terça-feira, novembro 16, 2010

ARNALDO JABOR

"O progresso da decadência"
ARNALDO JABOR
O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/11/10


"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das escolas é dramático. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. Não é uma existência; é uma expiação. Diz-se por toda a parte: ‘O país está perdido!’(...) Por isso, aqui começamos a apontar o que podemos chamar de ‘o progresso da decadência’.

Não fui eu quem escreveu isso. Foi José Maria da Eça de Queiroz, em 1871. Essa era a introdução de "As Farpas", que lançou com Ramalho Ortigão, ainda em Coimbra. Tinha pouco mais de 20 anos quando começou a esculachar em panfletos a mediocridade portuguesa no século XIX que nos legou essa herança lamentável.

Nada mais parecido conosco.
Esses textos de Eça, reunidos sob o título de "Uma Campanha Alegre", foram justamente os primeiros que me caíram na mão. Fiquei deslumbrado com a crítica social e de costumes. Não sabia que isso existia - eu era um menino.

Creio que minha vida de jornalista de televisão, rádio e jornal foi remotamente influenciada por ele. E revendo sua vida na internet, lembrei que Eça de Queiroz nasceu em 25 de novembro de 1845 - daqui a uma semana. Assim, resolvi escrever de novo sobre ele.

Esse homem foi a maior paixão de minha vida. Com ele aprendi tudo: minha pobre escritura, o ritmo de seu texto, a importância do humor e do sarcasmo, e muito sobre a nossa ridícula loucura ibérica.

Depois, descobri um livro roído de traças na casa de meu avô: "O Primo Basílio", que minha avó tentou proibir ("Isso não é para criança!..."). Li-o, claro, e minha vida mudou.

Era como se toda a névoa confusa da infância, minha família difícil de entender, vagas tias, vultos, rezas, tristes salas de jantar, secos padres jesuítas, tivesse subitamente se dissipado.
O mundo ficou claro, através das personagens de Eça. Ali estavam explicados os arrepios de horror diante do teatrinho pequeno-burguês do Rio. O primo Basílio chegava com sua vaidade brutal e encarnava os cafajestes brasileiros, o padre Amaro me decifrava a tristeza sexual das clausuras do Colégio Jesuíta, o conselheiro Acácio era a burrice solene de professores e políticos, Damaso Salcêde espelhava centenas de mediocridades gorduchas, Gonçalo Ramirez era o frágil caráter de hesitantes como eu. E vinha Thomaz de Alencar com sua literatice melancólica, vinha o banqueiro Cohen, esperto e corno, flutuava no ar o cheiro enjoado da Titi Patrocínio de "A Relíquia" e, claro, as coxas de Adélia, sem falar no supremo frisson do famoso "minette" do primo Basílio na "Bovary" Luíza (razão básica da proibição alarmada de minha avó).

E não só o desfile dos medíocres, mas as fileiras dos heróis ecianos: Carlos da Maia, João da Ega, Jacintho de Tormes, Fradique Mendes - cultos, elegantes, ricos, irônicos e corrosivos. Eça me dava a alma viva do século XIX, atacando a estupidez endêmica, os sebastianistas de secretaria, os burocratas pulhas, os melancólicos de charutaria, os políticos demagogos, a burrice épica de um Pacheco ou do conde de Abranhos - que fartura!

Era uma sociologia ficcional de nosso destino de fracassados.
Eu amava-o tanto que - acreditem - me postava na porta do colégio na hora da saída para ver passar um homenzinho da vizinhança ali de Botafogo que era um sósia de Eça. Quem seria? Um bancário, um contador, quem?

Tinha o rosto enfezado por um fígado ruim (como o Eça) que lhe franzia a boca num escárnio risonho. Tinha a mesma pastinha de cabelo sobre a testa curta, o olho rútilo, o mesmo bigode, o gogozinho de pássaro, os braços de cegonha, a palidez biliosa. Só lhe faltava o monóculo cravado no olho irônico. Vê-lo passar me encantava como diante de um ressuscitado. Em vez de correr atrás de meninas, eu fazia isso. Pode?

Até hoje, quando vejo a TV Câmara ou a TV Senado, aquelas ricas jazidas de imbecilidades, vendo as caras, frases e gravatas, eu ainda penso: "Será que esses caras aí nunca leram Eça de Queiroz?" Não. Nada. Eles navegam intocados em sua vaidade estúpida, em sua impávida ratonice.

Entre Machado de Assis e Eça de Queiroz, sempre preferi o português ao nosso grande mulato. "Ah... porque o Machado é bem mais sutil!..." - diz-se, comparando, por exemplo, Capitu à Luíza do "Primo Basílio" (que o próprio Machado, ciumento, acusou de plágio da "Eugenie Grandet"). "Ahhh!... porque o Machado tem mais níveis de significação, mais complexidade psicológica etc e tal..."

É verdade. Também acho. O grande Machado atingiu subtons que Eça nem tentou, por escolha. Machado é mais inglês; Eça é saído das costelas de Flaubert, Balzac e Zola e funda uma literatura caricatural contra as perdidas ilusões ibéricas, com um riso deslavado, com uma proposital "falta de sutileza" que resulta depois finíssima.

Eça cria um realismo quase carnavalizado, sem anseios de transcendência.
Machado é mais "nauseado". Deixa-se envolver por um pessimismo que o claro riso de Eça recusa.

É verdade que as personagens de Eça não são tão "livres" quanto em Machado. O "tipo" eciano não tem grande "complexidade"; mas isso talvez seja o que nossa mediocridade social merece.
Ele não cria personagens com uma psicologia sofisticada. Para ele, somos mesmo "tipos". Como em seu neto Nelson Rodrigues, há nele uma superficialidade "profunda", muito atual neste tempo em que os valores idealizados caíram no chão.

Eça é um escritor político. Ele nos exibe o ridículo das figuras que se consideram nossos "timoneiros" do alto de sua gravidade falsa, com seus interesses mesquinhos no bolso dos jaquetões.

CELSO MING

Ataque à periferia do euro

Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 16/11/2010 
O mercado financeiro está metendo Irlanda e Grécia no mesmo saco, o da periferia da União Europeia, e passou a recusar em conjunto os títulos de dívida desses países como se fossem membros do mesmo bloco.
Ontem, o governo da Irlanda continuava rejeitando categoricamente qualquer ajuda oferecida pela União Europeia. Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores de Portugal, Luís Amado, avisava que seu país poderia vir a ser obrigado a abandonar o euro, de maneira a voltar a ter moeda própria que pudesse ser desvalorizada e, assim, evitar o enorme sacrifício pedido para colocar as finanças públicas em ordem.
Mas, afinal, é bom ou ruim ter moeda própria? Enquanto tudo foi muito bem na Europa, a moeda comum, o euro, foi festejado como a grande conquista da modernidade. A união monetária conta hoje com 16 países e tem uma fila de 8 à espera da entrada no clube.
Mas, à medida que a crise avançou sobre a economia mundial e enfraqueceu ainda mais o subgrupo de países da área do euro, que já vinha apresentando baixa competitividade, mais e mais se pergunta se valeu mesmo a pena abrir mão da soberania monetária para se submeter à camisa de força comandada pelo Banco Central Europeu (BCE).
Quando quebrou o Northern Rock, o primeiro banco inglês a sofrer corrida bancária, em fevereiro de 2008, os ingleses, em coro, repetiram que abençoada fora a hora em que decidiram pular fora do euro e continuar contando com a libra esterlina, que sempre se pode desvalorizar para assegurar competitividade ao produto do país. Quer isso dizer que, em época de crise, a moeda comum é um estorvo?
Alguns economistas tendem a dizer que sim, embora eles próprios admitam que enfrentar uma rejeição de sua dívida não podendo contar com o guarda-chuva monetário comum complicaria muito mais a situação. Se Grécia, Portugal, Irlanda ou Espanha voltassem a emitir moeda e a desvalorizassem em relação ao euro, a dívida que hoje já é insuportável em euros ficaria ainda mais sem a tutela do BCE e dos países sócios mais fortes.
A questão de fundo não é administrar (ou não) uma moeda, mas a qualidade das finanças públicas nacionais. Dívidas grandes demais num quadro de crescimento do rombo orçamentário, como é o caso de Grécia, Irlanda e Portugal, acabam mesmo se expondo à crise de confiança e à rejeição desses títulos.
Países que têm moeda própria, como o Brasil, muito frequentemente usam o truque de desvalorizar o câmbio com o objetivo de compensar o elevado custo de produção, como impostos e juros altos demais ou uma infraestrutura precária e pouco funcional. Com uma moeda mais fraca, os preços em dólares das mercadorias de exportação ficam mais baixos e as importações, mais caras. Sem moeda, não é possível recorrer à desvalorização do câmbio e, assim, reduzir indiretamente salários, aposentadorias e demais preços relativos para compensar a alta dos custos de produção, mesmo com o risco de abrir caminho para a inflação.
Não há solução definitiva para Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha sem a volta ao equilíbrio das contas públicas, independentemente da moeda com que contem.

CONFIRA
O futuro do petróleo
Matéria do Le Monde Diplomatique (capa de domingo) aponta os seguintes elementos sobre o futuro do petróleo, com base no relatório "World Energy Outlook 2010".
Chegou ao limite
A produção global de petróleo por fontes convencionais atingiu seu pico de 70 milhões de barris diários em 2006. De lá para cá, vem oscilando em torno dos 68 milhões a 69 milhões de barris diários. A diferença para o nível de consumo (hoje de 87 milhões de barris diários) terá de ser suprida por óleo e gás, produzidos por fontes não convencionais (xistos e areias betuminosos). É um petróleo de custo muito mais alto e mais sujeito a restrições ambientais.
Ficará mais caro
O consumo global de petróleo deve atingir os 99 bilhões de barris diários até 2035. A essa altura, os preços do barril (159 litros), hoje por volta dos US$ 85, deverão ter saltado para acima dos US$ 200. Mas, já em 2015, deverão ter avançado para a altura dos US$ 100.

MERVAL PEREIRA

A Copa e a lei

Merval Pereira
O Globo - 16/11/2010
Na pauta da Câmara, entre as 11 medidas provisórias que estão na fila para serem votadas ainda nesta legislatura, uma das mais polêmicas aumenta o limite de financiamento para estados e municípios que terão jogos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Outra isenta de impostos produtos e bens necessários para a construção de estádios de futebol.
A MP 496/10 permite que estados e municípios, mesmo os que tiveram débitos com a União renegociados recentemente, comprometam com dívidas o equivalente a 120% de sua receita líquida anual, em vez de 100%, como está estabelecido em lei hoje.

A medida não mexe diretamente na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas sim na lei complementar de rolagem da dívida.

Ela altera a lei, os acordos e tudo o que estava pactuado em torno da rolagem da dívida dos estados e municípios.

É curioso que o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, tenha andado a defender a alteração do indexador da rolagem da dívida, que a torna impagável, mas o governo se recuse a mudar, alegando erroneamente que, para alterar o indexador, seria preciso mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que não é verdade, como mostra a medida provisória que está para ser votada.

A lei da rolagem da dívida foi feita antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, também na década de 90.

Desde a época da Primeira República havia estados quebrando, e o governo federal, socorrendo. Inclusive nas moratórias da dívida externa.

Depois da Constituinte de 1988 houve várias rolagens. O próprio ex-presidente Fernando Collor, para tentar se salvar naqueles momentos tensos em que seu impeachment estava para ser votado no Congresso, fez uma rolagem que agradava aos estados.

A Lei de Responsabilidade Fiscal veio então para acabar com essas rolagens permanentes.

A ideia era pagar a conta do passado, mas não repetir o erro no futuro.

A reivindicação de Alckmin tem fundamento técnico, porque a dívida dos estados e municípios é indexada pelo IGPM, pois naquela época havia o câmbio fixo.

Quando o câmbio flutuante passou a ser usado, praticamente tudo que ainda é indexado tem como referência o IPCA, e só contrato de aluguel, tarifas é que ficaram em IGP, além da dívida dos estados e municípios.

Isso gera distorções importantes, por mais que os estados e municípios paguem, a dívida só faz aumentar.

Os governadores deviam 12% do PIB em 2000 e hoje devem 11%, mas pagaram muito mais do que esse ponto percentual de redução.

Isso não está sendo mudado nessa MP, o ministro Paulo Bernardo respondeu a Alckmin, dizendo que não podia mexer no indexador sem mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal e sem mexer nos contratos de rolagem da dívida.

Só que essa MP da Copa está fazendo exatamente isso: sem mexer na LRF, está alterando os contratos de rolagem da dívida.

Do ponto de vista ético, essa mudança pontual para apenas 12 estados e municípios cria uma situação embaraçosa.

É uma aberração federativa, pois existem cidades que estão em estado de emergência por causa de uma calamidade pública, como já estiveram municípios de Santa Catarina; hoje deve haver muitas cidades com problemas por causa da seca no Norte e no Nordeste; há outros casos de cidades que estão em petição de miséria por causa da educação, por causa da saúde, mas, para essas, as regras estão mantidas.

Do ponto de vista financeiro, macroeconômico, a MP da Copa não cria problemas para a economia como um todo, mas apenas problemas localizados no futuro em algumas cidades como Natal, onde o custo de construir o estádio vai ser o dobro do que o município já deve hoje.

A capital do Rio Grande do Norte vai fazer um endividamento brutal, comprometer uma ou duas gerações futuras da cidade, por causa de um estádio de futebol.

A medida provisória permite até mesmo empréstimos externos, e há informações de que o Banco Mundial está querendo emprestar dinheiro para a Prefeitura do Rio.

O que dizem na verdade é que essa MP foi concebida para permitir a construção do estádio do Corinthians em São Paulo, para a abertura da Copa do Mundo.

Das grandes capitais, a que está mais estourada nos limites orçamentários é São Paulo. Por mais que tenha sido feito um ajuste doloroso nos últimos anos, como se estava partindo de uma posição muito ruim, dificilmente a prefeitura vai conseguir se enquadrar nos limites da lei.

Essa MP, embora não mexa diretamente na Lei de Responsabilidade Fiscal, está mexendo na lei da rolagem, dando um péssimo sinal federativo, sinalizando uma falta de prioridad e s e m o s t r a n d o q u e , quando é para agradar a empreiteiras e construir estádios de futebol, a LRF não impede que se mude a rolagem da dívida.

Fora isso, há um aspecto colateral nessa MP que chega a ser hilariante se não fosse tão exemplar do espírito hipócrita com que são tomadas medidas econômicas ultimamente.

A MP, como lei ordinária, não pode mudar uma lei complementar como a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por ela, o Tesouro não pode dar aval para uma prefeitura ou para um governo de estado que esteja desenquadrado.

Para não correr o risco de o Tribunal de Contas da União ou o Ministério Público cobrar providências do Tesouro, a MP tem um artigo que diz que os municípios e os estados estão desobrigados da remessa do balancete da execução orçamentária mensal e do cronograma de compromissos da dívida vincenda, prevista no artigo 21 daquela lei.

Eles só precisam entregar os relatórios depois que fizerem os investimentos.

Os estados ou as prefeituras vão continuar publicando os balanços, mas o que o Tesouro não quer é receber oficialmente esses números, para não ter que cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal

MÍRIAM LEITÃO

Verdades ocultas
 Míriam Leitão
O Globo - 16/11/2010
 

Foi apenas o fechar das urnas, e as verdades começaram a aparecer. A CPMF reaparece com a presidente eleita e alguns governadores falando dela com uma sinceridade que lhes faltou na campanha. O governador do Rio entrou no STF dizendo que o sistema de partilha do petróleo prejudica o estado. O sistema é ideia de Dilma Rousseff, a quem Sérgio Cabral deu seu entusiasmado apoio.
Tenham compostura senhores e senhoras da política: nós não somos bobos.

Quantas vezes vocês acham que podem nos enganar mudando de tom, discurso e propósitos entre o pré e o pós-urnas? O banco PanAmericano estava quebrado antes das eleições, mas as informações sobre isso apareceram apenas alguns dias depois. O que torna o caso inegavelmente uma questão de interesse e dinheiro públicos é a compra extemporânea de 49% do banco pela Caixa Econômica Federal e a cegueira coletiva que atingiu comprador e fiscalizadores.

PT e PMDB, os dois maiores partidos da coalizão, começaram a se engalfinhar em público pelos cargos, como se fosse uma disputa do butim de uma batalha que eles venceram. Ficase sabendo que o consumidor — e não as empresas como Itaipu e Furnas — é que pagará pelo custo do apagão que em 2009 deixou 18 estados sem luz. Nove empresas receberam multas de R$ 61,9 milhões e recorreram.

Ainda nenhum tostão saiu do caixa delas. Mas o distinto público que ficou sem luz pagará R$ 850 milhões a mais em suas contas em 2011. O TCU informa que 32 obras de investimento do governo, 18 delas do PAC, deveriam ser paralisadas porque têm graves irregularidades e sobrepreço.

Entre elas, algumas que foram exibidas na propaganda eleitoral da presidente eleita, como a Refinaria Abreu e Lima. O financiamento do trem-bala não terá apenas dinheiro subsidiado, terá subsídio direto de R$ 5 bi nos primeiros anos. A lista das más notícias neste breve período pós-eleitoral é grande e está em várias áreas; em comum o fato de terem sido dadas em momento muito conveniente para o governo.

O governador do Rio, Sérgio Cabral, não pode alegar que desconhecia que o sistema de partilha, as mudanças na Lei do Petróleo e as condições da capitalização da Petrobras prejudicam frontalmente o estado que governa.

Ele até chorou por isso, em público, meses antes das eleições.

Depois, tratou a questão como resolvida. O prejuízo teria sido evitado por um suposto e mal explicado acordo entre ele e seus aliados do governo Federal. A nova regulação do petróleo, que foi toda formatada no gabinete da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff — hoje presidente eleita —, prejudica o Rio. O estado que produz 80% do petróleo que se extrai no Brasil e que será também grande no pré-sal perde porque no sistema de concessão o estado recebe royalties e participação especial.

No novo sistema não há participação especial e ainda há o risco de se perder grande parte dos royalties.

Perde também porque a União fez a transferência para a Petrobras, na chamada cessão onerosa, de bilhões de barris de petróleo do pré-sal que também não pagarão participação especial ao Rio.

Disso tudo o governador Sérgio Cabral sabia antes e durante o processo eleitoral.

Por que nunca disse isso ao eleitor? Por que deixa para entrar no Supremo Tribunal Federal depois das eleições? Um governador tem que ter como primeira lealdade a defesa dos interesses do estado que administra e não a coalizão política da qual participa.

O advogado-geral da União, Luís Adams, disse que vai contestar a Ação Direta de Inconstitucionalidade do Rio.

“Não vejo futuro nessa Adin”, disse Adams. Pois é. O que ela tem é passado: o tempo em que o governo do Rio esperou para entrar com a ação.

A declaração da presidente Dilma em sua primeira entrevista de que não poderia ignorar a pressão dos governadores pela CPMF — assim, docemente constrangida a defender o imposto — foi espantosa. Primeiro, porque ela nunca deu ciência aos eleitores de que estava sendo pressionada; segundo, porque os governadores disputando eleição ou reeleição também não disseram que estavam pressionando quem quer que seja pelo imposto.

Terceiro, porque a arrecadação aumentou depois do fim do imposto pelo peso da elevação de outros tributos.

O P da CPMF quer dizer provisório. Foi criada em momento específico e com objetivo limitado. Era para atravessar o período da transição entre a hiperinflação e a estabilidade, quando havia risco de uma queda da arrecadação.

Ela cria muitas distorções.

Parece prejudicar apenas quem faz transações bancárias mas afeta, em cascata, todos os preços da economia.

Por ser cumulativa, vai produzindo um peso enorme sobre as empresas, que o transferem ao consumidor. Aí o imposto fica regressivo, injustamente distribuído.

Os governadores e os presidentes, eleita e em exercício, podem estar sinceramente convencidos de que sem a CPMF não é possível financiar a saúde — ainda que, como se sabe, ela pouco financiou a saúde — mas só poderiam tratar disso agora se tivessem defendido o imposto durante o processo eleitoral. O Brasil tem um longo histórico de verdades ocultas durante o período em que encantadores candidatos tentam atrair o voto do cidadão pintando o mundo de cor-de-rosa e prometendo só alegrias. Por isso a CPMF é inaceitável. Só pode propor o imposto agora quem teve a coragem de defendê-lo quando estava no palanque.

DORA KRAMER

De malas prontas
DORA KRAMER

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/11/10

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, foi convencido por seus pares a desistir da ideia de promover a fusão do DEM com um partido de musculatura mais forte, PSDB ou PMDB.

Em compensação, quem pensa seriamente em deixar o DEM agora é o próprio Kassab. Na verdade "pensar seriamente" é eufemismo, pois o prefeito está praticamente com um pé fora do partido e outro dentro do PMDB. Coisa para março, no máximo.

As malas estão quase todas prontas, faltando apenas alguns acertos com os dois políticos que Gilberto Kassab tem como referência: Jorge Bornhausen, que lhe deu chance de crescer no PFL, e José Serra, que abriu a oportunidade de ser prefeito de São Paulo ao aceitá-lo como vice na eleição municipal de 2004.

A história dessa mudança começou logo após a proclamação do resultado da disputa presidencial. Se José Serra fosse eleito presidente, a perspectiva de Kassab era integrar um novo e grande partido que Serra pensava em criar, arregimentando o DEM e legendas médias que gravitam em torno do governo federal, mas atuam em faixa própria.

Com a derrota o projeto se frustrou. Para Kassab e outros líderes com horizonte político e planos futuros em aberto, o DEM acabou se tornando um endereço arriscado.

O partido que já chegou a ter 100 deputados federais e a contar com a maior bancada no Senado, em menos de dez anos foi reduzido a 43 deputados e 6 senadores.

Mudou de nome, teve sua direção entregue a uma nova geração de políticos, ensaiou uma oposição mais assertiva e nítida, mas não aconteceu.

Aquela nova geração perdeu todas as batalhas. As vitórias foram conseguidas pela velha guarda. Isso se pode dizer tanto em relação à luta contra a CPMF quanto no tocante às últimas eleições. O DEM elegeu dois governadores nos Estados de Agripino Maia (RN) e de Jorge Bornhausen (SC).

Hoje o DEM não tem representação de peso no Congresso, não se pode dizer que tenha uma boa imagem junto à população nem tem a chamada capilaridade necessária a uma retomada do antigo vigor em prazo razoável.

A partir dessa realidade surgiu a ideia da fusão. Primeiro com o PSDB e depois com o PMDB. Os obstáculos, entretanto, se mostraram incontornáveis.

A rejeição a uma incorporação com a legenda dos tucanos é unanimidade no DEM. Mágoas presentes e passadas.

Já sobre a fusão com o PMDB há problemas regionais incontornáveis. Um deles: no Rio Grande do Norte o senador José Agripino não teria condição de entrar no PMDB, partido do vice-presidente da República, porque não poderia se aliar ao governo federal no Senado, oposicionista de quatro costados que é.

Mais uma dificuldade: na Bahia, ACM Neto até aceitaria, mas só se o comando regional da nova formação fosse dele e não de Geddel Vieira Lima, do PMDB.

Diante dos fatos a fusão foi arquivada, mas Kassab continuou com o problema: o que fazer depois que o mandato de prefeito acabar, como expandir o patrimônio político acumulado nos anos de prefeitura?

O futuro no DEM não é risonho, entrar para o PSDB em São Paulo é esbarrar na barreira intransponível do grupo do governador eleito Geraldo Alckmin.

Sobra o PMDB e uma peculiaridade: Orestes Quércia está afastado da política para cuidar de problemas de saúde, Michel Temer como vice da presidente Dilma Rousseff estará referido nas questões federais e o partido em São Paulo precisa de comando.

É a combinação perfeita: Kassab precisa de um nicho para atuar, quem sabe se candidatar ao governo em 2014, e o PMDB paulista é um nicho em busca de alguém que lhe dê atuação. Na última eleição, fez apenas um deputado federal.

Mas não estaria criado o mesmo problema levantado por Agripino Maia?

Não. Primeiro porque Kassab não vota no Congresso e segundo porque o PMDB dispõe de cidadelas independentes (em SP apoiou Serra) País afora.

Resta a questão da fidelidade partidária. Como sair sem correr o risco de perder o mandato? Kassab e os deputados que iriam com ele.

Só é permitido em dois casos: fusão e divergência programática.

Talvez com a tendência de se caracterizar como partido claramente conservador, sem máscaras, o DEM tenha dado a Kassab a solução.