segunda-feira, junho 20, 2011

RICARDO NOBLAT - FH em oito retratos


FH em oito retratos
RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 10/06/11

1. Sozinho em uma estação de trem da Europa, tendo deixado a Presidência da República há poucos meses, Fernando Henrique Cardoso notou que uma mulher, a alguns metros de distância, não tirava os olhos dele. Retribuiu o interesse.
A mulher, uma brasileira, finalmente se aproximou e disse: “Sei quem é você. Sei, sim. Você é um artista da Globo”.

2. FH era o líder do PMDB no Senado. E a “Veja” tinha um acordo com ele: às quintasfeiras, despachava um repórter para ouvi-lo em “off” sobre os temas mais candentes da semana. A jornalista Cecília Pires cumpriu esse papel em 1985. Mas quando voltou a procurá-lo em fevereiro do ano seguinte trocara a “Veja” pelo “Jornal do Brasil.” O que disse FH foi manchete de capa do jornal. Chamou Sarney de fraco e de incompetente. E conclamou o povo a exigir a redução do mandato de Sarney. Uma semana depois, o governo lançou o Plano Cruzado, que congelou preços e salários. Sarney virou um semideus. E pôs FH na geladeira. O cruzado não durou um ano. E logo FH voltou a espicaçar Sarney. A um repórter que lhe perguntou como via a crise, respondeu: “Viajou”. Sarney estava viajando.

3. Convidado em 1992 pelo presidente Itamar Franco para ministro das Relações Exteriores, FH deslumbrouse com o cargo. Amava viajar e ser paparicado. Um dia, sua assessora de imprensa, a devotada Ana Tavares, adver tiu-o: “Você tem que cuidar de São Paulo,
receber vereadores, desse jeito não se elegerá sequer deputado”. Dois anos depois, FH se elegeu presidente graças à força da nova moeda — o real. “Presidência da República não é meta, é destino”, lembrou-lhe mais de uma vez o senador Antônio Carlos Magalhães (BA).

4. Um dos primeiros compromissos da campanha presidencial de 1994 obrigou FH a falar para uma plateia de agricultores e políticos do PSDB de Juazeiro do Norte, Ceará. Contou que se opusera à ditadura militar de 64, fora preso, e que, por isso, perdera a cátedra.
Na hora dos cumprimentos, ouviu de um homem de voz grave, dono de um forte aperto de mão: “ Esse negócio de cátedra... Não se preocupe. Você é homem! É macho! Todo mundo sabe. E foi por uma boa causa.”

5. No fim do seu primeiro mandato como presidente, FH não aguentava mais ouvir José Serra criticar Gustavo Franco, diretor do Banco
Central, do qual divergia por causa da política de câmbio. Um dia deu a entender a Serra que demitiria Franco. Demitiu o outro Gustavo, Loyola, presidente do banco. E nomeou Franco para o lugar dele. “ Eu era refém de Gustavo Franco, Se o tirasse de lá, precipitaria a desvalorização do real”, justificou-se FH. Alfinetou Serra: “Se eu fosse mulher e Serra me cantasse, eu daria logo para ele. Do contrário, minha vida viraria um inferno.”

6. Na noite em que se elegeu presidente pela segunda vez, FH jantou no Palácio do Alvorada na companhia de amigos. E vaticinou à sobremesa: “Meu sucessor vai sair da esquerda. Será Covas ou Lula. Covas está doente. Em breve, chamarei Lula para uma conversa.” Mário Covas (PSDB) era governador de São Paulo. Sofria de câncer. Morreu em 2001.

7. A campanha presidencial de 2002 estava pelo meio quando FH convidou Lula para uma conversa reservada . “ O que você acha? ” , perguntou Lula. “Acho que você vai ganhar. Mas precisa fazer um gesto para acalmar o mercado financeiro e o capital internacional”, respondeu FH. Pouco tempo depois, Lula divulgou a Carta aos Bras i l e i ro s o n d e p ro m e t i a manter a política econômica de FH. Em telefonemas para os presidentes dos Estados Unidos, Bill Clinton, do FMI e do Banco Mundial, FH avalizou a
promessa de Lula.

8. Antes de passar a faixa presidencial para Lula, FH admitiu que só haveria uma hipótese de, no futuro, ser candidato a um terceiro mandato: se o país fosse atingido por uma grande crise. Disputaria a Presidência para implantar o regime parlame ntarista de governo. Não queria ser primeiro-ministro, mas Chefe de Estado.

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