domingo, setembro 04, 2011

CARTA AO LEITOR - A VERDADEIRA QUESTÃO

A VERDADEIRA QUESTÃO
CARTA AO LEITOR
Revista Veja

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR



MAÍLSON DA NÓBREGA - Perigos previdenciários

Perigos previdenciários
MAÍLSON DA NÓBREGA
Revista Veja

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR


ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - Surto de desgoverno

Surto de desgoverno
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR


MERVAL PEREIRA - Abrindo caminho


Abrindo caminho
MERVAL PEREIRA
O Globo - 04/09/2011

Certamente não foi por acaso que o ministro Gilberto Carvalho, percebido como o representante de Lula no Ministério de Dilma, passou a dizer nos últimos dias que o PT não deve cultivar saudosismo do ex-presidente, e sim trabalhar para criar as condições para que a presidente possa se candidatar à reeleição em 2014.

Logo ele, que avisava à oposição que Lula está no banco de reservas pronto para entrar em campo e que não perdia a oportunidade de ressaltar a saudade que tem do ex-presidente.

Tudo indica que os movimentos que a presidente Dilma vem fazendo, reorganizando a maneira de lidar não apenas com os demais partidos da base aliada, mas, sobretudo, com o PT, estão sinalizando uma determinação de alterar certos relacionamentos mais forte do que supunham seus companheiros de empreitada política.

O documento petista a ser divulgado nesse IV Congresso tem nas entrelinhas, apesar do apoio explícito ao governo Dilma, críticas à sua iniciativa de barrar comportamentos políticos desviados, sob a alegação de que os apoios que vem recebendo de amplos setores da sociedade e da "imprensa burguesa" nada mais são do que tentativas de intrigá-la com seu antecessor, que ficaria marcado como conivente com a corrupção e os malfeitos.

Na verdade, ao demarcar as ações do governo Dilma e reorientar suas prioridades, recolocando entre elas o que chamam de "controle social da mídia", o PT tenta retomar as rédeas de um governo que considerava seu e que, aos poucos, vai se mostrando mais independente do que poderiam supor setores petistas empenhados em tutelar a presidente, principalmente aqueles ligados ao ex-ministro José Dirceu, que classificou ainda na campanha presidencial o futuro governo Dilma como sendo o verdadeiro governo do PT, já que Lula era maior que o PT, e Dilma dependeria do partido para sua ação política.

O exercício da independência política inesperada tem sido demonstrado nos episódios da "faxina", que não teria sido suspensa, segundo pessoas próximas a ela, mas obedeceria a uma nova estratégia, de menos confronto, para ter mais eficiência.

A maneira como está tratando o orçamento do Judiciário é outro exemplo de como a presidente é capaz de confrontar interesses quando os considera alheios ao que identifica como interesse público.

No fim do texto que enviou ao Congresso como adendo ao Orçamento, Dilma deixa claro que não incluiu as propostas do Judiciário que têm um impacto de R$7,7 bilhões porque elas prejudicariam "a efetiva implementação de políticas públicas essenciais como as da Saúde, Educação e redução da miséria".

Diz que só as encaminha "em respeito ao princípio republicano da separação dos poderes e cumprindo dever constitucional", mas deixou para o Congresso definir o que será cortado para que a verba do Judiciário seja aprovada.

É claro que expor o Poder Judiciário ao crivo da opinião pública da maneira como fez é sinal de arrogância que muito já a prejudicou nos relacionamentos políticos, mas demonstra também que ela está disposta a usar até o limite seus poderes constitucionais para criar constrangimentos aos setores que considera estarem constrangendo sua ação presidencial, sejam eles políticos, o Banco Central ou o Judiciário.

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, em seu recente livro "A modernização sem o moderno", lamenta que o governo Lula não tenha aproveitado a conjuntura favorável para avançar nas relações políticas. "(...) apesar dessa conjunção favorável das circunstâncias para a renovação da política, o governo Lula, ao invés de interpelar criticamente a nossa experiência republicana, trouxe de volta, por ensaio e erro, alguns de seus aspectos mais recessivos.

(...) mas as opções feitas, aprofundadas particularmente no segundo mandato, redundaram na solução imprevista de ele se apresentar como contínuo aos ciclos anteriores de nossa modernização, todos, reconhecidamente, levados a cabo por políticas de um Estado disposto assimetricamente quanto à sociedade"

(...) "Comprometeu-se, em nome de um pragmatismo que não apresenta suas razões, o moderno à modernização", escreve o sociólogo.

Pois ele, em recente artigo, identifica nos movimentos do governo Dilma de aproximação com novas forças políticas uma possibilidade de se chegar à modernidade.

De fato, há indicações de sobra de que a presidente Dilma está buscando um caminho próprio dentro do presidencialismo de coalizão que submete os governos, a pretexto da governabilidade, a constrangimentos que podem ser inaceitáveis para quem não se satisfaz só com o pragmatismo da política.

Ou para quem quer marcar sua passagem pela Presidência não como mera tutelada.

Certas atitudes da presidente Dilma podem estar surpreendendo os aliados, acostumados a uma atitude mais condescendente do ex-presidente Lula, que, na definição recente do governador Jaques Wagner, é mais "tolerante" e "palanqueiro", enquanto Dilma é mais "dura" e "gestora".

Desse embate entre modos diferentes de gerir o poder político petista, que não significa discordâncias de conteúdo, mas de forma, pode surgir rumo novo para a eleição 2014.

Se o governo Dilma superar os problemas políticos que a crise econômica internacional já está colocando em seu caminho, com a necessidade de conter gastos correntes que ela mesma dizia que representavam "vida", poderá se firmar como liderança política.

Mesmo assim, terá de ser franca favorita para se impor ao PT como candidata natural à reeleição e manter a aliança política em torno de si.

Caso a situação não lhe seja tão favorável, é possível que a aliança política se desmorone e surjam diversos postulantes à sua sucessão, dentro do PT e nos principais partidos, como o PMDB e o PSB.

Ou mesmo que novas alianças sejam formadas entre a oposição e partidos hoje na base aliada. Toda essa movimentação, no entanto, depende de uma variável: a decisão de Lula de concorrer.

O que pode ser visto como a salvação do PT ou também como um empecilho a que as lideranças da base aliada - como os governadores petistas Jaques Wagner, Tarso Genro, Marcelo Deda, o líder do PSB Eduardo Campos - deem curso ao seu destino político.

CAETANO VELOSO - Auto-Tune


Auto-Tune
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 04/09/11

O poder de interferir digitalmente na imagem (e no som) mudou o sentido do retoque


Auto-Tune é um processador, um plug-in, que você usa para afinar uma voz ou um instrumento numa gravação. É um manipulador de pitch, altura (não no sentido popular de “volume” mas no propriamente musical de subida ou descida entre sons graves e agudos). Uma vez comparei o uso do Auto-Tune ao do Photoshop, e Fernando Salem não gostou da comparação. Eu estava tentando explicar o mal-estar que tendemos a sentir quando percebemos que uma voz afinadíssima num CD foi tratada com essa ferramenta e, além de notar falsidade na lisura da nota e mudança no timbre da voz, ficar triste por não poder mais estar seguro a respeito de um cantor novo quanto a sua capacidade musical. (Meu filho Zeca me mostrou no You- Tube uma cantora pop americana que soava afinadíssima no clipe da gravação de estúdio e muito desafinada numa apresentação ao vivo.)

O Photoshop não nos deixa seguros quanto à situação real da pele ou dos músculos de uma pessoa fotografada — para dizer o mínimo. Houve um caso em que a “Economist” retirou alguém de perto de Obama numa foto de capa (era uma dessas capas simbólicas que a “Time” popularizou, e não uma informação jornalística, mas deu discussão). Nos perguntamos que uso Stalin faria da manipulação de fotos com tamanha precisão e poder de convencimento.

Salem relembra os retoques e as adições de cor tão populares em retratos de família feitos para pôr na parede das casas. Eu completaria lembrando que as imagens das estrelas nas capas e páginas das revistas que líamos em nossa infância não estavam isentas de intervenções. Os retoques eram mais perceptíveis à primeira vista — esta é a única diferença entre os tratamentos de imagem de uma “Fatos e Fotos” e do perfeito sumiço das celulites em retratos de supermodels em revistas atuais. O poder de interferir digitalmente na imagem (e no som) mudou o sentido do retoque.

O Auto-Tune (como o Melodine e outros congêneres) também tem seus antepassados. A edição de trechos (mesmo sílabas) mais afinados, criando uma performance toda correta a partir de muitos pedaços de outras cheias de defeitos é apenas um exemplo. Mas quero ir mais longe aqui. A ideia é considerar o advento do Auto-Tune como algo semelhante ao advento do microfone elétrico. Não só Cher e T-Pain — mais Kanye West e tantos seguidores — mostram que pode haver um “cantar bem” que já conta com esse tipo de plug-in: ouvindo o jovem James Blake utilizar ferramentas de manipulação de pitch em números ao vivo (sim, mesmo entre cantores convencionais já faz tempo que se usa também ao vivo corretores de afinação, com resultados variados), percebemos que um uso artístico, propriamente musical, pode ser atingido nas relações entre o modo de cantar e o manuseio dos efeitos que essas ferramentas oferecem. Os critérios de julgamento da capacidade de cantar mudam com as novas tecnologias. Como mudaram quando microfones sensíveis deixaram para trás a necessidade de potência vocal. Quando eu era menino — e apesar da existência de Mário Reis — ainda era valor estético exigível que o cantor tivesse uma voz grande. Eu disse valor estético. Não era uma mera medição de potência vocal. Cantar bem significava poder e saber projetar intensamente a voz.

As gravações de Noel Rosa, de Cole Porter ou de Ary Barroso cantando eram acolhidas como documentos, não como performances que valessem por si mesmas. Mário Reis foi o primeiro a levar às últimas consequências o uso do microfone elétrico entre nós. Talvez seja um pioneiro mundial. Mesmo Chet Baker foi considerado um mau cantor por seus pares americanos. João Gilberto criou um estilo intrincado e tão rico a partir do uso mínimo da voz que praticamente encerrou o assunto. Mesmo assim, encontrou muita resistência entre críticos, colegas e, sobretudo, divulgadores de gravadoras.

Eu não conhecia James Blake. A bem dizer, ainda não conheço. Mas meu amigo Duda me mandou um link para uma apresentação dele no festival do Pitchfork, e eu fui olhar mais dois exemplos no YouTube. Ele usa manipuladores de altura em combinação com as intenções da emissão vocal de um modo tão sofisticado que parece ter dado um passo interessante nessa discussão.

É sabido que alguns cantores americanos fizeram questão de explicitar na contracapa de seus discos que não havia uso de nenhum artifício para afinar seus gorgeios. Outros o superexpõem. A sensação de que o uso pode ter resultados opostos ao pretendido, ou seja, fazer parecer que alguém canta bem, a gente pode ter ouvindo algumas gravações brasileiras em que o truque é usado mas o material inicial não é congenial a ele. Há uma canção que escrevi para Gal cantar que trata de modo oblíquo desse assunto, no novo disco. Passamos por todas as etapas sobre as quais falei acima durante a pós-produção da faixa. Resolvemos por deixar a voz dela sem o retoque, enquanto canta exatamente a respeito do assunto, e usamos o artifício — de modo ostensivo — apenas quando ela cantarola improvisadamente, sem palavras. E nesse uso, deixamos aparecer tanto a graça que pode advir de processos como esse quanto a relativa inadequação que pode haver entre certos estilos e sua utilização.

Estou no Colorado, num festival de cinema. O lugar é lindo. Tenho tarefas aqui. Devo ter escrito de modo mais confuso do que o habitual. Hoje apresento “Deus e o Diabo” para gente exigente. Penso no disco de Gal e no destino do Brasil. O mundo se vira.

O que ele fazia lá? - REVISTA VEJA


O que ele fazia lá?
REVISTA VEJA

Dilma Rousseff ficou surpresa ao saber que o presidente da Petrobras foi ao encontro do "consultor" José Dirceu num quarto de hotel em horário de expediente - e logo depois de uma reunião com ela no Palácio do Planalto

DANIEL PEREIRA E GUSTAVO RIBEIRO


O ex-ministro José Dirceu ficou tiririca depois de VEJA revelar que ele usa um quarto de hotel, em Brasília, para conspirar contra integrantes do governo e garimpar informações sobre a administração federal, a matéria-prima de sua bem-sucedida carreira como consultor de empresas privadas. Apesar de estar com os direitos políticos cassados e figurar como comandante de uma "organização criminosa sofisticada" no processo do mensalão, Dirceu mostrou que continua a dar as cartas no PT. Os líderes da legenda no Congresso manifestaram solidariedade a Dirceu, acusando a revista de invadir a sua privacidade. Sob a batuta do ex-chefe da Casa Civil, o partido resolveu até incluir na pauta do congresso petista que se realizaria no fim de semana uma moção de desagravo a Dirceu, devidamente acompanhada de uma ofensiva pela regulamentação da "mídia" - uma proposta explícita de censura à imprensa inventada no governo do ex-presidente Lula, mas já rechaçada pela presidente Dilma Rousseff.

Dirceu, quando é conveniente, adora cultivar o mito de vítima de uma conspiração das elites - das quais, é claro, os grandes meios de comunicação são instrumento. Isso apesar de andar acompanhado de figurões, com os quais toma vinhos de milhares de reais a garrafa. Mas, depois da fase tiririca, ele se mostra envaidecido. Em conversa com pessoas próximas, o ex-ministro disse que a revelação de sua atividade clandestina na capital do país certamente renderá mais clientes para sua empresa de consultoria. Os potenciais clientes, acredita o poderoso chefão, devem ter ficado impressionados com o plantel de ocupantes de cargos de destaque na hierarquia do poder que beijam a sua mão. Dirceu afirmou ainda ter recebido a solidariedade de figuras de proa do próprio governo. Do Palácio do Planalto. no entanto, não se ouviu até sexta-feira uma única palavra de "solidariedade' ao ex-ministro. Muito pelo contrário. Apesar de monitorar os passos de Dirceu, a presidente ficou surpresa ao saber da presença de integrantes do governo nos tais encontros no hotel. Mostrou-se especialmente irritada com o fato de o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, ter se reunido com o ex-ministro sem seu conhecimento.

A presidente espera que Gabrielli se explique. Afinal de contas, não se trata de um petista qualquer. Presidente de uma das maiores empresas do mundo, ele é guardião de informações estratégicas e, por consequência, muito valiosas. Antes da publicação da reportagem, Gabrielli foi indagado sobre o encontro com José Dirceu. "Sou amigo dele há muito tempo e não tenho de comentar isso (a reunido) com ninguém", respondeu. Na semana passada, perguntado mais vez, por meio de uma nota, reiterou o que já havia dito: "Sou amigo do José Dirceu há trinta anos e não comentarei o que converso com meus amigos". Em 6 de junho passado, essas inocentes almas gêmeas se encontraram. Sergio Gabrielli estava em Brasília a trabalho. Deslocou- se do Rio de Janeiro em um jato fretado pela empresa e visitou o amigo em horário de expediente. Ficou no quarto durante trinta minutos. Entrou com as mãos vazias e saiu de lá carregando papéis. Dirceu tem em seu rol de clientes gigantes com interesses na área de energia e construção civil. Ele já prestou serviços ao bilionário Eike Batista, à Delta Construções e à Engevix - conglomerados que atuam no mercado de energia. Grandes empreiteiras também contrataram os trabalhos de Dirceu para que ele prospectasse projetos e abrisse portas em países da América Latina. A conversa entre Dirceu e Gabrielli ocorreu momentos depois de o presidente da Petrobras ter participado de uma reunião com Dilma Rousseff e o presidente da Venezuela. Hugo Chávez. A pauta da reunião no Palácio do Planalto: assinatura de acordos bilaterais nas áreas de energia e construção civil. Assuntos. portanto, bastante interessantes para o consultor Dirceu.

Sem os devidos esclarecimentos, coincidências como essas causam suspeitas. "A partir de fotos de pessoas entrando e saindo de um hotel, a revista faz ilações absurdas sobre o que teria sido discutido e conversado nesses encontros", diz Gabrielli. Mas o que o presidente da Petrobras estava fazendo no quarto de Dirceu? As voltas com uma tentativa de faxina ética custosa do ponto de vista político, Dilma Rousseff tem a dimensão do risco decorrente desse flerte entre interesses públicos e privados. A presidente sabia que José Dirceu usava o hotel para conspirar contra seu governo. Informada por auxiliares, alguns inclusive frequentadores do "gabinete secreto" de Dirceu, ela chegou a abortar a tentativa do ex-ministro de usar o PT para pressioná-la a nomear um homem da sua confiança para o comando da Secretaria de Relações Institucionais. Mas a imagem de Gabrielli a espantou, antes de irritá-la. Ainda assim, o presidente da Petrobras considera que não deve satisfações sobre um encontro com o "amigo". Deve, sim - e não apenas à presidente, mas aos acionistas da Petrobras, entre eles trabalhadores que investiram parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em ações da empresa. A oposição também cobra explicações. "O encontro realizado entre o presidente da estatal e o suposto consultor do segmento petrolífero não está de acordo com os padrões estabelecidos no Código de Conduta da Alta Administração Federal", dizem os deputados tucanos Duarte Nogueira, líder da bancada na Câmara, e Antônio Imbassaby em representação encaminhada à Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Os dois pedem a aplicação de uma "advertência" a Gabrielli. Reivindicam a mesma punição a Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Na semana passada, a bancada do PT na Câmara divulgou uma nota de repúdio a VEJA, acusando a revista de invadir a privacidade de Dirceu. O texto foi assinado pelo líder Paulo Teixeira. Do outro lado do Parlamento, Humberto Costa, líder do PT no Senado, aproveitou o caso para defender limites a ações da imprensa "danosas às imagens das pessoas públicas". Disse o senador: "A democracia conquistada neste país é um bem precioso, mas ela também vem acompanhada de outros valores; a apuração minuciosa dos fatos, a partir de provas contundentes e de resultados de investigações já feitas, é necessária antes de se lançar qualquer acusação sem cabimento contra qualquer pessoa: homem público, cidadão ou cidadã". Estava pavimentado o terreno para a retomada da pregação em favor da censura à imprensa.

A aparente indignação dos petistas não passa de uma tentativa de desviar o foco do constrangimento geral com o fato de que Dirceu é o poderoso chefão do PT e da companheirada acomodada na máquina pública. Ele e os petistas temem que as revelações sobre as atividades clandestinas do ex-ministro sirvam como elemento de convicção aos poucos que tem dúvida da consistência da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja: o papel do ex-ministro como chefe da quadrilha do mensalão, o maior escândalo de corrupção da história do país. "Trata-se de uma tentativa de chantagear a Justiça", bradou o líder do 14 na Câmara. Paulo Teixeira.

Ainda na intenção de dar credibilidade ao papel de vítima de uma acusação injusta planejada por adversários, pessoas próximas ao ex-ministro afirmam que ele recebeu um telefonema de apoio do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência. Petista histórico, servidor leal a Lula e amigo de Dirceu, Carvalho não confirmou a ligação. Também não informou se a deferência, se realmente ocorreu, teve o aval de Dilma. Interlocutores de Dirceu disseram que a própria presidente afagou o ex-chefe da Casa Civil, com quem manteria "conversas e reuniões frequentes". O Palácio do Planalto negou que Dilma tenha manifestado solidariedade e desmentiu os tais "encontros frequentes". Na sexta-feira, na abertura do congresso do PT, o chefe do mensalão deu mais uma demonstração do poder que ainda exerce sobre o partido. Num evento organizado por seus asseclas, foi o primeiro dirigente a subir no palco. Ovacionado por mais de 1000 militantes com brados de "guerreiro do povo brasileiro", sentou-se em uma cadeira na segunda fileira, rigorosamente no centro do palco. A sua frente estavam os lugares reservados a Lula e Dilma. A configuração foi cuidadosamente pensada. Com a imprensa postada no fundo do salão, em qualquer foto da presidente inevitavelmente aparecerá Lula ao lado e Dirceu ao fundo. Lula, como era de esperar. elogiou Dirceu e criticou a imprensa. Dilma começou seu discurso saudando os presentes. Quando terminava, alguém na plateia gritou: "E o Zé Dirceu?". A presidente, de maneira protocolar, saudou a presença do "companheiro José Dirceu". Foi aplaudida pela claque. Aparências salvas, o conteúdo permanece imutável: Dirceu é mesma um espectro

ILIMAR FRANCO - Grandes fortunas



Grandes fortunas
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 04/09/11

Descartada a CPMF, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) tem simpatia pela criação de dois impostos para financiar a Saúde. São eles: Grandes Fortunas, de autoria do deputado Dr. Aluizio (PV-RJ), cuja relatora é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ); e Remessa de Lucros ao Exterior, defendida pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS). “Essas duas propostas não atingem a população, são bastante focadas”, defende Ideli.

A Rio + 20 e o Brasil

O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL) teme que na Conferência Rio + 20, que a ONU realiza ano que vem, países desenvolvidos tentem um retrocesso em relação aos acordos, às convenções e aos compromissos alcançados na Rio 92. Anfitrião da conferência anterior, Collor afirma que as principais potências econômicas do mundo podem usar o conceito “economia verde” para comentar o protecionismo comercial; e que o tema “Governança global” venha a se transformar num instrumento para justificar medidas de
proteção de mercados e criação de barreiras não tarifárias ao comércio internacional.

"Todas as vezes que o Banco Central eleva um ponto percentual na taxa de juros, está dando R$ 11 bilhões para 12 mil financistas que vivem às custas da sociedade brasileira” — José Pimentel, senador (PT-CE) e líder do governo no Congresso

HERANÇA. Somente agora, três meses depois de ele deixar o governo, está sendo cumprido um acerto político feito pelo ex-ministro Antonio Palocci com a bancada do PT no Senado. Para evitar uma disputa pela vice-presidência do Senado, Palocci negociou que Marta Suplicy (SP) iria para a Mesa e José Pimentel (CE), na foto, para a liderança do governo no Congresso. Mas a presidente Dilma preferiu nomear o deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS), atual ministro da Agricultura.

Decisão tomada

O prefeito Eduardo Paes tem dito a pessoas próximas que não disputará para governador em 2014. Paes afirma que não vai desperdiçar a chance de ser o prefeito das Olimpíadas, em troca de uma disputa eleitoral sem garantia de vitória.

História

O Brasil sempre faz o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Neste mês, a presidente Dilma vai se tornar a primeira mulher a fazê-lo. Na comitiva, as ministras Iriny Lopes (Mulheres) e Maria do Rosário (Direitos Humanos).

O Alvorada, Dilma e FH

Depois de oito anos, a biblioteca do Palácio da Alvorada voltou a ser o local favorito do presidente da República. A exemplo do ex-presidente FH, a presidente Dilma, quando está na residência oficial, passa a maior parte do tempo na biblioteca. É lá, por exemplo, que ela costuma tomar seu café da manhã e receber ministros e auxiliares para tratar de assuntos políticos e de gestão. Ao seu lado, três aparelhos umidificadores de ar.

Queda de braço
O Ministério do Desenvolvimento e a Receita Federal estão travando um duelo. É penosa a negociação dos decretos, específicos para cada setor da economia, destinados a viabilizar a política industrial do governo, o programa Brasil Maior.

Parto

O ex-ministro José Gomes Temporão levou quase nove meses para se filiar ao PSB porque queria, na cerimônia, o presidente do partido, Eduardo Campos. A filiação ocorre amanhã, na abertura de um seminário sobre crise internacional.

 CONFETE. O governo brasileiro recebeu comunicação do Fórum Econômico Mundial, de Davos, de que o Brasil será o país homenageado na reunião de 2012.
 DISCRIÇÃO. No programa nacional de TV do PV que vai ao ar dia 15, não haverá menção ao encontro do partido com a presidente Dilma nem sua volta à base do governo. O foco será o Código Florestal.
 VENTO EM POPA. O tratamento contra o câncer não deteve o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Neste ano, seu governo já expropriou e nacionalizou 401 empresas, 41% a mais em relação a 2010

TUTTY VASQUES - O sorriso de Jaqueline


O sorriso de Jaqueline
TUTTY VASQUES
O ESTADÃO - 04/09/11


   Existem dois tipos de meliantes no Brasil: o que cobre o rosto depois do     flagrante e o que encara as câmeras com cinismo de celebridade quando apresentado no Jornal Nacional. Não é questão de tempo de serviço. Tem fora da lei de longa data que, já detentor de notoriedade no mundo do crime, continua se escondendo dos flashes como o diabo da cruz, resquício de constrangimento que muitas vezes só se manifesta em principiantes.

Não há na vasta crônica policial brasileira estudos sobre o momento exato em que o acusado mostra a cara sem nenhum pudor com o reconhecimento público. Pouco se sabe, portanto, sobre o instante em que uma pessoa perde inteiramente a vergonha. Isso vale para ladrão de caixa eletrônico, sonegador de imposto, batedor de carteira ou político corrupto.

O caso de Jaqueline Roriz foi uma rara oportunidade em que deu pra ver direitinho o sorriso descarado saindo do armário horas antes da absolvição da deputada em processo de cassação na Câmara. Quem, depois daquele vídeo-mufunfa, passou a observá-la cavernosa pelos cantos do Congresso percebeu de cara na última terça-feira que a filha do velho Joaquim mudou radicalmente sua maneira de encarar quem lhe veste a carapuça.

Ou seja, a loura flagrada na farra do dinheiro público do DF não está mais nem aí para olhares de reprovação! Também não quer briga com ninguém. A risada que deixou escapar no plenário - repara só na ilustração ao lado - foi pura falta de talento para a sutileza. Um súbito descontrole no sarcasmo de seu DNA acabou empastelando o efeito Mona Lisa desejado. Um pingo de mistério, no caso de Jaqueline, pode ser a última esperança de uma dose remota de decência nessa história toda.

Fogo amigo

O crime organizado deve um pedido de desculpas a Paulo Maluf. Foi decerto algum engano o assalto na madrugada de quarta-feira à casa de praia do deputado no Guarujá.

Solidariedade

Tem campanha humanitária nova circulando na web: "Eu acredito no pai biológico do Steve Jobs!" Muita gente, como se sabe, desconfia das verdadeiras intenções do velho em querer se apresentar ao inventor da Apple "antes que seja tarde".

Boato infame

Não consta da lista de apoio à criação do PSD a assinatura de Ulysses Guimarães! E não se fala mais nisso, ok?

Melhorou muito!

De Joaquim Roriz, comentando a absolvição da filha Jaqueline: "No meu tempo, pelo menos no Conselho de Ética, eles eram mais rigorosos com a gente". O ex-senador renunciou em 2007 para escapar da degola por falta de decoro. E olha que, contra ele, não havia vídeos, só conversas telefônicas gravadas sobre a partilha da dinheirama.

Outra pessoa

Celso Amorim aposentou no Ministério da Defesa uma velha máxima de seus tempos de anceler: "Em briga de jacu, inhambu não entra!" Mandou prorrogar a permanência de tropas do exército no Complexo do Alemão!

Tragédia anunciada

A Estação Espacial Internacional (ISS) vai pelo mesmo caminho dos bondinhos de Santa Teresa, no Rio. Deus salve os astronautas a bordo.

Triplo sentido

De uma vez por todas, Rolândia - a cidadezinha do norte do Paraná celebrizada essa semana na internet por causa de um flagrante policial de sexo oral em praça pública - tem esse nome em homenagem a Roland, legendário herói alemão que Carlos Magno apresentava como sobrinho em plena Idade Média. Só se falava disso nas invasões bárbaras!

Briga eterna

Gilberto Kassab não devia brincar com isso. Briga com coveiro, dizem, é para a eternidade!

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Um verdadeiro espanto!


Um verdadeiro espanto!
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

"Esgoto a céu aberto, falta de professores e servidores, de salas de aula, de laboratórios, de segurança, de ônibus, de água, alunos trabalhando como funcionários, hospital veterinário fantasma." Este é o retrato do câmpus da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), vinculada à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRP), inaugurada com banda de música e foguetório pelo presidente Lula em 2005 e anunciada, como tantas outras obras que se inserem na célebre galeria das "nunca antes", como "a primeira extensão universitária a ser instalada no País", conforme está registrado no site da UFRP. De acordo com depoimentos de professores e alunos colhidos pela repórter Tânia Monteiro (Estado, 30/8), a unidade de Garanhuns, festivamente apresentada pelo fogueteiro-mor como pioneira na interiorização do ensino superior do País, "está em coma profundo, na UTI, precisando de uma junta médica para salvá-la".

A visita da repórter ao câmpus da UAG, onde era ministrada aula inaugural do curso de Agronomia, se deu no mesmo momento em que, a cinco quilômetros dali, na Universidade Estadual de Pernambuco, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Educação, Fernando Haddad, participavam de aula inaugural do curso de Medicina. Esta foi realizada em sessão solene, em instalações adequadas. Aquela, por falta de salas de aulas, deu-se num auditório improvisado. Um espanto! Em relação ao qual, como era de esperar, os estudantes não se mantiveram indiferentes: "A dificuldade é tão grande para entrar aqui", ironizou o calouro Hugo Amadeu, "e, quando chegamos, vemos que a dificuldade será ainda maior para sair aprendendo alguma coisa".

A UFRP tem cerca de 12 mil alunos - ou 14 mil, pois há controvérsia no site oficial -, mil professores, 900 técnicos e metas ambiciosas traduzidas numa linguagem retumbante: "Atividades voltadas para a busca intensa do conhecimento científico nas áreas de Ciências Agrárias, Humanas e Sociais, Biológicas, Exatas e da Terra, tanto para a evolução educacional e tecnológica do Estado quanto para atender a necessidades e anseios da sociedade". É como se define a universidade que conferiu a Lula, bom conterrâneo, o título de Doutor Honoris Causa. Mas o que se vê nos campi revela uma realidade bem menos animadora. O professor Wallace Telino, presidente da Associação de Docentes da universidade, chama a atenção para a evasão de alunos e professores, o que se explicaria pelo fato de o governo estar "preocupado com o número de universidades, mas se esquece da qualidade". É o que sugere o fato de que, apesar de se dedicar fortemente às ciências agrárias, a universidade não dispõe de "um único hectare para trabalho experimental". Como consequência, os alunos de engenharia de alimentos, segundo eles mesmos revelam, estão prestes a concluir o curso sem uma aula prática sequer. Outro espanto.

A situação dessa universidade federal, que seria cômica se não fosse trágica, é bem um exemplo de um modo de governar que valoriza, sobretudo, as aparências. Embora suas origens remontem a 1912, em sua configuração atual a UFRP é um produto típico da era Lula. Suas duas chamadas unidades acadêmicas, a de Garanhuns e a de Serra Talhada, foram inauguradas, respectivamente, em 2005 e 2007, criadas "a partir do programa de expansão e interiorização do Ensino Superior do Governo Federal". O câmpus de Serra Talhada, como revelou reportagem do Estado publicada um mês atrás, é chamada pelos alunos de "museu de obras", tantas as construções interrompidas. A UFRP, aliás, lidera, num levantamento feito pelo MEC, a lista de serviços paralisados em universidades federais. E essa situação se deve, segundo o próprio MEC - e, mais uma vez ainda, é um espanto! -, a problemas com as construtoras, que abandonaram os canteiros, faliram ou simplesmente demonstraram incapacidade na construção da obra. Quem contratou essa turma?

Ouvido pela repórter do Estado, o diretor da unidade de Garanhuns, Marcelo Martins, reconheceu a existência dos muitos problemas dos quais professores e alunos se queixam. Mas garantiu que um "enorme esforço" está sendo feito para resolvê-los. Vai precisar de um pouco mais que isso.

RENATO JANINE RIBEIRO - Freio na voracidade


Freio na voracidade
RENATO JANINE RIBEIRO
O ESTADÃO - 04/09/11


Quando as pessoas compram avaliando não só o preço, mas o que as empresas fazem de bom e de mau, a ética pressiona o capitalismo

O capitalismo é ético? Eis uma questão muito difícil de responder. Basicamente, hoje há duas grandes linhas a respeito. Uma enfatiza a dinâmica de um sistema, ou um estilo, que libera a produção das amarras tradicionais e assim revela capacidade inigualável de criar e talvez até distribuir riquezas. Mas o preço dessa libertação é um caráter nada ou pouco ético: o capitalista é movido por um "instinto animal", promove uma "destruição criativa". Na melhor das hipóteses, é neutro eticamente, o que chamamos de "amoral". Com frequência é até predatório, o que chamamos de "imoral". Só por ele, não respeitaria direitos trabalhistas - tanto assim que, nas últimas décadas, vários deles foram reduzidos - nem teria reverência pela natureza e o ambiente.



Isso não representa contudo, necessariamente, uma condenação do capitalismo. Apenas mostra que ele é excelente naquilo que se propõe: produzir. Precisa, porém, de controles externos. Esses podem ser exercidos pelo Estado, pela sociedade, pela opinião pública. Desse ponto de vista, o que pode introduzir ética na economia são as pessoas, enquanto não empresários. Isto é, o próprio empresário, por valores éticos que não são seus como empresário, mas como pessoa, como sujeito moral, pode orientar sua atividade produtiva numa direção melhor. Se não for ele, será a sociedade. Quando cada vez mais pessoas compram levando em conta não só o preço, mas o que as empresas fazem de bom e de mau, é isso o que acontece. Exemplo importante no Brasil foram as campanhas - movidas por pessoas, inclusive empresários da Abrinq - contra o trabalho infantil. A Zara, acusada há dias de comercializar produtos em que se usa trabalho escravo, padece em sua imagem por isso.

Esse é um primeiro modo de ver o capitalismo, digamos, "selvagem". Mas há outra percepção, ou concepção, do capitalismo. Esta aparece quando organizações como a Etco se empenham em defender um ambiente limpo de corrupção para os negócios melhor florescerem. Aqui o problema é, como se vê na série sobre a cultura das transgressões que saiu pela editora Saraiva (de cujo terceiro volume participei), de que maneira evitar a primazia da transgressão, que faz as boas regras - boas segundo a lei e a ética - serem violadas em nome de uma vantagem fácil que, porém, desmoraliza a sociedade, amoraliza a economia e imoraliza a política. Essa linha de pensamento estaria mais perto dos calvinistas de Max Weber, que sentiam a "ética protestante" expressando-se no "espírito do capitalismo". Pessoas empreendedoras, que mourejam, fazem de tudo para a sociedade prosperar: o empresário weberiano do século 16 ou 17 nada tem a ver com o banqueiro da caricatura, fumando charuto, indolente, espertalhão, mancomunado com os poderosos, corruptor. Esse empreendedor dos começos da modernidade pode não ser simpático - nas Américas, seria senhor de escravos, na Holanda, não reconheceria direitos a seus empregados -, mas ele próprio trabalhava, e muito. De certa forma, quando se fala num capitalismo que requer uma ética intensa, é nele que se pensa.

Mas em nossos dias surge um upgrade. Cada vez mais, no lugar da ética protestante e moralista, aparece uma preocupação ética que nasceu da ideia do meio ambiente e agora se desenvolve para a sustentabilidade. Não tem mais por modelo ideal o empresário calvinista que faz, da empresa, sua razão de vida. Ao contrário, cada vez mais a vida é a razão de ser de tudo o que se faça, inclusive (mas não só, nem prioritariamente) a empresa. Tudo começa com o descontentamento ante a poluição. A economia que se desenvolve desde a Revolução Industrial tem um custo altíssimo para a vida - humana, animal, vegetal. Londres passa cem anos coberta pelo fog, uma neblina que se deve à poluição das fábricas. As pessoas não se enxergam. A cidade fica invisível e os cidadãos, cegos ao seu entorno. Contudo, após a 2ª Guerra Mundial, uma preocupação com a natureza cresce pelo mundo. Movimentos verdes lutam contra a má qualidade do ar, da água, em prol da preservação de florestas. A essa altura, por "verde" se entende o meio ambiente natural ou assimilado. Contudo, com os anos, as causas verdes anexam um elenco de outros valores. Não é só a defesa do mundo não contaminado pelo homem. É a defesa do homem, contra o que o desgasta ou desvaloriza.

Também se propõe uma reorientação da ciência. Tomemos o filósofo que é o primeiro grande referencial de toda preocupação com o meio ambiente, Rousseau. É um amante da natureza. Começa seus Devaneios do Caminhante Solitário narrando um passeio pelos arredores de Paris, em que olha as plantas, identifica-as, extasia-se. Mas é também alguém que faz seu début literário com um escrito, premiado pela Academia de Dijon, sustentando que "as artes e as ciências" - isto é, o que chamamos de tecnologia e ciência - fizeram mal, mais do que bem. Desnaturaram o mundo. Degeneraram o homem. Rousseau não vê em nada moderno, seja a economia, a política ou a ciência, capacidade de reverter o processo pelo qual "o homem nasceu bom e a sociedade o corrompe".

Mas o que notamos na ciência das últimas décadas é um forte empenho em reduzir e mesmo suprimir os danos acarretados pelo desenvolvimento. Lembremos que não faz muito tempo a ciência e a tecnologia eram, em ampla medida, influenciadas por encomendas militares. Isso mudou. Tenhamos em mente que muitas pesquisas são conduzidas em nome de causas destrutivas, ainda hoje. Muitos desconfiam que os cultivos transgênicos, ou têm certeza de que os veículos de transporte individuais, causam males em maior número que as vantagens. Os carros são bons a curto prazo para poucos, mas péssimos para o futuro da humanidade como um todo. Mesmo assim, porém, em casos como o da indústria do tabaco, cientistas cortaram seu elo umbilical com ela, como se vê no filme O Informante. E são cientistas de renome que formam o "core" da Comissão Internacional de pesquisa sobre as Mudanças Climáticas, que talvez constitua o órgão mais prestigioso na luta por mudar o mindset que governa uma produção de custos negativos para a sociedade e a natureza.

Com uma ciência e uma tecnologia mais amigas do verde, um verde que saiu das plantas e colore tudo o que é vida e mesmo cultura, isto é, passa a propor uma qualidade de vida melhor para os humanos e seus parceiros no planeta, com a defesa da biodiversidade e do que podemos chamar a culturo-diversidade, por que não uma economia de novo recorte? Será possível o projeto de uma empresa ter no seu cerne a sustentabilidade, isto é, a proposta de que nenhuma intervenção humana piore o que foi recebido? Essa é uma exigência alta. Para eu me alimentar, tenho de matar animais ou mesmo vegetais. (O momento mais engraçado do filme Notting Hill, para mim, foi quando uma moça se disse vegetariana lapsariana. Lapso significa queda. O que ela dizia é que só comia frutas e legumes que já tivessem caído da planta que as gerou. Não comeria uma maçã arrancada da macieira, porque estaria matando um ser vivo. Fica difícil, claro, viver com uma ética tão radical.) Mas, se tenho de matar ou causar danos, posso reduzi-los, talvez revertê-los por completo e, quem sabe, um dia (esse é o sonho!), até melhorar as condições do que foi recebido. Aqui amplio a ideia de que recebemos insumos "da natureza" para a de que recebemos insumos também humanos: o trabalho, a saúde, a boa disposição uns dos outros. É sustentável a ação que não apenas zera o dano causado, mas também promove ganhos. Suponhamos uma empresa que decida fornecer, a seus funcionários, alimentação saudável - a cada três horas, como hoje se recomenda, em vez de poucas e lautas refeições. Pode melhorar a saúde deles. Ela assim terá devolvido mais do que consumiu. É claro que há tantos insumos que o cálculo não pode isolar um dos outros. Mas é um exemplo.

Porque, no fundo, nossa questão é: o que fará uma empresa ou um empresário agir eticamente, ser ético? Tudo o que afirmei não dá uma resposta definitiva. Quando uma empresa faz questão de não explorar o trabalho infantil ou de preservar a natureza, essa iniciativa é "da empresa" ou dos indivíduos que, entre outras coisas, são seus donos? A diferença é importante. Toda empresa busca o lucro. Mas o que a faz criar limites para sua voracidade? É algo que faz parte do próprio projeto empresarial, ou serão elementos externos, inclusive os valores pessoais dos proprietários? Para sair da moral e entrar no moralismo, conta-se que houve um tempo em que um vinho que tem no nome a palavra "diabo" não era distribuído aqui porque os importadores eram cristãos fervorosos. Era um valor deles, não da empresa. E uma empresa pode ter valores? Uma empresa é diferente dos seres humanos que são seus donos, que a fazem? Questões difíceis. O que parece certo, isso sim, é que uma empresa pode ter no seu próprio projeto de negócios uma solidez sustentável e que isso será mais viável se ela tiver compromissos sociais e ambientais e, além disso, estiver na linha de ponta, no cutting edge, da ciência. O mais, resta a esclarecer - ou a fazer.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS - O juro caiu. E aí?


O juro caiu. E aí? 
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

O cenário para o crescimento mundial continua sendo revisto para pior. Na realidade, hoje restam apenas duas possibilidades para o mundo desenvolvido: um crescimento muito lento, por pelo menos dois ou três anos, ou, em caso de um evento de crédito que detone uma reação forte dos mercados, a temida segunda recessão em três anos.

Nossa percepção é que os EUA não terão um evento de crédito, a despeito das pressões sobre os bancos (amenizadas pelo investimento feito por Warren Buffet no Bank of America). Entretanto, as autoridades fiscais e monetárias estão claramente sem saber o que fazer. Na Europa, por outro lado, existe um rumo: o euro será mantido, o ajuste na Grécia segue um caminho que, embora pedregoso, leva a um acordo do tipo Brady, que os países latino-americanos fizeram nos anos 80.

Além disso, os esforços para manter Itália e Espanha fora do fogo seguirão intensos. Um avanço mais decidido na direção de um federalismo fiscal ainda está difícil no curto prazo e embora o rumo esteja sendo construído, o risco de um evento de crédito segue existente, o que garante muita incerteza e volatilidade.

As projeções mais recentes sugerem, portanto, um crescimento bem mais lento no mundo desenvolvido e uma leve desaceleração na expressiva expansão do mundo emergente. Por exemplo, o Banco Goldman Sachs reviu os números para 2012 da seguinte forma: o PIB mundial deve crescer 4,4%, e não 4,6%; a expansão das economias desenvolvidas passou de 2,8% para 2,3%; China e Índia manteriam o mesmo ímpeto, de 9,2% e 7,8%, respectivamente. Mesmo os mais pessimistas ainda não consideram a segunda recessão como o cenário mais provável.

No cenário básico, aquele no qual ocorre desaceleração, mas não recessão, nos países desenvolvidos e bom crescimento na Ásia, os principais efeitos para o Brasil serão:

- O dólar seguirá fraco e a liquidez elevada.

- Os juros americanos, especialmente, e europeus seguirão baixos, tanto pela liquidez abundante como pela busca de segurança na compra de papéis do Tesouro dos EUA e da Alemanha.

- Os preços de alimentos seguirão elevados, dada a manutenção de uma forte demanda na Ásia e um reduzido nível de estoques. Na verdade, eles subiram em agosto. Mais ainda, a safra americana de grãos está sendo revisada para baixo e ainda apresenta riscos climáticos consideráveis.

A primeira consequência desse cenário é que o real deverá se manter apreciado pela entrada de recursos externos. Mais importante é que não haverá importação de recessão vinda do exterior enquanto a China e o remanescente da Ásia continuarem a crescer de forma acelerada, como deverá ser o caso. Entretanto, essa não é a visão das autoridades brasileiras consubstanciada na decisão, surpreendente para muitos, do Banco Central em reduzir abruptamente a taxa de juros em 0,5 ponto e sinalizar a continuidade desse movimento nas próximas reuniões.

É importante refletir sobre o que representa essa decisão. Em primeiro lugar, foi feita uma reversão sem precedentes no curso dos juros, enterrando de vez qualquer comunicação do BC com os mercados. Basta comparar as notas liberadas após as duas últimas reuniões do Copom: teria sido preciso não uma, mas duas falências do Lehman Brothers para justificar a radical mudança de visão de mundo lá embutidas.

Ademais, o comunicado do BC assume claramente um mandato duplo. O desempenho do produto industrial (pois é apenas lá que se encontra desaceleração na atividade) vai dividir com a inflação a atenção do BC. Nesse sentido, o regime de metas de inflação tal como concebido está morto e acabado.

Em segundo lugar, é evidente que a decisão do BC foi do governo, e cuidadosamente planejada. Basta lembrar que, após anos de expansionismo fiscal (reafirmado na proposta orçamentária para o próximo ano), o recente discurso de consolidação teve pouca repercussão, até porque o próprio superávit primário deste ano é quase que totalmente explicado por um inesperado crescimento da arrecadação, especialmente no último mês, quando houve o pagamento de uma só vez, pela Vale, de um disputado tributo. Em consequência, o anúncio do bloqueio de R$ 10 bilhões feito na segunda-feira teve uma morna reação, o que levou à elaboração de um cozido fiscal rápido em panela de pressão, que foi vazado para alguns jornalistas como "Plano Dilma" na terça-feira, seguido por declarações de que os juros poderiam cair "quando o BC assim o decidisse", o que foi realizado na quarta-feira.

Essa brusca mudança de rumo da política monetária, afora o até aqui colocado, tem duas dificuldades adicionais, ligadas à inflação futura e à atividade industrial.

Quanto ao primeiro ponto, não vejo efeitos deflacionários fortes vindos de fora enquanto China, Índia e o resto da Ásia (exceto Japão) crescerem bem. Nosso BC sonha com isso desde quando a inflação estava próxima de 4%, há um ano, até os 7% de hoje, com o mundo desenvolvido já cheio de problemas.

Além disso, a renda das famílias e o seu acesso ao crédito vão continuar crescendo. O crescimento acumulado em 12 meses do salário médio dos admitidos já está na casa de 10%. O recente reajuste dos metalúrgicos de São Paulo foi de 10% mais R$ 2.400, o que dá algo entre 14% e 18% de ganhos nominais.

Finalmente, os preços dos serviços seguirão subindo e a inflação de 2011 e 2012 vai flutuar na faixa de 6%. Só uma grande catástrofe mundial puxará a inflação para baixo, e isso não está visível. Daí porque o risco assumido pelo governo e pelo BC é bastante elevado.

O que está tirando o sono das autoridades é a evidente perda de dinamismo da indústria, que passou a ampliar intensamente componentes e produtos importados, como já falamos inúmeras vezes neste espaço. Ora, a perda de competitividade da produção local é sistêmica (tributos, infraestrutura, custo da energia, má regulação, custo da mão de obra e do capital), e não será revertida ou muito amenizada pela queda de juros apenas, embora ela seja parte da solução. Basta lembrar que a recorrente elevação de tributos continua com o IOF, a revisão do Código Mineral, e agora, pela volta da conversa da CPMF.

O que está por trás da perda de competitividade é o modelo de crescimento atual: o governo eleva o gasto de custeios e transferências, que aumenta o consumo; para financiar essa expansão, eleva os tributos e ainda mantém juros altos para conter a resultante pressão inflacionária. Como o investimento público é mínimo, a energia é cara e a infraestrutura é deplorável. Como o governo gasta mal, a qualidade da nossa educação é triste (embora possa produzir candidatos a prefeito).

É este o conjunto que mata a competitividade do país, bem diverso do que a tão admirada China faz. Enquanto essa estrutura de política for mantida, assentada num projeto de poder que precisa de muito dinheiro para se manter e expandir, não iremos competir com ninguém, apenas importar cada vez mais. Até os setores mais produtivos estão sendo afetados pela doença dos custos elevados, como está evidente hoje no caso do complexo da cana de açúcar.

O futuro vai dizer se essa gigantesca aposta vai dar certo. Não acredito.

PS: Perdemos recentemente o professor Antônio Barros de Castro. Tinha por ele a maior admiração, construída ao longo de muitos anos. Antônio foi uma daquelas raras pessoas que vão crescendo e ganhando sabedoria ao longo da vida. Foi uma honra tê-lo conhecido.

AFFONSO CELSO PASTORE - Estados Unidos, Europa e o Banco Central do Brasil


Estados Unidos, Europa e o Banco Central do Brasil
AFFONSO CELSO PASTORE
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

Será que o mundo está indo para uma nova crise, como a ocorrida em 2008, que possa afetar sensivelmente o crescimento econômico brasileiro? Para encaminhar uma resposta vou olhar em maior profundidade para o que vem ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa. Mas quero adiantar duas conclusões. A primeira é que a menos de uma "solução" desordenada para a crise de dívida soberana nos países da periferia do euro, que acarrete uma crise bancária, não há como comparar o que vem ocorrendo atualmente no mundo com a "catástrofe" de 2008. Assistiremos a um crescimento mais lento do PIB mundial, mas o Brasil não será obrigado a reagir com medidas extremas. A segunda é que o cenário internacional não justifica o movimento realizado pelo Banco Central na última reunião do Copom.

Comecemos pelos Estados Unidos. Em artigo recente Rogoff afirmou que esta não é a "grande recessão", como vem sendo definida pela maioria esmagadora dos economistas, nem uma "grande depressão", como a de 1929, mas sim a "grande contração". Esta não é uma questão puramente semântica. Em todas as recessões do pós-guerra, inclusive a de 1983, quando a taxa de desemprego chegou a 11%, decorridos poucos trimestres após a decretação de seu término o PIB já havia superado o pico prévio, e o desemprego já havia retornando à media histórica. No caso da presente "contração" já decorreram mais de oito trimestres desde que o NBER decretou o final da recessão, e o PIB ainda está abaixo do pico prévio, com o desemprego mantendo-se em torno da taxa de 10%, sem perspectivas de declinar nos próximos trimestres.

A grande diferença entre o atual episódio e todas as demais recessões do período pós-guerra está no papel do endividamento das famílias, que desta vez é excessivo, obrigando a uma "desalavancagem " que limita a velocidade de recuperação do consumo. Entre 1960 e 1985 o endividamento das famílias flutuava entre 60% e 70% da renda disponível, sendo ainda menor antes de 1960, mas nos anos de ouro da Grande Moderação ele literalmente explodiu, chegando a 130% em 2008. Como isso ocorreu? A valorização dos preços das casas e dos ativos financeiros gerou uma sensação de riqueza que levou as famílias a consumirem não somente uma proporção elevada da renda, mas também da renda futura, elevando o endividamento.

Nos Estados Unidos, da mesma forma como ocorreu na década perdida dos anos 90 no Japão, esse endividamento terá que se reduzir. No Japão foram as empresas que tiveram que reduzir os investimentos para pagar a dívida, e no caso norte-americano são as famílias que têm que reduzir o consumo para pagar a dívida excessiva. Ocorre que o consumo representa mais de 60% do PIB, e dado o seu baixo crescimento, ao lado da estagnação do setor mais dinâmico na saída de todas as recessões prévias - o imobiliário, que continua em crise aguda - não há como acelerar o crescimento do PIB.

Este quadro já era claro há algum tempo para os economistas acadêmicos, mas permaneceu obscuro para os que buscavam analogias entre o atual episódio e as demais recessões. A "ficha começou a cair" com três episódios. O primeiro foi a negociação do limite de dívida, que retirou do governo norte americano sua capacidade de usar estímulos fiscais adicionais. Com a taxa básica de juros já próxima de zero, a expansão fiscal é o único instrumento eficaz para elevar a demanda, e ele foi perdido, pelo menos ate a próxima eleição. O segundo foi o final do QE-2, que removeu um instrumento monetário não convencional que, bem ou mal, vinha gerando algum estímulo. O terceiro foi a revisão dos dados do PIB, que pôs a nu o fato de que a recuperação vinha sendo muito mais lenta do que se julgava.

As projeções de consenso para o crescimento do PIB saíram de taxas ao redor de 3% e 3,5%, no início deste ano, para perto de 1%, agora. Com taxas tão baixas, e considerando a volatilidade natural das taxas trimestrais de crescimento, é perfeitamente possível que tenhamos em breve dois trimestres consecutivos de taxas negativas, o que caracterizaria uma recessão mesmo que a média anual seja de 1%. Alguns indicadores mais recentes confirmam esse quadro pessimista. Por exemplo, o índice de confiança dos consumidores de Michigan, que é um bom indicador das variações do consumo, e o índice de atividade da Filadélfia, que é um bom indicador das taxas de variação do PIB, ambos atingiram no último mês níveis indicativos de uma recessão próxima.

À piora do quadro adiciona-se a ausência de instrumentos de política econômica. A Europa também sofre da mesma doença. Não se pode usar a política fiscal nem nos países da periferia do euro, que estão à beira da insolvência, nem nos países economicamente mais fortes como Alemanha e França, porque suas dívidas públicas já são grandes demais. Não há, também, campo para o uso da política monetária voltada a estimular o crescimento, porque o BCE é o banco central de uma união monetária que somente pode cuidar de manter a inflação baixa. Mais ainda, os países que precisam crescer para solucionar seus problemas de dívida soberana não têm moeda própria que possa se depreciar com relação às demais, elevando as exportações e, consequentemente, o crescimento econômico.

Crises de dívida como as da Grécia, Portugal e Irlanda terminam ou com uma reestruturação, ou com uma inflação, que reduza o valor real da dívida, ou com um "default". A relutância em reestruturar as dividas e a impossibilidade de solucionar o problema através da inflação, gera o aumento do risco de default. É por isso que os CDS de desses países abrem prêmios tão elevados, mesmo com o Fundo Europeu e o FMI dando recursos para a compra de todos os vencimentos de seus bônus do governo até 2013, e com as compras do BCE no mercado secundário.

Preso a uma moeda única e sem mobilidade de mão de obra o euro só pode sobreviver com uma união fiscal que resolva dois problemas: permita a reestruturação das dívidas impondo regras que impeçam que esses problemas voltem a ocorrer; e uniformize o crescimento, impedindo disparidades tão grandes nas taxas de desemprego. Esta é a "grande solução", mas significa a perda de soberania por parte de cada país.

Investidores influentes como George Soros lutam pela criação de um "bônus europeu". Esse instrumento só faz sentido tendo como lastro a arrecadação tributária de um "Tesouro da Europa", que seria de fato a criação de uma união fiscal. Mas isso eliminaria, ou pelo menos reduziria, a soberania dos países. Não surpreende que haja tanta oposição por aparte dos lideres políticos aa criação deste instrumento.

Quando os EUA tiveram sua dívida rebaixada, um investidor com a argúcia de Mohamed El Erian vaticinou que a taxa de juros nos Estados Unidos se elevaria. Mas o que ocorreu foi o contrário. A queda das taxas dos bônus de 10 anos do tesouro dos EUA para próximo de 2% ao ano não poderia nunca ser explicada pelo rebaixamento dos EUA, porque o aumento do risco teria gerado a venda destes bônus, baixando seus preços e elevando a taxa de juros. É um movimento que somente pode ser explicado pelo aumento simultâneo (e independente) dos riscos soberano e bancário na Europa, provocando a venda de ativos europeus e a compra de ativos norte americanos, que continuam tendo um risco menor do que os europeus, apesar do rebaixamento.

Quando este aumento na aversão ao risco cresceu ocorreram fenômenos semelhantes aos ocorridos em 2008. Caíram as taxas de juros em países vistos pelo mercado como "portos seguros", como é o caso de Estados Unidos, Alemanha e Suíça; elevou-se o preço do ouro; e caíram os preços das ações, porque estes são ativos onde o risco de variação dos preços é muito elevado.

Esta turbulência trouxe a memória dos acontecimentos de 2008. Mas a semelhança para nesse ponto. Qualquer observador atento irá descobrir que os fluxos internacionais de capitais continuam fortes e sadios, tanto que não ocorreram depreciações cambiais dignas de nota em nenhum país emergente, nem há quaisquer sinais de redução em empréstimos bancários. Nem há, também, quaisquer indicações de que o comércio internacional possa sofrer sequer aproximadamente a queda ocorrida em 2008. Não estamos, portanto, diante de canais de transmissão ativos como em 2008, que propagaram a crise para todos os países do mundo.

Até aqui estamos muito distantes do que ocorreu após a falência do Lehman Brothers. Por isso não se pode falar em uma recessão mundial. Este é o aspecto positivo do atual episódio. Apesar da baixa capacidade de crescer dos Estados Unidos, daquele país não vem nenhuma onda de choque que repita algo semelhante a 2008. O risco de um "evento de cauda" vem somente da Europa. Para que ele ocorra basta que ocorra uma solução desordenada da dívida soberana de algum país, ou que se dispare uma crise bancária. Quando isso ocorrer, e se isso ocorrer, o Brasil seria chamado a uma reação, e neste caso seria muito melhor reagir reduzindo a taxa de juros em vez de fazer uma expansão fiscal, como ocorreu na esteira da crise de 2008.

Mas por mais preocupante que seja o quadro atual ele não justifica uma ação como a que foi tomada pelo Banco Central do Brasil.

JOSÉ DE SOUZA MARTINS - Entortando o torno


Entortando o torno
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

 
O novo acordo dos metalúrgicos do ABC indica a desideologização das lutas operárias

O recente acordo dos metalúrgicos do ABC, negociado com as montadoras, é obra de engenharia e prudência políticas que pode indicar inflexão numa história tendencialmente conflitiva nas relações laborais de uma região emblemática da política brasileira. Talvez seja marco de um fim de era nas relações trabalhistas da indústria, iniciada com as grandes e movimentadas assembleias no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, nos anos 70. A distância das maneiras de pensar e reivindicar entre este momento e aquele é enorme. Parece vencida, também, a época das lutas operárias dominadas por nomes referenciais de lideranças. O fim do messianismo sindical representa um progresso social e político.

Não se trata de supor demais, mas de reconhecer que esta última década tem sido uma década de declínio na vitalidade dos movimentos sociais e da organização sindical, especialmente daqueles mais reivindicativos e mais influentes. O MST está hoje muito aquém do que foi em tempos recuados, embora a questão agrária ainda esteja pendente e a questão da agricultura familiar e alternativa indique carências sociais reais e possibilidade política válida e legítima. A UNE e o movimento estudantil estão muitíssimo aquém do que se deveria esperar num momento em que a questão educacional se agrava, com o declínio dos padrões de ensino e de escolaridade. A própria questão trabalhista está longe de justificar a calmaria dos pactos laborais de setores prósperos do operariado, como se vê por denúncias recentes de sobre-exploração do trabalho e de uso de trabalho escravo na indústria de confecções em cidades densamente urbanas, como São Paulo. A relação promíscua com o poder responde por esses declínios e por uma tendência ao conformismo. Mas responde, também, o esvaziamento histórico das reivindicações propriamente políticas que têm se nutrido, ao longo dos anos, de movimentos e reivindicações ditados por necessidades sociais que não eram e não são, propriamente, necessidades radicais.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC parece ter se adiantado na compreensão e aceitação dessa nova circunstância histórica, dos limites que contém e das possibilidades diferentes que abre. Conseguiu fixar um piso salarial de R$ 1.500 para novas contratações e um teto de R$ 8 mil, mais abono e incrementos reais de salários pelos próximos dois anos sem apelo a espetáculos manipulativos da opinião dos trabalhadores.

Os sindicalistas levaram em conta que estamos entrando em conjuntura de crise econômica internacional e de insegurança social. No episódio de agora, procuraram os trabalhadores antecipar-se aos efeitos potenciais da crise para a massa operária desse setor da economia, assegurando-lhe o nível dos salários. Evitaram reivindicações postiças. O crescimento antecipado do mercado ainda neste ano se deverá à introdução do novo motor Euro5 para caminhões, com elevação de 15% nos custos, crescimento, porém, que deve ser descontado do previsto para o próximo ano em face das antecipações de compras. O novo motor atende a exigências legais de redução da poluição ambiental. O acordo de agora indica o refluxo das lutas operárias para o plano negocial e contratual e sua desideologização, o que em princípio atenua a tradição do confronto de classes.

Mais importante do que o acordo salarial, têm os metalúrgicos consciência de que problema maior é o da importação de industrializados. Uma certa devastação se anuncia com o avanço dos produtos chineses no mercado brasileiro. Um sindicalista mencionou a inviabilização de 110 mil empregos pela entrada dos importados. Além do que, os salários chineses, mais baixos que os nossos, puxam para baixo os salários brasileiros quando se dá o confronto entre o produto nacional e o importado. O incremento das ocorrências de trabalho escravo aqui, em setores industriais urbanos, já reflete a concorrência entre modelos de relação laboral em que o Brasil não tem como enfrentar o concorrente sem degradar os salários de seus próprios trabalhadores. Mesmo que os salários chineses continuem melhorando, a demora afetará empregos e salários aqui.

Não só a indústria chinesa tem padrões tecnológicos superiores aos nossos, como tem a China um nível de produção de conhecimento científico e técnico superior ao nosso. Com o acordo, os trabalhadores querem tranquilidade para a batalha contra os importados e em favor de tecnologia, engenharia e inovação aplicados à indústria, como declarou o presidente do sindicato. Na verdade, as universidades brasileiras já há algumas décadas dão passos importantes nesse sentido, desde muito antes da China representar um risco para o equilíbrio econômico de países como o nosso. Em São Paulo, a Fapesp e as três universidades estaduais - USP, Unicamp e Unesp - têm uma longa história de dedicação ao desenvolvimento científico e tecnológico. Os trabalhadores é que não têm entre nós tradição de valorizar a produção do conhecimento e a função das instituições acadêmicas.

AJOELHOU TEM QUE REZAR


AJOELHOU TEM QUE REZAR


CELSO MING - Piorou por quê?


Piorou por quê?
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

O que é, afinal, a "substancial deterioração" da economia mundial a que o Copom se referiu e que tanta gente vem lamentando?

Há, sim, uma piora notável no desempenho da produção dos países ricos; há o aumento do desemprego e uma impressionante degradação das condições fiscais, consubstanciadas na elevação do endividamento e na incapacidade dos Estados de honrar compromissos financeiros (veja tabela).

Complica tudo a falta de disposição dos grandes bancos de seguir com a rolagem da dívida pública do Primeiro Mundo. Não é, como tanta gente pensa, que os banqueiros estejam especulando com títulos públicos. O problema não é tão simples. É que a deterioração da qualidade das dívidas - cada vez mais próximas de um calote - impede que os bancos continuem suas operações de empréstimo. As instituições financeiras europeias, por exemplo, estão sobrecarregadas com centenas de bilhões de títulos dos países do euro e não podem aumentar sua exposição a esse risco.

Mas há novidades nunca dantes imaginadas. Já não são apenas títulos da periferia do euro, como os da Grécia, de Portugal e da Irlanda, cuja credibilidade vem sendo colocada em dúvida. As ameaças saltaram para o nível imediatamente acima: Espanha, Itália e França.

Pela primeira vez em mais de cem anos, os títulos de dívida do Tesouro dos Estados Unidos, considerados até aqui como referência (benchmark), foram rebaixados por uma agência de classificação de risco, a Standard & Poor"s. O mesmo acaba de acontecer com o Japão.

Os juros globais estão se arrastando. Isso significa que há uma sobra enorme de recursos no mundo, sem que haja ameaça de inflação, porque a atividade econômica esta paralisada e porque, altamente endividado, o consumidor também não se atreve a levantar mais empréstimos. Ao contrário, diferentemente do que se imaginava há alguns meses, a tendência está mais para deflação do que para inflação.

Enquanto isso, há muito que os grandes bancos centrais operam no limite da irresponsabilidade. Tanto o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) como o Banco Central Europeu (BCE) incharam seus balanços com compras de títulos. Em tempos normais, essa seria prática condenada na administração da política monetária porque, em última análise, fornece moeda emitida para dar cobertura a despesas públicas. Funciona como se o governo pagasse suas contas com impressão de moeda. No entanto, os administradores dos grandes bancos centrais vêm dizendo que seu primeiro dever é salvar a economia, mesmo que, para isso, lancem mão de truques heterodoxos.

Outro passo de enorme ousadia foi tomado no dia 9 de agosto, quando o Fed se compromissou a não elevar os juros básicos (Fed funds), hoje perto de zero por cento, "pelo menos até meados de 2013". Não é o tipo da decisão que um grande banco central está acostumado anunciar.

Pior que tudo, as coisas não avançam. Nem o governo americano consegue apoio político para equacionar suas contas públicas nem as autoridades da área do euro conseguem consenso para controlar os orçamentos e um mínimo de unidade política para salvar o bloco.


CONFIRA

Respeite as vacas

O leitor François Regis Guillaumon, presidente do Sindicato das Cooperativas Agropecuárias do Estado de São Paulo, ficou desapontado com observação feita na coluna de quinta-feira que, para ele, desdenhou dos criadores e das vacas leiteiras.

A frase de que ele não gostou foi a seguinte: "Cana-de-açúcar não é vaca leiteira, que bebe água hoje e produz leite amanhã".

Guillaumon pergunta: "Você sabe quanto tempo demora para se criar uma vaca? Nove meses de gestação, mais 30 de criatório e outros 9 de gestação - somente para começar a primeira lactação. E aí, haja comida para ter uma produção boa e não é só água".

Sergio Pedreira, de Arceburgo, Minas Gerais, também mandou mensagem quase nos mesmos termos. A Coluna reconhece que foi um tanto injusta com as vaquinhas, mas avisa que não pretendeu mais do que criticar o imediatismo do governo no setor do etanol.

BARBARA GANCIA - A vez do estrupício

A vez do estrupício
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 04/09/11 

Parece um tanto exagerado escrever duas colunas quase seguidas sobre cães, mas o que posso fazer se um mascote se foi e sobrou outro que precisa ser apresentado? Até o nome do pobrezinho que ficou eu tive de adaptar ligeiramente para ver se o torno mais palatável ao leitor acostumado ao galante Pacheco Pafúncio (1996-2011).

Da homenagem feita a David Bowie, o salsicha de pelo duro Ziggy Stardust acabou virando Ziggy Zagallo, gorducho que você, meu caro leitor, vai ter de engolir. Aliás, não só o leitor, mas todos os donos de abrigos para cães abandonados que me escrevem insistentemente nos últimos dias oferecendo seus inquilinos para ficar no lugar do meu velhinho que partiu desta para melhor.

Tenho para mim que os cães, ao contrário dos humanos, podem ser substituídos. Mas calma lá com o andor. Não estamos o Ziggy e eu correndo para pegar um trem. Ambos somos do parecer de que cães, amores, empregos (e o Titanic com o iceberg) trombam na gente na hora certa.

Ficamos, o estrupício e eu, extremamente compungidos com as mais de 600 mensagens recebidas entre Facebook, Twitter e e-mail, uma mais carinhosa do que a outra, assinadas em nome de gente que praticamente se considera da família e que me conta ter crescido junto com o Pacheco e ter chorado comigo na semana passada quando meu cão e personal trainer foi sedado depois de uma parada cardíaca.

Obrigada Bilau, Buddy, Cindy, Naomi, Teteco, Spike, Pituka, Mel, Thor, Balu, Hanna e tantos outros animais que formaram um mutirão de afeto com seus donos para nos confortar. Agradeço à Zuleida pela música canina, à Edelweiss pelas imagens e a todos aqueles que me contaram histórias de cães passados e do temor que sentem pelos velhuscos que vão pelo mesmo caminho do Pachecão.

Já estou selecionando um de vocês (vou sortear o e-mail) para passar o fim de semana tomando conta do Ziggy enquanto eu relaxo no spa, que tal? Brincadeiras à parte, a primeira semana sem o Pacheco foi dura para o gorducho. Tentei levá-lo comigo para todo canto, mas ele é o que os franceses chamam de "insortable" (impossível de sair com). O Ziggy já vai fazer quatro anos e eu nunca tinha me dado conta do quanto eram diferentes, como podiam dois animais de temperamentos tão distintos se dar tão bem?

Pacheco era a personificação, ou melhor, a canificação da serenidade. Ziggy Zagallo é caos e explosão, um Big Bang que grunhe para expressar frustração e grita como uma araponga quando alegre. Obeso, ofegante, ansioso, fisicamente ele lembra o Kung Fu Panda sem a parte da arte marcial.

Fui vaciná-lo recentemente e aproveitei o ensejo para saber do veterinário por que o Ziggy é tão exagerado. "Se ele fosse um humano", disse-me, "seria do tipo que fala, fala e não mexe o traseiro do sofá".

Fez-se um silêncio no recinto. Perguntei quanto devia, o doutor me encaminhou para a saída e assim, sem dizer mais nada, fomos os dois gorduchos rebolando em direção ao meu carro como naquela cena de "101 Dálmatas" em que donos e cães idênticos passeiam no Hyde Park.

Engraçado que, quando ganhei o Ziggy, ele era quietinho. Nada indicava que seria uma Maria Callas do mundo animal. Não consigo entender o que houve. Pensando bem, acho que certos cães não podem nunca ser substituídos.

SUELY CALDAS - Incontinência verbal


 Incontinência verbal
SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

"Não há hipótese de o governo se desmobilizar diante da inflação, todas as nossas atenções vão estar voltadas para um combate acirrado" - prometeu Dilma Rousseff em 25/4/2011, segundo registro da Agência Brasil. A decisão do Banco Central (BC) de reduzir em 0,5% a taxa Selic levantou dúvidas quanto à autenticidade da promessa.

A maioria dos analistas passou a questioná-la. Argumentam que a presidente deixou agora muito claro o que para muitos era ainda nebuloso: entre crescimento econômico e inflação, seu governo fica com o primeiro.

A própria Dilma Rousseff reafirmou sua escolha. Na quinta-feira, ao responder à quase unânime condenação dos analistas de mercado à decisão do BC, centrou seu argumento na necessidade de o País continuar crescendo e investindo para enfrentar a crise externa. Nenhuma única palavra sobre o efeito inflacionário que essa opção pode desencadear neste e no próximo ano - o foco das críticas.

"O Banco Central do Brasil tem como missão institucional a estabilidade do poder de compra da moeda (ou seja, controle da inflação) e a solidez do sistema financeiro" - esse é o conceito que define e resume o papel do Banco Central no Brasil. Ou seja, o BC é o guardião da moeda, sua obrigação é defender seu poder de compra e ponto final. A atribuição de estimular o crescimento e o investimento é de outros ministérios, não do BC.

Nos Estados Unidos é diferente. O Federal Reserve (Fed) acompanha, avalia e persegue o equilíbrio entre inflação e crescimento, entre controle de preços e expansão da demanda. É responsabilidade do banco central norte-americano garantir as duas coisas: controle da inflação e crescimento econômico.

O BC não é o Fed, mas agiu como se fosse. Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira, seus diretores, todos antigos e experientes funcionários da casa, ignoraram a missão de controlar a inflação, puseram em risco a credibilidade e a autonomia de decisão do banco e aderiram à escolha da presidente de priorizar o crescimento. O governo pode até mudar a lei que define a missão do BC, mas enquanto isso não acontecer o Copom tem de decidir taxa de juros olhando a inflação, não o crescimento.

O ruim da reunião do Copom na quarta-feira está menos na decisão de baixar os juros e mais na sucessão de trapalhadas que a antecedeu, cometidas pela presidente, por alguns ministros e, depois, pelo próprio Banco Central. Baixar juros é sempre bom, é saudável para a economia, mas é preciso observar se as condições permitem. Se a contrapartida for o descontrole da inflação, como avaliam os analistas, é ruim, porque a população excluída - que a presidente quer tanto incluir com o Plano Brasil Sem Miséria - será a mais castigada.

Quanto à decisão, o futuro dirá se baixar a Selic foi certo ou errado. Neste momento, o prejuízo maior se deu no plano institucional, na percepção de credibilidade e de autonomia do Banco Central, essenciais para o cumprimento de sua missão. Se já havia desconfiança de interferência do Palácio do Planalto no BC, desta vez passou a haver certeza. E por quê?

Primeiro, está no discurso. Desde a crise de 2008 o governo e o Banco Central têm repetido que os dois grandes trunfos a blindar o Brasil contra os efeitos da crise são as reservas cambiais e a pujança do mercado interno, que tem garantido consumo e crescimento. O argumento sempre foi: a crise lá fora prejudica as exportações, mas o consumo interno garante o crescimento. Pois bem, hoje as reservas estão em US$ 350 bilhões, 75% acima de 2008. Quanto ao mercado interno, o consumo das famílias, o emprego e a renda do trabalho continuam em alta. Portanto, pelos dois critérios, o País está mais bem defendido do que em 2008. Mas de repente o Copom se contradiz ao fundamentar sua decisão na conjuntura externa, não na interna. Afinal, em que discurso acreditar?

Há sinais de que a Ata do Copom virá com a justificativa de que o desaquecimento doméstico está acima do esperado, o que seria comprovado pelos números do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgados na sexta-feira. É certo que o PIB mostra desaceleração da indústria em relação ao primeiro trimestre, com variação positiva de 0,2%, e levemente negativa em 0,1% na agropecuária. Nada que não possa ser revertido no trimestre seguinte. Mas o quadro está longe de ameaça de recessão, estamos falando de um PIB que cresceu 0,8%, entre o primeiro e o segundo trimestres; e 3,6%, ante o primeiro semestre de 2010. Portanto, não há razão para o tom alarmista do comunicado do Copom. O Banco Central deveria é comemorar o sucesso de suas políticas macroprudenciais para desaquecer a economia, tão atacadas e desacreditadas pelo mercado.

As trapalhadas. Em segundo lugar, nos dois dias que antecederam a reunião do Copom, a presidente Dilma Rousseff e alguns de seus ministros ensaiaram um coro coletivo em defesa da queda dos juros e engatilharam uma série de trapalhadas que puseram em xeque a autonomia do BC, gerando a certeza de influência do Palácio do Planalto na decisão do Copom.

Dilma Rousseff deu a senha na manhã de segunda-feira, quando defendeu publicamente o corte da Selic. À tarde, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, convocou a imprensa para anunciar que os R$ 10 bilhões de sobra da arrecadação tributária não seriam gastos, mas poupados e transferidos para o superávit primário. Isso tudo às vésperas da reunião do Copom. E deu uma dica claríssima de que já conhecia a decisão da Selic, que só viria dois dias depois: "Se vier uma situação pior para a economia brasileira, o Banco Central estará em condições de reagir com políticas monetárias mais expansionistas". Parecia conhecer o conteúdo do texto do comunicado do Copom.

Ainda na segunda-feira, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, reprisou a presidente Dilma: já há condições de cortar os juros, afirmou.

Na quarta-feira, enquanto o Copom se reunia, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, anunciou a proposta do Orçamento para 2012 e fez coro aos seus colegas: estão criadas as condições para baixar os juros. E apresentou um orçamento expansionista, contraditório com o discurso de oito meses de austeridade nos gastos públicos: as despesas do governo vão crescer 9,8%, quase o dobro da inflação de 5% prevista no documento.

Parece haver uma incontinência verbal neste governo.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Piiii

Piiii 
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 04/09/11

Não havia jeito de o detector de metais do aeroporto calar a boca

Piii. Apitou. Ele teve que voltar para passar de novo pelo detector de metal. Já tinha posto na bandejinha relógio, caneta, tudo que pudesse conter metal ou fazer disparar o piii. Voltou e passou de novo.

Fez piiii.

– Tire o casaco – sugeriu o funcionário.

Ele triou o casaco e botou numa bandeja maior. Passou outra vez pelo portal.

Piiii.

– Já sei – disse ele. – Deve ser isto aqui.

Mostrou uma caixinha de remédio que levava num bolso da calça. Não era de metal, era de plástico, mas talvez a máquina suspeitasse que o plástico fosse disfarce. Essas máquinas de aeroporto ficam cada vez mais sofisticadas. E desconfiadas.

– Coração – disse ele, colocando a caixinha em outra bandejinha.

– Como? – disse o funcionário.

– Remédios para o coração. Pressão alta, essas coisas.

– Passe outra vez, cavalheiro – disse o funcionário, sem nenhum interesse no seu coração.

Ele passou outra vez pelo detector, sem a caixinha no bolso.

Piii.

– Não é possível. Será que a máquina não está com defeito?

O funcionário ignorou a hipótese impensável. Perguntou:

– O senhor tem alguma prótese?

Ele hesitou. Tinha alguma prótese? Não. Claro que não. Sugeriu:

– Não pode ser obturação num dente? Tenho várias.

O funcionário desprezou esta hipótese também. Disse:

– O cinto. – O quê? – O cinto. Pode ser a fivela do cinto. E os sapatos.

– Os sapatos também?! – Por favor.

O cinto e os sapatos ocuparam outra bandeja. Ele passou pelo portal, segurando as calças.

Piii.

Ele perdeu a paciência.

– Não. Eu acho que é pessoal. Agora já é implicância.

O funcionário pediu para ele ficar de lado. Outro funcionário, aparentemente mais graduado, viria revistá-lo. Ele protestou:

– Vou perder meu avião.

O protesto também foi ignorado. Veio outro funcionário e pediu para ele estender os braços para ser revistado.

– Se eu estender os dois braços ao mesmo tempo minhas calças caem. Posso estender um de cada vez?

O segundo funcionário estudou a proposta. Não era o procedimento certo. O certo era o revistado estender os dois braços ao mesmo tempo. Ele insistiu:

– Minhas calças vão cair. Eu emagreci muito nos últimos tempos. Ordens do cardiologista.

– Estenda os braços por favor, cavalheiro.

– Primeiro um depois o outro? – Os dois ao mesmo tempo.

– Minhas calças vão cair. Você será responsável pelo vexame. Vai ser um escândalo público. Está entendendo? Eu só de cuecas, aqui, no meio da...do... Vocês querem me expor ao ridículo! Eu vou processar!

Nisso a máquina começou a apitar:

Piii! Piii! Piii! E o homem:

– E cale a boca você também!

ALBERTO TAMER - Crescimento ou inflação?


Crescimento ou inflação?
ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 04/09/11

A redução da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central surpreendeu o mercado que esperava algo, sim, mas não 0,50 ponto porcentual de uma só vez, pelo menos agora. A interpretação dos analistas foi muito clara, a prioridade agora é evitar que a economia cresça menos do que os 3,5% e até mesmo 3% que já se fala com mais frequência em Brasília. A inflação preocupa, sim, mas o risco de desaceleração é forte, com desemprego preocupando mais ainda.

Os dados do IBGE, divulgados nesta sexta-feira, confirmam isso. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre, menos que os 1,2% do primeiro trimestre e apenas 3,2% nos últimos 12 meses. E não há sinais de que essa retração se reverta nos dois trimestres finais do ano.

Havia muita dúvida no mercado em torno da decisão do BC. Precipitada, afirmavam alguns, imprudente acrescentavam outros, houve influência do governo que teme recessão, concluíam terceiros. No mercado internacional, a decisão foi vista como ousada.

É aqui, não lá fora. O argumento de que a decisão foi adotada por causa dos desdobramentos da crise externa não convenceu porque a turbulência persiste, mas não se agravou nas últimas semanas. Para a maior parte dos analistas foi a desaceleração do crescimento interno e não do externo que motivou o BB a antecipar-se e agir. O desafio não é que o mundo está crescendo menos, mais a economia brasileira está recuando mais do que se esperava e não seria prudente esperar. O fantasma de 2008 não convenceu. Para o respeitadíssimo Affonso Celso Pastore, em artigo de sexta-feira no Estado, surpreendeu o BC ter se espantado com o fantasma de 2008, admitindo que sem uma queda significativa dos juros a desaceleração pode ser maior. O mundo vive uma desaceleração, sim, mas até aqui muito diferente do que ocorreu após a queda do Lehman Brothers, afirma ele, que usa a expressão "crise externa", entre aspas. Pastore, e para a maior parte dos economistas que analisaram a decisão do BC, o maior problema está aqui, não lá fora.

Para o governo, crescer menos de 3% é inaceitável. E tudo indica que o BC tende a seguir a política do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) que não tem como meta apenas administrar a inflação, mas cooperar com o crescimento econômico. Para ele, um PIB de apenas 1,6% este ano é inadmissível; para nós, 3.5%, ou menos, também.

Mas fazer o quê? Ajuste fiscal para reduzir a pressão sobre a demanda e juros mais atraentes para compensar. É a busca de um equilíbrio instável que se inicia agora com o anúncio do aumento do superávit primário do governo e a redução dos juros do BC. Tudo levando a um crescimento menor, sim, nada mais de 5% ou 6% previstos no início do ano, mas nada menos que 3%.

Foi assim que os agentes econômicos, mercado financeiro e empresas, interpretaram as últimas ações do Banco Central e do governo. Uma espécie de acordo tácito entre você gasta menos e eu ajudo mais em busca de um equilíbrio ao qual se tenta chegar.

Mas e a inflação? Mas a equação não fecha, dizem economistas como Affonso Celso Pastore. Esqueceram a inflação que vinha sendo combatida pela alta das taxas de juros. A fórmula menos juros, menos gastos deixa uma variável, a inflação que passa do teto de 6,5%. Tudo indica que se decidiu tentar administrá-la por algum tempo apesar dos riscos. Como a economia vinha do desacelerando, a inflação deveria recuar também. Mas não é isso que está acontecendo. Há fatores internos como oferta menor e demanda aquecida e externos, as commodities entre outros, pressionando os preços internos. Basta ver o que acontece com o álcool, a cana-de-açúcar e outros produtos agropecuários. É evidente a contaminação interna pelos preços externos das matérias-primas.

Inflação resiste. O novo ( será?) desafio é a inflação. O IPCA mostra ainda muita rigidez em torno da banda de tolerância de 6,5%, afirma Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú . Motivos: aumento da renda animada pelos reajustes de salários - e, agora, o novo salário mínimo - e a robustez do mercado de trabalho, sustentando pressões de demanda, não atendida pelo aumento da oferta. Para ele, "um cenário que não vai se alterar rapidamente".

O que existe é um fato, juro menor, e uma promessa, política fiscal menos expansionista. Affonso Celso Pastore não esconde o ceticismo quanto às metas de inflação. Já eram. Toni Volponi, chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, vai mais longe: foi para o espaço. O novo dilema é impedir que se cresça menos sem pressionar a inflação - que, tudo indica, deixou de ser prioridade maior, pelo menos por enquanto.

Goldfajn e Pastore admitem que vai ser difícil conter o consumo das famílias, que mesmo com a desaceleração econômica, aumentou 5,7% no semestre e 6,2% nos últimos 12 meses. Há um recuo, mas o aumento da demanda permanece e será estimulado agora ainda mais com os reajustes salariais bem acima da inflação, os mais de 2 milhões de empregos que estão sendo criados e a formalização no mercado de trabalho. Um desafio que o governo parece preferir enfrentar só mais adiante. Agora, a linha de atuação segue o Fed que não só administra a inflação, mas também fica atento à economia, estimulando-a quando preciso.

É o que Fed, e até mesmo o banco central da China, vem fazendo até agora e o Banco Central Europeu (BCE), não. Aumentou o juro mesmo com risco de recessão e crescimento de 0,1%.