segunda-feira, dezembro 13, 2010

REVISTA VEJA - O ataque da máfia do rojão

O ataque da máfia do rojão
Revista Veja 

Nada de hospitais, escolas ou estradas. Os parlamentares estão destinando verbas milionárias do Orçamento para a realização de festas promovidas pelo Ministério do Turismo. Por que será?


Todo fim de ano. prefeitos e entidades não governamentais promovem uma romaria aos gabinetes dos depurados e senadores de olho na cora do Orçamento a que cada parlamentar tem direito para enviar à sua base eleitoral - para construir uma ponte, comprar um ônibus escolar ou ampliar um hospital. É por meio dessa interação - secular e que remonta, inclusive, à ideia de criação dos parlamentos - que suas excelências têm a oportunidade de aperfeiçoar a aplicação dos recursos públicos, direcionando-os para atender às necessidades mais urgentes da população. O problema é quando esse nobre poder se une à moral torta de alguns e à negligência do estado. O resultado é sempre o mesmo: fraudes, desvios e, claro, escândalos. Foi assim em 1993, quando surgiram os anões do Orçamento – deputados que mandavam dinheiro para amigos e familiares.

Foi assim em 2006, quando foi revelada a atuação dos parlamentares sanguessugas - uma turma que recebia propina por emenda apresentada para a compra de ambulâncias. Infelizmente, continua sendo assim em 2010. Com o apoio dos parlamentares. descobriu-se que existe uma nova máfia atuando no governo, especialmente no Ministério do Turismo.

Há três semanas, VEJA revelou a história. de um instituto que, de um lado, recebia verbas de emendas parlamentares do senador Gim Argello (PTBDF) e. de outro. repassava dinheiro para uma rádio do filho do parlamentar. Nas mãos de Argello estava a poderosa relatoria do Orçamento de 2011,

o primeiro do governo DUma Rousseff. Caberia a ele definir e submeter a seus pares do Congresso o projeto de lei que diz on­de e como o Poder Executivo deve aplicar nosso dinheiro no ano que está prestes a começar. Na última terça­feira, Argello se viu obrigado a deixar o posto de relatar-geral do Orçamento após surgirem outras evidências sobre a inidoneidade das entidades para as quais ele enviou dinheiro de emendas: institutos-fantasma, que repassavam o dinheiro para uma empresa de fachada registrada em nome de laranjas. O di­nheiro, obviamente, sumia. O caso de Argello não é isolado. É a ponta de mais um mecanismo grandioso de des­vio de verbas públicas.
A prática de destinar emendas pa­ra entidades privadas (oficialmente, elas são registradas como institutos sem fins lucrativos) realizarem festas pelo país afora se transformou numa febre entre os parlamentares, espe­cialmente a partir de 2008. Nos últi­mos tempos, parte significativa da verba que senadores e deputados têm direito a encaminhar por meio das chamadas emendas individuais ao Or­çamento da União começou a ser des­tinada ao Ministério do Turismo. A onda teve início após os parlamenta­res descobrirem ser esse um caminho praticamente livre de fiscalização. A engrenagem funciona assim: a partir do momento em que a emenda é apro­vada, o que cabe ao próprio Congres­so, o dinheiro é alocado no Turismo. Depois, o parlamentar se encarrega de indicar ao ministério a festa e, inclusi­ve, a entidade que deve receber a ver­ba para executá-Ia. A liberação do re­curso é rápida, sem burocracia. Entre outros motivos, porque não é necessá­ria. uma aprovação prévia do projeto pela Caixa Econômica Federal, como nos easos de emendas para obras de infraes trutura.
Além da celeridade, não há fiscali­zação sobre eventos turísticos. E, quando ela ocorre, esbarra em crité­rios subjetivos. O poder público é ca­paz de definir uma tabela média de preços para tijolos e cimento, mas não rem como fixar o cachê de um cantor ou o custo da festa da uva num deter­minado município. "Obra é investigável, festa não. Por isso, os eventos são facilitadores dos desvios", diz um consultor de Orçamento do Congres­so. Esse terreno fértil abriu caminho para o surgimento de dezenas de institutos de fachada que já nasceram espe­cializados no novo "negócio". E trans­formou o Ministério do Turismo na "namoradinha" dos parlamentares, co­mo eles próprios gostam de repetir. Ao votarem o projeto de Orçamento para 2009, por exemplo. deputados e sena­dores reduziram em 1 bilhão de reais a cifra destinada à educação. Mas am­pliaram de 553,7 milhões de reais para 3 bilhões de reais o caixa à disposição do Turismo. Para 2010, o salm foi de 857,15 milhões de reais para 4,13 bi­lhões de reais. No caso do Orçamento da União de 2011, que está em trami­tação, 383 dos 594 parlamentares apresentaram emendas individuais pa­ra festas e shows. Jumas, elas somam 763 milhões de reais.

O deputado Charles Lucena (PTB­PE), por exemplo, assumiu uma ca­deira no Congresso em abril de 2009. Para o Orçamento de 2010, encami­nhou 8,6 milhões de reais em emendas para as tais festas. dos 12,5 mi­lhões a que tinha direito. Médico por formação, o parlamentar explica o ze­lo com os eventos culturais: "Se eu pudesse, colocaria 100% para o turismo, mas a saúde também é importan­te". Lucena teve sua candidatura às eleições deste ano impugnada por abuso de poder econômico. Como no caso do deputado pernambucano, o turismo se transformou em prioridade número um para muitos. O notório Gim Argello destinou 3, I milhões de reais nos últimos dois anos para even­tos. Desse valor, 2,1 milhões de reais foram parar nas contas de três entida­des de fachada cujos responsáveis, invariavelmente, são laranjas escolhi­dos para esconder os verdadeiros do­nos do negócio. Uma delas, a Recriar. tem como responsável uma velha co­nhecida da polícia, Idalby Cristine Ramos, investigada em casos de lava­gem de dinheiro. Foi o Instituto Re­criar que, logo após receber dinheiro das emendas de Argello, transferiu 550000 reais à Rádio ativa FM, cujo dono é o filho mais velho do senador. Jorge Afonso Argello Junior. O dinheiro tinha como origem o Ministério do Turismo.

Só em 2009 e 2010, quatro das entidades controladas pela patota da famosa Idalby receberam 18,6 milhões em emendas parlamentares alocadas para festas do Ministério do Turismo. VEJA consultou prestações de conta de convênios firmados pelo instituto com o governo federal com dinheiro das emendas parlamentares. Embora seja Idalby a encarregada de cuidar de toda a burocracia dos convênios. quem assina os papéis como presidente do instituto é a cabeleireira Ana Paula Quevedo, 22 anos. As prestações de conta revelam que as entidades apresentam notas frias para justificar despesas, o que sugere que o dinheiro foi desviado. As irregularidades no Turismo, aliás, já eram conhecidas pelo governo havia algum tempo. Em 2008, o ministro do Planejamento. Paulo Bernardo. foi alertado para o fato de que o deputado Marcos Antônio, conhecido como "Negão Abençoado", destinara 1 milhão de reais para ma festa em Quipapá, em Pernambuco. O ministro enxergou ali uma evidência de que o dinheiro poderia estar escorrendo para bolsos privados. A Controladoria-Geral da União também já havia descoberto que alguns institutos que recebiam verba para organizar as festas pertenciam, em muitos casos, a pessoas ou grupos ligados aos parlamentares. O dinheiroduto, porém. continuou aberto até a semana passada.
"Emendas para festas e shows não fazem sentido. Recurso público é para melhorar as condições de vida da população como um todo, e não para satisfazer um grupo de ONOs e empresários", diz a senadora petista Serys Slhe sarenko. Ela assumirá a reI ato ri a do Orçamento no lugar de Gim Argello. e já terá um problemão pela frente. O deputado Jilmar Tarro, seu companheiro de partido, destinou I milhão de reais para uma entidade de Brasília, cuja presidente é Liane Muhlenberg. E quem é Liane Muhlenberg? Assessora da própria Serys Slhessarenko. A senadora disse que pretende demitir a funcionária. Parece mesmo coisa de máfia.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

Elogio da inexistência
Roberto Pompeu de Toledo
Revista Veja 
Com o exército perfilado sob as muralhas de Paris, Carlos Magno passava em revista seus paladinos. O imperador parava o cava­lo diante de cada um e pedia que se identifi­casse. "Sou Salomon da Bretanha, sire", dizia um, levantando a viseira da armadura. "Ulivieri de Viena". dizia outro, repetindo o gesto. "Ber­nardo de Montpellier:" "Alardo de Dordona." "Na­mo da Baviera." Enfim, Carlos Magno aproximou­se de um cavaleiro de armadura toda branca, mui­to bem conservada. "Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildivemi e dos Altri de Corbenu"az e Sura", anunciou-se o cavaleiro. O imperador estranhou. O cavaleiro não levantara a viseira. Perguntou:
"Por que não mostra o rosto?". Nenhuma respos­ta. Carlos Magno insistiu: "Por que não mostra o rosto para o seu rei?". Saiu então uma voz da ar­madura: "Porque não existo, senhor".
Assim começa o romance O Cavaleiro lnexistente do italiano Italo Calvino. Agilulfo não men­tia. Triste e inapelavelmente, não existia. O imperador  pôde comprová-lo o ao enfiar o rosto viseira adentro e verificar que reinava ali o mais completo vazio. Quem julgou que a história de Agilulfo tenha sido evocada a propósito da presidente eleita Dilma Rousseff acertou. Nunca se viu neste país um(a) presidente eleito(a) tão sumido(a). Presidentes elei­tos costumam ser filmados, fotografados, persegui­dos e festejados à exaustão. Muitos viajam para o exterior, entre a eleição e a posse, e a viagem é uma sucessão de históricos encontros, poses em paisa­gens de cartão-postal, entrevistas com perguntas em vários idiomas. Já Dilma ... Refugiou-se no es­conderijo apelidado de Granja do Tono e de lá sai para raras e pontuais cerimônias em que entra mu­da e sai calada. Quando  surge o anúncio de nomea­ção de algum ministro, não é ela, mas interposta pessoa quem o faz. Na trilha do cavaleiro Agilulfo, ela é a presidente eleita inexistente.
Quem julgou, no entanto, que se evocou o ca­valeiro de Calvino para diminuir a presidente eleita do Brasil enganou-se. Qu poderia Dilma  fazer senão inexistir? Era o papel que dela se es­perava, neste entreato, o único possível, e aquele do qual pode vir até a tirar algum proveito. Em tese, o (a) presidente eleito(a) é o sol que se le­vanta; o (a) que sai, o que se põe. A glória e a es­perança próprias das auroras pertencem ao(à) primeiro(a). É a éle(ela) portanto que são devidas todas as homenagens. Ocorre que, neste caso par­ticular, a tese inverteu-se. Temos um presidente em fim de mandato que reclama para si a totalida­de das homenagens disponíveis. Até em cerimô­nia de entrega de troféus aos melhores jogadores do Campeonato Brasileiro de Futebol comparece, como ocorreu na semana passada. Cansa a asses­soria com pedidos de inaugurações, incha a agen­da de cerimônias destinadas a aclamá-lo, não dá folga aos holofotes. É um pato que se recusa ter­minantemente a mancar.
Nesta circunstância, quem tem juízo que se acautele. Como desafiar um sol que, em aberto desafio às leis da astronomia, não aceita se pôr? Como celebrar o próprio triunfo se o outro não se cansa de lembrar (e com razão, embora o bom­senso e as boas maneiras recomendassem que não fosse tão efusivo a respeito) que o triunfo foi de­le? O esconderijo é a resposta mais adequada à ocasião. A arte da inexistência, o exercí­cio mais, recomendável. Acresce que Dilma é uma obra por fazer. Faltam-lhe o currículo e a biografia com que os pre­sidentes eleitos costumam chegar a essa posição. No livro de Calvino, Carlos Magno pergunta a Agilulfo como pode servir-lhe, sendo inexistente. "Com força de vontade e fé em nossa santa causa". respon­de o cavaleiro. É nesse exemplo que a presidente eleita deve espelhar-se, se um dia aspira a atingir a existência.
Outro livro, O Púcaro Bulgaro, do humoris ta brasileiro Campos de Carvalho, desenvolve-se I em tomo da dúvida sobre a existência de um país . chamado Bulgária. Um dos personagens ensina:
"O que se convencionou chamar a Bulgária é so­bretudo um estado de espírito. Como Deus, por exemplo". Outro argumenta que "o preconceito milenar de que a Bulgária não existe e nunca exis­tiu sobre a face da terra" leva a crer que ela "só possa existir sobre a face de outra coisa". Ora, se a Bulgária não existe, segue-se que não existem os búlgaros. E se não existem os búlgaros muito menos existem, por suposto. os (as) filhos(as) de búlgaros. Dado que Dilma Rousseff é (ou seria, segundo a lógica do livro) filha de pai búlgaro, temos então que ... Chega. Tem coisa aí.

GOSTOSA

MAÍLSON DA NÓBREGA

Sem reforma tributária
Maílson da Nóbrega
Revista Veja 
Na campanha, Dilma prometeu a reforma tri­butária. Lula foi mais longe em 2002: disse que a reforma sairia em seis meses. Enviou um tímido projeto ao Congresso, mas não lutou por ele. Deixa o governo com um sistema tributário ruim, piorado pela bagunça do ICMS.
O Brasil tem um confuso, complexo e inefi­ciente sistema tributário. Nessa área, o Doing Bu­siness 2011 do Banco Mundial nos classifica na 152" posição entre 183 países. Aqui. uma empre­sa consome 2600 horas por ano para pagar tribu­tos, muito mais do que nos outros membros dos Brics: Rússia (320). Índia (258) e China (398).
Perdemos para quase todos os maiores países latino-americanos: Argentina (453), Chile (316). Colômbia (208), México (404) e Peru (380). Na classificação regional, nossa posição só é melhor que a da caótica Venezuela (178") e a da pobre Bolívia (177").
Não era assim. Em 1967, o Brasil inaugurou um dos melhores sistemas tributários. Adoramos a tributação do consumo pelo valor agregado (IVA). O método é mais eficiente do que o da cobrança em cascata, na qual impostos incidem sobre im­postos, produzindo ineficiências em cadeia.
O IVA é hoje adotado por mais de 130 países.
Nós o introduzimos antes de nações desenvolvidas como o Reino Unido, que o adotou em 1973.lnfe­lizmente, cometemos o erro de criar dois IVAs, um federal (TPI) e outro estadual (o ama! ICMS), e um tributo em cascata municipal (ISS).
Nos territórios divididos em estados ou países, o IV A precisa ser harmônico em todas as partes. Na União Europeia, esse é um de seus pomos cen­trais. Os países não podem mudar as regras a seu talante. Trocam autonomia por eficiência na tributação, evitando burocracia e custos de transação.  r
 No começo, era assim no Brasil. Os estados  não tinham autonomia para legislar sobre o lCM  (o antecessor do lCMS). Podiam conceder incentivos fiscais e estabelecer algumas regras, desc que sob a concordância de todos, mediante convenio. As alíquota eram fixadas pelo Senado federal!. A harmonização era razoável.
Ai veio a Constituição de 1988. Decidiu-s pela autonomia dos estados. descentralizando I poder de legislar sobre o lCMS. Isso não exisb em federações como as da Alemanha, Austrália  Áustria e Nova Zelândia. Lá, o governo centra cobra o TVA e o partilha com as outras unidade da federação.
O caos se instalou aos poucos. A guerra fiscal se ampliou. Estados criaram incentivos para importações por seus portos, com perversos efeitos econômicos. O Judiciário se entupiu de ações. Estados brigam contra estados. Empresas prejudicadas questionam judicialmente os incentivos para importar.
A bagunça se acelerou com a substituição tributária do lCMS. em que o tributo é arrecadado na origem da cadeia produtiva. Imaginado para pou­cos casos de comercialização pulverizada, como a de cigarros e bebidas. o método se generalizou.
A substituição tributária combate a sonegação, mas é péssima para a eficiência. Empresas pagam mais do que deveriam, pois não dá para  antecipar corretamente o valor agregado nas etapas posteriores. As pequenas e as microempresas perdem o tratamento fiscal favo­recido que a lei lhes atribuiu.
Além de provocar a bagunça, a Constituição ampliou os gastos com servidores e aposentados (ho­je mais de 70% das despesas públicas do país). Os aumentos reais do salário mínimo pioraram a situação. Computados os gastos obrigatórios com educação, saúde e juros, o total passa de 32% do PID .
. Temos dois graves problemas. Primeiro. o ta­manho da carga tributária (35% do PID), a maior de rodos os países emej"gemes (entre 20% e 25o/é do PID). Segundo, a complexidade do sistema. A solução do primeiro requer mudança na estrutura dos gastos, impossível nas próximas décadas. A do segundo exige a concordância dos governadores.
O grande nó é o ICMS. Os governadores pri­vilegiam a arrecadação e os incentivos fiscais. ainda que isso prejudique a economia do país. Se crescermos menos, a culpa não irá para eles, mas para o governo federa!.
São excessivas as expectativas sobre a refor­ma. Dilma terá feito muito se conseguir uma legis­lação única para o lCMS. inibir os exageros da substituição tributária e diminuir a burocracia.

GOSTOSA

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

Capitalismo na sala de aula?
Claudio de Moura Castro
Revista Veja 
Segundo Santo Tomás de Aquino, ,"produzir com objetivo de lucro trai os princípios da Lei Natural ( ... ), é um pecado tão grave quanto o homicídio". Ao longo dos séculos. persistem as reverberações desse sermão anticapitalista. Com sua robustez e ímpeto criativo, o sistema de mercado saiu vitorioso. Mas, na escola, a erosão dos preconceitos anda mais devagar. Convivemos com estridentes denúncias de que o mercado conspurca os objetivos sagrados do ensino. Ainda presenciamos duelos encarniçados entre "plivatistas" de vários matizes e os defensores  da iniciativa pública.
Para tirar a prova dos noves, Aldo Giuntini (UFMG) e Luciana Lima (Pitágoras) colaboraram comigo na preparação e análise dos dados do MEC, no caso, o CPC (Conceito Preliminar de Curso). Há ambiguidades e falhas nesse assumo pantanoso das medidas de qualidade. Ademais, as fórmulas usadas favorecem as instituições públicas. Mas, ainda assim, para a presente análise, os números são confiáveis. Comparamos  os cursos públicos com os privados. Como já se sabia, encontramos uma considerável superioridade nos públicos. Sua média é de 266 pomos, contra 205,216 e 227 para diferentes categorias de cursos privados. Não obstante, as duas distribuições têm uma grande sobreposiçào. A diferença está, sobretudo, na cauda direita das públicas, que é mais "gorda". ou seja. revela mais instituições melhores. Contudo, surpreende que o siSTema público seja mais heterogêneo que o privado - em termos técnicos, sua variância é maior. Comparado com o privado, há mais instituições com pontuações mais elevadas. Mas as piores escolas públicas são tão ruins quanto as piores escolas privadas.

Temos novidades nas comparações entre diferentes categorias de instituições privadas. Nesse  assumo, sobrevivem os miras da inferioridade guelas instituições movidas pelo desejo de luc Ainda piores seriam aquelas que se juntaram a bancos. para lançar as suas ações nas bolsas de v lares. Afim1a-se que as instituições com fim de I cro (37% do total) têm qualidade pior do que ouu"as, nas quais rodo o excedente precisa ser reivestido.
Afinal, o que os seus donos levam p casa poderia estar sendo usado para melhorar o e sino. Porém, os números têm vida própria. As m . grandiosas teorias têm de se render à diradura d mundo real. Os resultados mostram que as Três c lego rias de instituições privadas têm praticamente a mesma qualidade. O grupo das confessionais, c muniLárias e associações sem fins de lucro obté 215 pontos. Aguelas com fins de lucro obtêm 2 pomos. Já as de capital aberto obtêm 227 pontos.
São diferenças muito pequenas e que pode ser ignoradas ou consideradas como ruído estatístico. Esse é um resultado grande relevo. Em outras pala vras, a presença de um objetivo" de lucro não torna uma instituição melhor ou pior. A intenção de lucro não é uma explicação relevante para as consideráveis diferenças de desempenho observadas entre instituições. Quando sobrepomos as duas distribuições, vemos que a similaridade não está apenas na média. Olhando as duas curvas superpostas, há uma quase total coincidência entre as duas. Ou seja, elas não passam de farinha do mesmo saco, com média quase igual e variância também.
O caso das 23 instituições associadas a grupos que fizeram abertura de capital é algo diferente e não menos curioso. Pensaríamos que os duros compromissos com os bancos resultariam em busca excessiva de resultados a curto prazo e pouco compromisso com a qualidade. Isso não ocorre. pois as instituições que abriram capital mostram médias praticamente idênticas às das demais instituições privadas. Porém, quando superpomos as sua curva à das outras instituições privadas, fica patente que são animais distintos. As de capital aberro têm uma curva com menos variância. Ou seja. é uma curva mais "em pé" ou mais estreita Há menos instituições boas e menos ruins. Todas se parecem, ficando próximas à média. Nesse grupo, não há uma só instituição excelente nem uma só péssima. Em suma, os números se recusam a confirmar alguns mitos e crenças ideológicas. E mostraram também algumas surpresas.

PAULO MOREIRA LEITE


Clima de tensão
 Paulo Moreira Leite


Revista Época 

com Leonel Rocha, Murilo Ramos e Isabel Clemente, em Brasília, e Keila Cândido


Notícias sobre Política, Economia, Negócios e Cultura


A preocupação com a postura que Luiz Inácio Lula da Silva assumirá quando voltar a São Bernardo do Campo preocupa seriamente a equipe de Dilma Rousseff. Na campanha, criador e criatura tiveram momentos duríssimos quando José Serra chegou ao segundo turno, mas nada comparável ao que se vê na montagem do ministério Dilma. Lula tentou, por exemplo, manter Celso Amorim no Itamaraty, depois na Justiça, insistência que levou Dilma a fazer uma condenação pública à diplomacia brasileira em relação ao Irã. Lula foi bem-sucedido no esforço para manter Nelson Jobim na Defesa, mas gerou uma reação ácida no PT, para quem o ministro chega a ser desrespeitoso nas críticas que faz ao partido. Foi por isso que Dilma reabriu as discussões sobre a compra de caças para a FAB, desautorizando uma decisão que Jobim anunciara mais de uma vez. Protegido por Lula, o ministro da Educação, Fernando Haddad, pôde conservar o posto porque não se enxerga um concorrente à altura dele na base do governo. O centro do mal-estar, contudo, envolve o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Auxiliares de Dilma consideram que Lula deveria evitar críticas a um ministro que só permaneceu no cargo porque o presidente pediu por ele. Ao falar em cortes nos gastos públicos, inclusive em obras do PAC, Mantega cometeu tropeços frequentes em sua área de comunicação, mas foi um porta-voz leal às ideias da presidente eleita. Dilma está convencida de que precisará controlar bem os gastos para conseguir manter a economia em crescimento durante seu mandato. Desde a semana passada, a equipe de Dilma quer saber se Lula ajudará nesse esforço – ou se jogará pedras.
A psicologia das más companhias
Quem conhece Dilma diz que ela parece baixar a guarda com aqueles que conquistam sua confiança
Estudiosos da vida pública brasileira estão intrigados com um fato espantoso. Antes mesmo de tomar posse no Planalto, a presidente eleita, Dilma Rousseff, passou perto de dois escândalos de bom tamanho, com Erenice Guerra, amiga e sucessora na Casa Civil, e com o senador Gim Argello, companhia frequente de caminhadas em Brasília. A explicação dos mais próximos, até aqui, reside na psicologia. Eles dizem que, em função de um temperamento introvertido e de um comportamento recluso, Dilma é bastante seletiva para escolher amigos e gosta de manter certa distância em relação às pessoas. Em compensação, costuma baixar a guarda depois que elas conquistam sua confiança. Isso faria dela uma pessoa vulnerável às ações de oportunistas em busca de atalhos para os cofres do governo. A explicação pode fazer sentido numa sessão de terapia, mas, no mundo áspero da política, parece claro que Dilma precisa aumentar a vigilância sobre aqueles que se comportam como seus amigos.
Disputa de R$ 3,1 bilhões
A disputa está tão apertada que os três petistas que querem concorrer à presidência da Câmara dos Deputados – Cândido Vaccarezza, Arlindo Chinaglia e Marco Maia – pretendem chamar a bancada para resolver a diferença. Ficará na briga quem tiver mais votos. Na etapa seguinte, o vitorioso percorre o plenário em busca de apoio das outras legendas. Nessa fase, o baixo clero pode ter um peso decisivo e negociar votos em troca da liberação de R$ 3,1 bilhões em emendas do Orçamento.
Pedidos irresistíveis
Ao passar o chapéu para fechar o caixa de campanha depois que a vitória já fora anunciada, a tesouraria de Dilma Rousseff criou uma técnica imbatível de arrecadação, já que ninguém recusa favor a presidente eleito. Tucano de longa tradição, um dos maiores empresários do país assinou cheque de R$ 1 milhão.
Jobim não queria falar mal, mas...
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, tinha preparado um discurso com elogios moderados ao presidente Garrastazu Médici, patrono na formatura dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras. Omitindo-se sobre o papel de Médici na Presidência, o ministro falaria de sua formação como militar. As palavras do general Edson Pujol, comandante da escola, que saudou Médici como “presidente do milagre econômico”, levaram Jobim a abandonar o texto original e lembrar, de improviso, que o “poder militar” está subordinado à “autoridade civil democrática instituída no país”. Presente ao evento, Roberto, filho do general-presidente, abandonou a solenidade antes do final.
Texto ou imagem
Até aliados do senador eleito Aécio Neves consideram que seu ativismo dos últimos dias foi um sucesso de coreografia, mas precisa de melhorias no texto.
INSS no sobrenome
A esperteza de candidatos que procuram se ligar às autarquias que prestam serviços públicos, sugerindo que podem pagar votos com favores especiais, foi alvo de nove ações da Advocacia-Geral da União (AGU) na última campanha eleitoral. O truque mais comum era o cidadão usar a sigla INSS como sobrenome. Nem é difícil imaginar o porquê, não é mesmo? A AGU foi bem-sucedida em três ações, mas só um candidato conseguiu se eleger com esse recurso. Foi um certo Ronaldo do INSS, que conseguiu uma cadeira de deputado na Assembleia Legislativa de Alagoas.
Boa atividade
Um levantamento da Controladoria-Geral da União mostra crescimento nas punições a funcionários públicos federais acusados de corrupção. Eram 264 casos em 2003, chegaram a 404 até outubro de 2010, crescimento de 53%.
A luta por dois votos
Convencido de que tem chances de recuperar o mandato de senador pelo Amapá no plenário do Tribunal Superior Eleitoral, João Capiberipe (PSB-AP) inicia nos próximos dias uma rodada de conversas com aliados no governo federal. Ele calcula que tem dois votos certos e que só precisa de mais dois para vencer. A questão é que, do outro lado, está o senador José Sarney, que não para de demonstrar força em Brasília.
Difícil retorno
As chances de José Serra se tornar presidente do PSDB parecem miragem, mas, na semana passada, ele seguia numa campanha telefônica em busca de apoio. “Preciso de um título”, afirmava. E dizia que, após a derrota na campanha presidencial, tornou-se ex-prefeito, ex-deputado, ex-ministro e ex-senador. Os amigos acham que, para recuperar espaço, Serra precisa fazer o que nunca fez na carreira política: reconhecer os próprios erros. Problema: quase nunca Serra e o PSDB estão de acordo sobre quais foram os erros da campanha.
A liturgia da festa
Filha de Erenice Guerra, afastada da Casa Civil por tráfico de influência, a engenheira Clarice Dourado Guerra casa-se neste fim de semana. A cerimônia será um teste. Presenças de menos podem parecer falta de prestígio. Presenças demais podem denunciar falta de compostura.
Segundo escalão
Vetado para o primeiro escalão, o ex-ministro Geddel Lima, candidato do PMDB derrotado na disputa pelo governo da Bahia, concorre a uma vaga em estatal. Seu alvo é a presidência da Embratur, que cuida do turismo.

GOSTOSA

FERNANDO ABRUCIO

As duas estratégias erradas do Congresso
Fernando Abrucio
Revista Época 

O assunto do momento são as perspectivas do governo Dilma Rousseff. Evidentemente é fundamental discutir quais serão as marcas, os rumos e os desafios da nova gestão. Mas é bom lembrar que nosso futuro dependerá, em boa medida, das marcas, dos rumos e dos desafios do Congresso Nacional. Para onde vão a Câmara dos Deputados e o Senado Federal? É preciso definir que Legislativo gostaríamos de ter, entender como os congressistas agem e qual a eficácia de suas ações.
Aparentemente não há nenhum movimento para mudar o modus operandi do Congresso. E não é porque o Legislativo goze de boa reputação na sociedade ou que seu poder de fogo no sistema político tenha aumentado nos últimos anos. O que temos visto é o contrário: o crescente enfraquecimento dessa instituição e do papel de seus integrantes.
Para alterar o rumo, a discussão deve ir muito além dos nomes. O que está em jogo é a continuidade de práticas políticas. Duas delas são recorrentes e contribuem para um enfraquecimento crescente do Legislativo. A primeira é o emendismo orçamentário. Na semana passada, o relator da Comissão Mista do Orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), teve de entregar seu posto por causa de uma série de denúncias envolvendo o repasse de recursos da União a entidades fantasmas – ou que eram apenas de fachada.
Argello não foi o primeiro a cair por escândalo relacionado às emendas, e temo que não seja o último. É legítimo, do ponto de vista democrático, que deputados e senadores busquem recursos públicos para responder às demandas de suas regiões. Afinal, eleitores votam pensando em melhorar suas condições de vida. Mas o emendismo busca um reconhecimento fácil e direto do trabalho dos parlamentares, sem que sejam produzidas políticas públicas que se institucionalizem.
O que parece uma estratégia perfeita para a reeleição é, na verdade, uma grande armadilha para o próprio congressista. Em primeiro lugar, porque o índice de reeleição no Brasil é baixo se comparado a outros países democráticos. Nesse sentido, a estratégia é errática. Ela só se torna bem-sucedida caso o congressista tenha dois aliados preferenciais: financiadores de campanha e ocupantes de cargos estratégicos no governo federal.
O modelo de indicação política gera ilusão nos partidos. O cargo de ministro é cada vez mais limitado
O emendismo não é só uma forma eficiente de repassar recursos sem grande fiscalização, mas, sobretudo, uma forma de retribuir financiadores de campanha. Quadras poliesportivas ou organização de festas populares são dois bons exemplos: produzem visibilidade para o congressista e gastos que geram um ótimo rendimento para os financiadores. Mas de tempos em tempos, graças aos avanços da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU), essas fórmulas mágicas são descobertas, o que obriga o congressista a encontrar um novo modelo para viabilizar sua reeleição.
O emendismo também é sujeito a chuvas e trovoadas políticas. O mais complicado é que ele depende da capacidade do congressista de indicar pessoas para cargos executivos, os garantidores finais da prática. Eis aí a segunda armadilha que tem enfraquecido o Legislativo em relação ao Executivo.
O modelo de indicação política tem gerado uma grande ilusão nos partidos e congressistas brasileiros. Tome como base o posto maior, de ministro. O cargo é cada vez mais limitado por interferências financeiras do núcleo central do governo, por pressões dos grupos que atuam perenemente naquela política e pela fiscalização da sociedade. Um ministro, em suma, pode menos do que pensam seus mentores políticos. No fim, ele precisa responder a muitos senhores. Os ministros que duram, os bem-sucedidos, são os que preferem ficar do lado do Executivo.
O Congresso precisa encontrar um rumo melhor, não apenas do ponto de vista ético, mas também sob a ótica de sua eficiência em fortalecer a carreira de seus componentes. Isso seria ótimo para a democracia brasileira.

MARIA INÊS DOLCI

PARA EVITAR TRANSTORNOS DE FIM DE ANO
MARIA INÊS DOLCI
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/12/10


Nesta época de festas e de férias, consumidor deve ficar atento para não ter surpresas negativas


MAL ABRIMOS e fechamos os olhos e já estamos na segunda quinzena de dezembro. Aproximam-se as festas de final de ano e as férias para parcela expressiva de brasileiros.
Se você ainda não tratou disso, caro leitor, cara leitora, gostaria de lembrar de algumas cautelas que ajudam a evitar desconfortos no que deveria ser somente alegria e descanso após um ano de intenso trabalho.
Começamos 2010 com fortíssimas chuvas, que provocaram soterramento e mortes em uma pousada de Angra dos Reis, no Rio, além de dificuldades em rodovias para o retorno dos turistas a suas casas.
Foi uma tragédia, e é evidente que não se deve condenar esse tipo de passeio permanentemente. Mas devemos avaliar bem os acessos aos locais que selecionamos para o descanso. E a segurança, sem dúvida, para nós e para nossas famílias.
A previsão do tempo também é importante. Com informação, ficará mais fácil planejar dia e horário para a ida e para a volta.
Todo final de ano, repete-se uma triste história. Pessoas alugam casas na praia, por telefone, sem ver o imóvel. Muitas vezes, sem nenhuma referência confiável. Ao chegar ao local, ou não há casa ou as condições são lamentáveis.
É importante verificar, in loco, se o imóvel é adequado, sem problemas insuportáveis como infiltrações de água, defeitos nas instalações elétricas, entre outros. E constatar se a imobiliária é registrada, sem reclamações no Procon.
Outro lembrete: por mais que as lojas estejam lotadas neste período do ano, compras de última hora não devem ser virtuais. É melhor garantir que o produto esteja disponível, e sair da loja com ele. Afinal, 2010 foi um ano de economia aquecida, de muita demanda, e alguns lojistas, como o Ponto Frio Pontocom, nem sempre honram seus compromissos de entrega.
Explico: um amigo comprou um celular para uma colega minha, a loja alegou ter entregado o produto que não havia chegado ao destino.
São coisas desagradáveis que acontecem nesta época do ano. É duro brigar contra o "enrolation".
Os serviços, certamente, continuam no topo da lista das piores coisas no Brasil, em relação a delitos contra o consumidor.
Somos maltratados em aeroportos, com passagens à mão e voos incertos. Aconteceu comigo duas vezes neste mês, com o duopólio aéreo TAM-Gol, para não haver dúvidas de que não temos opções razoáveis de aviação civil.
Portanto, se a viagem de final de ano depender de avião, no mínimo o consumidor terá de enfrentar filas e atrasos. Leve uma bagagem de mão com itens básicos para evitar que eventuais extravios de mala deixem você e sua família sem roupas e sem artigos básicos de toalete.
Mesmo que seu voo seja nacional, não leve perfumes e outros itens acima do permitido nas rotas internacionais, porque também é comum nos colocarem em voos que vêm ou vão para o exterior. E nos submeterem à perda de objetos pessoais.
Gostaria de ter melhores notícias, mas não confio no acordo entre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Infraero e as companhias aéreas para evitar o overbooking, ou seja, a venda de mais passagens do que os lugares no avião.
Como já disse, nessa área estamos em péssima situação. Para viagens curtas, ousaria recomendar carro ou ônibus, que enfrentam congestionamentos, evidentemente, mas atrasam menos e não têm overbooking.
Além disso, você não precisa chegar uma hora antes tanto na ida como na volta, nem enfrentar filas para o check-in. Embarcou, viajou. Por último, mas não menos importante, se o plano para comemorar o Natal e o Ano-Novo envolver um restaurante, faça reserva e informe-se com detalhes sobre o cardápio e os preços, incluindo bebidas, sobremesas e serviço.
É bom chegar cedo sempre e, se possível, usar táxi, pois bebidas alcoólicas e trânsito não combinam e podem estragar qualquer festa. São sugestões simples. Mas é justamente do mais óbvio que costumamos nos esquecer. Ainda mais quando estamos animados com as perspectivas de descanso e de diversão.

MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores.

GOSTOSA

PAULO GUEDES

A colisão de dois mundos
PAULO GUEDES
O GLOBO - 13/12/10




Primeiro vieram os japoneses. Invadiram os mercados americanos já em meados dos anos 1970. Sony e Toyota haviam decifrado o enigma da massificação de produtos de qualidade a preços ainda mais competitivos do que os praticados nos Estados Unidos, o próprio templo do capitalismo.

O desembarque japonês era um desafio frontal à liderança americana na produção e distribuição para os novos mercados globalizados de consumo de massa. Logística, automação industrial e técnicas de gestão inovadoras garantiam os ganhos de eficiência que permitiram derrubar custos e reduzir preços, enquanto ao mesmo tempo melhoravam o controle de qualidade. "Made in Japan" tornou-se um símbolo de excelência.

Enquanto na superfície se enfrentavam os grandes conglomerados industriais, em águas profundas o Japão recorria também ao dirty floating, estímulo artificial à produção e ao superávit comercial por meio de manipulação de taxa de câmbio sob regime de "flutuação suja". O banco central do Japão comprou mais de 1,5 trilhão de dólares na tentativa de sustentar seu preço e impedir a valorização do iene. No jogo do livre comércio internacional, portanto, os japoneses sempre jogaram dopados.

Interesses geopolíticos americanos explicam décadas de tolerância com as práticas mercantilistas dos asiáticos. Foi nesse vácuo que vieram depois a Coreia do Sul, com mais de 0,5 trilhão de dólares em reservas internacionais, e finalmente a China, com 2,5 trilhões de dólares em seu banco central.

A falsificação cambial pelo acúmulo excessivo de dólares, o decorrente favorecimento da produção local, os subsídios disfarçados às exportações e os impostos implícitos sobre as importações foram negligenciados em meio ao desempenho extraordinariamente favorável da economia mundial.

Mas agora acabou a farra. O Ocidente em declínio por seus próprios excessos não tem mais como acomodar passivamente essa implacável inserção de mão de obra asiática cada vez mais qualificada, sem encargos sociais e trabalhistas, sem benefícios previdenciários.

É uma ironia da História que o mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados de trabalho globais - em busca do capitalismo para fugir da miséria - tenha se tornado um desafio existencial à civilização ocidental pelos abusos cometidos por financistas anglo-saxões e social-democratas europeus contra suas próprias engrenagens de criação de riqueza.

GOSTOSA

MÔNICA BERGAMO

EU NÃO ESCREVO PRA POBRE
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/12/10

Vera Fischer lança, no dia 20, o romance "Serena", o primeiro de uma série de dez, todos com nome de mulher. Ela falou à coluna: 

Folha - Como é o romance?
Vera Fischer
 - Não queria que meus livros fossem açucarados, mas sim vibrantes, para o público começar a ler e não parar mais. Já tenho dez livros escritos. E não queria títulos como "Um Amor e a Traição", "O Barco e a Saudade". Falei: vou botar nome de mulher, "Serena", depois "Donatela", "Valentina", "Pietra"... É a marca Vera Fischer. Fica mais chique.

Dez livros?Fiz um atrás do outro, durante um ano. Como tenho muita imaginação, vou criando personagens. Tem uma situação ou duas pelas quais eu passei. Mas ninguém pode saber, é "segredíssimo". Eu descrevo os personagens, o perfume, as roupas, se é Ungaro ou Valentino. Meus personagens não são nunca pobres, são sempre ricos (gargalhada).

Por quê?Porque eu não gosto, eu não sei escrever pra gente pobre. Eu detesto.

O universo dos ricos é mais interessante?É mais interessante. Cada livro tem pelo menos uma viagem ao exterior. O "Serena" tem Marrocos e St. Barths, no Caribe.

Os que você chama de pobres podem comprar seus livros.Podem. Porque eles não custam caro. Eles vão se identificar e adorar. Coisa bonita sempre é melhor.

Qual é o seu estilo?Ah, esse negócio de descrever uma folhinha caindo da árvore em quatro páginas, ninguém tem mais saco pra ler isso, não. As coisas são rápidas nos meus livros.

Tem até um sequestro.Achei que o livro tava acabando e aí falei: tem que inventar coisa interessante pra acontecer. Vamos botar um sequestro! É ação.

Tem também sexo oral.Os meus livros têm sexo de todo tipo. Têm gays fazendo sexo -eu não sei como é, mas invento. Tem de tudo. Não tenho pudor. O mundo dos escritores é assim.

Em 2009 você disse: "Estou há dois anos sem sexo". E agora?Ah, de vez em quando tem um sexozinho assim rápido.

O que você achou de uma mulher ser eleita presidente?Eu achei que podia uma mulher ser eleita presidente, mas não esta (Dilma Rousseff). Porque essa não dá, né? O PT não dá mais.

TOLERÂNCIA NA USP 
A pró-reitoria da USP aprovou um programa para combater a intolerância e a homofobia. A ideia, segundo Maria Arminda Arruda, pró-reitora de Cultura e Extensão, é promover ações educativas, debates, palestras e conferências na universidade para "uma ampla discussão" sobre diversidade sexual, racial e religiosa. 
Há cerca de um mês, um estudante do Instituto de Biociências da USP, que é homossexual, foi agredido numa festa da ECA (Escola de Comunicações e Artes), da mesma universidade. 

REPÚDIO 
O programa também será "exportado" para escolas públicas e instituições que queiram debater o tema. O conselho de cultura e extensão aprovou ainda uma moção de repúdio a manifestações de homofobia como as da avenida Paulista e as que ocorreram na festa da ECA. 

I LOVE BRAZIL 
O ex-embaixador dos EUA Clifford Sobel, autor dos constrangedores telegramas enviados de Brasília para os Estados Unidos, está em São Paulo. Ele manteve laços com o país e até providenciou um apartamento para ficar sempre por aqui. 

MÃO FECHADA 
O empresário carioca Eike Batista cancelou a festa de fim de ano que a sua holding, EBX, daria aos funcionários. Ele ficou indignado com o orçamento da celebração: cerca de R$ 420 per capita. 

BAQUETA EM RISTE 
O baterista Antônio da Silva (Toinho Batera), que foi demitido por Ivete Sangalo em abril, pede indenização de R$ 5 milhões à Caco de Telha, empresa da cantora. Ele afirma não ter recebido direitos trabalhistas nos mais de dez anos em que tocou com ela. Diz que a empresa ofereceu R$ 140 mil para um acordo, mas ele recusou. E pede mais R$ 500 mil de indenização, pois, segundo diz, Jesus Sangalo, irmão de Ivete, o teria empurrado e socado. 

POUCAS PALAVRAS 
A Caco de Telha afirma que "a reclamação trabalhista está em curso". A empresa aguarda o julgamento da ação para se posicionar. 

MEDALHA 
A atriz Laura Cardoso, o compositor Paulo Vanzolini e a atleta Fabiana Murer foram alguns dos contemplados com a Ordem do Ipiranga pelo governo de SP, no Palácio dos Bandeirantes.

CURTO-CIRCUITO

A cantora Simone faz hoje, às 21h, show beneficente no Teatro Bradesco, com renda revertida para a Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). Livre. 

Ferreira Gullar dá palestra hoje, a partir das 18h, para funcionários e convidados da agência Neogama/BBH. 

O restaurante Shaya faz hoje, às 20h, a última edição do ano do "Jantar às Escuras". 

O filme "De Pernas pro Ar" tem pré-estreia hoje no Bristol, do shopping Center 3. 14 anos. 

com DIÓGENES CAMPANHALÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Rio, o resgate da paz
Carlos Alberto Di Franco 


 O Estado de S.Paulo 13/12/10
Domingo, 28 de novembro de 2010. Dia histórico. Às 7h59, quando as forças de segurança invadiram o Complexo do Alemão, o Estado brasileiro reassumiu o seu papel e milhares de trabalhadores honrados, reféns do crime organizado, viram brilhar uma chispa de esperança. O que vimos não foi mais uma ação policial, mas o resgate da paz. "Foi um presente de Natal que a gente não esperava", disse um morador no Alemão. A reação da população foi emocionante. Assistiu-se à ressurreição da cidadania.
É uma tristeza, quase um sacrilégio, a violência que ensombrece o Rio de Janeiro. Desgoverno e exclusão social estão na raiz do drama carioca. A crise do Rio não é de agora. O vírus antissocial já estava incubado nos mandatos de governos populistas que desfiguraram o rosto da Cidade Maravilhosa. A patologia foi sendo alimentada pela corrupção, pela incompetência administrativa e pelo crescente descaso com o interesse público.
O problema da segurança pública é gravíssimo. E não será resolvido com ações isoladas, mesmo quando expressivas e importantes. É preciso lancetar o abscesso, raspá-lo, limpá-lo. É necessário chegar às raízes da doença. Só assim os homens de bem que compõem as fileiras das polícias não serão confundidos com marginais e psicopatas. Só assim o poder do narcotráfico não será substituído pela prepotência criminosa das milícias. O assustador crescimento da criminalidade é a ponta do iceberg de uma distorção mais profunda: a frequente falta de critérios de seleção para o ingresso nos quadros policiais, a exclusão social, a permanente entrada de armas que abastecem o paiol da bandidagem, uma legislação obsoleta e o descaso com políticas de prevenção e recuperação de dependentes químicos.
A exclusão social está no cerne do problema. O presidente Lula, na alvorada de seu governo, lançou o Fome Zero. E fez bem. Mas o que o Brasil precisa com urgência é de um Desemprego Zero. Uma juventude sem trabalho, sem esperança e sem futuro é presa fácil do crime organizado. Os jornais têm mostrado a estreita ligação que existe entre miséria e criminalidade. Jovens, órfãos de ações sociais e sem perspectiva de trabalho, são facilmente aliciados pelo tráfico de drogas. As esquinas das nossas cidades testemunham, diariamente, um chocante desfile da exclusão.
O tráfico e as milícias nas favelas ocupam, frequentemente, o vazio deixado pela inoperância do Estado. É a eles, e não aos governos omissos e incompetentes, que os moradores recorrem nos seus momento difíceis. É uma trágica ilusão, mas é assim. À semelhança de Vito Corleone, o mafioso magistralmente interpretado por Marlon Brando no filme O Poderoso Chefão, o líder do tráfico ou o chefe da milícia são a encarnação tupiniquim do chefão que substitui o governante.
Impõe-se um duro combate ao ingresso de armas e drogas no território brasileiro. A Baía de Guanabara é uma peneira e nossas fronteiras são avenidas abertas ao livre trânsito do crime organizado. Sem uma operação conjunta das Forças Armadas e da Polícia Federal, apoiadas em modernos sistemas de inteligência, aramos no mar. A vitória da Colômbia contra a guerrilha e o narcotráfico não se deu apenas em operações de combate e de repressão, mas, sobretudo, em bem-sucedidas ações monitoradas pelos serviços de inteligência.
A reforma da legislação, por outro lado, é urgente e necessária. É inacreditável que bandidos como Zeu (Eliseu Felício de Souza), um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, recapturado recentemente, continuem sendo libertados pelo regime de progressão de penas. É inconcebível que a permissão para visitas íntimas seja a porta de entrada de celulares, drogas e armas nos presídios. É inaceitável que chefões do crime continuem, da cadeia, a comandar seus comparsas, orientados por ordens enviadas por meio de advogados e repassadas a familiares. A defesa das prerrogativas profissionais não pode levar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a tapar o sol com a peneira. A entidade tem o dever de promover constantes limpezas nos seus quadros.
É preciso, finalmente, não subestimar o que está na origem da força do narcotráfico: o drama da dependência química. O traficante só existe em função da crescente demanda dos usuários. E o problema não se resolve com a miragem da descriminalização das drogas. É preciso, sim, investir pesado em políticas de prevenção e de recuperação de adictos.
A repressão é incontornável, mas a recuperação deve ser a grande aposta que todos nós, governo e sociedade, devemos fazer. Precisamos acreditar no lado bom das pessoas. A recuperação é possível e está ocorrendo. Nós, jornalistas, damos excessivo destaque aos picos da criminalidade, mas não registramos os bons resultados que têm sido alcançados por inúmeras entidades e ONGs. Discretamente e sem ajuda dos governos, heróis anônimos fazem mais pela paz do que toda a burocracia do Estado.
Conheço algumas iniciativas sérias no campo da recuperação de dependentes químicos. O Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br), por exemplo, faz um trabalho de grande alcance social. Trata-se de uma comunidade terapêutica, sem muros, sem grades e com elevado índice de recuperação. Os internos estão lá voluntariamente. Aliás, o desejo de deixar as drogas é o pré-requisito para ingressar na entidade. Os pavilhões são simples, arejados, limpos. Sente-se no ar uma alegria que contrasta com a vida pregressa de seus moradores. Lá, depois de terem descido todos os degraus da miséria material e moral, reencontram a chama da esperança.
Nós, jornalistas, precisamos mostrar a luz no fim do túnel. Vamos, todos, com trabalho, policiamento eficiente, legislação renovada e solidariedade resgatar a magia do Rio.
A todos, mas especialmente ao maravilhoso povo carioca, um Natal abençoado pela paz.
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Complexo de Jeca
 José Roberto de Toledo
O Estado de S. Paulo - 13/12/2010

Quando pensa em população rural, qual imagem lhe vem à cabeça? A de alguém carpindo o chão em plagas distantes? A de um caboclo cutucando o bicho-de-pé na porta da tapera? Como diria aquele velho mote publicitário, você precisa rever os seus conceitos.
Duas das três maiores populações rurais do Brasil estão circunscritas nas áreas de São Paulo e de Brasília. Segundo o Censo 2010 do IBGE, 119 mil paulistanos e 87 mil brasilienses não são urbanos. A lista de exotismos estatísticos não fica por aí.
A campeã rural, com 125 mil pessoas, é São José do Ribamar, no Maranhão. Não é nenhuma comunidade agrícola isolada e distante. A 16 km da capital maranhense, faz parte da Grande São Luís.
Na conta da população rural das metrópoles entram desde os guaranis da aldeia Curucutu, no extremo sul de São Paulo, até mini-latifundiários da capital federal que habitam condomínios de luxo para além do Plano Piloto. Estes, se exploram a terra, não o fazem com enxada.
A diferença entre rural e urbano no Brasil tem mais a ver com regras municipais de ocupação do solo e cobrança de impostos do que com estilos de vida ligados à lavoura.
O Censo não tem critérios próprios para diferenciar uma coisa da outra. Usa o perímetro urbano, uma linha imaginária traçada por governos municipais segundo idiossincrasias locais. Pela falta de padronização, é de pouca serventia para extrair conclusões de âmbito nacional.
Na Chapada dos Parecis, em Mato Grosso, Sapezal é um dos maiores centros produtores de soja do mundo. Do alto da torre de telefonia, no centro da cidade, avista-se 360 graus de campos arados que ultrapassam o horizonte. E quase nenhuma casa fora do quadrado urbano.
Sapezal empata com a média brasileira em população rural: 16%. Dos seus 18 mil habitantes, quase a metade chegou nesta década, atraída pelo boom econômico. Os recém-chegados se instalaram na área urbana e se ocuparam no ramo de serviços. Uma minoria dirige tratores.
Capital do país dos treminhões, Ribeirão Preto foi a cidade paulista que mais atraiu migrantes nos últimos 10 anos. Sua economia depende da cana-de-açúcar, mas o município é mais urbano que São Paulo: só 0,3% da população mora na área rural, contra 1,1% dos paulistanos.
Do ponto de vista da ocupação da mão de obra, o agronegócio é cada vez menos rural. Mesmo quem trabalha no campo, sempre que pode, vai morar na cidade. As pessoas querem estar perto da escola, do comércio, querem se conectar à internet, falar pelo celular.
O caipira trocou o cavalo e a charrete por veículos motorizados. A maior frota per capita de motocicletas do país não está em nenhuma capital, mas em Tocantinópolis (TO), na região do Bico do Papagaio: uma para cada três habitantes.
A distância salarial do interior para as capitais ainda é grande, mas já foi maior. Em 2009, o salário médio de um empregado registrado em Ribeirão Preto era R$ 1.519, contra R$ 2.109 em São Paulo. A diferença tende a continuar caindo à medida que aparecem empregos mais qualificados no campo.
Símbolos das piores condições de trabalho, cortadores de cana estão em extinção no centro-sul do País. É mais negócio para as usinas de açúcar e álcool substituí-los por operadores de colhedeiras pilotadas por joystick em cabine com ar-condicionado.
São exemplos e não exceções no interior do Brasil. Algo que um grupo de pesquisadores da Unicamp batizou de complexo rururbano, pela inutilidade de se continuar riscando uma separação entre o perímetro urbano e o mundo rural.
Os limites se confundiram e suas economias se fundiram. Associar o rural exclusivamente ao atraso é que é atrasado. O Brasil precisa se livrar do complexo de Jeca Tatu, de ter vergonha de ser o mais eficiente produtor agrícola do mundo.
Se chegou a essa condição, não foi só pelo solo, clima e extensão. Mas pelas pessoas que desenvolveram conhecimento científico em núcleos de excelência como a Embrapa e o Centro de Tecnologia Canavieira.
É uma combinação que não existe em nenhuma outra parte do planeta, não na escala brasileira. É certo que o País não deve só plantar, criar e extrair, mas ignorar essas vantagens competitivas, não investir nelas, é tão avançado quanto carpir e cutucar o bicho-de-pé.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

O futuro da ciência e tecnologia no Brasil 
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/12/10

Para que a ciência brasileira siga competitiva é necessária a construção de um segundo síncrotron, apesar de objeções quanto ao custo do projeto 


No início do governo Sarney, um grupo de cientistas brasileiros apresentou ao recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia um projeto do que seria o primeiro "laboratório nacional" do país e abrigaria o primeiro síncrotron do hemisfério Sul. 
Um síncrotron é um acelerador de partículas, neste caso, elétrons, que, acelerados, produzem radiação eletromagnética.
Ele seria planejado e construído inteiramente no Brasil e por brasileiros. 
Por definição, um laboratório nacional abriga instrumental de grande porte, que só se justifica se compartilhado por um grande número de usuários. Nestes últimos dez anos, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron realizou cerca de 4.000 projetos de pesquisa e acolheu 15 mil cientistas (85% do Brasil e os demais de outros países, principalmente da América do Sul). 
Os estudos da natureza da matéria (em todas as formas: gases, líquidos, sólidos, sejam de origem mineral ou orgânica, inclusive biológica) se fazem por meio de fontes de excitação de origens diversas, mas a principal e mais fecunda é a radiação eletromagnética, ou seja, raios-X duro e mole, luz ultravioleta e visível, infravermelha etc. 
Um síncrotron, além de produzir toda essa gama de radiações, permite que um número elevado de experiências seja realizado simultaneamente (16, no caso em pauta). Devido às altas intensidades proporcionadas pelo síncrotron, experiências que levariam meses ou anos com outras fontes são feitas em horas ou em dias. Assim, é possível avaliar a imensa economia proporcionada tanto em relação ao tempo dos pesquisadores quanto em relação aos recursos financeiros despendidos pelo Estado. 
O que é espantoso é que obstinada oposição se erigiu ao projeto na comunidade científica. O argumento foi o de que o síncrotron "sugaria" recursos de outros projetos. Quando foi criado o síncrotron brasileiro, um dos primeiros de segunda geração, era dos mais eficientes em todo o mundo.
Hoje, apesar de seguidas inserções tecnológicas, ele está sendo ultrapassado por máquinas de terceira geração, o que exige a construção de um segundo síncrotron no Brasil, para que a ciência brasileira continue competitiva.
Mas eis que novamente se levantam obstáculos devido aos custos. Ora, tomando-se em conta o aumento do PIB nacional desde o começo da administração Sarney, o síncrotron de terceira geração, orçado em R$ 350 milhões (em cinco anos), apesar de muito maior e mais eficiente, ficará relativamente mais barato para o Brasil que o de segunda geração (US$ 70 milhões), atualmente em operação.
Apesar do apoio irrestrito da cúpula do ministério, a construção desse imprescindível equipamento para o progresso científico e tecnológico nacional se vê ameaçado.
Será que vamos, desta vez, sucumbir ao distributivismo mediocrizante? Será que este país, o "impávido colosso", que enfrenta o desafio do pré-sal, que constrói uma Itaipu, uma Embraer, um Pró-Álcool etc,. perdeu a ousadia que teve durante o governo Sarney?

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

A cobra que come o rabo
Antonio Penteado Mendonça
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/12/10

Planos de saúde pagam pouco pela consulta, porém o valor das mensalidades cobradas dos conveniados também é baixo se comparado aos níveis de outros países 
Recente pesquisa realizada junto a médicos de todo o país mostrou a enorme insatisfação destes profissionais com as operadoras de planos de saúde privados. A grande reclamação, mas não a única, diz respeito aos honorários pagos. Os médicos dizem que são muito baixos.
É verdade, os médicos estão cobertos de razão, os honorários são baixos, mesmo. Receber R$ 40 por uma consulta seria considerado um ultraje por qualquer médico americano, que se recusaria a abrir a porta de seu consultório para atender alguém, se soubesse que este seria o patamar da remuneração. 
O problema é que nós estamos no Brasil e aqui o preço dos planos de saúde privados é muito mais baixo do que nos Estados Unidos. Lá, uma pessoa comum gasta em média US$ 2 mil por ano com seu plano de saúde, enquanto aqui o custo médio anual está perto de R$ 1 mil. 
E é aí que mora o problema. Neste negócio não existe mágica, nem a multiplicação dos pães. O faturamento das operadoras de planos de saúde tem que custear o atendimento médico-hospitalar, os exames, os paramédicos, outros custos relacionados à saúde dos consumidores, despesas administrativas, despesas comerciais, tributos e ainda remunerar a operadora. 
Se o faturamento é baixo, não tem de onde brotar dinheiro para remunerar melhor os vários elos da cadeia. E a verdade é que o faturamento das operadoras brasileiras é baixo para fazer frente a todas as coberturas a que estão sujeitas por força de lei, além das que não fazem parte de suas atribuições, mas que devem ser cobertas em função das liminares dadas pela justiça, obrigando o custeio de tratamentos para os quais não foi calculado o preço.
O resultado é uma cadeia de insatisfações. Ninguém está feliz com o que acontece no segmento. Mas, entre todos, o que teria o direito de ser o mais insatisfeito é o consumidor, que é quem paga a conta e é quem sofre mais porque nem sempre tem o atendimento esperado.
Numa cadeia de gente brava como a que se formou no campo dos planos de saúde privados, é extremamente complicado conseguir se negociar seja lá o que for, porque, como todos estão ganhando pouco, ou até mesmo perdendo, há pouca margem de manobra para se fazer concessões, ou abrir mão ainda que de um átimo do que cada um já conseguiu.
As razões para este quadro lamentável estão basicamente na lei que regulamenta os planos de saúde privados brasileiros. Como boa parte de nossas leis, ela parte da ilusão de que, estando escrito no texto legal, as coisas acontecem. Não acontecem. E o que é pior, como o texto é muito ruim e fora da realidade, criam-se barreiras de tal monta que, como no caso, as eventuais soluções não avançam, travadas por exigências legais que inviabilizam os produtos alternativos que seriam o "ovo de Colombo" para aumentar o universo das pessoas atendidas e consequentemente o faturamento, tendo como contrapartida a diluição dos atendimentos e a diminuição dos custos direitos.
O Congresso Nacional tem um bom número de projetos de lei tratando do assunto. Infelizmente, nenhum deles entra de sola no que precisa ser mudado para viabilizar o quadro atual, que vem se deteriorando faz tempo. É bom lembrar que este quadro já gerou como consequência as seguradoras não comercializarem mais planos individuais e familiares. Ou seja, o mercado já vive a redução da oferta de produtos para a população.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS está atenta e tem agido dentro de suas possibilidades, tanto em defesa do sistema, como em defesa do segurado. Além disso, o aquecimento do mercado de trabalho tem permitido o aumento do número de pessoas atendidas pelos planos privados, o que está gerando o aumento do faturamento sem que haja o impacto do custo dos atendimentos. 
Porém, a longo prazo, sem que aconteça uma profunda revisão dos parâmetros atuais e a votação de uma nova lei, que permita o surgimento de novos produtos mais flexíveis e adaptáveis às necessidades dos consumidores, nenhuma operadora irá sobreviver.
Antonio Penteado Mendonça É ADVOGADO, SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA ADVOCACIA, PROFESSOR DA FIA-FEA/USP E DO PEC DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS E COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO.