a porta e que apertado o caminho que leva para a vida, e que poucos são os que acertam com ela".
Independentemente da questão religiosa, é inegável a sabedoria contida nas palavras de Cristo. A despeito das dificuldades a serem enfrentadas, devemos optar pelo certo e pelo honesto, rejeitando o errado. É preciso que cada um, em autêntica cruzada, cerre fileira contra a improbidade, a favor da transparência, da eficácia e da correção da gestão nos setores público e privado.
Afinal de contas, cada ato de corrupção tem dois lados: quem recebe e quem dá.
Estudo da Transparência Internacional mostra que as nações mais corruptas são as que têm as economias menos competitivas. Em recente relatório da entidade, sobre 2010, 68 países, num universo de 178, estão mais bem colocados do que o Brasil. Precisamos evoluir muito nossa posição, enfrentando com mão firme os corruptos e os corruptores.
Pagamos impostos para ter saúde, educação, segurança e receber investimentos governamentais, como em saneamento básico e infraestrutura. A corrupção consome parte desses recursos, reduzindo a eficiência dos serviços e das obras, impedindo a tão reclamada racionalização da carga tributária.
Estimativa apresentada pelo economista Marcos Fernandes da Silva em reportagem da Folha(especial Corrupção, 4/9) concluiu que a corrupção custou ao Brasil o equivalente a uma Bolívia, entre 2002 e 2008. É preocupante.
A receita fiscal tem crescido de modo expressivo no Brasil, apontam estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Neste ano, pagaremos mais de R$ 1 trilhão em tributos à União, aos Estados e aos municípios. São recursos que, estancada a corrupção, contribuirão em muito para um Brasil melhor e mais desenvolvido.
Para tornar isso possível, é necessário que todos se pautem pela atitude do empresário catarinense que optou pela porta estreita da ética. Se a sociedade fizer sempre o correto, impediremos que o dinheiro dos impostos se perca no ralo da improbidade.

CLÓVIS ROSSI - É possível um novo 11/9?

É possível um novo 11/9?
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SP - 11/09/11

Dez anos depois dos atentados nos EUA, insinua-se uma luta entre os fanáticos e os democratas


O décimo aniversário dos atentados de 11 de Setembro não monopoliza apenas a agenda da mídia. Estava igualmente presente nos computadores apreendidos na casa em que Osama bin Laden foi morto, conforme o "Washington Post".
O jornal informa que Bin Laden queria lembrar os atentados de 2001 com "ataques capazes de mudar a história, visando grandes alvos, economicamente importantes". Já seu segundo, Ayman al Zawahiri, hoje o líder da Al Qaeda, preferiria golpes menos ambiciosos e mais oportunistas só para marcar a data.
Essas informações combinam perfeitamente com a informação de que o governo dos EUA dispõe de relatórios de inteligência "críveis" segundo os quais a Al Qaeda prepara atos terroristas para hoje.
Há realmente a possibilidade de que se repita um 11/9? Em toda a montanha de análises que li a propósito dos dez anos dos atentados, ninguém se animou a dizer que é impossível.
Quem mais perto chegou desse tipo de otimismo foi Richard A. Falkenrath, pesquisador-sênior do Council on Foreign Relations para Contraterrorismo e Segurança Interna. Escreveu: "Não há dúvida de que o território norte-americano está hoje significativamente mais seguro contra um ataque terrorista do que há dez anos". Mas, acrescentou, "o sistema de segurança interna tem muitas fraquezas.
Permanecem grandes vulnerabilidades, algumas das quais apresentam catastróficos 'tail risks', ou seja, um evento que, embora muito improvável, poderia causar enormes danos".
Se é assim, dá para dizer que, após dez anos e duas guerras não concluídas, os EUA estão perdendo a batalha contra o terrorismo? Há respostas para todos os paladares. A minha é simples e óbvia: não há como ganhar uma guerra contra fanáticos. Bastam um, dois ou dez cidadãos dispostos a matar e morrer no mesmo ato para que se pratique um atentado de pequenas, médias ou grandes proporções. A única maneira de reduzir o risco seria reduzir o fanatismo, já que eliminá-lo não está no horizonte.
A ação dos Estados Unidos nos 10 anos pós-11/9 ajudou a reduzir o fanatismo? Ao contrário. Basta ler os jornais para ver que, dia sim, outro também, há um atentado feio no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Índia, até na Nigéria, mais distante do epicentro do terrorismo.
Pior: os atentados deram origem ao agravamento de um fanatismo de sinal inverso, a islamofobia. É como analisa Alain Gresh, editor de Le Monde Diplomatique: "Os discursos sobre a 'ameaça islâmica' penetraram profundamente nas sociedades e mentalidades do Ocidente, (...) causando o crescimento de um clima islamofóbico que prepara a cama para uma nova direita radical".
Há, no entanto, um fenômeno nascido justamente neste décimo aniversário do 11/9 que dá margem para cauteloso otimismo: os movimentos democráticos que pipocam em boa parte do mundo árabe. Democracia é, talvez, o melhor antídoto contra o fanatismo. Mas, enquanto ela não se firma, resta torcer para que os US$ 75 bi que os EUA gastam anualmente em segurança interna sejam de fato eficazes.

SUELY CALDAS - A esperteza chinesa


A esperteza chinesa
SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

Em discurso transmitido pela TV na véspera do Dia da Independência, a presidente Dilma Rousseff avisou em tom duro e afirmativo, de quem não quer deixar nenhuma dúvida: "Não vamos permitir ataques às nossas indústrias e aos nossos empregos e não vamos permitir jamais que artigos estrangeiros venham concorrer, de forma desleal, com nossos produtos". Empresários industriais aplaudiram. Em seguida ela prometeu: "Vamos ampliar e defender o mercado interno". Mais aplausos.

Divulgado dois dias antes, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre comprovou uma desaceleração não esperada da produção industrial no País. Em compensação, as importações de bens de consumo cresceram 30,9% até agosto e os automóveis, com expansão de 44,4%, foram o item que mais pesou. Será que o aumento do consumo das famílias, detectado na pesquisa do PIB, vem sendo alimentado pelas importações? O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), é um dos que acreditam nisso. "O repique do segundo trimestre pode refletir um comportamento indesejado da demanda", analisou, ao observar que produtos importados estão suprindo o aumento do consumo.

O governo quer agir, impedir que se espalhe por outros setores industriais a "invasão" de importados até agora restrita. Mas sustenta que vai fazer tudo "dentro da lei", das regras permitidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e não vai apelar para artifícios de barreiras comerciais, tributárias e outras práticas protecionistas. Se assim for, parece não haver risco de um retrocesso inimaginável de voltar a fechar a economia ao exterior num mundo tão globalizado. Foi o que garantiu o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, na última quinta-feira, ao correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade.

Se quer perseguir tal objetivo, a presidente precisa apontar para dois alvos: dar maior agilidade e eficiência ao funcionamento do nosso sistema de defesa comercial e, dentro dele, conceber tratamento mais duro para produtos originários da China, que aqui chegam a preços imbatíveis na concorrência com similares nacionais. O yuan desvalorizado, os baixos salários dos trabalhadores chineses e a triangulação com a Argentina para se livrar do imposto de importação são algumas das razões que tornam o produto chinês mais barato do que o nacional.

A China é, hoje, o maior parceiro comercial do Brasil. Entre janeiro e julho deste ano, nossas exportações cresceram 46% em relação ao mesmo período de 2010, somando US$ 24,436 bilhões. Embora o saldo - de US$ 6,748 bilhões - seja favorável ao Brasil, não há diversificação da pauta e 80% das nossas exportações estão concentradas em apenas três produtos: minério de ferro, petróleo e soja. São commodities que a China necessita para viver, alimentar-se, desenvolver sua indústria e gerar seus empregos. Aqui, ela não compra produtos industrializados com maior valor agregado. Mas, na direção contrária, os produtos chineses que chegam ao Brasil são manufaturas de alto padrão, como televisores, telefones e telas de LCD, de elevado valor agregado.

São anêmicos os resultados de entendimentos diplomáticos para a China passar a produzir aqui os produtos que exporta. Na visita que a presidente Dilma Rousseff fez a Pequim, em abril, ela assinou 20 acordos bilaterais e promessas de abertura de uma fábrica de soja na Bahia, outra de equipamentos de informação em Goiás e o polêmico investimento de US$ 20 bilhões da Foxconn, empresa que atua na montagem de produtos eletrônicos para as marcas Apple e Sony e que é conhecida mundialmente pelos inúmeros suicídios cometidos por seus empregados chineses. Até agora são projetos em estudo, promessas, nada de concreto.

Fragilidades. Enquanto os investimentos não chegam, as manufaturas chinesas chegam, questionadas por concorrentes nacionais que denunciam "práticas desleais" de comércio. Do total de 140 processos antidumping abertos pelo Brasil, desde 1980, 35% são contra a China. Na terça-feira passada, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) anunciou aumento, para 35%, da tarifa de importação para sete produtos, dos quais cinco originários da China, entre eles porcelanatos, pneus e bicicletas.

Apesar disso, a fragilidade do sistema de defesa comercial do Brasil impede uma reação mais eficaz contra o comércio desleal. Estudo da professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vera Thorstensen, ex-assessora da missão do Brasil na OMC, concluiu que, enquanto a Índia "não se esquiva" de se defender, o Brasil parece ter "politizado" sua defesa contra a China, temendo ferir suscetibilidades de seu maior parceiro comercial. Queixas da indústria nacional não faltam, mas os instrumentos de defesa (direitos compensatórios, antidumping, sobretaxas), além de tímidos, tornam-se ineficazes diante do yuan desvalorizado e do real apreciado, destaca a professora Vera.

Ela cita dados do Banco Mundial para comparar: de 820 investigações abertas contra a China no mundo, entre 1980 e 2010, os EUA lideram com 157; a Índia tem 133; a União Europeia, 130; e o Brasil tem apenas 47, atrás da Argentina e do México.

Diante de uma crise com expectativa de longa estagnação econômica nos países ricos e retração do comércio mundial, a presidente Dilma Rousseff quer, agora, impor maior agressividade na defesa comercial. Terá de derrotar as resistências políticas no governo e passar a tratar a China como parceiro comercial normal, e não especial. E dar musculatura ao frágil, jovem e inexperiente sistema de defesa comercial.

Enquanto em outros países esse sistema existe desde os anos 70, no Brasil sua estrutura só começou a ser montada em 1997, e até hoje é deficiente, precária, até amadora. Exemplo: o governo brasileiro levou 15 anos para descobrir uma desgastada e comum esperteza dos importadores. Enquanto a investigação de dumping rola - e demora -, eles antecipam importações do produto investigado, estocam e, assim, se livram da sobretaxa que vier a ser decidida. Só na última terça-feira a Camex decidiu cobrar retroativamente a sobretaxa.

Para fortalecer essa estrutura, o Ministério do Desenvolvimento diz que vai contratar 120 novos investigadores e tentar encurtar de 18 meses para 10 meses o prazo de conclusão de uma investigação de dumping.

ALBERTO TAMER - Obama não nos oferece nada


Obama não nos oferece nada
ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

O pacote de estímulo econômico de Obama de US$ 447 bilhões, cerca de 3% do PIB, foi bem recebido, mas com reserva pelo mercado. É bem orientado, metade dos recursos se destina a criação de 2 milhões de empregos, mas não deve apresentar resultados no curto prazo. Nasce adiado. Qualquer medida que venha dos Estados Unidos ou da reunião dos ministros das Finanças dos G-7, que se realiza agora em Paris, já está atrasada.

Ninguém espera que o Congresso aprove o programa do governo ainda este ano. O que está em jogo na política americana não é evitar que a economia recaia na recessão - e o risco existe, pois se prevê um PIB de apenas 0,2% no terceiro trimestre -, mas impedir a reeleição de Obama dentro de 14 meses. E querem conseguir isso impedindo que o desemprego - que se mantém em mais de 9% - diminua.

Ao avaliar a reação da maioria republicana ao dramático apelo de Obama, analistas previam que o Congresso concordaria no máximo com US$ 150 bilhões, apenas 1% do PIB. Não é nada e não criaria os 2 milhões de empregos nos próximos anos.

Medo do terror. As bolsas mundiais sofreram forte queda, em torno de 2,70% na sexta-feira na Europa e nos EUA, e 3,1% no Brasil. Prevendo um crescimento ainda menor e mais tensões na zona do euro, os investidores continuaram correndo para os títulos americanos. Dois outros fatores pesaram nesse resultado: a ruptura na direção do Banco Central Europeu com o pedido de demissão de Juergen Stark e o risco de um novo ataque terrorista neste domingo, 11 de setembro, quando se relembra a destruição das torres nos EUA.

Brasil: nada a esperar. Se o mundo não tem nada a esperar do pacote de Obama, o Brasil muito menos. Neste fim de semana, era unânime a previsão de que a economia mundial não volta a crescer este ano. Os Estados Unidos recuam, a Europa desunida, sem líderes, afunda na crise do euro, e os emergentes que ainda sustentam a previsão de 4% no mundo desaceleram.

É esperar pelo pior. Neste cenário, o Brasil sabe que não tem nada a esperar do pacote de Obama e está agindo para se proteger. A equipe econômica e o Banco Central se voltam para o mercado interno, com inflação na meta ou não. O PIB cresceu apenas 0,8% no último trimestre. A prioridade é evitar que a economia cresça menos.

O Banco Central já sinalizou que, na reunião do fim do mês, vai rever para baixo a previsão de 4% para este ano. Algumas revisões já falam de 3%.

Mas tem o comércio exterior, que continua em expansão! Sim, mas ninguém pode contar com ele. A crise externa ainda não o contaminou, dizem alguns analistas míopes.

Até agosto, foram exportados o equivalente a US$ 165 bilhões e importados US$ 146 bilhões, bem acima dos US$ 126 bilhões em igual período de 2010. Nunca se exportou tanto! Mas os números enganam. Tudo isso se deve às vendas de commodities, que não geram emprego onde se produz.

Dependemos dos EUA. Quanto aos manufaturados, o impasse do pacote de Obama acentua um quadro sombrio. É um setor que não deve esperar "ainda mais nada", pois depende essencialmente do mercado americano, confirmam os dados do Ministério do Desenvolvimento. E isso, agora, se agrava diante do impasse do pacote de Obama e maior desaceleração econômica nos Estados Unidos.

Mas não são apenas os Estados Unidos que estão importando menos. É que eles passaram a exportar mais. Na ausência de reação interna, Obama e Bernanke estão intensificando a política de subsídios às vendas externas e a desvalorização do dólar com o aumento da liquidez para exportar mais para a China e o Brasil.

As vendas externas americanas em agosto aumentaram 3,6% e as importações recuaram 0,2%. Essa política está sendo intensificada pelas exportações de manufaturados, o único caminho para gerar empregos com o impasse do pacote de Obama.

O Brasil que se prepare, pois talvez o que já se fez ainda seja pouco. É preciso mais porque não há nada a esperar dos outros.

DANUZA LEÃO - Mudanças

Mudanças 
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 11/09/11

Tem razão quem diz que uma mudança é o terceiro maior estresse pelo qual um ser humano pode passar


Existem pessoas que moram a vida inteira na mesma casa, sem nem mudar o sofá de lugar, e são muito felizes. Já para outras, cada uma tem prazo de validade, e enquanto esse prazo não está esgotado, exercem sua inquietação quebrando paredes, trocando os móveis de lugar. Meu limite são sete anos, e, quando chega a hora, imagino que estou também trocando de vida; de modo de viver, digamos. E achando, sempre, que a próxima será a definitiva; nunca é, mas gosto de pensar assim, porque adoro escolher minhas ilusões.

Há duas semanas me mudei, e não foi fácil. Como meu novo apartamento é menor, tive que esvaziar os armários e muita gente ficou feliz com as heranças. Parte dos livros foram doados a um sebo -alguns eu nunca tinha lido, outros nem sei por que estavam na estante; fiquei só com os do coração, a mesma coisa com os CDs. Basicamente, eliminei o supérfluo; aliás, quem precisa de supérfluos?

A cada objeto, cada blusa, cada prato, foi preciso decidir: levo ou cancelo? Tomar uma decisão já é difícil, mas dezenas, durante dias, eu chamo de sofrimento. Afinal, tudo que eu tenho -tinha- foi escolhido, comprado com cuidado, querendo muito, e uma separação é sempre dolorosa, mesmo que seja de coisas. Para mim, é.

Mas consegui, já estou instalada, e tem razão quem diz que uma mudança é o terceiro maior estresse pelo qual um ser humano pode passar. O pior já foi, e agora estou vivendo uma nova fase: ainda não me habituei à casa nova. Quando abro os olhos de manhã, preciso de uns segundos para saber onde estou, o que é meio angustiante, e percebi que estou fazendo uma certa cerimônia com a casa. Evito sentar no sofá novo e ainda não consegui descer para conhecer as redondezas.

Meus planos eram perfeitos: como estou perto da praia, descer todas as manhãs bem cedo para tomar uma hora de sol e, à tarde, dar uma volta, ver o mar, beber uma água de coco. Até agora, não consegui. Apesar de estar a quatro quarteirões de onde morava, me sinto uma estrangeira.

Mas dois fatos que aconteceram me fizeram rir muito. Era hora do almoço, precisei falar com o porteiro, aquele que tem quebrado meus galhos; liguei pelo interfone, perguntei por ele, e ouvi a seguinte resposta "foi jogar bola, só volta às 2h". Que maravilha; em que país do mundo, em que cidade do mundo, um porteiro aproveita a hora do almoço para jogar bola? Mas ainda teve melhor: dois dias depois, procurei de novo por ele, e a resposta foi ainda mais fantástica. "Foi dar um mergulho, volta às 2h." Só no Rio.

Rio esse, aliás, que se comportou estranhamente mal no 7 de setembro. Houve manifestações contra a corrupção em várias cidades do país, Brasília brilhou; no Rio, nada. Mas soube que vão acontecer passeatas na cidade, tomara.

A coisa mais bacana foi não terem deixado nenhum partido mostrar faixas com a sigla, para ficar dono da manifestação. Os únicos políticos que têm o direito de participar -e devem- são os nove senadores que se declararam, publicamente, contra a corrupção. PS - Esse agora famoso cargo de ministro do TCU, tão disputado pelos deputados Aldo Rebello e Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco Eduardo Campos -que conseguiu até o apoio do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab-, é o emprego com que todos sonham: vitalício e com um bom salário, para que o ungido não precise se preocupar com o futuro.

Eduardo Campos é o filho que toda mãe gostaria de ter.

CARLOS HEITOR CONY - A terceira guerra

A terceira guerra 
CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 11/09/11

RIO DE JANEIRO - Amanheci no dia 11 de setembro de 2001 em Maringá (PR). Na véspera, fizera palestra numa faculdade local.

Na escala em Porto Alegre, onde iria me encontrar com o escritor Moacyr Scliar, vi na televisão uma cena de guerra, mas não dei importância. Estranhei apenas o horário -certos tipos de filme não passam de manhã.

Na capital gaúcha, Scliar me deu notícias e o celular logo tocou, era o editor da página A2. Eu já mandara a crônica para o dia seguinte e ele me perguntou se queria mudá-la. Disse que sim e o Scliar me perguntou sobre o que eu poderia escrever com tantas versões sobre o atentado ao WTC, em Nova York.

Sem pensar muito, respondi: "A terceira guerra mundial", que foi o título da crônica que escrevi no hotel. Pareceria exagero, mas argumentei que a nova guerra mundial seria diferente das outras duas -a de 1914 foi uma guerra de trincheiras, com motivações territoriais e econômicas; a de 1939, já com um pouco da tecnologia existente na época, foi para instalar no mundo uma raça dominante.

A terceira guerra seria desdobrada em diversas batalhas, a começar pelo terrorismo promovido a uma questão de vida e morte. Entre uma e outra batalha poderia haver lapsos de tempo, como convêm às guerrilhas. E não havia uma motivação clara de ordem econômica e territorial, mas uma luta de duas civilizações antagônicas.

Não seria exatamente uma guerra religiosa, mas de visões do mundo que se combatem radicalmente e continuarão a luta por tempo indeterminado.

Uma guerra com as massas querendo sangue e vitória. Foi a primeira vez em que George W. Bush se invocou no papel de chefe supremo das Forças Armadas e invadiu o... Iraque! Apelou para a mentira, mostrando como estava informado, mas lucrando com a possibilidade de uma guerra mundial.

GOSTOSA


HUMBERTO WERNECK - O outro Nava


O outro Nava
HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

Mexer com mulher, em qualquer acepção do verbo, não fazia parte de seus hábitos, mas era disso que aquela ali, aos berros, o acusava. E em minutos estava armado o bafafá. No meio da roda, a moça esbravejava e disparava desaforos em direção ao senhor grisalho, de terno, o qual, impassível, sozinho à mesa, entremeava goles de cerveja à leitura do jornal, como se aquilo não fosse com ele. Vou chamar a polícia! - bramia a outra. Nem precisou fazê-lo, pois o alarido não tardou a atrair um soldado da Polícia Militar. O cavalheiro mal jogou um rabo de olho sobre a farda:

- Traga outro mais graduado.

E assim começou um enredo de comédia em que sucessivos militares, de patentes cada vez mais elevadas, foram sendo rechaçados com as mesmas quatro palavras: traga outro mais graduado. Por fim apresentou-se um capitão. Quando sacou sua credencial, o senhor grisalho também puxou a dele, jogou-a sobre a mesa e comemorou, exultante como garoto que acaba de bater os demais nalgum joguinho - ganhei! -, enquanto o oficial, para delírio dos civis, se inteiriçava e batia continência.

Mesmo entre os habitués do Maletta, conglomerado de botecos no umbigo de Belo Horizonte, nem todos sabiam que o psiquiatra José Nava era coronel-médico da Polícia Militar. O irmão mais novo do futuro memorialista Pedro Nava era um sessentão boa-praça, culto e espirituoso, dono de uma prosa muito pessoal que de raro em raro pingava nos jornais da terra ou do Rio de Janeiro. Numa edição provinciana, tinha publicado um livro delicioso sobre Oscar Wilde, Uma tragédia antiflorentina, nunca mais relançado - caso também de Tatuagens e desenhos cicatriciais, obra científica vazada em texto prazeroso, em parceria com Meton de Alencar Neto.

Para a minha turma de frangotes da literatura, naquela altura dos anos 60, Nava era o José, não o Pedro, o talentoso amigo de Drummond que começara promissor poeta mas acabara, no Rio de Janeiro, fagocitado pela medicina. O escritor da família era José, com a vantagem, para nós, de estar ali à mão, disponível para papo e chope.

Uma coisa e outra, papo e chope, a gente ia buscar num boteco no térreo do Maletta. Chamava-se Lua Nova, mas para muitos acabou sendo o Lua Nava, pois era lá que imperava, noite após noite, aquela figuraça, com seus oclinhos de leitura na ponta do nariz, seu discreto prognatismo e sua fala meio entre dentes. Fala das mais fascinantes, achávamos nós com inteira razão. Fisicamente, José Nava podia até passar por um tio da gente, mas era abrir a boca e a história mudava. Ele era não apenas um admirável causeur como um refinado escritor que, àquela altura, vinha desfiando no varejo da imprensa uma prosa memorialística de primeira ordem. Não é impossível, aliás, que José Nava tenha sido memorialista bem antes do irmão famoso, pois este só em 1.º de fevereiro de 1968 se abancaria para iniciar com Baú de ossos suas monumentais memórias.

Quando o conheci, ele dava expediente no prosaico departamento de psicotécnica do serviço de trânsito de Belo Horizonte. "Sou psiquiatra até as 6 da tarde, e a partir daí, psicopata", dizia com graça e total exagero, em sua cadeira cativa no Lua Nava. Não era raro despedir-se anunciando que tinha aula de violino - eufemismo para encontros nem sempre furtivos com moços de boa ou de má família.

Seguia firme no violino quando, nos anos 70, teve recaída da tuberculose que na juventude o levara a procurar os bons ares de Minas. A família o carregou então de vez para o Rio de Janeiro. Pedro Nava, já celebridade, tentou enturmá-lo no Sabadoyle, a roda de escritores que se reunia em casa do bibliófilo Plínio Doyle. José não se animou. Tampouco buscou no Rio algo que se assemelhasse ao Lua Nava. Em algum momento, desinteressou-se até das aulas de violino. Teve morte discreta, em maio de 1994, aos 88 anos de idade.

Prometi a uma das irmãs, Ana, garimpar e reunir em livro os saborosos artigos que José Nava deixou espalhados pela imprensa de Minas e do Rio de Janeiro. Não vou esquecer a promessa.

UGO GIORGETTI - Basquete ano zero


Basquete ano zero
UGO GIORGETTI
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

Começar de novo! Depois dessa vitória contra a Argentina aguardo ansiosamente um recomeço. Uma vida nova para o nosso basquete. Ninguém que não conheça a situação do basquete nas Américas é capaz de entender completamente o que foi essa vitória. Ela veio depois de dezesseis anos de derrotas consecutivas para a melhor, a mais notável geração que a Argentina jamais produziu no basquete. Essa equipe argentina ganhou tudo, bateu americanos em finais, e seus ídolos são jogadores muito respeitados em todas as partes do mundo. Vários deles, destacaria Manu Ginóbili, são verdadeiros astros da incrível NBA, a liga de basquete profissional americana. Ginóbili foi várias, não uma, várias vezes, campeão do duríssimo campeonato da NBA jogando pelo San Antonio Spurs, onde ainda continua. Portanto essa vitória sobre a Argentina, na quadra do adversário, equivale quase aquela em que a equipe de Marcel e Oscar venceu de maneira espetacular a equipe norte-americana, nos Estados Unidos, no Pan-Americano de 1987. Aquela equipe americana também tinha astros como David Robinson e a vitória sobre eles foi épica. Era, com esta de agora, daquelas vitórias que impulsionam um esporte, que reacendem o orgulho e a estima, enfim, são reparadoras. Mas daquela vez nada aconteceu. No fundo ela não serviu para nada, o basquete continuou uma decadência que já era visível naquele tempo e hoje até mesmo os heróis, os grandes jogadores daquela epopeia, estão quase esquecidos.

Daquela época para cá só tivemos decepções. Como é possível que um esporte tão importante, de tantas conquistas para o Brasil, seja administrado de maneira tão desastrosa? Como é possível que nada, absolutamente nada, conseguiu por tanto tempo mudar qualquer coisa na direção do nosso basquete? Como esse esporte conseguiu se fossilizar até atingir um estágio de virtual desaparecimento, pelo menos em termos internacionais? Para mim é um mistério. Mas mistérios são comuns neste País, onde muita coisa devia mudar e não muda. No basquete é pior, porque dado o predomínio absurdo do futebol, jaz numa espécie de sombra, uma confortável sombra, onde se pode perpetrar qualquer desmando sem ser incomodado pela imprensa, com os olhos voltados para outra parte. E das sombras o basquete escorregou para as trevas. Mesmo internamente a destruição é incrível, a começar por São Paulo. Centro da maior importância, fornecedor de grandes jogadores para a seleção brasileira desde a Olimpíada de 1948, São Paulo está reduzido a nada.

Onde estão os grandes times? Onde está o Sírio, de Amaury e Vitor, o Corinthians de Miltinho e Laerte, o Palmeiras, de Jatyr e Edson, o Monte Líbano, mais recente, de Cadum e Israel? E no interior do estado, onde está o grande XV de Piracicaba, de Vlamir e Pecente, o São José dos Campos, de Edvar e Pedro Ives, o São Carlos de Rosa Branca e Bebeto? Todos desaparecidos, dormindo profundamente, como depois de uma noite de São João passageira, fugaz. Só Franca resiste como pode e ainda sustenta as tradições do grande basquete paulista. Só Franca ainda enche ginásios e embora as dificuldades a façam mudar de nome frequentemente, não muda o caráter e o espírito de luta. Mas é pouco.

Não posso crer que todo o estado de São Paulo se resuma unicamente a Franca. E é o basquete de São Paulo que precisa renascer. Sem ele, sem a força do estado, da enorme energia paulista, talvez nunca voltemos a ocupar o lugar que já foi nosso na América e no mundo. É por isso que vejo essa impressionante vitória sobre os argentinos como um marco e um sinal. Mais um, como a distante vitória de Indianápolis. Ela mostra, como aquela, que podemos reagir, que o basquete apesar de tudo esta vivo, que nada pode destruí-lo e que faz parte dos nossos grandes esportes e de nossas conquistas mais consagradoras. Essa vitória vem, acima de tudo , mostrar onde deveríamos estar, ao invés de ter que disputar penosa e humildemente um lugar numa olimpíada. Para quem ,como eu, que viu ginásios lotados e viveu o auge desse jogo empolgante, é tempo de novas esperanças.

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Avionando


Avionando
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

Vou fazer umas viagens longas de avião e, como aparentemente em relação a tudo de uns tempos para cá, fico matutando em como estou velho. Por exemplo, tenho certeza de que somente os mais velhos (tudo bem, menos moços) terão visto ou ouvido o verbo "avionar". Deixaram de tentar impingi-lo acho que quando eu era ainda adolescente. Escreviam artigos mostrando como os tempos hodiernos exigiam esse neologismo, sem o qual a comunicação contemporânea ficaria impossível em português, ou contaminada pelos então inaceitáveis estrangeirismos. Houve um certo esforço em implantá-lo, mas acho que todo mundo se sentia meio fresco, quando dizia "vou avionar ao Rio de Janeiro".

Minha primeira avionada foi no tempo em que ainda havia uns velhotes caturras que se recusavam a olhar para cima, quando um avião passava, e classificavam como mentirosa qualquer história relacionada com aviões. Só acreditavam nos desastres, cuja narração repetiam sempre que se mencionava um avião, entre comentários sobre a insensatez de querer sair voando por aí - Deus sabia muito bem por que não tinha dado asas nem a nós nem às cobras. E discutiam indignadamente sobre a alegada existência de banheiros nos aviões. Com que então havia uns buraquinhos neles, por onde eram espargidas no ar as sujeiras dos passageiros? Alguns sustentavam que não era problema, diante da força de dispersão da atmosfera, mas outros se revoltavam e comentava-se que d. Aurora, austera vizinha nossa da rua do Cedro, passou a só andar de sombrinha aberta, tão logo soube dessa situação ultrajante.

A outra ocasião em que avião virava centro de atenções era quando a Força Aérea fazia o voo da coqueluche, um acontecimento. Hoje acho que ninguém mais nem sabe o que é coqueluche ou se ainda existe coqueluche, quanto mais voo da coqueluche. Coqueluche, recordo aos que não sabem conservar a memória nacional, era uma tosse que dava em crianças. Que eu lembre, não costumava ser fatal, mas a tosse era incontrolável, o que às vezes impedia as crianças de comer ou dormir. Era muito contagiosa, tanto assim que, quando algo ou alguém estava muito na moda, se diziam coisas como "o bolero é a coqueluche do momento". Hoje, quiçá a coqueluche do momento no Brasil seja a corrupção, mas se cura fácil, há muitos jatinhos dando sopa a quem quiser fazer o voo da coqueluche.

Mas estou explicando mal o voo da coqueluche. Era um voo, ou voos, a depender da demanda, que a FAB fazia, para sarar ou melhorar a coqueluche das crianças da cidade. Certamente por causa da mudança de pressão atmosférica ocorrida no avião, garantia-se que um voo de, creio eu, cerca de meia hora curava ou aliviava os sintomas da coqueluche. E nada apaga minha frustração infantil de nunca ter tido coqueluche, para tomar parte na aventura do voo. Fui um excluído e, nessa época, não havia ONGs para assumir esses casos. Tenho sorte em não ser hoje bandido, por causa desse trauma da falta de coqueluche.

Lembro até mesmo duas companhias nacionais que voavam a Aracaju, onde morávamos: LAB e LAP. Linhas Aéreas Brasileiras e Linhas Aéreas Paulistas. Pouco depois, na minha lembrança, a Aerovias Brasil, que durou mais tempo que as primeiras. Meu primeiro voo foi a Salvador, pela LAP. Ideia de meu pai, que sempre fez questão de desfrutar da mais nova tecnologia. Naquele tempo não se usava isso, mas acho que, se se usasse, minha mãe tinha pedido separação na hora. Não me esqueço do quadro lúgubre da família, com exceção do velho, entrando no avião como a caminho do cadafalso.

Os assentos eram em duas fileiras fronteiriças, ao longo da cabine, como nos aviões de paraquedistas que a gente vê em filmes de guerra. Havia um comissário de bordo que serviu sanduíches e refrescos, bem mais, pensando bem, que em certos voos de hoje em dia. E teria sido apenas mais um voo rotineiro da LAP, se meu pai não tivesse tido seu espírito aventureiro recompensado pelo destino e não houvéssemos experimentado a espetacular queda num vácuo. Até hoje não sei bem o que é queda num vácuo, mas foi a expressão que, entusiasmado, meu pai bradou lá de seu assento, quando, a troco de nada, num voo sem muitos sacolejos, o avião pareceu despencar vertiginosamente, para depois parar tão de súbito como começara, dando um tremendo susto até mesmo no comissário, embora não, é claro, em meu pai. Anos depois dessa viagem, ele ainda a contava, como quem havia escapado a fogo antiaéreo: "Caímos num vácuo! Você já caiu num vácuo?".

Sou antigo também o suficiente para ter feito uma rota arcaica, verdadeira expedição aérea, entre Salvador e Belo Horizonte, já no tempo do DC3. O DC3 tem fama de excelente avião e dizem que até hoje há muitos em operação, mas, além de bom, virou mito e ganhou pelo menos uma frase ritual. Na hora em que os cintos já estava amarrados, as portas fechadas, e os motores acelerando, havia sempre diversos passageiros pálidos, outros se benzendo, outros debulhando um rosário e os que não estavam de olhos fechados se entreolhando, com um eventual sorriso amarelo. Aí sempre tinha um, mal disfarçando o terror, que também sorria e lembrava com os lábios trêmulos: "É um DC3!". E se manifestava pelo menos um outro, que acrescentava: "O melhor avião já construído!". Suspiros de alívio e anuências, com gestos e palavras enfáticos, amenizavam consideravelmente a viagem. Agora não se notam tantos apelos à Providência, mas espero que continuem, ainda que discretamente, ou então que as conversas nos celulares sejam chamadas diretas ao santo protetor de cada um, mas, mesmo assim, quando antecipo uma viagem das de hoje em dia, sinto um pouco de saudade do tempo do DC3.

GOSTOSA


LUIZ FERNANDO VERISSIMO - Onze de nove

Onze de nove 
LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 11/09/11

Minutos depois do choque do primeiro avião com a primeira torre, todo o mundo estava em Nova York

Hoje é onze de nove, exatamente 10 anos depois. Assunto inescapável: o ataque às torres do World Trade Center de Nova York e ao Pentágono, em Washington, em 2001.

Eu estava em Nova York, mas isto não é vantagem. Minutos depois do choque do primeiro avião com a primeira torre, todo o mundo estava em Nova York. Os choques aconteceram na era da comunicação instantânea, nenhum outro acontecimento na história teve uma cobertura igual, tão completa – e tão repetida. Dez anos depois, as imagens repetidas ainda espantam. Quem estava lá não conseguiria esquecê-las mesmo que tentasse. E todo o mundo estava lá.

A diferença entre realmente estar lá e não estar era o detalhe: a aspereza no ar e o cheiro estranho chegando até nós, horas depois dos ataques e a alguns quilômetros do local das ruínas fumegantes. Os caças sobrevoando Nova York, prontos para abater qualquer avião que demorasse a se identificar.

As tropas motorizadas estacionadas ao longo da Quinta Avenida, provavelmente sabendo tão pouco sobre sua missão – repelir um ataque por terra partindo do Central Park? – quanto nós. E os boatos passando de boca em boca: ameaças de bomba na ponte George Washington, no edifício Empire State, na usina nuclear mais próxima. Por alguns dias depois dos atentados nada pareceria improvável.

E por alguns dias depois dos atentados nos transformamos em racistas paranoicos. Eu também. Quando os voos comerciais recomeçaram e consegui lugar num avião para Londres, a espera no aeroporto foi tensa. Iríamos voar pela primeira vez com a consciência ainda fresca do que alguns malucos, ou um único maluco, poderiam fazer se assumissem o controle de um avião.

Quem garantia que aterrissaríamos no aeroporto de Londres e não no Buckingham Palace? E os hipotéticos malucos podiam estar ali, na mesma sala de espera, prontos para entrar no mesmo avião. Confesso que examinei, abjetamente, cada rosto mais escuro à minha volta, à procura de sinais de fanatismo muçulmano. Até as crianças. Eu sei, eu sei. Imperdoável. Mas não era a hora para ser civilizado.

Bush não foi um presidente à altura do momento. Chegou a personificar, nas suas primeiras aparições, a confusão que tomava conta do país. Mas deve-se fazer justiça ao Dobliu. Uma das suas primeiras preocupações foi isentar a comunidade árabe e muçulmana dos Estados Unidos do terror, para desencorajar atos de represália.

Contam que, quando ainda não se sabia bem se haveriam mais ataques, parte da sua equipe queria levar o presidente da Flórida, onde ele estava, para instalações seguras dentro de uma rocha no meio-oeste do país, construídas para o caso de guerra nuclear com a União Soviética, nos bons tempos em que o inimigo era claro. Bush preferiu voltar para Washington. Um dos mais paroquiais presidentes americanos, com zero interesse no resto do mundo, se vira subitamente impelido para a política internacional na sua forma mais explosiva. Não admira que parecesse perdido.

Aterrissamos no aeroporto de Londres, não em nenhum monumento nacional. Ironia: quase todo o pessoal de alfândega e segurança do aeroporto de Londres era de origem indiana, da cor de terroristas. Uma cura rápida para paranoia e preconceito.

Em Paris estava havendo uma mostra de quadros do Morandi, aquele italiano que pintava sempre os mesmos sólidos objetos em combinações diferentes. Fomos ver a exposição do Morandi no nosso primeiro dia em Paris. Eu estava com fome de coisas sólidas e permanentes.

MARCELO GLEISER - O que é unidade?


O que é unidade?
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 11/09/11

Ao refletir sobre unidade, vale lembrar que somos feitos da mesma matéria: pessoas, plantas e rochas

Hoje, nos EUA, é um dia lúgubre, o aniversário de dez anos do ataque terrorista que destruiu as Torres Gêmeas em Nova York e danificou parte do Pentágono. O número de vítimas chegou a 2.977: pessoas de todas as idades, raças e credos.
Entre as várias discussões sobre o que ocorreu e os seus motivos, gostaria de meditar aqui sobre o que mais falta no mundo: unidade. No fim de semana passado, recebemos em casa a artista russa Ekatherina Savtchenko (para ver seu trabalho, visitehttp://www.ekatherinas.com/ ). Savtchenko usa a sua arte para transmitir uma forte mensagem de unidade, conectando várias culturas e fés com aspectos diversos do conhecimento humano, incluindo a ciência. Ela é parte da Unity Foundation (Fundação Unidade), um grupo ainda pequeno de pessoas dedicado a encontrar um denominador comum e inspiração dentre as tantas vozes do mundo.
Parte das atividades da fundação é coletar depoimentos de pessoas, registrados em vídeo, sobre sua visão do que é unidade. O objetivo é explorar vários significados da palavra e entender a sua essência. Quando chegou a minha vez e a câmera apontava na minha direção, tive de pensar rapidamente sobre o que entendo por unidade. Imediatamente, a noção de conectividade me veio à mente.
A ciência, em particular a física, influencia o que entendo por unidade. No seu aspecto mais básico, essa conectividade -que a tudo e todos liga-vem da unidade que vemos nas leis da natureza. Através do espaço e do tempo, por bilhões de anos-luz de distância e bilhões de anos, podemos afirmar com confiança que as mesmas leis da física e da química são válidas.
Vemos estrelas a bilhões de anos-luz de distância, estudamos os seus espectros e concluímos que esses objetos, tão longínquos, muitos deles já nem mais existentes, contêm hidrogênio, hélio e muitos dos mesmos elementos químicos que encontramos na Terra e em nossos corpos.
Vemos, também, que essas estrelas produzem seu brilho da mesma forma que o nosso Sol, transformando hidrogênio em hélio em seu centro, através da fusão nuclear. Somos todos feitos da mesma matéria: pessoas, plantas, rochas, estrelas.
As leis da natureza conectam o Universo, trazendo-o até nós. Mas que leis são essas? De onde vêm? Aqui, a ciência tem pouco a dizer. As leis da natureza são, em realidade, nossa interpretação do que vemos da natureza, consequência do que medimos do mundo. Elas expressam padrões de comportamento que identificamos através do espaço e do tempo, padrões que podemos quantificar e comparar com medidas e observações.
Como criadores dessas leis, nossa conexão com o Cosmos vai além da nossa composição material em comum: ela existe, também, por meio das nossas mentes, ao mapearmos na consciência aquilo que, sem nós, passaria desapercebido.
Como escrevi em meu livro "Criação Imperfeita", somos como o Universo pensa sobre si mesmo. Termino sugerindo uma montagem em vídeo em que Richard Feynman, Carl Sagan, Bill Nye e Neil deGrasse Tyson "cantam" sobre a unidade da natureza e nossa conexão com o cosmo. (Assista no link: http://www.youtube.com/watch?v=XGK84Poeynk&feature=youtu.be)

AMIR KHAIR - Queda de braço

Queda de braço
AMIR KHAIR
O Estado de S.Paulo - 11/09/11

A maior distorção na economia brasileira está nas elevadas taxas de juros Selic e nas cobradas pelos bancos. O Brasil é o paraíso da agiotagem legalizada há mais de 20 anos.

O que chama a atenção é quando o Banco Central (BC) eleva a Selic, o mercado financeiro aplaude, mas, se reduzir, não importa por qual razão, será duramente criticado com a acusação de que perdeu a autonomia e a credibilidade.

Na realidade, ao manter a Selic elevada é que cedeu sua autonomia e perdeu a credibilidade para seu comandante: o mercado financeiro, que vive desta distorção macroeconômica, que submete o governo e a sociedade ao pagamento de juros exorbitantes que alimentam os elevados lucros dos bancos. Mas parece que isso pode mudar.

A crise internacional vem dando sinais claros de deterioração e o Brasil tem quedas sistemáticas na taxa de crescimento. No início do ano, era prevista em 5% e agora caminha para 3%, com os resultados do PIB do 2.º trimestre.

Aí surge o conflito entre reverter a queda da economia ou reduzir a Selic. Uns dizem que a economia não pode crescer mais do que 3%, pois senão a inflação sobe e é necessário elevar ainda mais a Selic para segurar a demanda.

O problema é que a Selic não segura a demanda. O que influi sobre a demanda são as taxas de juros cobradas pelos bancos aos consumidores. Elas não têm nada a ver com a Selic, pois chegam a ser mais de dez vezes maior, como no caso do cheque especial de 188%, que é 17 (!) vezes a Selic.

Se a Selic não interfere no custo do crédito ao consumidor, influi significativamente sobre a decisão das empresas em investir, pois oferece ganhos financeiros sem risco e com liquidez imediata, ao passo que investir num negócio tem baixa liquidez e riscos. Ao inibir investimentos, freia a ampliação da oferta, criando inflação futura.

O BC usou como argumento para abaixar meio ponto na Selic, entre outros, a repercussão da crise internacional sobre a atividade no País. Os que se opuseram usaram como argumento que a crise não é tão ameaçadora quanto a de 2008, com a quebra do Lehman Brothers. Ou seja, seria necessária nova crise da intensidade da ocorrida em 2008, para o BC justificadamente reduzir a Selic! Sem comentários.

É bom frisar que a Selic reduzida para 12%, descontando a inflação prevista para os próximos 12 meses, atinge 6,2%, que é mais que o dobro (!) do segundo colocado, a Hungria, com 2,8%. A média para uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8%. Se caísse de 12% para 8,5%, a Selic ainda seria a mais alta do mundo.

As taxas de juros anômalas transferem recursos do governo, no caso da Selic, e da sociedade, no caso dos juros bancários, para o sistema financeiro. Isso já deveria ter acabado há muito tempo, mas nenhum governo enfrentou o poderio do mercado financeiro.

O absurdo é que até agora o BC consulta-o para saber qual a expectativa da inflação e da Selic. E, mais grave, divulga-a no boletim Focus semanalmente e a mídia normalmente informa como sendo as expectativas do "mercado". Assim, o BC fica refém do mercado financeiro. Tenho insistido em artigos que não faz sentido usar como amostra apenas um segmento do mercado, que representa só 7% do universo econômico e tem interesse na Selic elevada. Tem que mudar a amostra ou deixar o mercado financeiro preparar o seu boletim.

Parece, no entanto, que o governo, em face da tendência de encolhimento da economia, juntamente com um cenário internacional desfavorável, resolveu fazer o que deveria ter feito há muito tempo, que é tomar decisões macroeconômicas de forma integrada, olhando não apenas a inflação, mas também o câmbio e o crescimento econômico.

Dia 29 último, o governo anunciou sua estratégia para enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões, passando o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de R$ 81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões.

Esses R$ 10 bilhões são de excesso de arrecadação. Não é o que as análises ortodoxas querem. Defendem a redução das despesas do governo para diminuir a demanda, o que permitiria ao BC reduzir a Selic. Mas, sob o ponto de vista macroeconômico, uma elevação da receita pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.

Ao elevar o superávit primário, o governo comprou, em parte, a tese do mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho fiscal. É o contrário: a Selic caindo é que permite o maior e mais rápido desempenho fiscal.

A estratégia fiscal do governo vai, no entanto, até 2014. Quer que a despesa de custeio cresça menos que o PIB (como ocorrido até julho), redução das despesas com juros (redução da Selic), indexação da caderneta de poupança a um porcentual da Selic e reduzir a participação da dívida atrelada à Selic.

A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a estratégia do possível, tentando contornar o enfrentamento dos interesses do mercado financeiro de manter a Selic elevada. Na verdade, o mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic. É seu lucro em jogo.

É importante o governo anunciar seu plano fiscal até 2014 no qual constem compromissos de manter as despesas de custeio abaixo do crescimento do PIB para elevar os investimentos, mas isso é insuficiente. Resta incluir no plano o impacto fiscal das políticas cambial e monetária, que é bem superior à contenção das despesas de custeio.

O impacto fiscal da política cambial se dá no custo de carregamento das reservas internacionais. O BC vem elevando essas reservas e as aplica em títulos do Tesouro americano que rendem 2% e paga ao mercado juros de 12%. O diferencial de dez pontos, vezes o nível das reservas, pode atingir neste ano R$ 70 bilhões! Se a Selic fosse igual à da China, de 3%, o diferencial seria de um ponto e esse custo seria dez (!) vezes menor.

No auge da crise de 2008, as reservas estavam em US$ 204 bilhões e no final de julho, US$ 346 bilhões, crescendo 70%! Quanto mais elevada, maior a atração aos especuladores internacionais devido à maior solvência.

Despesas com juros. O impacto fiscal da política monetária se dá pelas despesas com juros. Nos últimos 16 anos, representou 7,38% do PIB em face da média internacional de 1,8% do PIB devido à Selic ser a taxa de juros mais alta do mundo durante mais de uma dezena de anos. Nos últimos 12 meses até julho atingiu R$ 225 bilhões, ou 5,7% do PIB. Como o governo pretende alcançar um superávit primário de 3,2% do PIB, vai ocorrer um déficit fiscal de 2,5% do PIB (5,7 menos 3,2).

Neste ano até julho, em comparação com o mesmo período de 2010, as despesas não financeiras do governo federal (custeio e investimentos) cresceram 11% (sem corrigir a inflação), o mesmo para o funcionalismo e 10,8% para a previdência social e, pasmem: 48,3% (!) para os juros.

A Selic e os juros bancários precisam cair, e isso impõe uma queda de braço entre o governo mais a sociedade, que pagam os juros, e o mercado financeiro. Vamos acompanhar esse enfrentamento, que é necessário para o desenvolvimento do País.

MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR