quarta-feira, janeiro 26, 2011

MÍRIAM LEITÃO

Por dentro do déficit
Míriam Leitão
O GLOBO - 26/01/11

O Brasil fechou 2010 com um déficit em transações correntes que, em valor, é recorde, mas que poderia ser até pior. O superávit comercial reduziu o déficit, porque ficou acima do esperado, em US$20 bilhões. Olhando por dentro, no comércio brasileiro há muitas surpresas. Uma delas: o saldo comercial de uma única empresa, a Vale, foi de US$23 bilhões, maior do que o do Brasil.

Antigamente, qualquer déficit na conta corrente levava, depois de alguns anos, a uma crise cambial. Desta vez, o Brasil tem reservas enormes, uma dívida externa pequena, e a situação é bem diferente. Mas o país depende demais de alguns produtos e a alta das exportações aconteceu muito mais pelo aumento dos preços do que pelo volume exportado.

O país exportou US$201 bilhões em 2010. Em valor, foi um crescimento de 31%. Mas em volume, a alta foi de 14,2%. A exportação de açúcar subiu 50%, de US$8,6 bilhões para US$13 bilhões. Mas os preços foram negociados com alta de 31% e o volume cresceu 15%. A venda externa de carne teve alta de 15%, mas os preços subiram 13,9% e o volume, apenas 1,66%.

Nos principais produtos da pauta brasileira, o valor subiu mais que o volume. No minério de ferro, que sozinho representou 16,35% de nossas exportações, os preços subiram 75%, em média, enquanto o volume cresceu 18,16%.

O Brasil depende muito das matérias-primas e elas dependem da China. Do que a Vale produz, 87% são exportados, e desse total, 45% vão para a China. E o salto dos últimos anos foi dado basicamente pela elevação dos preços puxados pelos chineses. Nossas exportações ainda se concentram em matérias-primas para os países mais ricos e bens de capital para os latino-americanos. Da pauta de exportações, apenas 10% foram de bens de capital, e dos US$19,7 bilhões exportados nessa categoria, 46,8% foram para a América Latina. A China sozinha comprou US$30 bilhões de produtos brasileiros (13,72% do total), principalmente minério de ferro, petróleo e derivados, e soja.

O peso do minério de ferro fica mais evidente quando se olha para os resultados da Vale, que foi a empresa que mais exportou em 2010, à frente da Petrobras.

O diretor-executivo de finanças e RI da Vale, Guilherme Cavalcanti, diz que as exportações de matéria-prima são importantes para o financiamento do déficit em conta corrente, até para cobrir o rombo da necessidade de importação de máquinas e equipamentos.

- A Vale importa pouco e exporta muito. Então nosso superávit é importante para o país. A indústria brasileira precisa de tempo para aumentar a competitividade, com importação de bens de capital. O pré-sal também terá um período de forte importação de equipamentos até conseguir exportar. Então, o superávit que o minério de ferro está promovendo dará fôlego a esse processo. Não fosse o minério, teríamos déficit na balança comercial e um déficit em conta corrente maior. Não podemos desprezar a exportação de matéria-prima, mas também não podemos esquecer de investir numa indústria forte. Para que esse processo aconteça, o superávit do minério de ferro é fundamental - disse Cavalcanti.

O problema é que quando o país depende muito do preço em alta dos seus produtos fica mais vulnerável. Qualquer crise, o preço despenca. Vejam no gráfico abaixo.

Cláudio Alves, diretor de estratégia da Vale, acha que a demanda asiática por minério continuará forte nos próximos anos, com o crescimento de outros países, como Vietnã, Camboja e Indonésia:

- Todo o sudeste asiático tem um potencial de consumo muito forte nesta década. Países como Vietnã, Indonésia, Camboja estão começando um processo de industrialização que vai consumir muito minério de ferro. Além disso, eles também investem em infraestrutura, vão passar pelo mesmo processo que hoje vive a China. Estamos falando de países com população somada de mais de 500 milhões de pessoas. Nossa maior preocupação não é a queda de preços, mas sim conseguir aumentar a produção para atender essa demanda - explicou.

O déficit em transações correntes dobrou de um ano para o outro, em valor, e saiu de 1,5% do PIB para 2,3%. Para 2011, o Banco Central está prevendo outro aumento do déficit, dos atuais US$47,5 bilhões para US$64 bilhões. No mercado financeiro, a convicção é que o déficit pode ser maior.

O risco aumenta porque o crescimento econômico fará crescer as importações. A própria Vale foi obrigada a encomendar 23 navios de estaleiros chineses e coreanos para conseguir aumentar sua carga exportada. Isso porque a indústria naval do país já está no limite de produção.

O déficit, para ser financiado, precisa de mais investimento externo e preços altos de matéria-prima. Não há crise à vista, mas é melhor monitorar os dados, porque o Brasil é gato escaldado.

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