segunda-feira, janeiro 03, 2011

RUI NOGUEIRA

Infraestrutura, falsa solução e Estado
Rui Nogueira 
O Estado de S.Paulo - 03/1/11


Aqui e ali, nas resenhas, retrospectivas e balanços sobre o fim do governo Lula, surge a ideia de que o presidente foi melhor nos dois mandatos pelo mal que evitou fazer do que pelo que propriamente fez. A síntese do mal menor no governo Lula quase sempre é feita por remissão comparativa ao passado retórico do PT e do líder sindical metalúrgico do início dos anos 80 até meados dos anos 90.

Com a manutenção das políticas fiscal, monetária e cambial, ficou em segundo plano a profusão de sinais trocados emitidos por Lula. Diante do essencial, as dúvidas semeadas por Lula nos dois mandatos foram tratadas como algo acessório. O atual estágio do crescimento econômico, o estado das contas públicas (sem lastro para maiores investimentos, propagandas do PAC à parte) e a proposta de expandir as políticas sociais impõem, porém, o enterro desses sinais trocados.

Vamos a dois exemplos, aeroportos e banda larga, sobre o padrão de zigue-zague que a nova chefe de Estado, Dilma Rousseff, precisa encarar.

O Brasil fecha 2010 com um crescimento econômico na casa dos 8%, um recorde para as últimas duas décadas. A saúde econômica dos EUA e da Europa está resfolegante, mas a China continua exuberante. Mesmo que o ritmo do crescimento do País diminua um pouco, é certo que a infraestrutura disponível e o padrão de financiamento bateram no teto. Há um nhenhenhém nesse debate.

Há importantes obras em andamento, mas o tamanho das necessidades brasileiras obrigará Dilma a dizer se o governo adota regras claras para uma inédita atração de capitais privados ou se o Planalto continua a flertar com jogos de palavras que falam em mais Estado, em Estado parceiro, em Estado que resolve. O governo Lula não conseguiu botar em pé sequer as Parcerias Público-Privadas (PPPs). O País não precisa ser governado por um privatista vesgo, por alguém que satanize o setor público, mas não pode perder tempo com ilusões e falsas dúvidas.

Essa chacota ideológica sobre o Estado salvador ganhou força no auge da crise financeira de 2008, quando os governos foram obrigados a resgatar os bancos à beira da falência. Os governos que adotaram tais políticas para o conjunto da sociedade são os mesmos - ainda que as pessoas no comando possam ter sido outras - que, anos atrás, flexibilizaram as regras de controle e regulação dos mercados financeiros. Na hora de endeusar o Estado, os críticos esquecem, por conveniência, que a história está repleta de políticos que levaram à falência centenas de cidades grandes e pequenas e que levaram nações inteiras à bancarrota. De um modo geral, saem do buraco enfiando a mão no bolso do contribuinte e tomando dinheiro emprestado onde existe, nos bancos públicos e privados.

O certo é que, ao contrário da ladainha em curso, o Estado, pela fartura de exemplos, faz pouco ou quase nada com eficiência quando se trata de prestar um serviço. A maioria dos serviços prestados pelo Estado nem se submete às regras de qualidade apropriadamente impostas aos do setor privado.

Banda larga feita e servida pelo Estado é uma piada de mau gosto, um exemplo caricato do sinal trocado com que o governo Lula foi entretendo o País. O governo que não conseguiu universalizar a telefonia não o fará com a internet. Dirão alguns que os governos anteriores são uma coisa e os de Lula e Dilma são outra coisa bem diferente. Nomes de presidentes à parte, o padrão de cobrança do servidor público não mudou nada. No governo Lula, só aumentou a taxa de corporativismo. Governo é governo, não importa o presidente.

O Estado é movido por almas trabalhadoras, mas o espírito reinante é esse. E aí quero ver o consumidor cidadão na hora de reclamar do burocrata do governo que presta o serviço de banda larga! Quem já foi ao Procon ou usou o Judiciário para acabar com as filas nos postos de saúde e hospitais públicos? Quem tem a pachorra de processar o Estado por conta de uma correspondência que os Correios largaram em um canto e foi de um lugar para lugar nenhum?!

Uma coisa é o Estado, em nome de uma ideologia, arvorar-se a fazer o que, comprovadamente, não fará bem feito. Outra é adotar um mix de estímulos (persuasivos, indutivos e punitivos) que leve o setor privado a fazer o necessário.

A demanda por infraestrutura num país que precisa crescer ao ritmo de 8% não vai ser atendida com base em uma política de sinais trocados. Que o Estado cumpra o papel de regulador sério, mas não tenha dúvida sobre o óbvio: quanto mais investimento privado e maior for a transparência da contratação, maior será a rapidez da construção e a eficiência do serviço construído e prestado. Antes de saber quanto vai ganhar, o investidor quer regras claras para saber como. E, quanto mais estável é a regra, para que ganhe no longo prazo e com segurança, menos ganho de curto prazo exige.

O caso dos aeroportos é igualmente exemplar para esse debate. O governo Lula vem, literalmente, enrolando sobre o assunto. E, nesse caso, com a ativa participação da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Abre o capital da Infraero, estatiza a Infraero, deixa a Infraero com os grandes aeroportos ou deixa a Infraero só com os pequenos (porque as empresas privadas só querem o filé!). Junta filé e osso e cria um pacote de concessões.

Esse foi o pano de fundo dos oito anos de Lula, pura inanição à porta das necessidades impostas pelo crescimento, havendo ou não Copa do Mundo e Olimpíada.

Por trás desse debate reina, mais uma vez, a tática a adotar para contribuir com a estratégia estatista. Uma desnecessidade. Se a Infraero, depois de uma avaliação objetiva, tem contribuição estratégica a dar numa parceria com o setor privado, que se adote o modelo. Se a Infraero mais atrapalha do que ajuda, que se estude o destino a dar à estatal. O que não pode é perder tempo com o debate sobre o futuro da Infraero, quando o debate deve ser sobre o que fazer para ter uma infraestrutura aeroportuária à altura do crescimento do País. O investidor convive mal com esse zigue-zague.

JORNALISTA, É CHEFE DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA DO "ESTADO"

DENIS LERRER ROSENFIELD

Pornografia política
Denis Lerrer Rosenfield 
O Estado de S.Paulo - 03/1/11


A composição do novo governo deu mostras de sexo explícito, com os diferentes partidos da base aliada numa disputa desenfreada por cargos políticos. Nenhum pudor ou vergonha presidiu a ação desses partidos, como se tal busca desenfreada pelo poder não se devesse mascarar. O "prazer" que cada um almeja se mostrou da forma mais crua, mais nua, não se fazendo necessária uma "mise-en-scène", uma encenação. Formas simbólicas de encenação da política, como apresentação de programas, justificativas do que é pretendido fazer com as novas posições de poder e ideias orientadoras da ação nem se fizeram presentes. Foi o deserto da sedução.

A pornografia distingue-se do erotismo. Ela se caracteriza pela crueza, pela apropriação do corpo do outro, pela ausência de qualquer encenação. Desaparecem quaisquer formas de simbolismo, de aproximação gradativa, de sedução. Os corpos já aparecem nus, em ato. Não há propriamente jogo, salvo o jogo da submissão, da busca imediata do prazer, do objetivo a ser alcançado. Ninguém aparenta algo diferente do que é, assim, apresentado. A política brasileira torna-se, nessa perspectiva, cada vez mais "pornográfica", pois os partidos partem imediatamente para a satisfação dos seus desejos mais imediatos, particulares, procurando mostrar que o poder é somente um instrumento de sua satisfação.

Noções como bem coletivo, validade de ações numa ótica universal e ideias do que seria feito com o poder conquistado são simplesmente descartadas. Cada partido apresenta suas posições de "força", número de deputados, senadores e governadores, como se aí apenas se justificasse a sua ação. Alguns, de forma mais elaborada, poderiam dizer que se trata da própria natureza do "presidencialismo" brasileiro. Este necessitaria desse tipo de aliança, de coalizão, como se outras formas de negociação não fossem possíveis, como, por exemplo, acertos com as oposições em torno de alguns projetos e ideias essenciais para a Nação, independentes de qualquer componente partidário. Ideias de interesse nacional são, por definição, suprapartidárias. Em vez disso, temos a "orgia" das alianças em torno do poder.

O erotismo, por sua vez, encena a aproximação com o outro, joga com formas simbólicas, os corpos não aparecendo nus. Há todo um processo de "despir-se", de acariciar-se, de encenações que devem ser feitas, podendo estas concretizar-se ou não pela "conquista". Os dizeres, as formas de expressão das frases e as palavras utilizadas têm todo um papel essencial, porque delas depende o tipo de aproximação, reservando ao outro o papel de responder com um sim ou um não. Não há imposição. A crueza da abordagem, aqui, se traduziria por seu fracasso. O simbólico preenche uma função essencial no erotismo, sendo um componente central da ação.

Algo análogo se pode dizer da política não pornográfica. Ela se traduziria pela utilização de formas simbólicas, por dizeres implícitos que esconderiam, num primeiro momento, a intenção declarada. A encenação da aproximação é aqui o principal, pois ela se faz sob a forma de discursos e ideias que comprometem os agentes. Há uma "mise-en-scène", uma encenação do coletivo, do universal, do que é o bem de todos, criando parâmetros que devem ser seguidos. A natureza da busca do poder muda, pois, embora ele permaneça o objetivo, se coloca a questão do que fazer com ele. Uma vez de posse desse instrumento, como justificar o seu uso?

Quero dizer com isso que a encenação "erótica" da luta pelo poder obriga os contendores a apresentarem ao público, no caso, os cidadãos, as ideias que dizem defender, as ideias que justificariam suas ações. Estabelecem-se, desta maneira, formas de cobrança pública, obrigando os parceiros a prestar contas de suas ações. Se isso não ocorre, vale somente a conquista crua e a distribuição de privilégios e favores aos que galgaram essas posições. Os que não participam da pornografia política estão fora. Os "vitoriosos" vão usufruir o poder exclusivamente para si.

Velhas oligarquias alternam-se com as novas. O jeito lulista de governar terminou produzindo uma afinidade entre oligarquias alicerçadas na tradição patrimonialista e clientelística brasileira e oligarquias "modernas", disputando entre si espaço num governo de "unidade", capaz de preservar os interesses de ambas. "Peemedebistas" maranhenses tornam-se companheiros de "socialistas" cearenses, cada qual apresentando suas "demandas" por favores e privilégios. O aparentemente novo nada mais é do que a reapresentação de uma velha forma de fazer política.

O PMDB tem sido apresentado como o partido com maior "voracidade", uma amostra da "pornografia política" vigente entre nós. Um olhar mais detalhado talvez nos permitisse colocar uma outra questão. Em que esse partido se distingue dos demais? Os escândalos dos últimos anos, os mensalões, os sanguessugas, as cuecas e os aloprados não foram "peemedebistas", atingindo o PT e outros partidos. A própria palavra mensalão começa também a ser utilizada para caracterizar escândalos de partidos oposicionistas. Ou seja, a "voracidade" tem uma conotação pluripartidária, um nome que serve para distintas agremiações, da situação e da oposição, pondo em cena uma forma de fazer política carente de valores e ideias, carente de qualquer compromisso com o bem coletivo.

É bem verdade que o PMDB fez, particularmente, por merecer. O episódio de nomeação do deputado Pedro Novais, do Maranhão, para o Ministério do Turismo veio acompanhado da descoberta de que verbas de representação, exclusivas da atividade parlamentar, foram utilizadas para gastos num motel. Sua atividade "parlamentar" terminou por produzir indignação pública, porém uma reflexão mais aguçada mostra que sua orgia - vários casais teriam sido convidados para a festividade - se enquadra perfeitamente ao quadro geral da pornografia política. Na verdade, ela faz sentido.

PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.

FERNANDO RODRIGUES

"Gravitas"
FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SÃO PAULO -03/01/11
BRASÍLIA - Nas cerimônias da posse de Dilma Rousseff, no sábado, muitos observaram a abordagem menos emocional dos discursos da nova ocupante do Palácio do Planalto em comparação ao seu antecessor. Seria assim com qualquer político na fase pós-Lula.
O agora ex-presidente comportou-se como uma estrela pop durante a maior parte de seus mandatos. Sua origem humilde, a pouca educação formal e o fato de ser o primeiro operário a ter ocupado o Planalto o investiam de uma certa licença para transgredir protocolos. Petistas e áulicos em geral passaram a enxergar como normais as incivilidades de Lula. Críticas, mesmo as mais leves, eram interpretadas como preconceito.
Esse campo de força em torno do petista impediu maiores repercussões quando num evento recente ele sugeriu que um repórter fosse se tratar ("quem sabe fazer uma psicanálise"). Esse foi apenas um exemplo das muitas grosserias indesculpáveis de Lula. Para matizar a impropriedade dessas atitudes basta trocar as personagens. Imagine o leitor qual seria o impacto se Barack Obama nos EUA sugerisse em uma entrevista que um jornalista procurasse um médico. Teria de passar pelo constrangimento de se desculpar em público.
Desde a sua eleição e até a posse, no sábado, Dilma seguiu de forma estrita o ritual traçado. Não produziu ações fora do estabelecido pela liturgia do cargo. Parece pretender conferir à função mais "gravitas", no sentido latim do termo -mais dignidade, serenidade e nobreza.
É positiva essa mudança de paradigma. A função de presidente da República requer do seu ocupante não só a capacidade de se comunicar com as massas como se o Planalto fosse um programa de auditório eterno. Um pouco de temperança fará bem ao país e à política.




Depois do ano eleitoral, uma folga de três semanas. Feliz 2011 ao leitor e até a volta no fim de janeiro.

O VAGABUNDO

CLÁUDIO HUMBERTO


Diretor teria usado 'parentesco' com Dilma
Dilma Rousseff já descobriu que bom político precisa ser mau parente: ela pode se ver obrigada a afastar o superintendente da Infraero no Rio de Janeiro, Willer Larry Furtado. Funcionários da estatal o acusam de proclamar ser casado com uma prima da presidente e de usar esse suposto parentesco para atormentá-los com uma "lista de demissões". Procurado por meio de sua assessoria, Furtado não se pronunciou.


Avestruzes

A assessoria da Infraero nacional, com sintomas de quem está à beira de um ataque de nervos, também se recusou a comentar a denúncia.


Novos tempos

O DEM e o PT tendem a marchar juntos na eleição para prefeito de Dourados (MS). O ex-vice-governador Murilo Zauith terá vice petista.


Prefeito

Após disputar o Senado pelo PSDB, o deputado Gustavo Fruet deve ser candidato à prefeitura de Curitiba, em 2012.


Guerra petista

A briga no PT de Recife já começou: candidato à reeleição em 2012, o prefeito João da Costa disputará prévias com o antecessor João Paulo.


Não estável

Servidoras em licença maternidade, ocupantes de cargos de confiança ou "em comissão", nomeadas para os governos que acabaram no dia 31, não têm direito a "estabilidade". O tema é objeto de Direito Público e não de Direito Trabalhista, conforme um especialista, o advogado Marcos Kaufmann, de Brasília. No setor público, há servidores e não "empregados", cujas relações de trabalho são orientadas pela CLT.

Estertores

Derradeiro sinal da influência da ex-ministra Erenice Guerra nos Correios - exercida por meio do diretor de Operações, Fábio Vieira Cesar - é o lançamento de edital de megalicitação para contratar uma nova empresa aérea para a rede postal noturna.


Liberalidade

Alguns governantes adotam a decisão política de manter nos cargos as servidoras sob licença maternidade, mas não são obrigados a isso.


Garantias

Um juiz do Acre, Alysson Fontenele, decidiu no caso de servidora grávida que "garantias sociais se sobrepõem à vontade do empregador".


Boquinha

Geraldo Alckmin arrumou boquinha para o ex-candidato ao governo do Acre, Tião Bocalom. Cuidará das relações com os tucanos, país afora.

Acabadaço

O ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) andou muito abatido, às vésperas da posse. Até parecia infeliz com o convite da presidente Dilma, após mais uma derrota eleitoral em São Paulo.


Nepotismo cruzado

O governador do Piauí, Wilson Martins, indicou o irmão Rubem para a presidência da Codevasf. O ministro Fernando Coelho (Integração) não gostou. Disse que consultaria a presidente Dilma sobre a nomeação.


Perguntinha

Será que Dilma reservou lugar na janelinha para Lula no seu novo avião "Banana Republic"?

PODER SEM PUDOR

O síndico mirim
O deputado ACM Neto (DEM-BA) mostrou desde cedo que herdou o jeito ACM de se impor. Nos anos 80, o alto clero carlista (Antonio Imbassahy, atual prefeito, o ex-senador ACM Jr etc) morava no Condomínio Bosque Suíço, em Salvador. Mal saído das fraldas, aos dez anos, Neto quis ser síndico do condomínio, alegando, claro, que era o "neto do homem". Foi impedido pela convenção do condomínio, mas criou a figura do "síndico mirim", à revelia dos moradores. Tinha até verba mensal. Foi o primeiro e único a ocupar o cargo.

SEGUNDA NOS JORNAIS

Globo: 'Ação no Alemão é modelo para todo o pais', diz novo ministro

Folha: Dilma decide privatizar ampliação de aeroportos

Estadão: Dilma enfrenta crise entre PT e PMDB pelo segundo escalão

JB: Dilma se une a Cuba contra a cólera no Haiti

Correio: Dilma quer pacto contra o crime

Valor: Planos de saída no Bolsa Família

Estado de Minas: Como garantir seu emprego em 2011

Jornal do Commercio: Desafio de Dilma é cortar despesas

Zero Hora: Dilma vai cobrar metas de ministros