domingo, dezembro 12, 2010

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Cabe mais um?
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10  

A partilha de cargos no governo de Dilma Rousseff ganhou mais um ingrediente: a necessidade de apaziguar a disputa interna no PT pela candidatura à presidência da Câmara. Como a temperatura na bancada subiu bastante, ameaçando a perspectiva de unidade em torno de Cândido Vaccarezza (SP), a avaliação é que será preciso compensar de algum modo os outros postulantes, Marco Maia (RS) e Arlindo Chinaglia (SP). Ou então compensar Vaccarezza para eleger Maia -Chinaglia, embora já tenha comandado a Casa, é hoje menos viável. A bancada se reúne nesta terça-feira para tentar chegar a uma definição.

Vem de longe Dilma tem dito a quem toca no assunto que não pretende se envolver na disputa interna do PT pela candidatura a presidente da Câmara, mas correligionários lembram que não é muito boa a relação dela com Marco Maia. No Rio Grande do Sul, ela era mais ligada a Olívio Dutra, e Maia, a Tarso Genro. 

Efeito Erenice Um conhecido de longa data anotou: figuras próximas de Dilma atingidas por algum "tiro" noticioso na campanha ou na transição foram mantidas, ao menos por ora, a prudente distância do primeiro escalão. Aconteceu com Valter Cardeal, diretor de Engenharia e Planejamento da Eletrobrás, e com Maria das Graças Foster, diretora de Gás e Energia da Petrobras. 

Sem conversa O futuro ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), já foi devidamente informado: por determinação de Dilma, Márcio Zimmermann substituirá o sarneyzista José Antonio Muniz Lopes na presidência da Eletrobrás. 

Ciranda Com a ida de Ideli Salvatti para o Ministério da Pesca, seu ex-marido, Eurides Mescolotto, deverá sair da presidência da Eletrosul. O cargo será ocupado por um nome da ala do PT de Santa Catarina que perdeu a Pesca para a senadora. 

No prejuízo Cinco anos depois de abalar as CPIs derivadas do mensalão, a "promotora de eventos" Jeany Mary Corner anda cheia de lamentações em Brasília: alega que a "caixinha" feita à época para que não abrisse a boca -e a agenda- jamais chegou às suas mãos.

Na companhia Dos seis ajudantes de ordens que Dilma terá à sua disposição na Presidência, quatro serão mulheres. Gilles Azevedo, futuro chefe de gabinete, já entrevista as candidatas. 

É festa! Dois palcos para shows comemorativos da posse serão montados na Esplanada dos Ministérios: um na praça dos Três Poderes, outro em frente à catedral. 

Sexta super Uma vez encerrado o ciclo de reuniões com as bancadas de partidos aliados, Geraldo Alckmin deve anunciar um pacote de secretários na tarde do dia 17, depois da diplomação dos eleitos. Antes, o tucano pode fazer indicações pontuais. 

Linha vermelha As seguidas panes no metrô de SP preocupam a equipe de transição. De posse dos relatórios de diagnóstico do setor, o futuro secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, pretende designar força-tarefa para minimizar os problemas de superlotação e atraso em 2011. 

Holerite O reajuste salarial de 26% para governador e secretários nos dias finais do atual governo criou atrito adicional entre os tucanos e o funcionalismo. Servidores da educação bombardeiam Alckmin pelo Twitter desde a aprovação do aumento pela Assembleia Legislativa. 

Emenda Deuzeni Alberto Goldman (PSDB) institucionalizou a figura da "vice-primeira-dama". Decreto do tucano muda a lei que rege o Fundo Social e permite que o cônjuge do governador nomeie, para assessorá-lo no órgão, o "par" do primeiro na linha de sucessão no Estado. 

tiroteio

"O Zé Dirceu já confirmou presença. Resta descobrir se o Lula vai convidar a Erenice."

DO DEPUTADO VANDERLEI MACRIS (PSDB-SP), sobre o evento que reunirá no Palácio do Planalto, nesta quarta, ministros e ex-ministros do atual governo.

Contraponto

Feira livre

Durante a sabatina de Alexandre Tombini no Senado, Eduardo Suplicy (PT-SP) fez longa intervenção para argumentar que os preços dos alimentos não devem ser excluídos do cálculo da inflação. Aloizio Mercadante (PT-SP) alertou Alexandre Tombini:
-Como os alimentos estão pressionando o custo de vida, se você não responder essa questão corremos o risco de o Suplicy trazer ao plenário uma saca de feijão e uma vaca!

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Brasil se torna o 9º maior parceiro comercial da China 
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10


O Brasil se tornou o nono principal parceiro comercial da China em novembro, graças principalmente à alta das vendas do país asiático para o mercado brasileiro.
De janeiro a novembro, o fluxo de comércio entre os dois países (exportação mais importação) soma US$ 56,7 bilhões, aumento de 47% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para ter uma ideia do incremento das relações comerciais entre os dois países, em 2007, o Brasil era o 19º que mais comercializava com a China e, em julho deste ano, entrou para o rol dos dez maiores parceiros, ultrapassando a Rússia.
No mês passado, o Brasil passou a Índia.
O preocupante é que, embora o fluxo continue favorável ao Brasil, as exportações da China estão crescendo em um ritmo muito mais rápido que as importações.
As vendas chinesas para cá se expandiram em 78% nos 11 primeiros meses deste ano, o resultado mais forte entre os vinte maiores parceiros comerciais e mais que o dobro da média geral (33%).
Já a compra de produtos brasileiros avançou 33%, em um ritmo mais lento, portanto, que o da média das importações do principal motor da economia global: 40%.
Pelos critérios chineses, o Brasil tem superavit de US$ 12,7 bilhões com a China até novembro, ou US$ 1 bilhão a menos que em 2009.
As importações chinesas do Brasil são basicamente de commodities: o país é o principal comprador de minério de ferro e soja brasileiros. E as exportações são formadas por manufaturados, como celulares e telas de LCD.

Novo sistema de carro chama socorro sozinho 

A Volvo vai trazer ao Brasil um modelo de segurança que possibilita que o próprio carro peça socorro, em caso de desmaio do motorista.
O sistema "On Call", instalado no painel do veículo, faz comunicação via satélite.
Contatada pelo cliente, a central da Volvo chama guincho e ambulância. Se o acidente acionar o airbag, o veículo faz a ligação automaticamente. Caso a vítima não responda ao chamado do call center, o socorro é enviado.
Em eventual elevação da temperatura, um bombeiro também é chamado. À distância, a empresa rastreia o carro, corta o combustível e destrava a porta quando a chave foi esquecida dentro.
A montadora sueca, que inventou o cinto de segurança de três pontos, se diz ligada a proteção.
"Tem de entender a Suécia para saber por que fazemos isso. Lá, a sensação de proteção é muito importante. É difícil ser feliz quando não se está seguro", diz o presidente da Volvo no Brasil, o sueco Anders Norinder.
O Brasil é o primeiro país fora da Europa e dos Estados Unidos a ter o sistema. A partir de janeiro, todos os carros da marca, vendidos no Brasil, terão o serviço, que, no mundo desenvolvido, é opcional. Outros 14 países já possuem a tecnologia, lançada em 2001 na Suécia.
"Não lançamos antes aqui porque ainda não havia infraestrutura tecnológica no país e escala suficientes."
Para 2011, a meta é vender 5.000 carros no Brasil, mais que o dobro dos 2.400 importados neste ano.
"A classe média alta está crescendo. Hoje são 400 mil clientes no Brasil que compram carros de mais de R$ 60 mil", afirma Norinder.

CRIAÇÕES DA EMPRESA 
EM SEGURANÇA 


1959 
Cinto de segurança de três pontos 

1964 
Cadeirinha infantil voltada para trás 

1994 
Airbags contra impactos laterais 

2004 
Câmera de ponto cego 

2010 
Detector que freia quando um pedestre atravessa 

IATE ARTESANAL 
A italiana Euroyacht, fabricante de iates de luxo artesanais, vai começar a operar no Brasil.
A empresa, que produz apenas duas ou três embarcações por ano, leva cerca de 18 meses para finalizar a construção de cada uma.
Nenhuma decoração é igual a outra, segundo Massimo Nelli, presidente da Euroyacht, que veio ao Brasil para prospectar negócios.
Uma unidade acaba de ser vendida no país, e a meta é comercializar mais três embarcações nos próximos três anos. Custam em média € 15 milhões.
A companhia também oferece rotas de cruzeiros particulares, feitos na esquadra própria de iates.
O serviço, que deve começar no Brasil a partir do segundo semestre do ano que vem, chega a custar cerca de € 50 mil, na Europa, para até 13 viajantes.

GOSTOSA

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Omissão?
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/12/10

A Defensoria Pública entrou com ações indenizatórias contra a prefeitura de Taubaté. Acusa o governo por mortes e omissões em atendimentos no pronto-socorro da cidade nos últimos dois anos. Duas pessoas morrem por dia na unidade.

Exemplo? Um paciente chegou ao hospital com dores de cabeça. Receitaram dipirona. Mas era gripe suína e ele faleceu.
Ecofutebol
Cresce o nome de Paulo Nobre na sucessão de Luiz Gonzaga Belluzzo no Palmeiras. Nobre já está sendo chamado de Marina Silva do Palestra.
Sexo limpo?
Laura Muller, sexóloga do Altas Horas, da Globo, não classifica a "perversão" que perturba Gerson em Passione. "Sexo sujo ou limpo depende do olhar de cada um. Há quem naturalmente use a internet para dar vazão às fantasias. E há quem se sinta sujo agindo assim", explica.
O limite é não se ferir física nem emocionalmente, no ver de Laura, que tem site sobre o tema.
Prato de terra
Isabel Barbosa, cantora lírica que mora em Florença, ganhará documentário sobre sua vida. Alimentada com terra até os oito meses, depois de perder dois irmãos por desnutrição, a moça foi adotada em Pernambuco por um casal sem filhos.
Hoje, adulta, brilha em palcos internacionais.
Pensata
O Fronteiras do Pensamento, evento gaúcho de conferências que trouxe Mário Vargas Llosa ao Brasil, ganha braço paulista em 2011. Estão fechadas oito datas, todas na Sala São Paulo.
Rony Fischer sempre teve afinidade com o universo infantil. Antes de ser publicitária, trabalhou com alfabetização de crianças. Mulher de Eduardo Fischer, do SWU, criou a versão kids do movimento de sustentabilidade. E acaba de tirar do forno seu primeiro projeto literário: 5R"s por um Mundo Melhor. "Ao tratar a natureza pelo olhar dos 5R"s (redução, reutilização, reciclagem, respeito e responsabilidade), a criança aprende a preservar o planeta de forma lúdica", diz a autora. Sua tarde autógrafos será hoje na Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim.
Responsabilidade social

Marcelo Tas e o Santander estão divulgando boas sacadas de empreendedorismo e sustentabilidade no site Conexões de Ideias. Por meio de websérie.
A Fundação Dom Bosco avisa: 40 novos profissionais, entre cabeleireiros, manicures e esteticistas se formaram nos cursos profissionalizantes patrocinados pela JHSF. Em fevereiro, novas vagas serão abertas.
Música do bem. Em benefício do Projeto Dodói, da Abrale, Simone faz show beneficente. Amanhã, no Teatro Bradesco.
Os funcionários da WTorre estão engajados na Batalha da Solidariedade - gincana anual de arrecadação de donativos para projetos sociais.
O bazar Acervo Voluntário - Roupa para Quem Precisa, pilotado por Alice Ferraz, acontece entre quinta e domingo, na sede da Turma do Bem. A arrecadação será revertida também para ACM e Cajec.
Árvore e anjos ecologicamente corretos. A SulAmérica e a Cooperacs criaram decoração de Natal somente com sucatas e pets.
A Holding Clube, de José Victor Oliva, promove bazar beneficente sexta. Para clientes e funcionários.
Os índios adolescentes da Aldeia Guarani Tenondé Porã farão uma apresentação na mostra de sustentabilidade realizada pela Casa do Zezinho. Terça.
Marcelinho Carioca, Roberto Carlos, Eduardo Guedes batem bola, terça, no Jogo das Estrelas, em Passos, MG. Em prol de instituições que atuam na cidade mineira.

Detalhes nem tão pequenos...
1.Últimos dias de descanso, na Pinacoteca, antes do verão chegar.
2. Durante a mostra de Gabriel Nehemy foi comprovado: peixe fora d"água lá tem seu charme.
3. A superprodução foi para ver de perto Rosita Missoni. 
4. O colar "animado" tem nome: Sheraphine. E foi só sucesso em festa cabaré..
5. A mexicana Graciela Iturbide levou seu estilo bem-humorado para o vernissage de sua exposição.
6.O tom dado durante lançamento de livro sobre gravidez foi o rosa-bebê.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Lula lança o Uísque Leaks! 
José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E adorei este anúncio de sexo da "Tribuna de Santos": "ENDOIDEI! R$ 1,99 por minuto". Rarará!
E esta: "Traficantes dão joias de até R$ 35 mil para mulheres". Grandes coisas! Ontem, no shopping, eu vi uns três homens fazendo isso. Aliás, alguém já foi pro shopping neste fim de ano? Já TENTOU subir escada rolante de shopping? Precisa até de senha!
E sabe como é amigo secreto de corintiano? Ninguém ganha nada!
E acaba de sair um novo iPad, o iPad do Bope: IPAD PRA SAIR!
E tão pegando o tráfico aos pedaços. Primeiro, o Pezão. Depois, o Mãozinha. Agora, o Dedinho. E a polícia busca o Polegar do Alemão. A Mão do Tráfico! O Polegar do Alemão e o Mindinho do Lula.
E o grande babado da semana: o WikiLeaks, o site que vazou 250 mil documentos secretos dos EUA! O WIKILÍNGUA! E prenderam o criador do WikiLeaks por crimes sexuais. Por que ele fu@%&deu com metade do mundo? Rarará.
Uma sueca acusa Assange de assédio sexual sem camisinha enquanto ela dormia. Ou ela tem sono muito pesado ou ele tem pau pequeno. De tanto reclamar de assédio sexual, essas suecas vão morrer de ATÉDIO SEXUAL! Ele devia ter vazado no site: "Eu comi duas suecas. Uma foi sem camisinha, e a outra, foi dormindo mesmo".
E o site Comentando diz que a Hillary Abelhuda do Chifre Mal Curado lançou um absorvente para conter vazamentos: o SEMPRE LEAKS!
E eu já disse que ele só devia ir preso se revelasse: a idade da Glória Maria, a cor da tintura do cabelo da Ana Maria Braga e o cabeleireiro do Celso Amorim. Parece um porco-espinho: Celso Amouriço!
Ah, e quantas vezes a Hillary foi chifrada pelo Bill Pinton. Levou mais chifre que pano de toureiro. Diz que quando o Air Force One estava para aterrissar, o piloto dizia: "Presidente, aperte os cintos, feche a mesinha e ponha a estagiária na vertical". Rarará!
A Hillary vai passar 2011 pedindo desculpas. Metas pra 2011: pedir desculpas pro mundo inteiro!
E estavam fazendo uma pesquisa no calçadão de Ipanema quando perguntaram pra uma biba: "O que você está achando das operações no Morro do Alemão?" "Tô adorando. Eu MORRO POR UM ALEMÃO".
E Lula vai lançar o site UÍSQUE LEAKS!
Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar meu colírio alucinógeno!

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Ainda a guerra sem fim
João Ubaldo Ribeiro 


O Estado de S.Paulo - 12/12/10
Na semana passada, quando falei nos participantes do mercado de drogas, houve quem observasse que quase deixei de lado o consumidor, tido corretamente como o principal elemento, pois sem ele não haveria nem produção nem comércio. É ele a razão de ser do mercado. Ou seja, acabar com a demanda acabaria com a oferta. Certo, certíssimo, mas quem acaba com a demanda? Esse tipo de conversa termina parecendo, para algumas pessoas, que é uma defesa do consumo, mas não é. É uma constatação, tão despida de valores quanto possível. Não digo nem, o que é verdade sob outros ângulos, que sou contra o consumo. Aqui, agora, pretendo somente vê-lo.
Alguns argumentos sobre o consumidor muitas vezes parecem querer enxergar nele a possibilidade de, mediante um ato de "força de vontade", abandonar o hábito, ou vício. Mas o consumidor de drogas crônico não é capaz de decisões tão racionais. Quase todos os fumantes de cigarro concordam plenamente com os argumentos que ouvem e leem sobre seu vício. E, enquanto escutam as ajuizadas e comprovadas razões dos antitabagistas, acendem, mortos de culpa, um novo cigarro. Os bebedores inveterados também concordam que o álcool danifica o cérebro e o sistema nervoso, arrasa o fígado e causa uma série de outros males - e erguem um brinde a isso.
Que as drogas são maléficas para a saúde todo mundo sabe. Algumas, como o crack, são devastadoras e seu uso contínuo leva invariavelmente à morte. Quem fuma crack, pelo menos o adulto, já ouviu dizer, o que é fato, que ele vicia na primeira tragada. No entanto, a perspectiva da morte morrida ou da morte matada não demove o usuário, nem aqui nem na China, onde fazem julgamentos rápidos e executam traficantes publicamente, dando-lhes um tiro de grosso calibre na nuca, que lhes esfarela o crânio. Em parte da humanidade, talvez não tão pequena quanto se possa pensar, é uma vocação insopitável arruinar a saúde ou a vida, seja pelo álcool, pelo fumo, pelo excesso de psicotrópicos ou anfetaminas, pela maconha, pela cocaína ou por outra droga.
Alguém pode estar pensando que eu agrupei, na pequena lista acima, drogas que não podem ser classificadas da mesma forma. É uma grande verdade, embora haja semelhanças que a gente às vezes não lembra. Arrisco a hipótese de que, em determinados usuários, as alterações de comportamento provocadas pelo excesso de álcool são semelhantes ou até praticamente iguais, às da cocaína, exceto o torpor que acaba sobrevindo ao alcoolista, nos estágios finais da carraspana. Aliás, a combinação dessas duas drogas é comum, no que o usuário talvez pretenda unir o que para ele é o melhor de dois mundos.
Mas as drogas são diferentes entre si, como, por exemplo, a maconha e a cocaína. Não que a primeira seja inofensiva, como é comum ouvir-se. Nenhuma droga é inofensiva e existem estudos que provam os efeitos deletérios de seu abuso na memória, na motivação, nos mecanismos psicomotores, na vida sexual, etc. E os que dizem que fumá-la não causa danos ao aparelho respiratório se esquecem de que isso se deve a que a maioria dos que a fumam, ao contrário dos fumantes de tabaco, só o faz poucas vezes por dia. Inalar fumaça nunca fez bem a ninguém e a maconha tem tantos "alcatrões" quanto o tabaco. Mas enfiá-la no mesmo saco que a cocaína e fazê-la objeto do mesmo combate é como dar o mesmo remédio para doenças diferentes, agravando uma delas. O tráfico de drogas perderia muito poder com uma possível e, para mim acertada, legalização regulada e fiscalizada da maconha. E os impostos sobre ela poderiam ser maiores que os incidentes sobre álcool e tabaco, assim como os enormes recursos hoje empregados para combater seu tráfico seriam poupados, ou empregados de forma bem mais compensadora.
Alega-se que a circunstância de o álcool, o tabaco e as drogas de farmácia serem legalizados não significa que precisamos de outra droga legalizada. Também verdade, não precisamos, mas ela é uma realidade inelutável. Não se trata de reconhecer uma necessidade, trata-se de enfrentar um problema da maneira mais eficaz. A maconha está aí e não vai embora. Se se deseja combatê-la, deve-se pensar no mesmo tipo de combate que se faz ao álcool e ao tabaco, talvez submetendo-a a restrições ainda maiores que as dos dois, mas não a empurrando para o tráfico. O que se faz hoje é gastar somas cada vez mais vultosas com algo que podia custar muitíssimo menos, em dinheiro e mesmo vidas, e ser pelo menos razoavelmente bem administrado.
A cocaína também não vai embora. Quem acha que o combate à cocaína será um dia vencido, com a (inviabilíssima) erradicação das plantações de coca ou com preços excessivamente altos, causados pela repressão, não leva em conta que se trata de um composto químico sintetizado há muitos anos. O laboratório precisa ser bem equipado, mas um químico bom de sintetização ou sabe ou pode espiar na internet como é que se produz cocaína. Assim que o preço começasse a compensar, é óbvio que surgiriam profissionais e capitais interessados, pois sempre há interessados em fornecer o que é bem pago.
Mas cocaína, droga pesada capaz até de matar mais ou menos instantaneamente, não é de fato maconha e sua legalização resultaria bastante complicada. Contudo, não deixa de ser caso a pensar a possibilidade de que, através de um planejamento complexo, envolvendo receitas médicas controladas, farmácias habilitadas, monitoração por uma base de dados informatizada e outras salvaguardas, ela venha a ser comerciada e consumida legalmente, como já foi. Claro, logo apareceriam compradores de receitas e médicos inescrupulosos que as venderiam. Certamente, e até mais que isso, mas aí é a mesma coisa que em relação ao consumo de drogas: não tem jeito, o ser humano não falha. 

DANUZA LEÃO

Vamos combinar?
DANUZA LEÃO

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10
Gostaríamos de saber por que a primeira entrevista da Dilma Rousseff foi dada a um jornal americano




EM TRÊS SEMANAS, Dilma toma posse. Até lá, quem manda, ela ou Lula?
A presidente eleita se pronunciou sobre a condenação de Sakineh, a iraniana condenada à morte, e a favor dos direitos humanos (só não ficou claro se essa posição vale para todos os países); posição diferente da de Lula, que afirmou que na época disse que não iria se intrometer nos negócios internos do Irã, pois isso seria uma "avacalhação".
Como pegou mal, ofereceu asilo político à iraniana -uma piada-, e depois da declaração de Dilma, ficou calado.
Parecia que Dilma começava a se libertar, mas o novo ministério é praticamente o mesmo, apenas as peças mudaram de lugar; soube-se que ela daria quatro ministérios ao PMDB, mas acabou dando cinco, como queria o partido.
O ministro Mantega declarou que ia desacelerar as obras do PAC, Lula disse que não acredita que Dilma corte um centavo dessas obras, das quais ela é a "mãe".
Alguma coisa está errada, e não ouso dizer que estamos à beira de uma "avacalhação" porque essa palavra não deve ser pronunciada em público nem escrita.
Aliás, todos gostaríamos de saber por que razão a primeira entrevista de Dilma foi dada a um jornal americano, e não à imprensa do país que a elegeu. Já pensou se Obama, logo depois de eleito, escolhesse falar apenas a um jornal, e brasileiro?
Dilma disse que escolheria um ministério fundamentalmente técnico e que nele as mulheres teriam muito espaço; não é o que está acontecendo. Até agora, o melhor que Dilma fez foi mudar o cabelo, que em vez de ser escovado em direção às estrelas e só se manter com a ajuda de muito laquê, está mais natural, pois nenhum cabelo cresce para cima. E vamos esperar pelo vestido da posse -vermelho, claro, como é de praxe no partido.
Se um finlandês chegasse ao Brasil, ficaria muito curioso para saber a razão de tanta pressão dos partidos por ministérios, sobretudo pelos com grande orçamento para fazer grandes obras, e perguntaria o por quê. Nunca ninguém fez essa pergunta a Michel Temer, por exemplo, porque toda a população brasileira está cansada de saber a resposta, e tão acostumada com isso que acha normal.
Esse finlandês teria dificuldade também para entender o costume brasileiro de dar cargos importantes aos políticos que não foram eleitos.
A senadora Ideli Salvatti, por exemplo, candidata derrotada ao governo de Santa Catarina, vai para o pitoresco Ministério da Pesca; tudo indica que Mercadante será ministro de Ciência e Tecnologia, e o ministro da Educação, Fernando Haddad, diz que para que o desempenho dos alunos brasileiros seja melhor, precisa de mais verbas. E agora?
As exibições finais de Lula nos estertores do seu mandato estão passando da conta, mas ainda vão piorar, como aliás já se sabia que ia ser; o "cacarejo", como bem definiu o WikiLeaks, está muito além da conta e a grande curiosidade é saber o que vai fazer Lula quando acordar, dia 2 de janeiro.
Podia bem ler um livro.

GOSTOSA

DORA KRAMER

Ralos abertos
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/12/10


Zeloso, célere e persistente quando o assunto é controle dos meios de comunicação, o governo federal é indiferente, vagaroso e até mesmo arisco quando o tema é fiscalização e desvios de dinheiro do Orçamento.


Sinais disso podem ser vistos na insistente proposição de marcos regulatórios que disfarçam mal a ideia da ingerência do Estado sobre a imprensa e na constante irritação do presidente Luiz Inácio da Silva com mecanismos de fiscalização na aplicação de recursos públicos.

Em geral esse desapreço aparece quando se fala em obras. Mas, pelo que se assiste no mais recente escândalo da série "a farra no Congresso continua", é perfeitamente aplicado à liberação do dinheiro das emendas parlamentares ao Orçamento.

O que se depreende das reportagens do Estado sobre o assunto, o esquema que na época da CPI do Orçamento, há 17 anos, era feito por meio de fundações fraudulentas agora é executado por intermédio de entidades fantasmas que recebem o dinheiro liberado das emendas para promoção de eventos turísticos.

Segundo a ONG Contas Abertas, houve um aumento de 2.351% na apresentação dessas emendas. Um óbvio foco de corrupção. Junte-se a isso a descoberta de que 16% dos gastos autorizados nos últimos cinco anos na área, o equivalente a R$ 115 milhões, foram feitos irregularmente.

O governo tem mecanismos de controle, claro, só que não funcionam a contento. Segundo o TCU, no fim do ano passado havia mais de 50 mil convênios cujas contas não tinham sido devidamente analisadas. É por meio desses convênios que se dá a liberação do dinheiro.

Dinheiro robusto: só em 2010 foram liberados R$ 2,7 bilhões para entidades ditas sem fins lucrativos, o que reúne gente séria e uma série de escroques.

A burla aos controles oficiais obviamente só pode acontecer com a cumplicidade de gente no Executivo. Poder este que se relaciona de maneira promíscua com o Legislativo: distribui cargos, mas, sobretudo, faz mão frouxa na liberação das emendas. Muito mais quando há votações importantes no Congresso e quando, como neste ano, se precisa antecipar a liberação das verbas por causa das restrições em períodos eleitorais.

Isso acontece também com a conivência de todo o Congresso, onde se sabe muito bem o antro que é a Comissão de Orçamento, cuja relatoria não por acaso foi entregue ao senador Gim Argello. Nessa perspectiva, o homem certo no lugar certo.

Abre as asas. É bonito ver o presidente Lula defendendo de maneira enfática a liberdade de expressão e o direito do site WikiLeaks de divulgar toda a informação a que tem acesso.

Com tal entusiasmo não pôde contar o Congresso quando solicitou os dados sobre os gastos secretos da Presidência para as investigações da CPI dos Cartões Corporativos.

No lugar das informações, do Palácio do Planalto saiu um dossiê sobre os gastos da Presidência no tempo do antecessor para intimidar a oposição.

Se o divulgado sobre o Brasil fossem esses dados no lugar de futricas diplomáticas talvez a reação do presidente não fosse a mesma. Como de resto, aliás, já demonstrou em várias ocasiões.

Mal maior. A depender da influência que tenha e do esforço que o futuro ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esteja disposto a despender com o assunto, o projeto de legalização dos bingos não terá futuro promissor.

Cardozo abomina o teor do projeto que tramita na Câmara em regime de urgência, cujo mérito está para ser votado.

Antes de o projeto chegar ao plenário, o novo titular da Justiça já falava sobre a força do lobby dos bingos e dos malefícios contidos na proposta que seria um verdadeiro parque de diversões para a contravenção e a lavagem de dinheiro.

Além disso, seria a porta de entrada para a legalização do jogo no Brasil. Inclusive com delimitação prévia de territórios e reservas de mercados para os atuais donos de bingos operarem os futuros cassinos.

FERREIRA GULLAR

Noel Rosa, flor de Vila Isabel
FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10


A namorada Lindaura sofria nas mãos dele, pois a deixava em casa dizendo voltar logo e sumia por aí



FAZ ALGUNS meses, a Folha lançou um CD de Noel Rosa, abrindo uma coleção de música brasileira. Comprei-o e, quando o ouvi no meu carro, fiquei encantado, logo imaginei um espetáculo, com uma única cantora e alguns poucos músicos. Nada de grande show nem orquestra. Não: ela cantaria seus sambas imortais e, entre um e outro, falaria dele, de sua vida em Vila Isabel, de seus amigos de boemia e das pequenas loucuras que aprontava.
Mas ficou nisso. Aliás, não. Fui atrás de uma biografia do cantor, escrita por João Máximo e Carlos Didier, edição comemorativa de seu 80º aniversário de nascimento, que é muito mais que uma biografia.
Com suas 500 páginas, nos faz mergulhar num rico universo de compositores, cantores e instrumentistas e nos revela, ao mesmo tempo, os começos do rádio como difusor de nossa música popular, as relações profissionais e de amizade que resultaram num período de intensa criatividade musical, só comparável ao período da bossa nova.
Tudo isso me deixou tão empolgado que cheguei a falar com Sérgio Cabral, mestre no assunto, do tal espetáculo com músicas de Noel.
E só então tomei conhecimento de que, neste ano de 2010, ele completaria cem anos de vida, se não tivesse morrido, em 1937, com pouco mais de 26 anos de idade.
Por isso mesmo, vários espetáculos e homenagens estavam sendo preparados e realizados. Logo, o show que imaginara -mais um entre muitos- não despertaria o interesse dos produtores já engajados na programação comemorativa dos cem anos de nascimento do artista.
Nem por isso deixei de me imaginar na plateia de algum teatro, ouvindo possivelmente Adriana Calcanhotto a interpretar "Com que Roupa", o primeiro sucesso de Noel.
Noel o compôs com menos de 20 anos de idade e ele tomou conta da cidade, tocando nas rádios e nos alto-falantes tanto da praça Saenz Peña quanto da avenida Atlântica.
Tomou conta também do Carnaval daquele ano, dando início a uma série de sucessos que fariam de Noel um dos mais destacados sambistas daquela época. Ganhou tanto dinheiro que chegou a comprar um automóvel, no qual saía para conquistar as mocinhas namoradeiras.
E ainda buzinava para provocar os amigos, obrigados a fazer suas conquistas a pé. Consideraram essa concorrência desleal, com que Noel concordou e, a partir de então, cada fim de semana, convidava um deles para a caçada motorizada.
Em Vila Isabel, moravam, além de Noel, Lamartine Babo, Nássara e Orestes Barbosa, entre outros. A figura mais famosa da patota era Francisco Alves, cuja voz encantava a todo mundo. Por essa razão, todos os compositores queriam ter músicas gravadas por ele. Valendo-se disso, mau-caráter que era, explorava-os, lhes comprando a parceria.
Os pais de Noel sonhavam com o filho formado em medicina. Ele não se fez de rogado. Estudou, fez o vestibular e foi aprovado. Mas alguém imaginaria Noel Rosa, sentado num consultório, atendendo pacientes e receitando remédios? Ele, no entanto, achava que poderia conciliar o samba e a medicina.
Enquanto isso, passava as noites na companhia dos boêmios, a beber e a cantar sambas. Certa madrugada, em São José dos Campos, de porre, saiu nu pelo corredor do hotel.
Tinha uma namorada, parente de um delegado de polícia, Lindaura, que sofria nas mãos dele, pois, a cada noite, a deixava em casa prometendo voltar logo e sumia. Ela, desesperada, saía atrás dele pelos bares e botecos e, quando o encontrava, estava já de porre a cantar e tocar violão numa roda de sambistas.
Ela queria casar; ele não. A mãe termina a expulsando de casa e os dois passam a noite indo e vindo num trem, até amanhecer. Finalmente, em face de tanta pressão, casam-se, para a infelicidade dela, já que quase nunca o tem a seu lado.
Continua a levar as noites bebendo e cantando nas rodas de malandros e, para piorar, se apaixona por Ceci, uma dançarina de boate, que depois o troca por um rapaz bonito e fino, que se chamava Mário Lago.
Assim foi que, comendo mal, dormindo pouco e tomando um porre por noite, contraiu uma tuberculose que o mataria rapidamente. No dia 4 de maio de 1937, morre na mesma Vila Isabel onde nascera. Se se chamasse Raimundo, talvez tivesse completado cem anos de vida ontem, no dia 11 de dezembro.

GOSTOSA

MERVAL PEREIRA

Lula, o pai 
Merval Pereira
O GLOBO - 12/12/10

A maneira cada vez mais desinibida com que o presidente Lula interfere na formação do governo Dilma e as demonstrações de que pretende permanecer na ribalta política até o último segundo de seu último dia na presidência da República são sintomas, para o psicanalista Joel Birman, de que Lula, fora do poder de direito, vai buscar reencontrar um lugar para o exercício da política, já que ele, na opinião de Birman, "é um animal político no melhor sentido, fazer política faz parte do seu ser".

O problema que ele vai ter que enfrentar, lembra Birman, "é como realocar esse desejo, essa vocação, numa outra atividade, seja no nível nacional, seja no nível internacional".

O desejo de Lula parece ser "um projeto internacional que o mantenha dentro de uma visibilidade que ele busca, ele quer que o que ele faça repercuta midiaticamente", comenta.

Já o analista Fábio Lacombe questiona "o que existe em termos simbólicos, verdadeiros, nesses níveis de popularidade".

Embora não acredite que venha a acontecer, Lacombe adverte que "a culminância disso pode ser algo parecido com Chavez, que vai aproximando a convivência política da convivência do que Freud descreveu como o pai primordial, que manda em tudo, só os desejos dele devem se realizar".

Para Lacombe, Lula "não tem superego, tem uma coisa meio infantil, imatura, que faz com que conviva muito bem com uma dimensão imaginária. Ele não tem compromisso com a palavra, o importante é o jogo que ele pode fazer com as palavras, o jogo de imagens".

O psicanalista Chaim Samuel Katz também vai pelo mesmo caminho, lembrando que esse fenômeno já aconteceu em vários países, "a ideia de procurar um pai artificial".

Lula, analisa Chaim Katz, se portou como esse pai, e o reconhecimento popular "lhe dá o direito de dizer certas coisas".

Chaim Samuel Katz lembra Jacques Lacan: "O pai se quer afirmativo da autoridade suprema e única, desde as grandes religiões monoteístas. Portanto, quem se afirma "o pai" se quer universalizador abstrato dos possíveis".

Mas, para ele, "isso tem um pouco de comédia. Hoje, por exemplo, é impossível você pensar que tudo vem de um foco único, as coisas vêm de vários lados, várias manifestações, há várias nações dentro da Nação".

Mas ressalta que Lula "sabe fazer isso politicamente". Embora possa ser criticável, diz Chaim Katz, é preciso reconhecer "o mérito de ficar à vontade nesse lugar".

Outro psicanalista, Joel Birman, lembra que a figura do pai forte "atinge as pessoas comuns e propicia um vínculo afetivo, enquanto estratégia de poder".

Segundo ele, "a imagem toca no inconsciente coletivo. Faz parte do capital político de Lula".

Chaim também vê nesse mecanismo sintomas de manobras de poder: "Nessa época que denominamos de pós-modernidade, a maioria procura um centro que distinga e unifique; que, em nome-do-pai, expresse a verdade unificante do simbólico; e, especialmente, que garanta melhor a estabilidade e o equilíbrio".

Nessa análise, o pai seria "a garantia, o apoio único e efetivo". Portanto, diz Chaim, "afirmar o pai é simultaneamente um mecanismo psíquico e de poder. Ocupar o lugar paterno é garantir a todos que a verdade se fará".

Ele inclui nessa leitura, inclusive, a megalomania que muitas vezes transparece nos improvisos de Lula: "Em nome-do-pai tudo é (possível)".

Para Joel Birman, provavelmente Lula alimenta o desejo de voltar nas próximas eleições. "Saindo com essa baita popularidade, ele vai alimentar essa aura narcísica para poder voltar".

A autoestima exagerada, um fenômeno psíquico que provoca o sentimento de onipotência, segundo o psicanalista Joel Birman faz o seu possuidor acreditar estar acima das regras que o constrangem ou, na linguagem psicanalítica, ser o "eu ideal", que tem as respostas para tudo.

Por isso, a adaptação de Lula ao novo cenário político dependerá do sucesso que venha a ter na substituição da prática política. "Se ele tiver uma satisfação similar à que tem no exercício da presidência, ele vai ficar numa boa, sem precisar de interferência grosseiras. Interferência indireta continuará tendo, ele é uma autoridade inconteste e a Dilma volta e meia vai fazer apelos a ele".

O problema é saber se ele tem a compreensão de que ser uma "reserva política" é uma gratificação pessoal. "A própria prática vai mostrar", comenta Birman, para quem "ele tem essa experiência de que, num determinado momento, precisa acumular capital político para poder dar um salto".

Birman acha que Lula buscará recursos para se adaptar "na memória política" que - além de três derrotas antes de assumir a presidência da República - teve dificuldades no primeiro mandato, quando não tinha esse respaldo público, teve que atravessar a crise do mensalão, "e conseguiu dar a volta por cima".

Para a possibilidade de que, fora do poder, Lula venha a ter dificuldades psicológicas, Joel Birman diz que ao mesmo tempo que ficar fora do palco pode provocar nostalgia, "sair no auge também é importante, vai gerar saudades".

MÍRIAM LEITÃO

Deserto de ideias
Míriam Leitão
O GLOBO - 12/12/10

Há mais esperanças na economia do que na política, no primeiro ano do governo Dilma. Apesar de o país crescer menos em 2011 do que em 2010, como esta coluna registrou ontem, na política não há qualquer sinal de novo. A formação do governo repete as mesmas velhas e gastas fórmulas de negociação e há muita figurinha repetida. O governo já nasce cansado.

A forma como a presidente eleita constituiu seu governo até agora repete os mesmos métodos e equívocos de governos anteriores. O mais relevante é o de não ter qualquer ideia que costure e justifique a aliança. Quando David Cameron, do Partido Conservador, e Nick Clegg, do Partido Liberal Democrata, decidiram fazer um governo de coalizão na Inglaterra, o primeiro movimento foi discutir um programa comum. Havia vários pontos de enorme divergência entre eles, inclusive sobre cortes de gastos. Cada um cedeu e depois foram sendo escolhidos os nomes. Quando o ministro era de um partido, se sabia o que significava. O ministro do Tesouro ser conservador era sinal de corte maior, o de Meio Ambiente ser liberal-democrata significava que o país continuaria defendendo o combate às mudanças climáticas.

No Brasil, o que significam as escolhas? Em termos de escolhas de políticas públicas há um ou outro ministro que se pode dizer que tem algum significado, mas no geral o que se vê é ou uma enorme mesmice ou algo ainda mais equivocado. O fato de o governo ter vencido a eleição significa apenas que as mesmas forças políticas governarão, mas não as mesmas pessoas.

O que dizer de o mesmo Edison Lobão nas Minas e Energia? Ele chegou lá sem entender coisa nenhuma de nada do tema, escolhido pelo presidente do Senado, José Sarney, e seu único mérito, aos olhos da presidente eleita, deve ter sido o de fazer exatamente o que ela determinava. Da Casa Civil, continuou sendo a ministra das Minas e Energia.

E que tal Pedro Novais no Ministério do Turismo? Significa apenas que Sarney consegue ter dois homens de confiança no governo. Mais uma vez se dá mais importância ao ex-presidente do que ele tem de fato. Ele não tem controle sobre o PMDB. Portanto, Dilma será mais um chefe de governo a superestimar a influência de Sarney sobre a legenda. Até quando uma pessoa conseguirá enganar tantos?

Num país que será sede de vários eventos importantes, o melhor seria ter escolhido alguém com juventude, dinamismo, e capacidade de visão para a área, e não uma pessoa que sai do bolso do colete do ex-presidente.

Alfredo Nascimento de volta ao Ministério dos Transportes, o que pode significar? Deve fazer a alegria de todos os lobbies já organizados nessa sempre tumultuada pasta. Além disso, sabe-se que o governo, para ajudá-lo na eleição, forçou o asfaltamento da BR-319, na Amazônia, apesar de todas as suas controvérsias. Mesmo assim, ele foi derrotado. Isso o credencia a ser premiado com a volta ao mesmo ministério que deixou para se candidatar.

Garibaldi Alves, na Previdência, Wagner Rossi, na Agricultura, Moreira Franco, na Secretaria de Assuntos Estratégicos, não representam ideia alguma. Garibaldi não sabia nem do tamanho do rombo da Previdência, Rossi já era uma nulidade na Agricultura, desconhece-se qualquer pendor de Moreira Franco para o pensamento estratégico. De vez em quando se diz que sua secretaria será recheada com outras funções, que ele vai formular ideias para o saneamento, e que passaria a também cuidar da regulamentação da Lei de Resíduos Sólidos.

Aí fica mais esquisito ainda. A Lei demorou 20 anos para ser aprovada, tem um impacto importante nas empresas, que passarão a partir de agora a ter que investir em coisas como logística reversa. Não pode ser vista como um penduricalho na vazia Secretaria de Assuntos Estratégicos. Saneamento, que tem sido a vergonha nacional e área na qual o desempenho do governo Lula foi pífio, não pode ser dividido ao meio, para que alguém no palácio "pense" o tema e alhures outro alguém execute.

O ministro Guido Mantega foi bem quando não teve ideias próprias e tocou por inércia a conformação do ministério deixado por seu antecessor. Liberado pela crise econômica, fez um grande estrago: aumentou gastos, transferiu montanhas de dinheiro para o BNDES, confundiu indicadores, escolheu setores para as benesses do Estado, deu razão aos gastadores. Ao ser confirmado, mudou duas coisas: o discurso e a pessoa a quem entrega a sua lata de pastilha para garganta. Se a mudança do destinatário da lata de pastilha é real - pelo menos Lula registrou - a mudança de pensamento é mais improvável.

Para uma pessoa que durante toda a campanha disse que escolheria técnicos com vinculação política, mas sobretudo com capacidade comprovada, a presidente eleita deixa muito a desejar até agora.

Pior, ela ficou prisioneira do mesmo jogo político-partidário menor de toma lá dá cá, de cota do PMDB, cota de Sarney, cota do PT, cota do Lula. Existe até uma cota Dilma, como se ela não fosse passar a ser a partir do dia primeiro a presidente de todos os brasileiros.

O PIB do Brasil crescerá no ano que vem, menos do que no ano anterior, mas mais do que no primeiro ano do governo Lula, como disse aqui ontem. Mas com esses primeiros movimentos o que Dilma conseguiu na formação dos ministérios é a consolidação de práticas, escolhas, critérios e nomes do que há de mais antigo na política brasileira. Nunca antes um governo nasceu tão velho.

GOSTOSA

JANIO DE FREITAS

Corrupção? Bingo!
JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/10

A compra de deputados pelo lobby dos bingos é livre e já vitoriosa na concessão de urgência ao projeto



O MAIOR FEITO da corrupção na Câmara durante a legislatura que finda, capaz de igualar em uma só imoralidade todas as outras dos atuais mandatos, está armado para concretizar-se nesta semana com a ajuda das lideranças partidárias. É a aprovação do projeto para legalizar os bingos, com o acréscimo de um penduricalho que legaliza também os caça-níqueis. A compra de deputados pelo lobby dos bingos é livre e escancarada, e já vitoriosa na concessão de urgência ao projeto, para ser votado ainda pelos atuais parlamentares.
No denúncia feita da tribuna pelo deputado paulista Fernando Chiarelli (PDT), "os traficantes não estão nos morros do Rio, estão na Câmara fazendo lobby para aprovar o bingo. A corrupção está correndo solta aqui". Dois outros deputados, também da tribuna e em declarações ao "Globo" -Miro Teixeira (PDT) e Marcelo Itagiba (PSDB)-, denunciaram a ação dos lobistas "com muito dinheiro, para que seja votada e se aprove, ainda nesta semana, a legalização dos bingos".
A urgência foi aprovada por intermédio de uma anomalia. Rejeitada na noite de terça passada, com 226 votos a favor, faltaram-lhe 31 para a aprovação. A proposta de urgência foi então anexada, por acordo entre os líderes de bancadas partidárias, à prorrogação da Lei Kandir. Aos lobistas estava dado tempo para a conquista de mais votos; aos novos deputados do facilitário, um pretexto para sua adesão. Como complemento da manobra, deu-se a volta extraordinária da proposta de urgência à votação no dia seguinte à sua derrota. Houve voto de sobra na aprovação.
Um pormenor relembra a farsa que são os princípios e programas partidários exigidos pela legislação. Se partiram do PDT denúncias enérgicas do suborno, são também do PDT, como observa o jornalista Evandro Éboli, os dois acompanhantes permanentes do principal lobista e presidente da Associação Brasileira dos Bingos. São os deputados paulistas João Dado e, não faltaria, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força e dos bingos e dos caça-níqueis e do -simplifiquemos, de tanto mais.
Nos quatro anos da legislatura anterior, o mensalão dos deputados. Nas duas que a antecederam, as privatizações armadas e a compra do direito da reeleição. Ainda que no fugir das luzes, a atual legislatura não quer fugir à tradição.

FALTA SABER
Mesmo que seja humanitária a divulgação de fotos de crianças desaparecidas, obrigar publicação em jornais é o mesmo que proibir publicação. Dois atos igualmente incompatíveis com o Estado de Direito democrático.
A obrigatoriedade aprovada pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina mostra a que confusões pode levar, até em uma casa legislativa, certa ansiedade quanto aos meios de comunicação. E, portanto, a conveniência de discussão séria e ampla para esclarecer seus direitos e deveres, as qualidades a multiplicar e os defeitos a corrigir. Sem raivas primárias de um lado e sem temores de outro.

ATÉ
Em reconhecimento ao seu esforço, os leitores desta coluna desfrutarão, por alguns dias, de licença-prêmio

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Quem fala muito...

EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 12/12/10
Há dois aforismos muito populares que se aplicam aos falastrões: "Quem diz o que quer ouve o que não quer" e "Quem fala muito dá bom dia a cavalo", ou seja, acaba dizendo bobagem. Pois o presidente retirante - que na ânsia de não perder nenhum dos poucos minutos de poder formal que lhe restam anda falando mais do que nunca antes - nos últimos dias se tem esmerado em ilustrar aquelas pérolas da sabedoria popular. Dois episódios foram particularmente exemplares. O primeiro, na quarta-feira, na solenidade de posse do novo presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler. O segundo, no dia seguinte, durante o ato de apresentação do balanço de quatro anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Lula foi ao TCU acompanhado da presidente eleita, Dilma Rousseff. Nenhum dos dois discursou nem falou com os jornalistas. Mas Lula passou pelo constrangimento de ter que ouvir, no discurso de posse do ministro Zymler, uma clara resposta a suas frequentes reclamações e críticas à ação fiscalizadora daquele tribunal: "O aperfeiçoamento das auditorias passou a ser a marca registrada do TCU junto à sociedade. Não há por que retroceder nesse campo. Pelo contrário, torna-se imprescindível a contínua melhoria dessa atividade." Aludindo ao que classificou de percepção generalizada de que o TCU tem sido "duro" em sua ação fiscalizadora - alusão da qual é impossível dissociar os queixumes do presidente da República -, Zymler enfatizou: "E tem de ser duro. Isso significa algum tipo de problema pontual, mas a perspectiva de longo prazo é a de melhoria de gestão no próprio governo." Assim, depois de tanto e por tanto tempo dizer o que queria sobre o TCU, Lula acabou tendo que ouvir o que não queria.
Na quinta-feira, durante mais um dos atos públicos programados em sua carregada agenda de despedidas da chefia do governo, dessa vez com o objetivo de fazer a apresentação de um balanço das realizações do PAC, Lula enveredou por mais uma de suas habituais digressões para debochar, por um lado, da diplomacia americana e, por outro, dos jornalistas e todos os que defendem a liberdade de imprensa. Diante de uma solícita e animada plateia composta por ministros, parlamentares e funcionários dos vários escalões do Executivo, Lula escancarou o deboche ao referir-se à WikiLeaks e à prisão de seu diretor, o australiano Julian Assange, "o rapaz que estava desembaraçando a diplomacia americana". Num dia em que não parecia, como se vê, particularmente inspirado em matéria de clareza de expressão, o presidente atacou, em tom irônico, estimulado pela cumplicidade dos ouvintes: "O rapaz (Julian Assange) foi preso e não estou vendo nenhum protesto contra (sic) a liberdade de expressão." É claro que Lula queria dizer "protesto pela liberdade de expressão", mas acabou repetindo o ato falho, pelo menos mais duas vezes. E ainda deu um jeito de encaixar um valioso conselho a Dilma Rousseff, referindo-se às trocas de mensagens entre diplomatas americanos divulgadas pelo WikiLeaks: "A Dilma tem que saber e falar para o ministro dela que, se (os diplomatas) não tiverem o que escrever, não escrevam bobagem, passem em branco a mensagem."
Ironias e deboches à parte, o argumento usado por Lula para alfinetar a imprensa e o governo norte-americano é formalmente inconsistente. Apesar de todo o óbvio interesse dos Estados Unidos e demais países envolvidos em colocar um ponto final na divulgação de documentos diplomáticos, a prisão de Julian Assange em Londres não teve, pelo menos como causa imediata, nada a ver com liberdade de expressão. Ele se entregou espontaneamente à polícia inglesa depois que a Interpol expediu contra ele um pedido de prisão, motivado por acusações de estupro e abuso sexual feitas, na Suécia, por duas cidadãs daquele país.
Quanto à liberdade de expressão, não corre o menor risco nos Estados Unidos, como ficou claro no caso dos famosos "Papéis do Pentágono", em 1971, muito mais lesivo aos interesses americanos e até a segurança dos EUA do que o atual, mas ainda assim garantido pela Suprema Corte americana. Risco ela corre até hoje no Brasil de Lula e do seu ministro Franklin Martins.

O MENTIROSO DO PLANALTO

GAUDÊNCIO TORQUATO

Papel sem pés não corre
Gaudêncio Torquato 


O Estado de S.Paulo - 12/12/10
A conclusão é inevitável: o Brasil de hoje não anda mais depressa porque o Brasil de ontem não deixa. O mais recente dado revelador dessa hipótese? A esperança de vida do brasileiro ao nascer subiu para 73 anos, dez anos a mais do que a expectativa de vida em 1980. O dado é da última pesquisa do IBGE. Grande avanço. Stephanie dos Santos Teixeira, de 12 anos, teve vaselina injetada na veia em vez de soro e morreu. Tragédia da última semana. Grande atraso. É assim que o passado faz curvas nas largas avenidas do presente. Ao lado de ocorrências trágicas que irrompem sobre os espaços da modernidade, como catástrofes da natureza, multiplicam-se em nossas plagas fatos escabrosos que derivam de fatores humanos, como incúria, desleixo, leniência, escancarando o descompasso entre a progressão geométrica da ciência e da tecnologia(responsável por conquistas na área da saúde) e a progressão aritmética da capacitação humana.
As aberrações atingem o mais alto grau da incredibilidade: uma reforma que consumiu R$ 111 milhões (Palácio do Planalto) e mais de um ano de duração deu com os burros n"água. Nem bem as equipes tomam assento nas instalações renovadas, um cano estoura e joga lama no subsolo da sede do governo. Serviço mal feito. A falta de refinamento para fazer um restauro de qualidade, no dizer do representante do arquiteto do Palácio, Oscar Niemeyer, diagnostica bem o desmazelo que infesta a coisa pública. Deficiências convivem lado a lado com as suficiências. Veja-se o caso da educação, que registra melhora na última década, mas apresenta distância oceânica de países com excelência de qualidade de ensino. Dos 20 mil estudantes que fizeram as provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), mais da metade ficou com a nota mais baixa, o nível 1. É consenso: a educação não passa no teste. E não apenas ela. A precariedade dos serviços públicos, por causa do efeito cascata que os estragos geram sobre a economia, atravanca o crescimento nacional.
No momento em que os novos mandatários dão forma às estruturas governativas, com a escolha de nomes para geri-las, o tema da qualidade deveria ser alçado ao posto de prioridade um. A tarefa é complexa, eis que parcela dos novos dirigentes, oriunda da política, encontra dificuldades para conciliar metas de desempenho, definição de responsabilidades, simplificação de processos e redução de cargas burocráticas, com os compromissos e as demandas imediatas dos atores inseridos em sua moldura de interesses. No plano federal, o perfil da presidente eleita permite inferir que as abordagens técnicas, centradas em cânones da moderna administração, deverão ganhar reforço. Aliás, o diferencial da presidente Dilma está em modelagem mais apurada e homogênea de gestão, com a qual poderá implantar sistemas rígidos de controles. Com este escopo plasmaria identidade e imagem capazes de adquirir respeito e credibilidade, sem querer competir com o ciclo populista de Lula.
O compromisso com a qualidade dos serviços públicos, que se espera também dos governantes estaduais, seria a mola propulsora para a proclamada modernização do Estado. Que caminhos percorrer nesse empreendimento? Primeiro, lubrificar a máquina. Melhorar o desempenho. Significa, entre outras tarefas, estabelecer planos de ação para o desenvolvimento das pessoas, dos órgãos e estruturas, adotando critérios meritocráticos nos sistemas de reconhecimento, recompensa e administração de carreiras dentro do serviço público. O Reino Unido desde 1997 desenvolve uma reforma com o objetivo de expandir a produtividade e a melhoria da qualidade dos serviços. O programa para a redução da burocracia objetiva expandir o PIB do país em 16 bilhões de libras. Na Holanda programa semelhante se desenvolve, a partir da redução de 25% dos entraves burocráticos do serviço público num prazo de quatro anos.
A faxina nas cozinhas das administrações públicas dá bons resultados quando constituem prioridades dos governos iniciantes. Não se sustentam no meio ou no final dos mandatos. Faltaria motivação. Nesse sentido, merece aplausos a sinalização feita pela presidente eleita ao convidar o empresário Jorge Gerdau para comandar um núcleo de gestão no próximo governo. A visão desse empreendedor, voltada para a eficiência, poderá ajudar o Estado a se libertar de elos paternalistas que o prendem ao passado. Nessa tarefa, aliás, o governo dispõe de grande instrumental: a Secretaria de Assuntos Estratégicos. Sua missão é repensar o País. Se há uma tarefa que pode engrandecê-la, seria a de criar uma cultura de cidadãos em substituição à cultura de súditos. Em outros termos, estabelecer uma relação mais simétrica, menos autoritária e paternalista entre usuários e agentes públicos. Ganharíamos, assim, um Estado mais racional, promotor, regulador e gerador de equidade social. E na esteira desse esforço de modernização poderíamos apostar na melhor qualidade dos serviços públicos, visualizando-se rapidez em sua distribuição (extinção das malfadadas filas diante de guichês), acessibilidade aos serviços, planilhas transparentes de investimentos e gastos, informações objetivas e fáceis aos usuários, cortesia no atendimento, etc.
É evidente que tal aparato exige alentado programa de capacitação, ao lado de políticas de fomento e motivação dos quadros. Só assim seria possível limpar o entulho que se acumula nos espaços da administração pública. Vaselina não seria mais confundida com soro. O zelo tomaria lugar do desleixo. E a seguinte historinha (real) dos papéis que andam entre as estantes dos prédios públicos não passaria de folclore. O cidadão chega à repartição e pede para ver seu processo. Ouve: "Ah, tem muitos outros na frente. Vai demorar um tempão até ser despachado. Papel, doutor, não tem pernas." Agastado, o interlocutor reage: "E quanto o senhor quer para pôr dois pés nesse papel?" Tiro e queda. O adjutório fez o papel correr rapidinho.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR