quinta-feira, setembro 08, 2011

PAULO SANT’ANA - Outra face da mesma pessoa

Outra face da mesma pessoa
 PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 08/09/11

Uma das mais preciosas lições que temos nos vem da Antiguidade: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”.

O que muito noto na vida é que as pessoas não são o que parecem.

Se eu tivesse de escrever um conto a respeito, inventaria um personagem humano que onde quer que fosse carregaria como sua sombra um leão.

Todos elogiavam aquela mulher como dona de muitos atributos, qualidades e virtudes. E o marido daquela mulher replicava a todos eles: “Vão viver com ela e vocês deixarão de ter essa impressão”.

Ser é uma coisa, parecer é outra bem diferente. Por exemplo, na minha rua, quando de minha infância, havia um homem que passava pelos diversos bares do bairro sem nunca entrar em nenhum deles para tomar um trago.

Todos achavam que se tratava de um homem de hábitos puros, sensato, cumpridor de seus deveres e ótimo chefe de família.

Foi se saber com o tempo que aquele homem, no recôndito de seu lar, era um alcoolista inveterado e que em meio a seus porres espancava largamente sua mulher e seus filhos.

Um homem aparentemente inofensivo, amável, atencioso pode na sua intimidade tornar-se um ser agressivo e intolerante.

As aparências enganam. O próprio chato é uma criatura que inicialmente se apresenta como alguém simpático e logo em seguida fica difícil de aturar.

Conheci, certa vez, um torturador que mostrava unhas feitas, tinha modos gentis e se dirigia a todos na rua com muita delicadeza. E, à noite, tomava conta de seu calabouço e despedaçava sua vítimas indefesas.

Isso tudo acontece porque as pessoas cuidam muito bem de sua aparência. E muitas delas tem um outro zelo mais profundo a respeito: tratam de moldar a sua aparência com tintas exatamente antípodas às de sua verdadeira personalidade.

Um homem que parece ser bom pode ser mau. E um que aparenta bondade pode ser munido de extrema crueldade.

Por isso é que muitas vezes dizemos a alguém: “Ué, não estou te conhecendo. Tu não me parecias ser assim. O que está havendo contigo?”.

É que parece que desconhecemos que um ser humano pode ter diversas faces: Hitler era pintor, Nero foi cantor e ator.

Tenhamos, pois, sempre em mente que o que é pode não parecer e o que parece pode não ser.

Um dos exemplos mais elucidativos dessa questão foi que notei que, sempre que saía nos jornais a notícia de que um pitbull ou um rottweiler estraçalhavam uma pessoa, o dono do animal, toda as vezes, declarava: “Não posso entender, ele era tão mansinho”.

ILIMAR FRANCO - Novo imposto

Novo imposto
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 08/09/11

A área econômica do governo não vê outra alternativa para financiar a saúde pública que não seja instituir um novo imposto sobre operações financeiras. O governo Dilma, agora com o aval dos governadores, vai enviar ao Congresso um projeto estabelecendo a alíquota da Contribuição Social para a Saúde (CSS) tão logo a regulamentação da Emenda 29, que define o que são gastos com Saúde, seja aprovada pelo Congresso.

A dissimulação dos líderes governistas

Nos últimos 15 dias os líderes aliados passaram a debater uma série de propostas na área tributária para arranjar recursos para a Saúde. Eles promoveram um verdadeiro número de ilusionismo. O aumento do imposto sobre cigarros e bebidas, por exemplo, já foi adotado no governo Dilma, mas com o objetivo de financiar o programa Brasil Maior (política industrial). O imposto sobre grandes gortunas, que tem apelo político e social, segundo o Ministério da Fazenda, não tem a menor possibilidade de ser adotado. Segundo cálculos técnicos, trata-se de uma receita incerta e em volume muito aquém das necessidades da Saúde.

Nós temos que acreditar no futuro. Um dia muda, vira" - Antonio Carlos Magalhães Neto, líder do DEM na Câmara (BA), sobre a força da oposição

COMPENSAÇÃO. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) resgatou tese do ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), na foto, para que os estados não produtores de petróleo tenham recursos já. Dornelles defende a atualização do valor da Participação Especial, o que não ocorre desde 1998. E cita fala de Mercadante no Senado, em junho de 2008, na qual ele diz: "Eu proponho nós corrigirmos a Participação Especial. Imediatamente. É uma coisa que dá para fazer agora."

Santa aliança

O PSDB e o PT vão estar coligados na eleição para a prefeitura de Belo Horizonte (MG). Ambos vão apoiar a reeleição de Márcio Lacerda (PSB). Os petistas alegam que essa aliança só é vetada com os tucanos na cabeça da chapa.

Novas leis contra a corrupção

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) propôs à Mesa do Senado a criação de uma comissão especial para analisar todos os projetos que tratam de corrupção que tramitam na Casa. Segundo a ONG Contas Abertas, estão parados no Congresso pelo menos 70 projetos tratando "da responsabilização criminal das empresas corruptoras, criação de obrigações para as instituições financeiras, sanções aplicáveis aos servidores no caso de enriquecimento ilícito, e outros temas relevantes".

Na fila

O ministro Moreira Franco (Assuntos Estratégicos) está esperando um sinal verde do ministro da Defesa, Celso Amorim, para implementar o Plano de Ocupação da Fronteira Norte. O projeto tinha o aval do ex-ministro Nelson Jobim.

Foco

O centro da ação do DEM nos próximos meses é fortalecer suas pré-candidaturas às prefeituras de algumas capitais do país. As prioridades são Salvador, Recife, Aracaju, Rio de Janeiro, Goiânia, Campo Grande, Manaus e Macapá.

Pente-fino

O ministro Alexandre Padilha (Saúde) está trocando o comando da Funasa em vários estados. As mudanças estão sendo acompanhadas pelo líder do PMDB, Henrique Alves (RN), que quer manter o espaço do partido na instituição.

A MINISTRA Iriny Lopez (Mulheres), a exemplo de Fernando Haddad (Educação), também deve deixar o governo para concorrer. O PT capixaba quer que ela seja candidata à prefeitura de Vitória.

OS PRINCIPAIS assessores das pastas que atendem diretamente a Presidência da República estão trabalhando 14 horas por dia.

O VICE Michel Temer, sua mulher, Marcela, e o filho Michel estão hospedados até o fim da semana na casa do líder do PMDB, Henrique Alves (RN), em Graçandu, que fica 20km ao norte de Natal.

GOSTOSA


EDUARDO FAGNANI - Fora dos trilhos


Fora dos trilhos
EDUARDO FAGNANI
Folha de S. Paulo - 08/09/2011

Modernizar não é comprar trem. O fundamental é reduzir a frequência. Há muito poderíamos contar com 290 km a mais de metrô

O debate sobre os transportes públicos é desalentador. Ao lado da esgotada opção pelo ônibus (na forma de corredores), emergem "soluções" elitistas (bicicletas) e utópicas (restrição ao uso do automóvel, pedágio, carona, rodízio etc.). Bicicleta é bom para quem mora em Higienópolis (centro) e trabalha no Pacaembu (zona oeste). Não serve para a minha empregada, que mora no Capão Redondo (zona sul) e trabalha no Butantã (zona oeste). Usar automóvel não é ato de vontade, mas falta de opção.
O problema remonta à década de 1950. A acelerada urbanização não foi acompanhada de ação pública. O setor nunca foi prioridade, e usuários sempre foram tratados como gado.
Em metrópoles europeias, o transporte coletivo prepondera ante o individual. No universo dos meios coletivos, metrô e trem respondem pela maioria das viagens; o ônibus tem papel suplementar.
Caracas e Cidade do México seguem esses parâmetros. Aqui, ocorre o inverso. Entre 1967 e 2007, a participação dos meios coletivos declinou (de 68% para 55%) em favor do automóvel.
No âmbito exclusivo das viagens coletivas, em 2007, o ônibus respondia por 78% dos deslocamentos, ante 16% do metrô e 6% do trem.
Iniciamos tarde o investimento em transporte público e não recuperamos o tempo perdido. Desde 1968, construímos, em média, 1,7 km de metrô ao ano. Na Cidade do México e em Santiago, o ritmo é superior -4,4 km e 2,6 km, respectivamente. Xangai constrói 21 km/ ano desde 90. Aqui, as obras da linha amarela (de 12 km) já levam 16 anos.
O indicador "população por km de linha" evidencia a reduzida oferta.
Em 2009, figurávamos entre as dez piores situações globais (278 mil pessoas/km), distantes da Cidade do México (94 mil) e de Santiago (55 mil) e da maioria das aglomerações(entre 10 e 30 mil).
Nosso metrô é um dos mais superlotados do mundo (27mil passageiros por km de linha), taxa superior às da Cidade do México, de Buenos Aires, de Santiago (entre 15 e 19mil) e da maior parte das metrópoles mundiais (inferior a 10 mil).
Com a privatização, o metrô tem de dar lucro. Nos últimos 20 anos, a tarifa subiu quase o dobro da inflação. Em 2009, nossa tarifa (€ 0,99) era semelhante à de Lisboa (€ 1,05). Todavia, o lisboeta trabalhava 14 minutos para comprar um Big Mac; o paulistano, 40. Cidades latinas possuíam tarifas inferiores: Santiago (€ 0,72); Bogotá (€ 0,57); Buenos Aires (€ 0,31) e México (€ 0,18).
Não priorizamos a modernização dos 290 km da CPTM, que demanda investimentos muito menores (pois evita desapropriações e subterrâneos). Em 2007, o metrô (60 km) transportou 2,2 milhões de pessoas/ dia, enquanto a CPTM (290 km) se restringia a 800 mil. Essa disparidade é explicada pela rápida frequência do metrô. Modernizar não é comprar trem. O fundamental é reduzir a frequência. Há muito poderíamos contar com 290 km adicionais de metrô.
O governo estadual é o principal responsável pela crise, seguido pelo município, que não investe no sistema. A União também foi omissa: em 1990, o tema saiu da agenda, só retornando em 2007(via PAC).
Precisamos elaborar uma política nacional assentada na responsabilidade compartilhada entre os entes federativos e ancorada em fontes de financiamento sustentadas.
O Brasil pode resolver essa questão no curto prazo. Estima-se que meio ponto a mais na taxa de juros tenha um custo de R$ 15 bilhões -o suficiente para construir mais da metade da rede de metrô paulistana.
Transporte público em metrópoles do porte das capitais brasileiras requer sistemas de alta capacidade.
Isso é o que separa a civilização da barbárie. Transporte é um direito do cidadão, e não apenas do torcedor da Copa do Mundo.

EDUARDO FAGNANI é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp

VALDO CRUZ - CONVERSÃO


CONVERSÃO
VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 08/09/11

BRASÍLIA - Dilma Rousseff não vai defender publicamente a criação de um novo tributo para financiar a saúde, mas está convencida de duas coisas: não basta apenas melhorar a gestão, o setor precisa de mais recursos; e uma das soluções pode ser a velha CPMF.
Difícil não concordar que a saúde pública brasileira necessita de mais verbas. Basta ler o noticiário sobre o estado deplorável de hospitais que atendem a parcela menos privilegiada da população.
Questionável, porém, a tese de que é necessário aprovar um novo tributo para bancar a conta. Trata-se do caminho mais fácil para os governantes de plantão, mas com certeza não é o melhor para a economia brasileira.
O ideal seria rediscutir o tamanho do Estado, fora de cogitação num governo Dilma. Ou reduzir alguns gastos federais, como subsídios do Tesouro para bancar certos negócios empresariais de discutível prioridade -algo também fora dos planos presidenciais.
Voltamos, então, à saída que pode vingar caso o Congresso decida elevar os gastos com saúde na votação da emenda 29: aumento de impostos, possivelmente a criação da CSS, a velha CPMF.
Dilma, segundo sua equipe, converteu-se à ideia diante da crise global. Diz que os próximos anos vão exigir rigor fiscal, não havendo espaço no Orçamento para mais gastos sem novas fontes de receita. E porque foi informada que as outras alternativas não bancam, nem de longe, a conta.
Subir carga tributária de bebidas e do seguro de automóveis estará na proposta, mas não resolve. Royalties do pré-sal serão usados, mas só no futuro. O dinheiro começa a entrar só depois de 2015.
Resumindo: apesar das promessas eleitorais, o contribuinte pode pagar a conta. Sua chance de escapar está na estratégia governista de não bancar oficialmente a ideia. A base aliada pode muito bem não querer arcar com o desgaste, ainda mais em véspera de eleição.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - Querem uma imensa chapa-branca


Querem uma imensa chapa-branca 
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 08/09/11

O jornalismo da imprensa subsidiada pelo governo não é livre

Não se trata de censura à imprensa, mas de garantir uma imprensa de boa qualidade e empresas de comunicação sólidas e eficientes - é o que nos diz a recomendação aprovada no último congresso do PT.
Nenhum dos dois objetivos pode ser alcançado pela legislação, muito menos pela ação do governo, sob qualquer forma que esta se manifeste. O debate é antigo e já tem resposta: a lei deve garantir que a imprensa seja livre. A qualidade depende da sociedade e - me perdoem o palavrão - do mercado.
Considerem, por exemplo, a imprensa chapa-branca, aquela que vive do dinheiro do governo, transferido via publicidade ou benefícios fiscais. O jornalismo que sai daí obviamente não é livre. Do mesmo modo, as empresas que o veiculam não têm consistência econômica - pois não sobrevivem fora das verbas públicas, cuja doação depende dos governantes de plantão - e, assim, também não podem ser independentes e isentas.
É engraçado: a imprensa chapa-branca produz jornalismo marrom - que privilegia uma determinada visão dos fatos, aquela sustentada pelo seu patrocinador.
Além do governo, o patrocinador pode ser um partido, um político ou uma igreja, conforme se vê na experiência brasileira dos últimos tempos. O que há de comum entre todos é a vinculação com alguma instância de governo, municipal, estadual e/ou federal.
O que distingue essa imprensa daquela livre e independente é o público e, de novo, o mercado. Jornalismo é caro. Por isso, produzir e veicular notícias tem que ser encarado como um negócio e uma missão.
Um negócio porque a liberdade e a independência da empresa de comunicação dependem da rentabilidade no mercado privado - e não no mundo das verbas oficiais. É preciso ganhar dinheiro para gastá-lo com as reportagens.
Ora, por que gastar com reportagens (notícias, informação, opinião) e não, digamos, com salsichas? Comida dá mais lucro. Eis por que o jornalismo, o empreendimento, requer algo mais do que o objetivo de ganhar dinheiro. Mal comparando, como ouvi certa vez: é como no casamento, não pode ser só por dinheiro, precisa ter um pouco de amor.
Parece um pouco antigo e meio demagógico, mas jornalistas têm apreço por uma notícia bem apurada e publicada com destaque. Por isso, são jornalistas e não advogados, com todo o respeito. É importante que esse espírito seja também o dos acionistas e executivos de uma empresa jornalística.
Um executivo sem essa compreensão jamais autorizaria a despesa enorme para mandar um repórter ao centro de um evento (uma guerra, por exemplo) e veicular 40 centímetros ou dois minutos de matéria.
Mas continua sendo caro, inclusive - perdoem o parti pris - para remunerar bons jornalistas. E precisa ser financiado por anunciantes no maior número e na mais ampla variedade possível. Claro que pode ter publicidade de governo e de estatais, especialmente das que estão no mercado. Mas assim como não se pode depender do governo, também não se pode ter a receita concentrada em uma empresa ou um setor da economia privada.
E, lógico, precisa ter público consumidor, os leitores, ouvintes e telespectadores, que pagam de algum modo pelas informações.
Eis a receita, portanto: empresas atuando no mercado privado e livre da publicidade e o sentido do jornalismo livre e independente. E isso para um público com liberdade para escolher seu jornal, sua rádio, sua tevê, seu site.
É isso que a lei deve garantir: a liberdade em todo o processo. Quanto à qualidade, de novo, vai depender da sociedade. O público sabe escolher os veículos que mais lhe dizem respeito. O mercado brasileiro oferece ampla variedade de escolha, desde veículos populares até os mais, digamos, elitizados. Não raro, essa variedade aparece em um mesmo veículo.
Não há aqui, portanto, problema que exija uma legislação nova para supostamente corrigi-lo. Os direitos de pessoas ou instituições de algum modo atingidos pelo noticiário são amplamente protegidos pelas leis atuais. O governante acha que foi ofendido ou vítima? Sem problema, aos tribunais.
Mas há problema, sim, no uso de dinheiro público para financiar a imprensa chapa-branca e o jornalismo marrom. E esta é uma prática abusada: governantes de todos os partidos têm recorrido cada vez mais a esse recurso.
Podem reparar a quantidade de propaganda oficial que não anuncia nenhum produto nem campanhas (de vacinação, por exemplo). Apenas dizem que tal governo é uma beleza e que vai tudo bem por aqui.
Há problema, também, na transferência de recursos de uma igreja, qualquer uma, para suas emissoras. Pode parecer que não, mas reparem: igrejas são isentas de impostos, de modo que caracteriza o uso indireto de dinheiro público.
Deixar isso de lado e pedir a regulamentação da outra imprensa é simplesmente querer que tudo se transforme numa imensa chapa-branca.

WAGNER VILARON - Qual torcida é maior: Corinthians ou Fla?


Qual torcida é maior: Corinthians ou Fla?
WAGNER VILARON
O Estado de S.Paulo - 08/09/11

O assunto de hoje é especialmente delicado (e confesso, esses são meus preferidos). Logo mais, no Pacaembu, enfrentam-se Corinthians e Flamengo. Sempre considerei bobagem essa história de apontar qual clássico reúne a maior rivalidade: Corinthians x Palmeiras, São Paulo x Corinthians, Fla-Flu, Gre-Nal, Atlético x Cruzeiro? Enfim, quem somos nós para medir sentimentos como paixão e rivalidade? Porém, quando se trata de Corinthians x Flamengo, um dado concreto - o fato de serem as duas maiores torcidas do País - possibilita adjetivá-lo como o "maior"" clássico.

Feitas as devidas considerações, vamos ao que interessa, ou seja, à pergunta que sempre aparece neste momento, sobretudo por parte dos corintianos: afinal de contas, qual é a maior torcida do Brasil? Resposta razoavelmente simples: a do Flamengo, é claro! Institutos de pesquisa como Ibope e Datafolha já demonstraram isso. Portanto, ir contra os números nada mais é do que miopia ou teimosia de torcedor apaixonado. Pergunta respondida, assunto encerrado? Alto lá, não é bem assim.

Se alguns dados evidenciam que o número de brasileiros que torcem pelo Rubro-Negro chega a 35 milhões, enquanto o de alvinegros aproxima-se dos 30 milhões, outros mostram que o mercado do Corinthians é maior. Só para ilustrar tal afirmação, recorro a levantamento realizado em julho pela consultoria BDO, o qual registra que as receitas de patrocínio do clube paulista em 2010 chegaram a R$ 47,3 milhões, enquanto na Gávea ficaram em R$ 44 milhões. E a tendência é de que esta diferença cresça - e muito - este ano, uma vez que o Corinthians ampliou sua receita, enquanto o Flamengo praticamente perdeu o primeiro semestre com a camisa em branco.

Agora é a vez de o torcedor rubro-negro indagar: mas como pode o nosso clube ter a maior torcida e não ter a maior receita? O que estaria por trás dessa aparente incoerência? De acordo com observações pessoais e conversas que tive com especialistas de mercado, a competência (ou falta dela) dos dirigentes não é a única explicação para o caso.

Não é novidade para ninguém que o fato de o Rio ter sido a capital federal ajudou na nacionalização da torcida dos clubes cariocas. Natural que uma capital, com sua relevância política e econômica, expanda sua influência e costumes por todo País. Enquanto isso, o Corinthians crescia e se consolidava como a grande torcida paulista. E à medida que a relevância de São Paulo aumentava no cenário nacional, ampliava a popularidade do time do Parque São Jorge.

Resultado, o Corinthians tem boa parte de seus torcedores concentrada na região mais rica do Brasil, enquanto a torcida do Flamengo é mais espalhada, o que a faz ser maior. Porém, o mais importante para o mercado (leia-se investidores) não é o número de pessoas que dizem torcer pelo clube, mas sim o de pessoas dispostas a consumir a marca. Conclusão: o mercado valoriza mais o número de consumidores do que o de torcedores.

Para exemplificar este raciocínio, especialistas citam a seguinte comparação: é preferível ter sete torcedores, dos quais cinco sejam consumidores, do que contar com 10 apaixonados, dos quais apenas três compram itens relacionados ao time.

Perspectivas. Evidentemente o fato de ter o maior contingente de torcedores já é um grande passo para o Flamengo. A massa ávida por consumir todo e qualquer tipo de produto rubro-negro está ali, esperando pela oferta capaz de seduzi-la. É preciso que os responsáveis pelo marketing identifiquem desejos e necessidades da torcida e desenvolvam produtos que a atendam. Por essas e outras todo executivo de multinacional morre de inveja dos dirigentes de futebol. É sério, pois os cartolas não correm risco de perder o consumidor.

ALBERTO TAMER - Ajuste começou com FHC


Ajuste começou com FHC
ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 08/08/11

As tensões aumentaram no exterior nos últimos dias, com o adiamento de soluções para a crise da zona do euro. O Fundo Monetário Internacional (FMI), realista, lançou alerta para a desaceleração em espiral, espera o pior se nada for feito agora.

A presidente Dilma Rousseff reconhece que a situação se agrava, mas o Brasil está "plenamente preparado para enfrentar mais esse desafio". Ela afirma a intensificação do ajuste fiscal como peça básica de defesa contra o novo repique da inflação e cita novamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem "este País tem um rumo", lembrando que ele fez muito para que se chegasse à situação de resistência atual.

Estamos, não, estávamos. É este o ponto que a coluna quer destacar. O Brasil está preparado porque se preparou bem antes do início da crise de 2008. Tudo começou no governo de Fernando Henrique. Lula e Dilma tiveram, sim, o mérito de seguir o que ele fez e fortalecer o mercado interno, mas pouco poderiam ter feito se não houvessem recebido as finanças públicas em ordem. Foi um trabalho pioneiro e bem-sucedido que FHC iniciou em 1993 e 1994 como ministro da Fazenda, e entre 1995 e 2002, como presidente. Pôs ordem no caos dos governos de Sarney, com a moratória, e Collor, com seu plano maluco.

Brasil na moratória. A coluna conversou longamente com o ex-presidente. Como era quando, em 1993, assumiu o Ministério da Fazenda e como ficou quando deixou a presidência em 2002. "De fato, o trabalho de saneamento das contas públicas se iniciou antes, em 1993, quando eu era ministro da Fazenda e Pedro Malan dirigia o Banco Central. Foi bem difícil terminar a negociação das dívidas externas e suspender a moratória decretada no governo Sarney. Em outubro de 1993, fomos ao Canadá para assinar os novos contratos de dívida, que implicavam cerca de 700 bancos. O montante global renegociado era o maior até então em casos semelhantes, cerca de US$ 35 bilhões. E fizemos isso sem o aval do FMI porque, no início, aquela instituição não acreditava que o Plano Real - em elaboração e ainda com o nome de Plano FHC - pudesse dar certo, tal a fragilidade política do governo Itamar e tais os erros da gestão financeira do passado não tão remoto", lembra FHC. Era o caos financeiro total deixado por Collor e por Zélia Cardoso, que conheci em Londres.

Estados também. Mas não era dívida externa. Era a dos Estados, lembra Fernando Henrique à coluna. "Eram os Estados, cerca de cem municípios quando eu ainda era ministro da Fazenda. Graças ao trabalho de Clovis Carvalho, secretário-geral do ministério e muitos outros, refizemos penosamente os contratos de dívidas dos Estados; conseguimos que cada assembleia estadual aprovasse uma lei pela qual o que escrevemos na legislação federal e nos novos contratos seria aceito por eles. Não cumprir implicaria na retenção pela União das transferências constitucionais dos Fundos de participação do IR e IPI."

Fim do dinheiro a roldo. Para o ex-presidente, é justo lembrar que no governo Sarney houve um ponto final na malfadada conta-movimento, "um cheque sem limites que o Banco Central dava com recursos do sistema financeiro ao Banco do Brasil para os governos gastarem". Começou a se desfazer também a confusão entre os títulos públicos emitidos pelo Tesouro e pelo BC com o relatório preparado por Edmar Bacha, quando eu ainda era ministro da Fazenda.

Desse enorme esforço de saneamento resultou a consolidação da Dívida Pública. O que antes aparecia como dívida de Estados, municípios e União, bem como de instituições financeiras, passou a ser gerido pelo Tesouro, que absorveu as dívidas para colocar um ponto final na ciranda de sua expansão descontrolada. Dilma tem razão ao fazer justiça ao trabalho de Fernando Henrique e afirmar que o País deve muito a ele.

Privatizações. Fernando Henrique ressalta também as grandes privatizações de seu governo como em telecomunicação, que vive um clima de além do caos (a coluna voltará a tratar disso) e as siderúrgicas.

CONTARDO CALLIGARIS - Grandeza das ''futilidades''

Grandeza das ''futilidades''
CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 08/09/11


No começo de agosto, jovens londrinos foram às ruas (e aos saques) apoderando-se de bugiganga eletrônica e roupa de marca; mencionei esse fato na coluna da semana passada.

Alguns leitores entenderam que eu desaprovava a revolta pela futilidade de seus motivos, um pouco como Luiz Felipe Pondé ao apresentar a turba como um recém-nascido MSI, Movimento dos sem iPad (na Folha de 22 de agosto).

Os mesmos leitores atribuíram aos manifestantes uma motivação "mais nobre". Por exemplo, @blogsessao, no Twitter, afirmou que os jovens não arriscariam suas vidas por bugiganga: eles deviam estar protestando contra desemprego, violência policial etc. - coisas mais sérias.

Pois bem, contrariamente a @blogsessao, acho que os jovens queriam mesmo os objetos que roubaram. E, contrariamente a Pondé (e também a @blogsessao), acho que os objetos que eles roubaram não têm nada de fútil: na modernidade, as aparências e os objetos de consumo são atributos constitutivos da subjetividade e da liberdade. Explico.

Até o século XVIII, um nobre poderia chegar a uma festa a pé e, mesmo assim, ele seria recebido com a honra devida à sua condição. Seus eventuais apetrechos (roupa, aparato) eram seu direito exclusivo (alguém que não fosse nobre não poderia usar os mesmos), mas a honra era devida ao seu berço, não ao seu aparato.

Hoje, chegando a uma boate, seu carro, seu estilo ou sua roupa podem fazer que você seja admitido ou barrado. Será que nos tornamos escravos dos objetos e do aparato?

Ao contrário, os objetos e o aparato são a condição de uma liberdade inédita, porque, hoje, ninguém será barrado na festa porque nasceu num berço humilde - só se ele tiver escolhido o aparato errado.

Alguém dirá que o aparato custa dinheiro: os direitos conferidos pela riqueza teriam substituído os conferidos por nascença. É possível, mas, em tese, todos podem enriquecer e, hoje, o estilo vale tanto quanto a riqueza (há festas nas quais só se entra de meia furada e calçado ortopédico velho).

Mas voltemos a algo que talvez não tenha ficado claro quando falei do aparato que era direito exclusivo do nobre. Com a modernidade, acabaram as leis suntuárias, que serviam para colocar ordem nos costumes e na sociedade. Por exemplo, as prostitutas deviam se vestir de um certo jeito - sempre, não só no exercício da profissão. E os artesãos e comerciantes não podiam imitar as vestimentas e os aparatos dos nobres. Desde a Idade Média, essas leis eram uma tentativa de a nobreza frear o consumo e o prestígio dos burgueses, que estavam ficando cada vez mais influentes. Ou seja, eram maneiras de resistir a um mundo em que o acesso ao poder não dependeria mais da nascença.

Em suma, objetos, aparato e aparências, em sua suposta futilidade, são a chave de nossa liberdade para circular na hierarquia social, entrar em grupos diferentes do grupo no qual nascemos.

Alguém dirá: tudo isso é muito bom, mas será que a necessidade não deveria ser mais importante do que as futilidades de aparato e aparência, por mais que elas nos prometam liberdade?

Nos anos 70, na Índia, numa campanha de controle da natalidade, os indigentes podiam escolher: em troca de sua esterilização, receberiam um saco de arroz ou um rádio de pilha. Muitos escolhiam o rádio (embora não tivessem chance alguma de, um dia, comprar pilhas novas).

Hoje, no Rajastão, entre os que aceitam a esterilização, são sorteados televisores, liquidificadores, motocicletas, e um Tata Nano, o carro mais barato do mundo ("BBC Mobile", 1/07/11).

Tenho carinho pelos indigentes que preferiam o rádio e hoje sonham com o carro: a cultura à qual pertenço começa quando ter desejos e ser reconhecido pelos outros se torna tão importante quanto silenciar o ronco da fome.

Conclusão: lugar de saqueador é na delegacia. Agora, quem rouba iPads não é mais culpado do que aquele que rouba pão, porque, numa sociedade livre, em que a vida depende tanto do olhar dos outros quanto de mil calorias diárias, as pretensas "futilidades" (objetos de consumo e de aparato) são gênero de primeira necessidade, parte da cesta básica.

Para ler mais: o clássico "The Social Life of Things", de A. Appadurai (Cambridge University Press). Acaba de sair o ótimo "Sumptuary Law in Italy 1200-1500", de C.Kovesi Killerby (Oxford). 

A RENOVAÇÃO DO MANO

A RENOVAÇÃO DO MANO


MERVAL PEREIRA - Algo se move


Algo se move 
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/09/11

Talvez o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, estivesse sendo otimista demais, ou talvez ingênuo, quando comparou as marchas ocorridas ontem em diversas cidades do país com as da Diretas Já, ou mesmo com os protestos que culminaram com o impeachment do então presidente Collor.
As manifestações das Diretas Já começaram tímidas, mas tomaram conta do país, as contra Collor tiveram seu auge naquele domingo em que ele convocou o povo a sair de branco às ruas para apoiá-lo, e o país foi tomado, espontaneamente, por marchas de pessoas vestidas de preto.
O insucesso das Diretas Já, pois o Congresso acabou não aprovando a medida, culminou no sucesso da candidatura de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, encerrando a fase de governos militares no país e abrindo caminho para que em 1989 fosse eleito o primeiro presidente da República de forma direta depois de 29 anos.
Justamente Collor, que acabaria impedido pelo Congresso sob acusação de corrupção.
E é a corrupção que novamente move a cidadania em manifestações convocadas pelas redes sociais, sem uma liderança específica.
A mobilização da opinião pública, feita em meio a uma turbulência de informações, num sistema midiático diversificado como o que temos no mundo moderno, independe de lideranças.
Essa organização autônoma, sem um comando central, é o que dá "significados políticos" ao potencial da internet, segundo o sociólogo Manuel Castells, um dos maiores estudiosos das novas mídias e suas consequências no mundo moderno.
Ele identifica essas manifestações, como as que aconteceram ontem no país, como um "processo de transformação estrutural" que está em curso no mundo, com múltiplas dimensões: tecnológica, econômica, cultural, institucional.
Segundo ele, "a crise de governança está relacionada com uma crise fundamental, de legitimidade política, caracterizada pelo distanciamento crescente entre cidadãos e seus representantes".
Mas Castells adverte, citando o pensador italiano Antonio Gramsci: "A sociedade civil é o espaço intermediário entre o Estado e os cidadãos, no qual as instituições do Estado e as organizações populares podem interagir, trocar e negociar interesses e valores, em uma forma de cogovernança."
A sociedade civil, portanto, não seria "contra o Estado", mas "um canal para a transformação do Estado, a partir da pressão organizada da sociedade, sem limitar o processo democrático representativo a eleições e à política formal".
Essa mobilização espontânea tem maior significado ainda porque, no caso brasileiro, além dos problemas comuns que afetam de modo semelhante sociedades em diversas partes do mundo, como o distanciamento entre representantes e representados, temos sistema político montado para esterilizar a atuação política a partir do controle dos partidos pelo governo através da distribuição de cargos e de métodos mais radicais, como o mensalão.
O governo Lula neutralizou a ação congressual, montando uma enorme aliança política com partidos completamente distintos programaticamente, mas com um ponto em comum: nenhum deles dá mais valor ao programa do que aos benefícios que possa obter apoiando o governo da ocasião.
Ao mesmo tempo, o governo tratou de controlar os chamados "movimentos sociais" com verbas generosas e espaços de atuação política quase sempre neutros, popularmente conhecidos como "oposição a favor".
A política sindical é o melhor exemplo dessa neutralização dos eventuais adversários. A Força Sindical, de Paulo Pereira, deixou de disputar poder com a CUT, e juntas ampliaram o espaço de atuação sindical.
Um exemplo de manobra nesse sentido foi a inclusão das centrais sindicais na distribuição da verba do imposto sindical obrigatório.
Não é por acaso, mas como consequência dessa política de controle dos movimentos sociais e dos partidos políticos, que os protestos em Brasília e nas outras cidades contra a corrupção e a impunidade não contaram nem com o apoio da UNE nem da CUT nem do MST ou outras organizações chamadas não governamentais, mas que dependem basicamente das generosas verbas do governo para existirem.
A OAB lançou um manifesto conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), não por mera coincidência as mesmas entidades que deram suporte ao impeachment de Collor.
Houve boas demonstrações de que o movimento é suprapartidário, desde o rápido incidente em Brasília com manifestantes vestidos com camisetas do PSOL - era proibido exibir bandeiras e símbolos partidários - até os cartazes improvisados, que pediam cassação tanto para os mensaleiros do PT quanto para os do DEM de Brasília e os do PSDB-MG.
O símbolo do mais recente escândalo do país, a deputada Jaqueline Roriz, absolvida por seus colegas de Câmara apesar de ter sido filmada recebendo propina, também se transformou em motivo central dos protestos em Brasília.
Há uma grande manifestação marcada para o próximo dia 20, no Rio, com o apoio da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).
O Supremo Tribunal Federal está na mira dos manifestantes, pois tem pela frente dois julgamentos fundamentais para a definição da luta contra a corrupção: o sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e o dos mensaleiros petistas.
O curioso é que a presidente Dilma, que deu início a esse combate à corrupção com ações enérgicas dentro de seu próprio Ministério, tenha ficado alheia a essa movimentação toda, tendo inclusive sido "protegida" das manifestações por barreiras até mesmo visuais.
Mesmo que tenha suspendido sua "faxina", por injunções políticas do esquema partidário que a levou à Presidência, Dilma agora já sabe que desencadeou um processo que dificilmente terá retrocesso. Talvez fosse mais inteligente reassumir seu comando.

LUIZ FELIPE LAMPREIA - A leniência com a Argentina


A leniência com a Argentina
LUIZ FELIPE LAMPREIA
O Globo - 08/09/2011

Há uma constante nas relações comerciais entre Brasil e Argentina: ao aproximar-se de cada eleição presidencial, intensifica-se o protecionismo contra mercadorias brasileiras, que já é frequente. Esta questão é penosa porque entre sócios e vizinhos não é normal que os litígios sejam constantes. Nesse terreno reside a única desavença significativa entre nós.

Desapareceram os riscos de uma absurda corrida armamentista nuclear, assim como os planos B que teciam cenários de guerra convencional. Foram-se os preconceitos recíprocos que criavam entraves à aproximação e à amizade. Não se discute mais acirradamente a questão da futura indicação de um dos dois países para uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Existem profundos vínculos econômicos que geraram grandes investimentos brasileiros e argentinos nos respectivos países, e não ocorre a ninguém considerar que existe aí um desígnio de dominação. Segundo as variações do câmbio ou das estações, um enorme fluxo de turistas se desloca para o destino mais atraente em um dos dois países. O presidente argentino Saénz Peña pronunciou há um século sua famosa frase: "Tudo nos une e nada nos separa". Hoje é quase assim, com a notória exceção do comércio. Vale a pena investigar o assunto. Sem cansar o leitor,vejamos apenas alguns poucos números.

Em 2010, o Brasil exportou um total de US$79,6 bilhões de produtos industriais, e Argentina foi o destino de US$16,8 bilhões, ou seja, 21% do total. Isto faz de nosso vizinho o principal comprador de nossos manufaturados.

As empresas brasileiras investem gerando empregos e impostos na Argentina. Esse investimento representa 30% do setor siderúrgico, 42% do cimento, 25% do têxtil, 20% do setor de alimentos, 18% do petróleo, 11% da mineração.

Como afirmou recentemente um grande analista do comércio internacional, Ricardo Markwald, "a característica argentina é a alta volatilidade no uso dos instrumentos de política e periódica subordinação da estratégia de inserção internacional a urgências e objetivos de política doméstica. A relação bilateral com o Brasil é administrada em função de demandas de curto prazo, essencialmente interesses defensivos".

A arbitrariedade não se restringe ao comércio com o Brasil. No plano internacional, o país continua insolvente e portanto excluído do crédito internacional. No nível interno, são sobejamente conhecidas as medidas casuísticas do governo em relação às reservas do Banco Central, à Previdência Social, à grande imprensa e até ao televisionamento do futebol. Estas são as regras do jogo interno na Argentina dos Kirchner.

Contudo os números significativos das exportações brasileiras não refletem benevolência ou voluntarismo do governo argentino - atual ou passado - ou de seus importadores -, mas a competitividade no mercado e a qualidade de nossos produtos, malgrado as enormes dificuldade, amplamente conhecidas, que as empresas brasileiras enfrentam internamente para exportar.

Desde 2003, o governo brasileiro vem tratando dos problemas comerciais com a Argentina com um critério principal: a leniência. O fundamento errôneo desta política é que, por ser um parceiro estratégico, nosso grande vizinho do Sul precisa ser compreendido e acatado mesmo quando decide contra interesses importantes do Brasil. Por exemplo, aceitamos a aplicação de salvaguardas (autorização de barreiras às importações) contra produtos brasileiros em 2006, isto é, firmamos um documento que representa uma ilegalidade no Mercosul e que dá ao governo argentino a faca e o queijo na mão para paralisar exportações de produtos brasileiros. Em 1999, havíamos rejeitado com energia esta fórmula e a Argentina acabou por conformar-se abdicando de sua decisão unilateral de criar salvaguardas.

O jornalista Sergio Leo escreveu em maio passado no "Valor Econômico": "Discretamente, o governo brasileiro começou a adotar retaliações comerciais à Argentina, em represália à retenção de produtos brasileiros nas alfândegas do país vizinho." Não me ficou claro até onde foi esta nossa firmeza. Em suma, com relação a um parceiro da importância da Argentina, aceitamos timidamente que sejam dirigidas contra nós medidas que violam as regras da OMC e do Mercosul, prejudicam nossas empresas e vão na contramão da chamada relação estratégica. Creio, porém, que nosso acatamento de cada medida distorsiva do comércio só provoca o aumento da fatura que nos é apresentada, posto que é corretamente interpretada pelas autoridades de Buenos Aires como predisposição nossa de acabar aceitando qualquer agravo de política comercial e pagando a conta.

KENNETH MAXWELL - Efeitos imprevistos



Efeitos imprevistos 
KENNETH MAXWELL
FOLHA DE SP - 08/09/11

No quartel-general de Moussa Koussa -ex-ministro do Exterior e comandante do serviço de inteligência estrangeira de Gaddafi-, em Trípoli, representantes da Human Rights Watch encontraram documentos que mostram que a CIA e o MI6 (serviço secreto britânico) estavam envolvidos na extradição ilegal de oponentes líbios de Gaddafi e foram cúmplices em devolvê-los clandestinamente à Líbia, onde foram presos, interrogados e torturados.
O premiê britânico, David Cameron, prometeu que as alegações seriam investigadas como parte do inquérito sob o comando do juiz aposentado sir Peter Gibson, que examina o papel do Reino Unido na extradição ilegal e tortura de prisioneiros islâmicos, após o 11 de Setembro.
O ex-secretário do Exterior britânico Jack Straw negou na Câmara dos Comuns que estivesse ciente dessas atividades conduzidas pelos serviços de segurança.
Koussa desertou para o Reino Unido depois que começou o levante contra Gaddafi na Líbia, em fevereiro.
Apesar de alegações de que esteve envolvido no atentado contra o voo 103 da Pan Am, no assassinato da policial Yvonne Fletcher diante da embaixada líbia em Londres e em outros casos que interessam às famílias das vítimas do terrorismo patrocinado pelo Estado líbio, ele foi autorizado a viajar para Doha, de onde assessora a Otan quanto aos ataques aéreos contra a Líbia e sobre outras questões.
Entre os documentos encontrados no velho escritório de Koussa em Trípoli, havia um memorando que mostra até que ponto o ex-premiê britânico Tony Blair se interessava em agradar Gaddafi.
Koussa foi informado pelo MI6 de que "o primeiro-ministro deseja se encontrar com o Líder em sua tenda. Não sei por que os ingleses são fascinados por tendas. A verdade é que os jornalistas adorarão".
O resultado é a fotografia que mostra um abraço entusiasmado de Blair em Gaddafi.
Uma das vítimas das extradições ilegais é hoje o comandante das forças rebeldes que derrotaram Gaddafi em Trípoli, Abdul Hakim Belhaj, antigo líder do Grupo de Combate Islâmico Líbio (LIFG). Em fevereiro, integrantes do LIFG apelaram pela intervenção internacional contra Gaddafi.
Belhaj vivia na Malásia, em 2004. Ele foi detido na Tailândia e entregue ilegalmente à CIA, com a conivência britânica. Foi interrogado e enviado à Líbia, onde diz que foi torturado, e que representantes dos EUA e do Reino Unido estavam cientes disso.
Belhaj não quer que os maus-tratos que sofreu no passado prejudiquem as relações entre a nova Líbia e o Reino Unido. Mas disse que merece um pedido de desculpas.

FERNANDO REINACH - Bactéria contra dengue


Bactéria contra dengue
FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 08/09/11

Todos os anos, 50 milhões de pessoas são infectadas pelo vírus da dengue. No Brasil, a epidemia corre solta. O Aedes aegypti se espalha pelo País. As brigadas mata-mosquito não conseguem acabar com os depósitos de águas paradas onde eles se multiplicam, e fumegar bairros inteiros com inseticidas é uma medida paliativa. Mas, agora, cientistas australianos recrutaram um novo aliado, a bactéria wolbachia e, se tudo der certo, existe uma chance de vencermos a guerra.

O vírus da dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que pica uma pessoa infectada, se infecta e logo em seguida pica uma pessoa saudável, transmitindo, assim, a doença. Como não existe uma vacina contra o vírus, a única maneira de combater a doença é controlar os mosquitos que transmitem o vírus.

O estudo dos australianos foi inspirado por pesquisadores que estudavam uma bactéria que infecta insetos, a wolbachia. Essa bactéria, que vive no interior das células dos insetos, é um parasita sofisticado. Habitando o interior das células, ela escapa do sistema imune e, se dividindo lentamente, não atrapalha muito a vida do hospedeiro.

Mas ela é ainda mais inteligente. Como a wolbachia infecta os ovos produzidos pelo Aedes fêmea, ela passa automaticamente para a próxima geração. Quando o ovo é fecundado, a larva já nasce infectada com a bactéria.

Mas a sofisticação desse parasita não para aí. Quando os ovos de uma fêmea não infectada pela wolbachia são fertilizados por um macho infectado, eles morrem, o que faz com que as fêmeas infectadas tenham uma vantagem reprodutiva sobre as não infectadas. A combinação dessas três características faz com que a wolbachia se espalhe rapidamente e infecte toda a população de insetos.

Mas o que isso tem a ver com o vírus da dengue? Faz alguns anos foi descoberto uma nova peculiaridade da wolbachia: ela é ciumenta, possessiva e não gosta que outros seres vivos colonizem os insetos onde ela está instalada. Na prática, isso significa que, quando um inseto é infectado pela wolbachia, ele fica imune a uma série de vírus.

Quando o vírus penetra no inseto, ele é exterminado. Os cientistas australianos ficaram imaginando... Será que é possível infectar o Aedes aegypti com uma cepa de wolbachia? E será que o Aedes infectado se torna imune ao vírus da dengue?

Após muitas buscas, eles descobriram uma cepa de wolbachia capaz de infectar o Aedes. Demonstraram que essa cepa de wolbachia era transmitida de mãe para filha e, quando presente nos machos, matava os ovos produzidos por fêmeas não infectadas.

Mais do que isso, demonstraram no laboratório que os insetos infectados eram imunes ao vírus da dengue. Em gaiolas, conseguiram mostrar que um pequeno número de insetos infectados com wolbachia rapidamente espalhava o parasita, bloqueando a transmissão do vírus da dengue.

O próximo passo era óbvio. Será que, soltando um grande número de Aedes infectados com wolbachia em uma cidade, eles seriam capazes de espalhar a bactéria por toda a população local de Aedes e, na prática, os insetos infectados bloqueariam a transmissão da dengue entre as pessoas?

Os cientistas conseguiram a permissão das autoridades australianas e o apoio de duas comunidades na costa do Estado de Queensland, no norte da Austrália.

Ao longo de dois meses, em janeiro e fevereiro deste ano, mais de 150 mil exemplares de Aedes aegypti infetados com wolbachia foram soltos nessas duas comunidades. Nos meses seguintes, coletando insetos por toda a região, os cientistas puderam monitorar como a wolbachia foi se espalhando na população de Aedes e, aos poucos, tornando os insetos imunes ao vírus da dengue.

Hoje, 100% dos Aedes presentes nessas duas comunidades são imunes ao vírus. O que se espera é que, nos próximos anos, sem insetos capazes de transmitir o vírus da dengue, os casos da doença nessas comunidades comecem a cair. Se isso ocorrer, teremos um novo método para combater a dengue, usando como aliado nossas amigas wolbachias.

Quem poderia imaginar que um projeto de pesquisa básica, cujo objetivo era compreender o ciclo de vida de uma bactéria que parasita um inseto, poderia levar à descoberta de uma nova maneira de combater o vírus de uma doença humana?

É por isso que só os desinformados criticam investimentos em projetos de ciência básica desvinculados de objetivos práticos.

MONICA BERGAMO - NA FALTA DO REI, O PRÍNCIPE


NA FALTA DO REI, O PRÍNCIPE
MONICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 08/09/11

Roberto Carlos tem passado os dias em seu quarto no nono andar do hotel David Citadel, em Jerusalém. Quando deixa o local para as gravações do especial da Globo, o faz pela garagem, sem que ninguém o veja. Como o Rei não aparece nem no lobby do hotel, as fãs brasileiras que compraram por até R$ 23 mil o pacote de viagem para ver o show do cantor têm um novo alvo: Dudu Braga, um de seus filhos.

"Ai, Dudu, sou fã do seu pai! Tô muito emocionada. Pode tirar uma foto comigo?", pede a advogada Kelly Athayde, 36, de Curitiba. "Tô tão desarrumado, barba pra fazer, você não vai gostar", brinca Dudu. "Por favor, manda um beijo pra ele!"

Dudu, que é cego, está com a mulher, Valeska. Outra fã se aproxima. Ele repete que não está tão arrumado. "Você é filho do Rei! Vale tudo!", diz Neuza Martins, 60, funcionária do IBGE no Rio e frequentadora assídua das apresentações de Roberto. A recepcionista do hotel chama a repórter Lígia Mesquita. "Por que todo mundo quer tirar foto com ele?" Porque Dudu é filho de Roberto Carlos. Ela emenda: "Nossa, esse cantor deve ser realmente importante no Brasil".

"A frase que eu mais ouço é: 'Já que eu não posso beijar seu pai, posso te dar um beijo?", diz Dudu. "Eu adoro as fãs." Ele jantou com pai e os irmãos Rafael e Luciana na segunda, no hotel. Diz que o cantor estava ansioso para o show de ontem. "Ele está emocionado com tudo. Foi de manhã ao deserto e ficou fascinado com os beduínos."

Dudu, pela primeira vez em Jerusalém, lembra de um vídeo de Roberto com sua mãe, Nice, feito na cidade em 1972. "Quando eu ainda enxergava, assisti a esse filme em super-8. Falei pro paizão que ele precisa recuperar essa gravação", diz. "Acompanho o paizão em todas as viagens de shows. Espanha, Portugal, França. Mas aqui é diferente. É um lugar santo."

NA BEIRA DA ESTRADA
Ministério Público de SP abriu inquérito para apurar se a Dersa está cumprindo as compensações ambientais que se comprometeu a fazer ao construir o trecho sul do Rodoanel. A empresa deveria criar sete parques e dar recursos para melhorar outros três, mas só teria entregado um deles.

TABUADA Nas contas da Dersa, dos sete parques, quatro já foram entregues: um no Embu (Grande SP) e três na capital: Jaceguava, Varginha e Bororé. Os terrenos estão cercados, mas falta o plano de manejo, que deve ser concluído até dezembro. Em outras unidades houve problemas de desapropriação.

ÁREA CERCADA Dos três parques que deveria revitalizar, a Dersa diz que cumpriu o acordado em dois, dando recursos para regularização de áreas. No terceiro, em Santo André, entregou veículos e cercou o espaço. Falta licitar a implantação de infraestrutura e entregar o plano de manejo.

SINAL DE ALERTA 1 Os resultados de eleições passadas já davam ao PSDB sinais de que o partido, depois de duas décadas de hegemonia absoluta, começava a enfrentar algum desgaste na cidade de SP, diz integrante da legenda que analisou os números. Em 2006, quando disputou o governo, José Serra teve 53% dos votos na capital no primeiro turno. Em 2010, em eleição para o mesmo cargo, Geraldo Alckmin teve 48,76%.

SINAL DE ALERTA 2 Os números das eleições presidenciais revelam o mesmo fenômeno: em 2006, quando foi candidato ao Planalto, Geraldo Alckmin teve 53,8% dos votos na capital, no primeiro turno. Em 2010, o então presidenciável José Serra teve 40%.

MEDICINA DE CAMPO O Hospital das Clínicas de São Paulo dará um curso para 30 médicos que trabalharão durante os jogos da Copa de 2014.


As aulas práticas serão realizadas no centro de treinamento do Corinthians.

AO LÉU O anúncio de que Gilberto Kassab, de SP, apoia a deputada Ana Arraes (PSB-PE) ao TCU (Tribunal de Contas da União) foi um banho de água fria na campanha de Aldo Rebelo (PC do B) pelo mesmo cargo. Os comunistas, que se aproximaram do prefeito paulistano, estavam certos de que ele daria apoio à candidatura do deputado.

TORCIDA O ator Reynaldo Gianecchini começou a fazer a segunda sessão de quimioterapia há alguns dias. Avisou aos amigos que passa bem.

AVATAR Uma equipe de produtores do longa "Avatar" foi contratada para gravar o show de Roberto Carlos, ontem, em Jerusalém. O material, segundo Alexandre Schiavo, presidente da gravadora Sony, será transformado em um Blu-ray 3D. "Devemos lançar na época do Natal", diz.

COM QUE ROUPA? E ontem à tarde no Mamilla Center, um pequeno shopping de Jerusalém, brasileiras buscavam roupas azuis ou brancas para usar no show de Roberto. A produção pedia para que os espectadores vestissem essas duas tonalidades.

CURTO-CIRCUITO

Rodolfo Konder dá palestra hoje no Conselho Municipal de Educação.

O Design Brasil começa hoje na Casa Tua, no shopping Lar Center.

Karina Buhr canta no Studio SP na quarta, às 23h. 18 anos.

O Deep Purple toca em 10 de outubro, às 22h, no Via Funchal. 12 anos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

GOSTOSA

FOTOGRAFIA RETIRADA A PEDIDO

EUGÊNIO BUCCI - Uma lápide para os terroristas


Uma lápide para os terroristas
EUGÊNIO BUCCI
O Estado de S.Paulo - 08/09/11

Dez anos após os atentados da Al-Qaeda contra os Estados Unidos, prossegue aberto um imenso vazio que desafia a chamada civilização ocidental. As torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, cada uma delas atingida por um jato comercial (aviões de carreira transformados em mísseis), derreteram como velas de parafina, numa imagem que será lembrada com horror por séculos e séculos. Só ali morreram 2.605 cidadãos de várias nacionalidades. Naquele mesmo dia, o Pentágono sofreu um bombardeio semelhante. Outras 125 mortes. Um quarto avião, sequestrado pelo mesmo grupo criminoso, caiu na Pensilvânia antes de alcançar seu alvo. Nesses voos estavam embarcados 246 passageiros. Ao todo, 2.976 vidas humanas foram queimadas. Por aí temos uma primeira visão do vazio - e essa primeira visão é relativamente simples.

No lugar das torres gêmeas restou outra face do mesmo vazio: 65 mil metros quadrados de escombros, conforme expôs, com infográficos de um nível de minúcia que seria barroco se não fosse exato, o excelente caderno publicado por este jornal no domingo. A limpeza dos entulhos consumiu quase um ano de trabalho. Ao final restou na Ilha de Manhattan uma cicatriz urbanística: o Marco Zero. Lá serão plantados um museu e um memorial, cuja inauguração foi marcada para 2015. As obras custarão US$ 11 bilhões. O vazio será então convertido em túmulo coletivo, um cemitério exponencial. As vítimas terão sua lápide.

Esse traço particularíssimo, o de inscrever um símbolo para tapar a dor insuportável da morte, vem servindo de pretexto para que nós, os humanos, nos julguemos superiores aos outros animais. Somos humanos porque, quando os arqueólogos aparecem para vasculhar os resquícios de nossa existência, encontram isto: urnas funerárias, esqueletos ao lado de amuletos em vasos de cerâmica, pirâmides devidamente faraônicas, valas comuns, memoriais patrióticos. O resto é conversa. O resto é linguagem. Quando não há mais remédio, é nosso instinto pôr uma pedra em cima e tocar adiante, mesmo que a pedra custe US$ 11 bilhões - e mesmo que tocar adiante signifique ir longe, muito longe, em busca de vingança, ainda mais dispendiosa.

As operações militares que se seguiram ao 11 de setembro, com a invasão do Afeganistão e do Iraque, além de ações no Paquistão, já mataram 6 mil soldados das tropas americanas e aliadas. Segundo estimativas "conservadoras" da Brown University, citada pela revista britânica The Economist da semana passada, 137 mil civis morreram nesses três países e os gastos atingem a casa dos US$ 4 trilhões. Além de vidas e dinheiro, a vingança impôs também o custo da mentira. A própria The Economist admite, na mesma edição, que deu seu apoio à invasão do Iraque somente porque estava "erroneamente convencida de que Saddam possuía armas de destruição em massa". Assim como outros veículos jornalísticos, acreditou em informações falsas difundidas por autoridades americanas.

Se a verdade atrapalha a revanche, que se mate a verdade. Para poder declarar que os mortos descansarão em paz o poder agredido não tem outra saída que não seja construir o espetáculo da vingança. No futuro próximo, a guerra contra o terror será compreendida menos como uma sequência de movimentos parametrados pela geopolítica (e nesse quesito o saldo é medíocre) e mais como reação da ordem do espetáculo, com a finalidade de promover a coesão imaginária entre o medo e o ódio. Rigorosamente, George W. Bush foi impelido a isso: tinha de revidar, e revidar com um dispêndio de energia espetacular equivalente ao que vitimou o espaço público americano.

Mais que atos de guerra, os atentados de 11 de setembro foram concebidos como cenas midiáticas de perversidade nunca vista. As duas torres derretendo, ao vivo, nas televisões do mundo todo, sangraram o olhar da humanidade. Naquele momento sumiu da paisagem um ícone que se imaginava inamovível - como cartão-postal e como âncora do mercado financeiro global. Abriu-se o chão. Nós, os bilhões de humanos que testemunhamos o desmoronar dos dois arranha-céus, passamos a ser, de uma hora para outra, mutilados do olhar, como se fôssemos mutilados de guerra. Eis o que situa os atentados de 11 de setembro em outra era histórica, ou melhor, o que faz deles o portal de ingresso da História em outra era, em que a guerra e o terror, também eles, passam a ser definitivamente mediados pela instância da imagem ao vivo.

Por isso a resposta do governo americano só poderia ser, como vem sendo, uma sucessão de golpes espetaculares - que, quando perdem o tônus, mudam de alvo como se mudassem de figurino. A complexa engenharia simbólica para tapar o vazio deixado pelos mortos e pelos escombros depende desses golpes espetaculares. Segundo a ilusão feérica de que a vingança trará a paz, o teatro da guerra já não basta - só a guerra teatral poderá erguer uma sepultura para as perdas físicas e simbólicas.

Acontece que a ilusão não passa disso, de ilusão. Além dela, o vazio, outra vez ele, mostra o seu avesso - este, sim, aterrorizante. As vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 terão sua morte ritualizada pelo espetáculo, mas os terroristas permanecerão insepultos, exilados no avesso do vazio. Bin Laden foi morto por soldados americanos porque não tinha onde ser encarcerado e julgado neste mundo. Como ele, os criminosos inomináveis que pilotaram os aviões de carreira, e que também morreram em 11 de setembro, não terão uma lápide visível, minimamente humana. Não há notícias de que terão uma cova neste formidável cemitério que é o planeta Terra.

Se não há ritos fúnebres para todos, não há paz. Se não sabemos sepultar dignamente esses homens, a nossa civilização é menor do que precisa ser e continuará escrava do desejo (espetacular) de fazer com que desapareçam para sempre.

JOSÉ SERRA - A doença financeira da saúde


A doença financeira da saúde
JOSÉ SERRA
O Estado de S.Paulo - 08/09/11

No próximo dia 13 de setembro, fará 11 anos a Emenda Constitucional n.º 29 (EC 29), que criou vinculações orçamentárias para a saúde. Na Câmara dos Deputados, o projeto passara com facilidade, apoiado por todos; entre os senadores, o percurso foi difícil, dada a pressão contrária de muitos governadores. A emenda deu certo: de lá para cá, os recursos reais da saúde aumentaram em termos absolutos e como fatia do PIB, embora isso se deva mais a Estados e municípios do que ao governo federal. A participação do Ministério da Saúde nos gastos do setor caiu de 53% para 47% no período, aumentando os encargos dos governos estaduais e municipais.

A EC 29 previa que se votasse, até 2004, uma lei complementar que a regulamentasse, mas o governo Lula evitou o assunto, precisamente para não aumentar sua fatia nas despesas do setor. Agora, o Congresso diz que vai votá-la até o fim deste mês.

Por que foi feita a EC 29?

Para o bem ou para o mal, a Constituição de 1988 acabou ampliando e reforçando as vinculações orçamentárias diretas e indiretas. Mas a saúde ficou de fora e, num mundo orçamentário rígido, virou colchão amortecedor de crises e apertos fiscais.

Tudo piorou quando, já no governo Collor, o Fundo de Investimento Social (Finsocial), que abastecia a saúde de recursos, foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abrindo uma tremenda crise, só atenuada por socorro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Na época de Itamar Franco, a fatia da saúde nas receitas da Previdência foi extinta junto com o Inamps, de quem o Ministério da Saúde recebeu as unidades hospitalares e ambulatoriais.

Eu era ministro do Planejamento quando o titular da Saúde, Adib Jatene, tomou a iniciativa da criação da CPMF vinculada ao setor, mas já não estava lá quando ele conseguiu aprová-la em outubro de 1996. Adverti, então, que, sendo a receita prevista com a CPMF menor do que as despesas federais com saúde, o aumento dos recursos da área não era garantido, pois outras receitas que financiavam o ministério poderiam ser redirecionadas para outros gastos sociais. E isso aconteceu.

Quando, no início de 1998, o presidente Fernando Henrique convidou-me para assumir o Ministério da Saúde, acertamos promover algum mecanismo que defendesse o setor. Por isso, no ano seguinte, fizemos um substitutivo a um projeto do deputado Carlos Mosconi, economizando, assim, prazos de tramitação. A fim de evitar as incertezas de possíveis reformas tributárias, preferimos vincular recursos ao índice do PIB nominal - a cada ano, o orçamento federal para a saúde deveria ser reajustado, no mínimo, pela variação desse índice do ano anterior. Para os Estados e municípios, a vinculação fez-se às receitas líquidas: 12% e 15%, respectivamente, a serem atingidos em cinco anos.

Diga-se que, a partir da EC 29, a CPMF e a saúde se divorciaram. A obrigação do governo federal passou a ser a de cobrir o financiamento mínimo do setor, independentemente das origens dos recursos. Por isso, o sumiço da CPMF em 2008 não retirou recursos da saúde. No final de 2007, a fim de vencer a oposição do Senado à renovação do tributo, o governo Lula acenara, na undécima hora, com a possibilidade de destinar a receita da CPMF à saúde. Não deu certo.

Se fosse verdadeira a intenção de reforçar o setor, em vez tentar renovar a CPMF, o governo Lula poderia ter aprovado o projeto de lei complementar já citado, contendo um tributo só da saúde. Ou poderia ter destinado a ela parte do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cujas alíquotas foram aumentadas, a fim de compensar a perda da CPMF. A receita do IOF subiu quatro vezes de 2007 até 2011, quando será de R$ 30 bilhões. Um terço disso teria elevado bastante os recursos federais para a saúde. Mas essa não foi a prioridade nem antes nem depois. Desde 2002, as despesas federais na área cresceram abaixo das receitas correntes.

O projeto de lei que está para ser votado na Câmara dos Deputados tem várias coisas positivas, entre elas, a que impede os governos de contabilizarem no item saúde gastos de segurança, alimentação, lixo, asfalto, etc. Com esse expediente, metade dos Estados, hoje, não cumpre a EC 29. Mas dois dispositivos financeiros merecem reparos. O projeto retira da base de cálculo da despesa mínima estadual para a saúde os recursos do Fundeb, da educação. Isso cortaria em R$ 5 bilhões os gastos obrigatórios dos Estados no setor! Paralelamente, cria-se a Contribuição Social para a Saúde (CSS), uma CPMF de 0,1%, que renderia uns R$ 14 bilhões/ano. Mas, desse total, 20% seriam descontados por conta da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Assim, metade da CSS serviria aos Tesouros nacional e estaduais, a pretexto da saúde!

Note-se que, desde 2002, a carga tributária no Brasil cresceu em torno de três pontos do PIB; o gasto federal aumentou em 80% reais. Ao longo de 2011, a receita tributária federal cresceu três vezes mais do que o PIB. Será que as distorções de prioridades, o descaso sobre eficiência e redução de custos e os desperdícios e desvios têm sempre de ser compensados com aumento ainda maior de tributos?

A saúde precisa, sim, de mais recursos federais, e eles tinham de ter saído e devem sair das receitas existentes. Dentro do próprio setor há um mundo de possibilidades de redefinição de custos e prioridades, questões que saíram da sua agenda desde 2003.

E o que dizer sobre a qualidade dos gastos federais? Dois pequenos exemplos: cerca de R$ 700 milhões poderiam ser destinados à saúde com o simples cancelamento do projeto executivo do trem-bala, essa grande alucinação ferroviária; outro tanto poderia ser obtido cortando despesas com boa parte das ONGs e festas municipais, no âmbito do Turismo, item escabroso em desvio de recursos. E pode-se permitir, sim, que iguais montantes virem emendas para a saúde, de forma criteriosa e controlada. Em suma, trata-se de governar com prioridades claras, determinação e, é claro!, com rumos, sabendo-se o que se quer.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA


Ponto futuro
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SP - 08/09/11

Sabedor de que dificilmente a Câmara adiará para além de setembro a votação da emenda 29, o Planalto já organiza trincheiras para o embate seguinte, no Senado. Se ali tentarem ressuscitar a exigência de que o governo destine 10% de sua arrecadação à saúde, emissários do palácio entrarão em campo com um recado claro: para bancar esse dispositivo, criado por Tião Viana (PT-AC) em 2008, será preciso um novo imposto. Caso o Senado não aceite patrocinar a volta da CPMF ou congênere, a base de Dilma Rousseff será orientada a engavetar a emenda 29 até que se encontre uma fonte alternativa de financiamento.

Monotemática Assim como fez no pronunciamento do 7 de Setembro, Dilma usará boa parte de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU para tratar da crise internacional.

Lascado Nem em casa Cândido Vaccarezza (PT-SP) escapa do assunto aumento do Judiciário. A mulher do líder do governo na Câmara, Maria de Lourdes, é juíza da vara de família em Salvador.

Reengenharia Mediador das crises na Cultura, Gilberto Carvalho ajudará a encontrar novo posto no governo para Marta Porto, defenestrada pela ministra Ana de Hollanda da Secretaria de Cidadania Cultural. O secretário-executivo, Vitor Ortiz, cuja saída também era alvo de especulação, deve ficar.

Para constar Há quem aposte que a paridade de gênero nos cargos de direção do PT ficará no papel. A aprovação só saiu porque, no congresso, ninguém teve coragem de ir contra a onda pró-mulher de Dilma.

Vamos ver O esforço intensivo e explícito de Eduardo Campos (PSB-PE) para instalar a mãe, Ana Arraes, no TCU transformou a disputa pela vaga no tribunal em teste para a liderança do governador, personagem cobiçado nas costuras de 2014.

Cidades 1 O programa do PSB que vai ao ar hoje na televisão já é voltado para as eleições municipais. Eduardo Campos, presidente nacional da sigla, lança a bandeira da reforma urbana e propõe corte de impostos para baixar o preço das tarifas de transporte público.

Cidades 2 A propaganda do PSB também apresenta os prefeitos Márcio Lacerda (Belo Horizonte) e Luciano Ducci (Curitiba) como "os dois mais bem avaliados do país", citando pesquisas. "Se fomos capazes de transformar o Brasil, por que não nossas cidades?", é o slogan criado pela legenda.

Antiácido Ausente de eventos públicos desde segunda-feira por causa de uma forte gripe, Geraldo Alckmin também voltou a se queixar de problemas gástricos que o acompanham desde a campanha eleitoral.

Alta tensão 1 O reator de subestação do Paraná que explodiu na sexta-feira passada, provocando um blecaute parcial em 14 Estados, não tinha seguro. O prejuízo a ser debitado na conta de Furnas pode chegar a R$ 4,5 milhões. A decisão de cancelar a licitação para escolha de uma seguradora foi tomada pelo novo presidente da estatal, Flávio Decat.

Alta tensão 2 Segundo a assessoria de Furnas, R$ 4,5 milhões é o preço do reator novo, e ainda não estaria descartada a possibilidade de recuperar o equipamento avariado. A empresa alega ainda que, mesmo se a licitação para contratar a seguradora tivesse prosperado, a franquia seria superior ao dano em questão.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

tiroteio

"O voto aberto não fará com que alguém seja condenado injustamente. Mas impedirá a absolvição injusta."
DO DEPUTADO JUTAHY JÚNIOR (PSDB-BA), pregando o fim do voto secreto em processos de cassação, expediente que salvou Jaqueline Roriz (PMN-DF).

contraponto

Um de cada vez


O tempo esquentou na reunião em que o PDT paulista escolhia o novo líder da bancada na Assembleia. Rogério Nogueira queria permanecer no posto, mas teve de enfrentar Major Olímpio, que acabou eleito. Quando a discussão atingia sua temperatura mais elevada, o deputado Rafael Silva, que é deficiente visual, brincou:
-Assim, com todos falando ao mesmo tempo, eu fico mais perdido do que cego em tiroteio!
Às gargalhadas, os colegas de bancada acataram o apelo, e a reunião prosseguiu em tom civilizado.

MIRIAM LEITÃO - Moedas loucas


Moedas loucas
MIRIAM LEITÃO 
O GLOBO - 08/09/11

Quem no mundo acha honestamente que a economia da Suíça é tão robusta e grande, e que sua moeda é tão sólida, que para lá é que devem correr todos os capitais? Ninguém, evidentemente. Mas o Banco Central da Suíça teve de estabelecer esta semana um limite para a valorização do franco, depois de sucessivas medidas para tentar espantar o capital que tenta ir para o país.

O mundo dos ativos monetários está completamente descontrolado. Nada faz muito sentido. A medida da Suíça na prática quer dizer que o Banco Central informou ao mercado que a moeda já não flutua livremente, há um teto para a tendência de alta. O objetivo é impedir que a valorização do franco atrapalhe as exportações e o turismo e provoque deflação nos preços. Isso poderia colocar novamente o país em recessão.

Recentemente, o BC suíço havia ameaçado estabelecer uma relação fixa com o euro, o que equivale na prática a abraçar o afogado. O euro se afoga na crise de dúvidas e dívidas que pairam sobre a união monetária. Só muito desespero para vincular o destino de qualquer moeda ao euro.

Os investidores estavam se refugiando em uma moeda de um país de PIB que não chega a US$ 600 bilhões. Uma das razões é o medo que ronda os balanços dos bancos recheados de títulos de dívida de países da Zona do Euro.

Há outras preocupações no mundo, como a de que a recuperação seja ainda mais fraca na Europa do que se imaginava. A promessa do Fed de manter os juros americanos em zero até o final de 2013 e o baixo nível de atividade no continente forçam os juros europeus para baixo. Isso enfraquece o euro e fortalece outras moedas. O franco suíço é uma moeda tradicional e está logo ao lado. Até o anúncio da medida, na quarta-feira, o franco tinha subido no ano 18% em relação ao dólar, apesar de várias tentativas do BC suíço de mudar a tendência. Na terça-feira, caiu 8,6% em relação ao euro e 9,4% em relação ao dólar. Os investidores começaram então a pensar na coroa norueguesa como uma alternativa.

A s previsões sobre o nível de atividade não se confirmaram. O índice 100 é o PIB dos países no segundo trimestre de 2008. A recuperação é muito mais fraca do que se previa, e, em alguns casos, como do Japão, França e Reino Unido, o PIB atual ainda é menor do que antes da explosão da crise com a quebra do Lehman Brothers, em setembro. Ou seja, muitas economias ainda não recuperaram sequer o que perderam.

A equipe de análise global do HSBC explicou em relatório que os economistas superestimaram em suas previsões os efeitos da política monetária frouxa dos americanos. Esperava-se que a inundação de dólares no mercado empurrasse a maior economia do mundo, levando as outras a reboque. Isso não aconteceu, entre outras razões, porque o dinheiro barato foi parar nas bolsas de commodities e fez o preço dos alimentos e da energia subir, criando o problema adicional da inflação. Isso tirou renda dos consumidores americanos.

O HSBC revisou de 3% para 2,6% o crescimento mundial deste ano. Os países desenvolvidos devem crescer 1,3%, ao invés de 1,8%. Os emergentes também vão crescer menos, apesar de terem um cenário melhor. A previsão para o PIB brasileiro foi diminuída de 4,1% para 3,5%.

O economista Nouriel Roubini calcula que há 60% de risco de uma nova recessão nos Estados Unidos. Ele acha que se isso acontecer os bancos voltarão a ter dificuldade. E desta vez os governos já estão endividados, não poderão salvar novamente o sistema financeiro. A crise que era financeira virou fiscal, e agora pode voltar a ser financeira.

Enquanto predominar esse ambiente de incerteza tudo pode acontecer, como uma corrida a favor de moedas, em uma crise cambial oposta à que o mundo viu nos anos 1990. Naquela época, em países como a Coreia do Sul, Rússia, Indonésia, Tailândia e Brasil os bancos centrais tentavam defender um piso para as moedas. Agora, a Suíça defende um teto. O Japão tem tentado evitar - nos últimos dias com algum sucesso - a excessiva valorização do iene que pode complicar ainda mais a recuperação do país.

MARIA CRISTINA FRIAS



Urgência de projetos para Copa e Jogos Olímpicos acelera PPPs nos Estados
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SP - 08/09/11

As PPPs (Parcerias Público-Privadas) ganham agora um novo impulso com a Copa e a Olimpíada.
Aprovadas há sete anos, as parcerias, principalmente no âmbito federal, não deslancharam como se esperava.
Nos Estados, foram firmadas 18 PPPs desde a aprovação da lei sancionada no final de 2004 pelo então presidente Lula.
Diferentemente das concessões, as parcerias envolvem recursos públicos.
Dentre os projetos federais, só o data center do Banco do Brasil e da Caixa Econômica em Brasília foi em frente.
Há ainda três projetos de irrigação em fase de estudos de viabilidade, assim como o Sistema Geoestacionário Brasileiro (de satélite).
Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Pernambuco são os Estados que se destacam.
"Copa e Olimpíada estão fazendo a diferença em PPPs. Trazem a necessidade de cumprir prazos", diz o advogado José Virgílio Lopes Enei, especializado na área e sócio do escritório Machado Meyer. "Melhorar o transporte urbano e construir novos equipamentos esportivos já eram necessários, mas agora as obras têm prazo para acabar."
Um exemplo é o Porto Maravilha, que vai modernizar a degradada região portuária no Rio, considerado uma PPP pioneira no setor, que deslanchou agora, depois de anos.
Dos 12 estádios previstos para a Copa, pelo menos cinco são PPPs.
Há ainda dois projetos de outros setores em licitação no Rio Grande do Sul. Em estudo de viabilidade, há dois em Minas e um em São Paulo.
"Das PPPs estaduais já celebradas, que somam investimentos de cerca de R$ 15 bilhões, em dez delas os serviços já estão sendo prestados pelas concessionárias", lembra Bruno Ramos Pereira, advogado e consultor de projetos de infraestrutura.

LUBRIFICANTES EM ALTA
A Shell Brasil Petróleo, do grupo Raízen (Shell e Cosan), investiu R$ 42 milhões na ampliação de sua fábrica de lubrificantes no Rio de Janeiro.
Com os aportes, a companhia vai construir um centro de distribuição e pretende dobrar o volume de seus negócios no segmento nos próximos três anos.
No ano passado, as vendas de lubrificantes aumentaram 30% ante 2009, o que elevou a participação de mercado da empresa para 15%, segundo o presidente André Araujo.
"Devemos aumentar nosso 'market share' de forma mais significativa à medida que a bandeira dos postos Esso seja alterada para Shell", diz Araujo.
Uma das principais concorrentes da companhia, a BR Distribuidora também investe em lubrificantes.
Até 2015, serão investidos R$ 158 milhões para aumentar a capacidade de produção da sua fábrica em Duque de Caxias (RJ).

RENOVAÇÃO
O atual parque industrial brasileiro é o mais moderno dos últimos 16 anos, de acordo com estudo da Abraman (Associação Brasileira de Manutenção) que será divulgado no final deste mês.
A pesquisa mostra que, desde 1995, a maior parte dos equipamentos costumava ter entre 11 e 20 anos.
Em 2011, porém, 39% das plantas estão com menos de dez anos. Cerca de 35% têm entre dez e 20 anos.
O estudo aponta a entrada de empresas no mercado como responsável pela renovação do maquinário. Ainda segundo a pesquisa, a indústria da manutenção movimentará R$ 145 bilhões em 2011.

ZÍPER ABERTO
O empresário chinês Shih Hua Min, que possui negócios no setor de armarinhos no país asiático, vai investir cerca de US$ 25 milhões em uma unidade de montagem de zíperes em São Paulo.
O projeto será desenvolvido em parceria com o grupo têxtil brasileiro Hamuche, no bairro do Brás.
Os chineses ficarão responsáveis pela parte de metalurgia das calças jeans, de acordo com Fauzi Hamuche, sócio do grupo.
"Inicialmente o investimento é deles, mas entraremos com metade dos recursos adicionais que virão. A ideia é criar um parque de negócios", afirma.
O projeto ficou mais viável do que importar o produto acabado, segundo Hamuche, devido às condições tributárias e à possibilidade de verticalizar sua produção de jeans, que deve superar 500 mil calças ao ano.

com JOANA CUNHA, VITOR SION, LUCIANA DYNIEWICZ e ALESSANDRA KIANEK

A VAGABUNDA E O LOBO


CELSO MING - A Suíça vai à guerra

A Suíça vai à guerra 
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 08/09/11

O Banco Nacional da Suíça (banco central) vai agora enfrentar o poderio de fogo de um mercado global de moeda que movimenta, por dia, nada menos que US$ 4 trilhões.

As autoridades suíças não mostram complexo de inferioridade. Avisaram que estão em condições de comprar volumes ilimitados de moeda estrangeira que se meta a testar sua disposição de manter uma situação inegavelmente artificial.

Antes de continuar, vamos aos fatos. A pequenina Suíça vinha sendo uma das maiores vítimas daquilo que, em setembro do ano passado, o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, denunciara como guerra cambial. Os bancos centrais das duas maiores moedas do mundo, o dólar e o euro, estão empenhados em derrubar o valor de suas moedas para garantir mais exportações e aumento do emprego. Além de manter os juros a níveis próximos de zero por cento - os mais baixos da história -, vêm emitindo moeda com objetivo de recomprar títulos emitidos pelos tesouros nacionais. A sobra enorme de recursos vai sendo empurrada para cima de três economias: Japão, Suíça e Brasil, seguindo motivações distintas. O iene japonês e o franco suíço estão sendo procurados como porto seguro (reserva de valor), na condição de defesa contra a desvalorização das outras moedas fortes. O real do Brasil está sendo procurado como fonte de renda, na medida em que os juros por aqui seguem entre os mais altos do mundo.

Somente neste ano, o franco suíço se valorizou 17% diante do euro. A principal consequência foi o encarecimento (nas outras moedas) de todo produto ou serviço produzido na Suíça. Com isso, a indústria, a rede de hotelaria e os bancos vinham sangrando nos seus resultados.

A decisão tomada terça-feira foi colocar o piso de 1,20 franco suíço por euro na troca de moedas no seu câmbio. O novo compromisso prático do banco central suíço é comprar toda a moeda estrangeira cuja oferta no câmbio suíço provoque cotação mais baixa do que essa aí, de 1,20 franco por euro.

Na prática, o Banco Nacional da Suíça estará emitindo francos para enfrentar a farta entrada de capitais em seu mercado de câmbio. As compras de moeda estrangeira implicam crescimento das reservas que hoje são de US$ 151,2 bilhões.

Em situações normais, a defesa de um câmbio fixo por um banco central é quase sempre batalha perdida a longo prazo. Em 1992, por exemplo, um único grande especulador global, o húngaro George Soros, investiu US$ 10 bilhões na desvalorização da libra esterlina e levou o Banco da Inglaterra (banco central) à capitulação.

Aparentemente, as autoridades monetárias da Suíça estão levando em conta que os francos suíços comprados pelo resto do mundo não ficarão circulando no mercado, mas permanecerão entesourados, na medida em que são procurados como reserva de valor. Por isso, apostam em que não produzirão inflação.

Duas consequências imediatas parecem inevitáveis: (1) se a operação suíça for bem-sucedida, é provável que o Japão e os países nórdicos também tentem fixar o valor de suas moedas; e (2) se Suíça, Japão e outros países forem bem-sucedidos nesse regime de câmbio fixo, mais moeda estrangeira tomará o rumo do Brasil.

CONFIRA

A Suíça tem apenas 4% da população brasileira, 25% do PIB e exporta também menos que o Brasil. Mas tem uma moeda forte: o franco.

Vai explicar?

Sai hoje a Ata do Copom. Do Banco Central se espera, agora, que explique a nova estocada da inflação e os novos movimentos de sua política. A dúvida é se a atual direção dá valor ao gerenciamento das expectativas. O caráter surpreendente das últimas decisões pode estar dizendo o contrário.

Está tudo lá

Em todo o caso, ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, avisou que "está tudo na Ata".