sábado, agosto 13, 2011

PAUL KRUGMAN - A crise sequestrada

A crise sequestrada
PAUL KRUGMAN
O ESTADÃO - 13/08/11
Durante um ano e meio tivemos um debate dominado por questões orçamentárias, enquanto o desemprego foi quase ignorado

Por acaso a turbulência no mercado o assustou? Pois devia ter assustado. Evidentemente, a crise econômica que começou em 2008 ainda não terminou. Mas há uma outra emoção que você devia sentir: raiva. Porque o que estamos vendo agora é o que ocorre quando pessoas influentes exploram uma crise em vez de tentar resolvê-la.

Durante mais de um ano e meio - desde que o presidente Barack Obama optou por criar déficits, não empregos, o foco central do discurso sobre o Estado da União de 2010 - tivemos um debate público dominado por preocupações orçamentárias, e quase ignorando o desemprego. A necessidade supostamente urgente de reduzir déficits dominou de tal forma o discurso que, na segunda-feira, no meio de um pânico do mercado, Obama dedicou a maior parte de suas observações ao déficit e não ao claro e presente perigo de uma recessão renovada.

Isso foi particularmente bizarro porque os mercados estavam sinalizando, tão claramente quanto se poderia pedir, que nosso maior problema é o desemprego e não o déficit.

O que o mercado estava dizendo - quase gritando - era: "Não estamos preocupados com o déficit! Estamos preocupados com a economia fraca!" Isso porque uma economia fraca significa tanto taxas de juros baixas como uma falta de oportunidades de negócios que, por sua vez, significa que os bônus do governo se tornam um investimento atraente mesmo com uma rentabilidade muito baixa.

Como foi que o discurso de Washington veio a ser dominado pela questão errada? Os republicanos linha-dura seguramente fizeram um papel. Embora eles não pareçam realmente se importar com déficits - tente sugerir qualquer aumento de impostos para ricos - eles descobriram que falar incessantemente sobre déficits é uma maneira útil de atacar programas do governo.

Mas nosso discurso não precisaria ter saído tanto dos trilhos se outras pessoas influentes não tivessem se mostrado ansiosas para desviar o assunto dos empregos, mesmo ante 9% de desemprego, e sequestrar a crise em favor de suas agendas pré-existentes.

O fato é que agora a economia precisa de uma solução de curto prazo. Quando se está sangrando profusamente por uma ferida aberta, queremos um médico que suture essa ferida, não um médico que faça uma preleção sobre a importância de manter um estilo de vida saudável enquanto envelhecemos. Quando milhões de trabalhadores capazes e interessados estão desempregados, e um potencial econômico está indo para o lixo numa base de quase US$ 1 trilhão por ano, queremos autoridades que trabalhem numa recuperação rápida, não pessoas que façam preleções sobre a necessidade de sustentabilidade fiscal no longo prazo.

Infelizmente, fazer preleções sobre a sustentabilidade fiscal no longo prazo é o passatempo da moda em Washington; é o que pessoas que querem parecer sérias fazem para demonstrara a sua seriedade.

O que envolveria uma verdadeira resposta a nossos problemas? Primeiro de tudo, envolveria mais, e não menos, gastos do governo neste momento - com desemprego em massa e custos de empréstimos incrivelmente baixos, deveríamos estar reconstruindo nossas escolas, nossas estradas, e outros. Isso envolveria medidas agressivas para reduzir a dívida imobiliária via o perdão ou o refinanciamento hipotecário. E envolveria um esforço completo do banco central americano (Federal Reserve) para colocar a economia em movimento, com o objetivo deliberado de gerar uma inflação mais alta para ajudar a aliviar os problemas da dívida.

Os suspeitos habituais seguramente denunciarão essas ideias como irresponsáveis. Mas vocês querem saber o que é realmente irresponsável? É sequestrar o debate sobre uma crise para empurrar as mesmas coisas que se estavam defendendo antes da crise, e deixar a economia sangrar. /TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Paul Krugman:PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA

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