quarta-feira, janeiro 06, 2010

NAS ENTRELINHAS

Lula na praia

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 06/01/2010

O cidadão até entende quando o político erra. Insuportável para o súdito-eleitor é quando o poderoso perde qualquer traço de humanidade, quando se escancara que o líder só se preocupa com ele próprio


Se você imagina que é novo isto de o governante ficar exposto a uma câmara de big brother, pode tirar o cavalinho da chuva. No Palácio de Versailles existe um aposento com uma mesa comprida no canto, separada do resto do quarto por uma corda. A não ser que o guia turístico tenha inventado (guias gostam de inventar), Luís 14 fazia ali refeições observado pelos súditos. A corda era para impedir que estes chegassem perto do rei-sol.

O que leva alguém a querer ver o rei arrancando com os dentes pedaços de um frango que a autoridade imperial manipula com os dedos? O mesmo fenômeno que faz Luís Inácio Lula da Silva colecionar uns pontinhos sempre quando, como nestes dias na praia, aparece com características humanas. Mesmo que a ocasião não seja a mais conveniente, diante das tragédias do ano-novo. Mas Lula tem gordura de popularidade para queimar...

No fundo, talvez nós súditos — hoje eleitores — desejemos mesmo saber se o chefe da tribo está bem, em condições de cumprir seu papel de guardião da coletividade. E se o cacique ainda expõe traços de humanidade, melhor ainda: sendo humano, talvez se compadeça de nós.

O que as pessoas querem do líder não tem mudado ao longo da história. Força, proteção, justiça, compaixão. Boa parte — talvez a maior parte — da força política de Lula reside aí. Em termos objetivos, o governo dele é perfeitamente criticável. Mas o presidente consegue combinar o conjunto daqueles vetores subjetivos, não exibe deficiência fatal em nenhum. Ao longo de sua trajetória, e nestes dois mandatos, Lula convenceu a maioria das pessoas de que está preocupado com elas, ocupado em cuidar delas, em zelar para que tenham uma vida melhor.

Vejam que esta coluna não é sobre fatos, mas sobre percepções. Na política, a percepção costuma ser fundamental. Outro dia comentei sobre algumas evidências de que no governo Fernando Henrique Cardoso houve avanços sociais mensuráveis. Na reação ao que escrevi, nenhum leitor questionou os números (até porque eles são oficiais): questionaram as intenções de quem — imagine só! — pode ousar dizer que Lula não foi em cinco séculos o primeiro governante brasileiro a olhar pelo pobre, para arrancá-lo da pobreza.

E o fenômeno tem aspectos curiosos. Itamar Franco deixou a Presidência em 1995 muito bem avaliado. Tinha liquidado a inflação. De lá para cá, nada fez para perder prestígio. Mas num ranking de confiabilidade divulgado dias atrás ele está no pelotão da retaguarda, junto com ex-presidentes que saíram mal do cargo. Por quê? É o efeito-contraste. Dizer que Itamar, FHC e José Sarney tiveram seus méritos para trazer o Brasil a um presente bacana poderia, quem sabe?, soar como reprovação a Lula.

Não que haja um “lulismo”. Simplesmente, a maioria enxerga Lula como um ativo seu e o protege. É ocioso, de um ângulo político-eleitoral, discutir o quanto pode haver de saudável ou patológico nessa relação, ou quanto a esfera material sustenta a percepção. Em política, pode mais quem chora menos. Esse é um bem de Lula e ele o cultiva, sem vacilação. Na sua área de responsabilidade, não deixa facilmente brechas para que os adversários o acusem de alheamento, elitismo, insensibilidade, pouca preocupação com a maioria.

O cidadão até entende quando o político erra. E perdoa, desde que não ultrapasse certos limites. Insuportável para o súdito-eleitor é quando o poderoso perde qualquer traço de humanidade, quando se escancara que o líder só se preocupa com ele próprio, com os benefícios que o cargo pode lhe prover. Ninguém é idiota de achar que os políticos pensam em primeiro lugar nas outras pessoas e não neles, mas a fórmula vitoriosa é a de Lula: sempre decidir em benefício próprio, mas dando invariavelmente a impressão de que decide em função do interesse geral.

E deixando claro, sempre, que mantém intactos seus traços de humanidade.

Até explicarem
Segundo o Ministério do Trabalho, o Brasil criou em 2009 algo como um 1,1 milhão a mais de empregos do que eliminou. Recorde-se que ano passado o crescimento do PIB foi em torno de zero. Em 2008, o PIB cresceu 5% e a criação líquida de empregos, segundo o ministério, foi de 1,5 milhão.

Ou seja, de acordo com o MT tanto faz o Brasil crescer ou não, a ordem de grandeza do número de empregos criados é a mesma. É óbvio que há alguma inconsistência nos dados. Não é a primeira vez que exponho isso aqui. Se eu insistir um pouco mais, talvez alguém se disponha a explicar.

GOSTOSA

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Petróleo e minério têm boa perspectiva

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/01/10



As duas commodities mais importantes para o mercado brasileiro -minério de ferro e petróleo- se saíram bem durante toda a crise econômica.
O petróleo encontrou suporte na faixa dos US$ 70 o barril. Esse valor é muito superior ao nível de US$ 20, US$ 30 que prevaleceu no período entre os anos 2000 e 2003 e próximo aos patamares mais elevados observados em 2006 e 2007, de acordo com Alexandre Gartner, diretor de renda variável do HSBC.
Os preços do minério de ferro, por sua vez, devem se recuperar em 2010, diz Gartner.
"Medidos por contratos fechados com o valor de referência, os preços caíram apenas cerca de 30% em 2009 em relação a 2008. Devem se beneficiar com a diminuição da diferença entre oferta e demanda", afirma o analista.
Isso ocorre depois de uma série de aumentos de preços sem precedentes nos últimos anos, segundo o analista.
Para Marília Dubois, coordenadora de fundos ativos de renda variável, há possibilidade de o mercado ficar mais apertado, com demanda forte.
A commodity está hoje na faixa de US$ 64 por tonelada.
"Vai para pelo menos US$ 76", pelas projeções da analista.
Com relação ao aço, analistas se mostram mais cautelosos. Há ainda excesso de capacidade no mercado.
"O panorama para a siderurgia não é tão claro, ainda há riscos no horizonte", diz Dubois.
"Vão ter aumento de matérias-primas, de carvão e minério de ferro. Vão ter que ter capacidade para repassar o aumento de custo ao preço, o que, com a economia dos países desenvolvidos não tão pujante, talvez, não seja tão fácil", observa a analista.

NA BOMBA
O etanol teve alta, em média, de 0,80% no país em dezembro, para R$ 1,929 o litro, segundo levantamento da Ticket Car. A variação já significa 21% de aumento se somada aos últimos cinco meses, quando a trajetória crescente começou. Com isso, o álcool fechou 2009 com vantagem em só nove Estados, entre eles Mato Grosso, que lidera, pelo segundo mês, a lista dos Estados com melhor custo-benefício nos postos de abastecimento.

NA HORA 1
Chegou a hora de o governo norte-americano começar a desmontar as medidas de estímulo, desde que a economia esteja de fato tão fortalecida como afirma Ben Bernanke, o presidente do Fed (o banco central americano). A opinião é de Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley na Ásia. "A escolha do momento nunca é fácil", disse Roach, segundo a Bloomberg. "Quanto mais eles esperam, maiores as chances de semearem uma nova bolha. Sou a favor de uma saída estratégica mais cedo", afirmou.

NA HORA 2
O Fed anunciou em meados de dezembro que manteria a taxa de juros em patamar baixo por um longo período, ainda que o governo americano já tenha apontado que os mercados estão suficientemente saudáveis. "Nós já assistimos a estímulos monetários extraordinários nos últimos 16 meses. Agora devemos acompanhar também uma retirada." Para Roach, o sistema regulatório falhou profundamente nos últimos anos, mas a política monetária também teve papel fundamental na formação da crise.

Couromoda deve alavancar venda de calçados brasileiros ao exterior

O setor calçadista acredita que a Couromoda, a maior feira de calçados e acessórios da América Latina, será a porta de entrada para a recuperação das exportações brasileiras.
Este será o ano da volta de grandes grupos internacionais compradores, principalmente da Europa e do Japão, diz Francisco Santos, presidente da Couromoda. "Vamos retomar o ritmo das exportações e com produtos de maior valor agregado."
As exportações brasileiras de calçados caíram 28% no ano passado. "A crise atingiu as vendas brasileiras para o mercado externo, mas também atingiu os nossos concorrentes", diz Santos.
Cerca de 80% dos produtos fabricados no Brasil são destinados para o mercado interno. No ano passado, as vendas no país foram de mais de 600 milhões de pares de sapatos, o que deve gerar crescimento de 6%, segundo Santos. Para este ano, a estimativa de expansão é de 7% a 8%.
A Couromoda, considerada a principal alavanca de vendas do setor, deve gerar negócios de cerca de R$ 10 bilhões, incluindo vendas fechadas e encaminhadas. Cerca de 25% dos negócios anuais da indústria de calçados acontecem na feira. A Couromoda ocorrerá de 18 a 21 deste mês, em São Paulo. Neste ano, serão 1.100 expositores, que respondem por 90% da produção brasileira de calçados.

COZINHA-TEATRO
Home theater? O negócio agora é a "kitchen theater", a cozinha que engloba sala de estar, com o tal home theater, sala de jantar, além de belos armários e equipamentos para cozinhar. Uma cozinha de grife com tudo isso custa pelo menos R$ 30 mil, segundo Rodolfo Bittencourt, sócio da Capolavoro. Mesmo atendendo a um público acostumado a desembolsar, a empresa, que produz móveis de alto padrão, sentiu a crise. "Nos 15 dias após a quebra do Lehman Brothers, não entrou nenhum cliente na loja", diz Bittencourt. O mercado de cozinhas, porém, já sentiu o aquecimento da demanda no segundo semestre. "Após o boom das incorporadoras, 2010 será o ano dos móveis", diz a arquiteta Vivian Calissi, também sócia da empresa. "A cozinha deixou de ser área restrita aos empregados e virou o ponto central da casa", diz ela, que abre neste mês mais uma loja na Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo.

com JOANA CUNHA e ALESSANDRA KIANEK

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Os cadarços do Barão

Folha de S. Paulo - 06/01/2010


Se não for possível cumprir a meta fiscal em um ano, que se diga isso com todas as letras para a sociedade

UMA EMPRESA precisa atingir sua meta de lucro para o ano, mas acredita que não vai conseguir. Seu proprietário, porém, tem um banco e põe em prática um plano arrojado. A empresa toma uma dívida de R$ 100 milhões e deposita o dinheiro no banco, recebendo pelo depósito o mesmo que paga pela dívida. O banco, por sua vez, com os novos recursos compra da empresa o direito de receber um fluxo de pagamentos há muito disputado, na prática antecipando uma receita duvidosa para o período corrente, o que permite à empresa bater a meta. Todos saem felizes, mas se essa engenharia financeira evocou para o raro leitor a imagem do Barão de Munchausen se levantando do chão pelos próprios cadarços, bem, saiba que não está sozinho.
O exemplo não é imaginário. Use "bilhões" em vez de "milhões", "Tesouro Nacional" no lugar de "empresa", e "BNDES" no lugar de "banco", e terá uma descrição sucinta do ocorrido na última semana de 2009, quando o BNDES comprou do Tesouro Nacional R$ 5,2 bilhões de dividendos que este teria a receber desde 1989 (!). Ao que parece, não bastou deduzir da meta fiscal os investimentos do PAC, o Fundo Soberano, nem o quadrado da distância em cúbitos entre o Ministério da Fazenda e o do Planejamento. No final do ano foram as manobras contábeis que salvaram a meta, mesmo após sua redução expressiva.
Isso não significa que o desempenho fiscal nos levará à ruína, mas esse episódio serve para induzir à reflexão acerca de alguns tópicos importantes de política fiscal.
Em primeiro lugar, a meta fiscal tem um papel a desempenhar no que respeita à formação de expectativas dos agentes econômicos, isto é, o valor numérico da meta deve significar alguma coisa. Dizer que a meta é de "x'% do PIB, mas apenas se não chover na Quarta-Feira de Cinzas de um ano bissexto terminado em "8", pode ajudar a escamotear eventuais desvios, mas não colabora muito para a transparência da política. A meta é um compromisso do governo com a sociedade. Caso não seja possível cumpri-la em um ano, que se diga isso com todas as letras, explicite-se o porquê, e se tracem os planos para corrigir os rumos num horizonte razoável, ou seja, tratemos o distinto público com respeito.
Em segundo lugar, há que se pensar na validade do conceito de dívida líquida, isto é, se devemos mesmo descontar dos passivos do setor público ativos como reservas internacionais ou créditos ao BNDES. Sempre defendi esse conceito por acreditar que o excesso de reservas sobre dívida em moeda estrangeira protege o país de choques externos. Por outro lado, não parece haver qualquer tipo de proteção associado à criação de ativos denominados em reais, mas a simples possibilidade de uso de instrumentos fiscais fora das instâncias normais dessa política.
E que não se venha afirmar que tudo foi em nome de "políticas fiscais anticíclicas". A política fiscal no Brasil não é, e nunca foi, anticíclica, e veremos isso quando o superavit primário de 2010 ficar aquém dos valores registrados até 2008, apesar da recuperação da arrecadação. De fato, segundo dados de artigo recente do secretário de Política Econômica, o aumento do investimento federal em 2009 foi de mero 0,2% do PIB, contra 0,38% do PIB de gastos com pessoal (descontado o Imposto de Renda) e 0,45% dos gastos previdenciários, os dois últimos implicando redução permanente do saldo primário, estimulando a demanda interna mesmo quando o país cresce. É política anticíclica?
Isso, leitor, nem o Barão de Munchausen explica.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

GOSTOSA

PAINEL DA FOLHA

Agenda emergencial

SILVIO NAVARRO (interino)

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/01/10


Convocada pelo presidente Lula para a próxima quarta-feira, a reunião com ministros, governadores e prefeitos dedicada às primeiras definições do PAC da Copa-2014 e do PAC 2 dividirá as atenções com os estragos causados pelas chuvas no país -especialmente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em São Paulo. Uma das medidas será direcionar mais recursos do Minha Casa, Minha Vida para áreas de calamidade. Também se articula agilizar a liberação dos R$ 4,8 bi previstos para macro e microdrenagem.
Além disso, na terça, a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, deverá receber prefeitos de municípios em situação de alerta para discutir a liberação de crédito emergencial.

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Fonte. A lista de possíveis vias de socorro também inclui pedidos de linhas de crédito do BNDES para reconstruções em cidades do Rio e São Luiz do Paraitinga (SP).

Conta. No Senado, deverá ser aprovada em fevereiro uma emenda constitucional, em fase final de tramitação na CCJ, que cria o Fundo Nacional de Defesa Civil para casos de calamidade pública. Os recursos sairiam de uma fatia de impostos arrecadados.

Dono da bola. Com o PAC da Copa perto de sair do forno, já se prevê no Palácio do Planalto um novo round na disputa pela paternidade de obras em São Paulo. Citam como exemplo a construção de um monotrilho ligando o aeroporto de Congonhas à estação de metrô do Jabaquara. Dos R$ 3,5 bi estimados, a União financiará R$ 1,2 bi.

Na cozinha. Apesar da pressão de aliados para que Dilma Rousseff intensifique as viagens aos finais de semana, uma ala do PT acha temerário que ela se descole de todo de suas funções na Casa Civil. O argumento é que, antes de rodar país em campanha, a ministra deve se livrar de pendências, como obras travadas por falta de licenciamento ambiental. Por exemplo, a usina de Belo Monte (PA).

Agulhas. Lula levou o acupunturista chinês Gu Hanghu, que trata das suas dores no ombro, para a praia de Inema (BA), onde passa férias.

Empurra. Para evitar que o desgaste causado com militares pelo terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos possa cair no colo de Dilma, aliados da ministra têm afirmado que quem levou o decreto para Lula foi Franklin Martins (Comunicação Social).

Sem fim 1. Derrotado na eleição à presidência do PT do Rio, Lourival Casula encaminhou ontem carta à direção nacional do partido na qual volta a lançar suspeitas sobre a vitória do deputado Luiz Sérgio, da ala pró-Sérgio Cabral. Casula defendia a candidatura do prefeito Lindberg Farias (Nova Iguaçu), que já jogou a toalha, ao governo.

Sem fim 2. Luiz Sérgio ironiza: "O padrinho já reconheceu a derrota. Já o afilhado continua fazendo pirraça".

Subliminar. Na primeira reunião do ano, anteontem no Rio, a Executiva Nacional do PSDB discutiu sobre dificuldades de caixa para a campanha. A principal queixa foi contra empresas e bancos que lançaram peças publicitárias usando o governo Lula como garoto-propaganda.

Afagos. O PSDB marcou novo encontro, no final do mês, em Minas. Oficialmente, a reunião será para prestigiar o vice-governador Antonio Anastasia, candidato de Aécio Neves. Mas há quem veja a caravana como a primeira tacada para se voltar a falar na chapa "puro-sangue".

Apócrifo. Tucanos, aliás, andam irritados com um vídeo que circula na internet intitulado "Quero Dilma", simulando uma peça de campanha, com trilha sonora e imagens da candidata, além de ataques ao PSDB.

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com LETÍCIA SANDER e MALU DELGADO

Tiroteio

"Eu gostaria muito de ver o Kassab cobrando publicamente o Serra pela redução dos investimentos de contenção de enchentes."

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De EDINHO SILVA, presidente do PT de São Paulo, sobre a afirmação do prefeito, segundo quem é preciso corrigir "enormes distorções que aconteceram na cidade nas últimas décadas" para sanar enchentes.

Contraponto

Bons votos

Enquanto passava a virada do no ano na praia de Mangaratiba (RJ), o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) foi surpreendido por sucessivas quedas de energia no hotel. A cada intervalo no escuro, a piada no local era que se tratava de mais um apagão:
-De novo? Outro apagão?-, brincavam os hóspedes.
Após a passagem do ano, quando a presença de Lobão, que rotineiramente jogava cartas com amigos, foi propagada, surgiu o coro da virada, para tirar o sossego do constrangido ministro:
-Feliz 2010! Mas sem apagão!

JOSÉ RENATO NALINI

Reflexos de um lustro

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


A mais recente das reformas constitucionais do Judiciário completa cinco anos. A Emenda Constitucional (EC) 45 entrou em vigor em 31/12/2004 e sua tônica foi acelerar a prestação jurisdicional. Não que o constituinte originário já não tivesse mandado o recado à Justiça em 1988. Mas, agora, a ênfase na presteza torna-se mais evidente. Ou o Judiciário funciona ou se apressa o ritmo de seu declínio, para prestígio de alternativas de resolução de conflitos.
O constituinte derivado chega a criar um novo direito fundamental, em acréscimo à já alentada enunciação do artigo 5º da Carta: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Nada obstante a dificuldade em precisar o que seja a "razoável duração" da demanda, a parte final é eloquente: há de se garantir celeridade no trâmite. Ao lado dessa inclusão -, a rigor, desnecessária, pois a eficiência de um serviço público já fora prevista como princípio fundamental da administração no artigo 37 -, outros preceitos foram postos no pacto republicano para mostrar que a nacionalidade não vai tolerar a disfunção da Justiça. Criou-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o temido órgão de controle externo, cuja atuação repercutiu na mídia e desta mereceu observação atenta. Assim, o combate à prática do nepotismo, os excessos remuneratórios, a injustificável paralisação de processos criminais, a caótica situação fundiária em algumas unidades da Federação.
A produtividade do juiz passou a representar critério objetivo de aferição de seu merecimento para fins de promoção na carreira. Vedou-se a promoção do juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal e a impossibilidade de devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão. Embora a rigor fosse desnecessário, estabeleceu-se que a atividade jurisdicional será ininterrupta e proibiu-se o período de férias coletivas nos juízos e tribunais. O preceito, que já poderia ser extraído da versão do pacto em 1988, foi renovado: nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente deverão estar à disposição da cidadania.
A distribuição de processos tem de ser imediata, em todos os graus de jurisdição. Dir-se-á irrelevante o dispositivo: os autos continuarão a aguardar a boa vontade e a capacidade de trabalho do julgador. Mas a diferença é significativa: a partir da destinação do processo, a parte saberá a quem tributar a demora excessiva e poderá provocar o responsável. Já não poderá receber como resposta que seu recurso "aguarda distribuição", o que era a regra antes de 2005.
Foi com base nessa nova perspectiva que o CNJ adotou a chamada Meta 2, cujo intuito foi ultimar o julgamento de todos os processos distribuídos até à entrada em vigor da reforma. Se seu cumprimento foi impossível, diante da complexidade do Judiciário, integrado de várias Justiças, o recado serviu ao menos para incomodar os que mantêm ritmo incompatível com o novo desenho do serviço estatal encarregado de resolver conflitos.
O significado maior da EC 45/2004 foi evidenciar que o Poder Judiciário no Brasil, teoricamente uno, de acordo com a doutrina, precisa atuar como serviço público eficiente e submeter-se a planejamento. A sofisticação de um modelo preservador de duas Justiças comuns - a federal e a estadual - e de três Justiças especiais - Trabalhista, Militar e Eleitoral - originou a conhecida figura dos arquipélagos com mais de uma centena de ilhas autônomas. Até mesmo dentro do mesmo ramo o Judiciário manteve e consolidou distorções - setores bem providos de servidores e de infraestrutura e outros afogados em excesso de trabalho e de burocracia.
Apenas um órgão corajoso de planejamento poderia iniciar a lenta, mas irreversível correção de rumos. Isso coube ao CNJ, cuja vocação é planejar o Judiciário do futuro, mais do que servir como supercorregedoria. Muito embora a mera existência de um colegiado destinatário de queixas e reclamações tenha servido para estimular o funcionamento dos órgãos correcionais acometidos de letargia.
As críticas começam por invocar o sepultamento da Federação. Mas isso não é novidade. O federalismo brasileiro sempre foi sui generis. Nunca houve aqui a soberania das províncias que gerou o modelo confederativo norte-americano. O poder no Brasil é centralizado. A tentativa paulista de liderar um movimento constitucionalista que respeitasse princípios da República não custou só vidas humanas. Representou permanente desconsideração por São Paulo, que ainda reside nas alusões a "paulistérios" e ao não se prestigiarem gente e teses bandeirantes nos altos comandos republicanos. Suficiente mencionar a deplorável deficiência representativa no Parlamento, que traduz a vontade do povo, onde a voz paulista é sufocada. Se o Poder Judiciário é uno, como ensina de forma consensual a melhor doutrina, ele precisa de uma diretriz resultante de um planejamento consequente. A reforma do Judiciário pretendeu mais do que efetivamente realizou. O ponto nevrálgico está na urgente reformulação da sistemática de recrutamento dos novos quadros que servirão à Justiça do amanhã. O sistema de méritos precisa ser aperfeiçoado e as diretrizes estabelecidas pelo CNJ e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) devem ser observadas e implementadas.
Até hoje, com raras e mal compreendidas exceções, o concurso público privilegiou a capacidade de memorização e não se ateve aos atributos que realmente interessam: caráter, vocação, capacidade de trabalho, espírito público, compreensão da realidade brasileira, humildade e talento para enfrentar desafios. Fora diferente a seleção e o próprio Judiciário teria liderado sua atualização contínua, de forma a evitar traumatismos decorrentes de sua incapacidade de diálogo. Agora, só lhe resta cumprir o que a sociedade brasileira quer de sua Justiça, de forma clara sinalizada na Emenda 45/2004.

José Renato Nalini, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é presidente da Academia Paulista de Letras

PAPEL PARA UM CAGÃO

ROBERTO GODOY

Desgaste já põe processo em risco

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


A escolha do primeiro lote de novos caças de tecnologia avançada para a aviação militar brasileira está sob risco. Se a definição não sair agora, pode não sair nunca mais. A demora no cumprimento das etapas finais e a condução hesitante do governo estão expondo o processo a um desgaste que pode comprometer o trabalho técnico já realizado. De qualquer forma, o jato francês, o Rafale, segue acumulando sinais de favorito na hora incerta da decisão - que será tomada pelo presidente Lula, considerados itens estratégicos abrangentes, de importância para o País em várias áreas que não apenas a Força Aérea. O relatório técnico está concluído, mas, como enfatizou o Comando da Aeronáutica, em nota de esclarecimento, ainda não foi encaminhado ao Ministério da Defesa. Oficiais superiores comentavam ontem, em Brasília, que a versão em circulação é um texto de setembro, que não considera as propostas melhoradas dos três concorrentes ao contrato, entregues em outubro. O problema é mesmo político. O F-18 americano, o Gripen NG sueco e o Rafale, guardadas suas peculiaridades, podem cumprir a missão militar definida pela FAB. A análise precisa obedecer aos sete pontos fundamentais do programa - a questão comercial, os aspectos técnicos, o conjunto operacional, o pacote logístico, os benefícios industriais, as compensações comerciais e a transferência de tecnologias diversas - entre os quais não se prevê espaço para um ranking. O fato, porém, é que a aviação precisa de uma nova aeronave de múltiplo emprego, moderna e que permita realizar adequadamente operações aéreas de defesa e dissuasão. Essa demanda é maior que a agenda de interesses a que está subordinada.
Análise feita por Roberto Godoy, jornalista

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

As turbulências do presidente

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


A incontinência verbal do presidente Lula, que fala duas vezes antes de pensar nos efeitos de suas palavras, acaba de criar um problema político para o seu governo e um potencial problema diplomático para o Brasil. Numa atitude inconcebível para qualquer governante que se paute, como é devido, pelo princípio da precaução ao se manifestar sobre decisões de Estado a respeito da defesa nacional, Lula não esperou o parecer da Aeronáutica sobre as alternativas para a renovação da frota da Força Aérea Brasileira, com a compra de 36 caças de última geração. Ele não apenas declarou a sua preferência pelo Rafale, da francesa Dassault, em detrimento do Gripen NG, da sueca Saab, e do F-18, da Boeing americana, como assinou com o presidente Nicolas Sarkozy, em visita ao País no 7 de Setembro do ano passado, uma nota conjunta sobre a abertura de tratativas com a empresa fabricante para a consumação de um negócio da ordem de R$ 10 bilhões.

Lula, portanto, comprometeu o Brasil com a França, a partir de uma escolha pessoal cujos motivos se prestam a toda sorte de indagações. Faltou combinar com os militares. Ontem, a Folha de S.Paulo revelou que, em relatório técnico com mais de 30 mil páginas de dados, ratificado pelo Alto Comando da Força, a Aeronáutica apontou o Gripen como o avião mais vantajoso, seguido do F-18. O Rafale foi considerado a opção menos interessante. O fator preço foi crucial: o caça da Saab custa a metade do modelo francês. Quando esteve no Brasil, Sarkozy prometeu reduzir o valor do aparelho, como se fosse o CEO da Dassault e não o presidente da França, uma diferença essencial que Lula aparentemente achou que não precisava levar em conta. Agora a FAB o contrariou de duas maneiras. Primeiro, com as conclusões em si. Segundo, ao ordenar as suas preferências. Instado pelo presidente, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, levara aos militares o pedido absurdo para que não fizessem um ranking dos aviões.

Por definição, chefes de governo têm a última palavra em matérias dessa natureza pelas óbvias implicações políticas internas e externas de cada uma das opções em jogo. Mas quando as Forças Armadas do país em questão apresentam um parecer taxativo, só excepcionalmente o governante deixa de adotá-lo. Faz sentido. Ao chefe de Estado cabe definir a política de defesa nacional. Aos militares cabe escolher os instrumentos para executá-la. Lula, no entanto, quis impor a sua vontade em relação aos meios a serem adotados por uma delas. E o pior é que, antes mesmo de subir a rampa do Planalto pela primeira vez, ele tomou a si o processo de modernização da FAB, o chamado projeto FX-2, pressionando o ainda presidente Fernando Henrique a adiá-lo sob a alegação de que estava em final de mandato. Agora, ou Lula se rende à análise profissional, que virtualmente o desmoralizou, ou empurra o assunto para as calendas: este, afinal, é o derradeiro ano de seu segundo período.

A primeira hipótese é improvável, não menos do que a de obrigar a Aeronáutica a aceitar o Rafale. Bater o martelo em favor do Gripen deixaria Lula perder a face diante de um país cujo presidente, ele sim, trabalhando pelo interesse nacional, se comporta como o grande paparicador de Lula nos foros internacionais, como ocorreu na conferência do clima em Copenhague. De todo modo, a ideia de que a aquisição do Rafale é indispensável à parceria estratégica entre o Brasil e a França não se sustenta. Essa parceria já foi estabelecida no caso da fantástica compra de submarinos, inclusive o que seria o casco de um submarino nuclear com tecnologia francesa. Deixar o assunto em banho-maria pode ser, para Lula, a escolha menos onerosa, embora signifique deixar o País, sabe-se lá por quanto tempo, à mercê de uma frota obsoleta de combate aéreo. Decerto ele fará o mesmo em relação a outro problema relacionado aos militares, no qual também meteu os pés pelas mãos.


Trata-se do decreto que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos ? e que ele admitiu ter assinado sem ler. Contrariando um acordo arduamente negociado entre a Defesa, as Três Forças e o Ministério da Justiça, endossado por Lula, o texto abre caminho para a revisão da Lei de Anistia, a partir das ações de uma Comissão da Verdade que já está sendo equiparada a uma "CPI da ditadura". Este é o presidente cujos adoradores não sabem nem querem saber como se conduz.

GOSTOSA

ELIO GASPARI

O choque de ordem de Maria Moita

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/01/10


Vinicius de Moraes ensinou o caminho a Cabral: "Pôr pra trabalhar Gente que nunca trabalhou"

O RIO DE JANEIRO precisa de um choque de ordem. Em pouco mais de 24 horas o governador Sérgio Cabral passou do descaso à empulhação e assumiu uma postura de dragão de festa chinesa para rebater as críticas de que sumira diante das tragédias de Angra dos Reis e da Ilha Grande.
Cabral anunciara que passaria a última noite de 2009 em sua casa de Mangaratiba. Dispondo de acesso a uma marina, estava a 40 minutos da praia do Bananal ou da encosta da Carioca. Por terra, são 57 quilômetros, lembrou o repórter Ricardo Noblat, que passou o dia 1º procurando-o.
O tempo consumido por Cabral para chegar a Angra seria justificável se os desmoronamentos tivessem ocorrido em abril passado, quando estava de férias em Paris. Caso tivesse recebido a notícia no hotel (o George 5º, apreciado por Greta Garbo) no início da manhã, teria como pousar no Galeão no meio da madrugada seguinte, debaixo de aplausos.
Sempre que um governante entra atrasado na cronologia de uma catástrofe, procura oferecer uma explicação racional. George Bush está explicando até hoje por que acordou tarde no episódio do furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005. Cabral justificou-se com uma aula de ciência política autocongratulatória:
- Tenho discernimento e seriedade. Em uma situação de crise, quem tem que estar no local são as autoridades que de fato podem assumir o comando do problema. Você jamais vai me ver fazendo demagogia. No momento de crise, estavam aqui os dois secretários da pasta. Qualquer exploração política a respeito chega a ser um deboche com a população. Isso é ridículo.
Ridículo é pagar impostos para ouvir coisas desse tipo. Se não havia o que fazer na região do desastre na quarta-feira, por que ele foi lá na quinta? Discernimento? Seriedade? Demagogia? Pode-se dizer o que se queira do marechal-presidente Castello Branco (1964-1967), menos que ele fosse bonito ou demagogo. Pois na enchente de 1966 ele foi à rua de Laranjeiras onde desabara um edifício.
Cabral saiu do ar na quarta-feira, dia 31. Às 15h daquele dia estavam confirmadas as mortes de 19 pessoas na Baixada Fluminense e em Jacarepaguá, com pelo menos 600 desabrigados. (No dia seguinte seriam 4.000.)
Admita-se que as visitas a locais de desastres (todas, inclusive as do papa) são gestos simbólicos, pois o que conta é a qualidade da gestão.
Nesse aspecto, a de Cabral é pré-diluviana. Em 2009 seu Orçamento tinha R$ 152,7 milhões alocados para obras de controle de inundações.
Numa conta, de seus técnicos, gastou 67% desse valor. Noutra conta, gastou nada.
Se não fez o que devia, o que não devia fez. Em junho, o governador afrouxou as normas de proteção ambiental da região do litoral e das ilhas de Angra, beneficiando sobretudo o andar de cima e seu mercado imobiliário. O Ministério Público entrou na briga e o caso está na mesa do procurador-geral Roberto Gurgel.
O choque de ordem de marquetagem que Cabral, seu prefeito e sua polícia aplicam espetaculosamente no Rio de Janeiro vale de cima para baixo. Pega mijões, camelôs e barraqueiros. O alvo é sempre o "outro".
Um dia, virá o choque de Maria Moita, trazido por Vinicius de Moraes e Carlos Lyra:
"Pôr pra trabalhar Gente que nunca trabalhou".

SIMON TISDALL

Iêmen vira peão-chave do xadrez diplomático

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


Ainda não está claro até que ponto o presidente Barack Obama considera a possibilidade de intervir no Iêmen, mas não há dúvida de que os EUA intensificarão seu envolvimento no país. O problema é que a questão iemenita não pode ser tratada com uma política de isolamento. A proposta de Obama de garantir o sul do Península Arábica sob sua proteção pode desestabilizar a região como um todo, como ocorreu depois das invasões do Afeganistão e do Iraque. Obama é muitas coisas, mas não um Lawrence das Arábias.

Como seu colega Hamid Karzai, do Afeganistão, o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, não é o mais confiável nem o mais entusiástico dos aliados. Seu poder é contestado por facções tribais do norte e sul do país. Para Saleh, a Al-Qaeda não é particularmente ameaçadora. O que ele mais teme é ser tachado de títere dos EUA.

E, como o presidente Asif Ali Zardari, do Paquistão, cujo governo foi desestabilizado pelos ataques americanos lançados do outro lado da fronteira, Saleh tem boas razões para minimizar o grau de cumplicidade de seu governo. As forças dos EUA ajudaram e em muitos casos participaram diretamente de incursões aéreas iemenitas contra supostos campos de treinamento da Al-Qaeda. A Arábia Saudita também realiza operações no território iemenita.

O envolvimento saudita é um dos aspectos do efeito cascata que a questão iemenita provocaria. Ele desperta mais um fantasma da era George W. Bush: a perspectiva de introduzir tropas americanas nesse país, sejam elas forças especiais, paramilitares da CIA, ou civis, arrastando-as para uma guerra por procuração com o arqui-inimigo de Riad, o Irã. Teerã apoiou milícias xiitas no Iraque ocupado e agora é acusada do mesmo tipo de ingerência em seu apoio aos rebeldes houthis no Iêmen.

Segundo a imprensa árabe, em novembro, membros da Guarda Revolucionária do Irã e do Hezbollah reuniram-se com líderes houthis para discutir a escalada do conflito na fronteira iemenita-saudita. Além disso, o Irã estaria contrabandeando armas para grupos do Iêmen e da Somália via Golfo de Áden.

As implicações do envolvimento direto dos EUA nessas intrigas regionais são preocupantes. Desafiar o Irã no Iêmen não facilitaria o objetivo mais importante do Ocidente: garantir um acordo nuclear com Teerã. Aprofundar o envolvimento saudita no Iêmen poderia ainda frustrar os esforços de Riad para promover a reconciliação entre o Fatah e o Hamas e, desse modo, facilitar um acordo árabe-israelense - um dos principais objetivos de Obama.

O impacto negativo da internacionalização dos múltiplos conflitos do Iêmen para os países vizinhos do Chifre da África também deveria fazer com que Washington parasse um pouco para pensar. A milícia islâmica al-Shabaab da Somália anunciou na semana passada que enviará reforços ao Iêmen se os EUA decidirem atacá-lo.

A decisão sobre um novo front na guerra ao terror é delicada. Com a atual situação, não levará muito para que se desencadeie uma intervenção americana e, assim, uma nova tempestade no deserto.
*
Simon Tisdall é analista de questões do Oriente Médio

UM CHURRASCO DO CARALHO!

BRASÍLIA -DF

Direito à boa morte

CORREIO BRAZILIENSE - 06/01/10



O senador petista Augusto Botelho, de Roraima, que é médico, deu parecer favorável ao projeto de descriminalização da ortanásia (boa morte), de autoria do senador capixaba Gérson Camata (PMDB), que deve entrar em pauta para votação no Senado tão logo os trabalhos legislativos recomecem. Na prática, é uma espécie de eutanásia, assunto polêmico, que costuma gerar celeuma entre religiosos e familiares de doentes terminais. Para emitir o parecer, Botelho conversou com monges budistas, pastores e padres. Fez audiências públicas com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, da União dos Advogados Católicos do Brasil, do Conselho Federal de Medicina e de outras entidades. Porém, enfrenta o poderoso lobby da saúde privada, que lucra com os recursos do SUS ao manter pacientes terminais internados por longos períodos sem necessidade.
Botelho confessa que já deixou pacientes irem morrer em casa porque eles manifestavam essa vontade. “Os médicos só deixam quando há uma grande confiança entre o médico, o paciente e seus familiares. Porém, nós já fazemos sabendo que corremos o risco de haver um processo, algum problema. Porque a lei não permite que se faça isso”, ressalva. Segundo Botelho, é um direito da pessoa não querer sobreviver à custa de aparelhos se tem uma doença incurável.

Poupança

O deputado federal Raul Jungmann, do PPS-PE, resolveu comemorar a decisão do governo de não mexer na caderneta de poupança, atitude pela qual batalhou. Ontem, abriu uma caderneta de poupança no Banco do Brasil. “Abro essa caderneta de poupança como um ato simbólico, na certeza de que esse governo não vai mais mexer no dinheiro do pequeno poupador.”


Afinou O ministro da Aeronáutica, Juniti Saito, garantiu ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que a Força Aérea Brasileira não pretende manifestar preferências em relação aos aviões de caça que vai adquirir. A escolha final será do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem saia justa, porque o relatório técnico do Programa FX-2 não fará comparações entre os aviões SAAB Gripen NG (sueco), Boeing F/A18 E/F Super Hornet (norte-americano) e Dassault Rafale (francês).

Atraso O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, inspecionou ontem as obras da nova Cidade Administrativa, complexo de prédios do bairro Serra Verde, região norte de Belo Horizonte. As chuvas constantes provocaram pequenos atrasos em algumas obras e no paisagismo, mas foram um bom teste. O complexo projetado por Oscar Niemeyer abrigará 18 secretarias e 25 órgãos, totalizando 16 mil servidores.

Revanche O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Henrique Maués, repudia a alteração do texto do decreto que criou a Comissão da Verdade, para investigar a tortura e os arquivos do período da ditadura militar (1964-1985) em virtude da pressão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos comandantes militares. “Ninguém em sã consciência pode acobertar atos de tortura, prisões ilegais, desaparecimento por perseguição política e assassinatos. Esses atos são criminosos em qualquer regime político.”


Escaldado

Pego no contrapé durante a epidemia da gripe suína — comprou tamiflu a granel e não conseguiu distribuir os kits à população em tempo satisfatório —, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, resolveu antecipar os preparativos para a campanha de vacinação contra o vírus pandêmico A (H1N1). Custará R$ 1 bilhão e distribuirá 83 milhões de doses de vacina. Candidato a deputado federal, Temporão sabe que perderá o cargo e a eleição se a situação fugir ao controle.


Risco

A propósito, a gripe ronda a aldeia Yanomami no alto Rio Negro (AM), onde um curumim está doente, e a Casa Civil da Presidência, pois a ministra-chefe Dilma Rousseff (PT), candidata petista à sucessão de 2010, também anda gripada. Ambos fazem parte do grupo de risco do vírus A (H1N1): grávidas, trabalhadores de saúde envolvidos no atendimento aos pacientes, crianças entre 6 meses e 2 anos, indígenas e pessoas com doenças crônicas preexistentes (cardíacas, pulmonares, renais, metabólicas etc.).


Meta

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), bateu a meta de sua administração para ampliação do ensino profissional com a criação de mais seis escolas técnicas estaduais na região metropolitana de São Paulo, num total de 173 unidades em todo o estado. No total, foram criadas 100 mil vagas

Desconstrução

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), se queixa de estar sendo crucificado porque desembarcou em Angra dos Reis às 8h30 de 2 de janeiro, só depois que teve a exata dimensão da tragédia do ano-novo, na qual morreram 52 pessoas. Porque estava com familiares e amigos em Mangaratiba, estaria está sendo tratado como se fosse o comandante do Bateau Mouche, o barco que naufragou na Baía de Guanabara em 31 de dezembro de 1988.

Absoluto

O deputado Fernando Ferro (PE) será mesmo o novo líder da bancada do PT na Câmara, com o apoio do atual ocupante do cargo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), que marcou para 2 de fevereiro a reunião na qual passará a liderança. Até agora, não apareceu outro candidato

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Entramos em 2010 ou 2012?

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/01/10



Quero saber quando o Kassab vai inaugurar a hidrelétrica do Anhangabaú! Dilúvio!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Socuerro! Dilúvio! Catástrofe! Enchentes! O Brasil tá parecendo um "DISASTER MOVIE"! Entramos em 2010 ou em 2012? É cada foto! E um leitor quer saber se, para chegar ao Ibirapuera vindo do Anhangabaú, ele vira para estibordo ou para bombordo.
E eu quero saber quando o Kassab vai inaugurar a hidrelétrica do Anhangabaú. E IPI quer dizer Imposto sobre Paredes Irrigadas! E uma amiga minha está usando pé de pato com salto 15!
E em Campinas tem um proctologista que se chama sabe como? Dédalo. É verdade! O DÉDALO DE OURO! E o site Eramos6 lança um filme sobre a vida do Sarney: "Doze Parentes e Um Bigode!". E eu só voltei da praia porque botaram a rede para lavar. Fui despejado da rede! Eu quero aposentadoria por tempo de Havaianas. Troco uma Havaianas por uma galocha! E vocês viram a foto do Lula indo para a praia com uma caixa de isopor na cabeça? O Lula vai vender cerveja na praia? Ia à falência. Porque ia beber a caixa inteira com isopor e tudo! "Vou isopor tudo na goela." Rarará. Agora já sabemos o que o Lula vai fazer quando terminar o governo: vender cerveja na praia. Rarará!
E aquele Anhangabaú já foi chamado de buraco do Maluf, buraco da Erundina, buraco da Marta e agora é o buraco do Kassab. O buraco muda de dono, mas continua alagado! E uma amiga minha é tão insegura, mas tão insegura, que escreveu na calcinha: você me ama mesmo ou só quer me comer? Rarará!
E o ano fiscal? Não aguento mais pagar tributo. Tô ficando triputo. Triputo da vida. Por isso que a árvore símbolo do Brasil é o ipê: IPÊva, IPÊtu, IPÊca e Iporra nenhuma. Esse é o único imposto que eu vou pagar: Iporra nenhuma! Rarará. E no Guarujá tem uma sorveteria com a placa: "Self-service, solicite ao atendente". Começamos bem o ano. É mole? É mole, mas sobe. Ou como disse aquele outro: é mole, mas rela para ver o que acontece!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". É que em Duque Bacelar, no Maranhão, tem um inferninho chamado SOBRA ROLA! As rolas devem ser todas dos parentes do Sarney. Rarará. Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Hoje não tem. Férias escolares! Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

GOSTOSA

MERVAL PEREIRA

O processo

O GLOBO - 96/01/10


Mais uma reportagem estrangeira, desta vez no respeitável “Washington Post”, entoa loas ao sucesso do governo de Lula, mostrando o crescimento da classe média brasileira. O sentido é o mesmo de outras reportagens recentes, como a do espanhol “El País”.

Mostrar que o Brasil afinal deixou de ser o país do futuro. A importante revista inglesa “The Economist” já havia colocado o Brasil na sua capa, com uma bela montagem da imagem do Cristo Redentor decolando feito um foguete, numa alusão à conquista da sede das Olimpíadas de 2016 pelo Rio de Janeiro.

Aliás, por esse feito pelo qual foi sem dúvida um dos responsáveis, se não o maior, Lula foi colocado também como um dos dez expoentes dos esportes olímpicos no mundo em 2009.

Todo esse reconhecimento internacional ao momento que o país vive deveria servir de orgulho para nós, mas um orgulho com um projeto de país que vem se processando nos últimos 16 anos, e não um projeto personalista, que nos coloca não como uma sociedade que atingiu condições perenes de desenvolvimento, mas um país que depende do líder providencial para atingir seus objetivos.

Todas as reportagens internacionais que louvam a situação atual do país, por sinal, destacam esse processo de desenvolvimento que estamos vivendo, uma continuidade de políticas econômicas e sociais como nunca antes se vira neste país.

O próprio “Washington Post” ressalta que “a fundação para o sucesso de hoje foi assentada no governo de Fernando Henrique Cardoso, um acadêmico tornado político mais conhecido por controlar a inflação na metade dos anos 90. O homem que ficou com a maior parte do crédito foi seu sucessor, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que como líder sindical um dia combateu a globalização”.

O “El País” destacou, falando de Lula: “Das mãos deste homem, seguindo o caminho aberto por seu antecessor na Presidência, Fernando Henrique Cardoso, o Brasil, em apenas 16 anos, deixou de ser o país de um futuro que nunca chegava para se converter em uma formidável realidade, com um brilhante porvir e uma projeção global e regional cada vez mais relevante”.

A “Economist” lembra que a estabilidade do Brasil não veio de repente, é fruto de uma disciplina numa trajetória que começou nos anos 90, numa referência ao Plano Real “quando a inflação foi domada, os bancos foram saneados, e o país se abriu aos investimentos estrangeiros”.

Cita ainda a autonomia do Banco Central como um dos fatores do sucesso da política econômica.

Mesmo as homenagens que o presidente Lula vem recebendo, sendo considerado pelo inglês “Financial Times” como um dos líderes que moldaram a década passada, ou a sua escolha como o “homem do ano” pelo francês “Le Monde”, deveriam ter outra conotação, que não a de revanche, como certos setores governistas gostam de passar.

Uma vitória pessoal do líder operário sobre seu antecessor, o intelectual Fernando Henrique Cardoso. Ora, o ex-presidente também tem recebido diversas homenagens internacionais, e mesmo agora, pelo segundo ano consecutivo, já fora do poder há sete anos, foi colocado pela revista de política internacional “Foreign Policy”, editada pelo “Washington Post”, em 11º lugar entre os cem pensadores globais de 2009, pela defesa da mudança do combate às drogas no mundo.

O fato de que dois presidentes brasileiros são reconhecidos internacionalmente, e que os 16 anos de continuidade produzem efeitos tão significativos, deveria ser festejado como uma vitória de um projeto de país, e não como uma vitória pessoal deste ou daquele líder.

Vivemos um processo virtuoso nos últimos anos, e existem vários indicadores de que o progresso tem sido feito pela continuidade das políticas econômicas e sociais.

Assim como a análise do professor Claudio Salm dos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1996 a 2008 mostra “uma linha de progresso contínuo, sem inflexão petista” nas políticas públicas, como mostrou Elio Gaspari no domingo, a Fundação Getulio Vargas do Rio, por exemplo, compara a redução da pobreza ocorrida no início do Plano Real à ocorrida entre 2003 e 2005, na era Lula.

A pobreza caiu 18,24% entre os anos de 1993 e 1995, contra 19,18% entre 2003 e 2005. Também o índice de Gini, que mede a distribuição de renda num país, revela que, embora ainda sejamos um país desigual, evoluímos nos últimos 16 anos.

Quanto mais perto de zero, o índice mostra uma melhor distribuição de renda. Era de 0,600 em 1993, antes do Plano Real, e, em 1995, caiu para 0,585. Houve um retrocesso em alguns anos de crise econômica, e a partir de 2001 o índice melhorou novamente, e, em 2008 chegou em 0,544.

É possível que tenhamos regredido novamente no ano passado, devido à crise internacional, mas a perspectiva é de recuperação da economia este ano.

Por fim, uma consideração sobre o júbilo, aliás justificável, com que os seguidores do presidente Lula receberam as diversas reportagens elogiosas dos últimos dias.

A exaltação a Lula e seu governo vem justamente da grande imprensa internacional, dificultando a tese do próprio governo de que a “mídia”, especialmente os jornais impressos, refletem apenas a visão de uma elite da sociedade, e por isso perderam a relevância política, sendo hoje largamente superados pelos novos instrumentos tecnológicos como a internet, os blogs e demais meios de comunicação social, que permitiriam à maioria da sociedade se informar e tomar decisões próprias sem a influência “perniciosa” dos grandes grupos de mídia que querem “fazer a cabeça” dos eleitores.

Ora, é na Europa e nos Estados Unidos que os novos meios tecnológicos têm maior propagação, e também onde a crise da indústria de jornais se mostra mais aguda.

Para serem coerentes, os lulistas não deveriam levar tanto em consideração essas honrarias da “grande imprensa” internacional.

JOSÉ NÊUMANNE

Eles não arriscavam a pele pela democracia

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


Já que o secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, está tão interessado em investigar a violação de direitos humanos pela ditadura militar que provocou uma crise interna no governo federal por propor a tal Comissão Nacional da Verdade, talvez fosse útil esclarecer algumas meias-verdades, que também são meias-mentiras, a respeito desse delicado assunto. A primeira delas é a motivação da iniciativa: conforme o proponente e seu patrono na Esplanada dos Ministérios, Tarso Genro, ministro da Justiça, não há intenção de ofender os militares nem de revogar a Lei da Anistia, que extinguiu os crimes políticos eventualmente cometidos na vigência do regime de exceção. A dificuldade para quem (como o autor destas linhas) não é fluente na algaravia ideológica de ambos é compreender como o dito cujo texto será blindado se ele vige desde 1979 e a proposta é revogar as leis que possam ter permitido tais violações entre 1964 e 1985.

"Criar a Comissão da Verdade é a favor das Forças Armadas, que são formadas por oficiais militares das três Armas, pessoas dedicadas à Pátria, ao serviço público, com sacrifícios pessoais, das suas famílias. Esses oficiais não podem ser misturados com meia dúzia, uma dúzia ou duas dúzias de pessoas que prendiam as opositoras políticas, despiam-nas e praticavam torturas sexuais, que ocultaram cadáveres. É um grande equívoco e eu tenho certeza de que o ministro da Defesa (Nelson Jobim) sabe disso", disse Vannuchi em entrevista à Agência Brasil (oficial). Circulam na internet manifestos pedindo a adesão dos brasileiros à iniciativa e citando os "verdadeiros" heróis militares, caso do líder da revolta contra o uso da chibata para punir infratores nos navios da Marinha brasileira, em 1910, o marujo João Cândido. Ainda bem que os autores de tal manifesto tiveram o cuidado de evitar citar outro marinheiro, o cabo fuzileiro naval Anselmo, um agitador que depois se descobriu ter sido agente provocador dos quadros da inteligência militar que lutava contra os grupos da esquerda armada na guerra suja travada com o regime nos anos 70 do século passado. Isso, contudo, não impede a observação de que essa lisonja às instituições armadas é um mero e sórdido truque retórico.

É difícil crer que o secretário de Direitos Humanos ignore um tema de sua pasta a esse ponto. Pois qualquer aluno iniciante de algum cursinho mambembe de História recente do Brasil sabe muito bem que os agentes da repressão nos órgãos encarregados de combater a guerrilha não eram loucos solitários e isolados das instituições militares. João Cândido, assim como o capitão Carlos Lamarca, que fugiu do quartel de Quitaúna, na Grande São Paulo, com um caminhão de armamentos para liderar um grupelho guerrilheiro, é que pode ser considerado à margem dos quadros fardados. A repressão à esquerda armada - e todas as suas consequências - foi uma decisão de governo, cumprida pelas Forças Armadas, e desconhecer essa verdade histórica só pode resultar de crassa ignorância ou asquerosa má-fé. Portanto, qualquer tentativa de investigar violações de direitos humanos no regime de exceção sob comando militar mexerá, sim, com vespeiros em muro de quartel. Se isso é necessário ou não, são outros 500 cruzeiros. Mas não nos venham os atuais detentores do poder com tantos borzeguins ao leito.

A reabertura dessas chagas neste momento pode até contemplar o princípio legal vigente em vários países e recentemente adotado no Brasil de que a tortura é um crime que nunca prescreve. A medida legal será até salutar se a denúncia dos torturadores impedir que tais práticas continuem sendo cometidas em delegacias de polícia contra presos comuns ainda hoje. Mas urge considerar outras questões, que vão além dessa meia-verdade, simplória apenas na aparência. Isso poderá suscitar um longo debate jurídico, histórico, político e ético. Pois a lei que torna a tortura um crime imprescritível é posterior à anistia, sem a qual não teria havido o arranjo institucional que permitiu a volta da democracia clássica e a ascensão da esquerda desarmada ao poder.

Só isso poderá encerrar o debate, que talvez nem devesse ter sido iniciado. Mas ainda há mais a considerar, já que a palavra verdade está sendo utilizada de maneira, digamos, leve na denominação da iniciativa, que mais parece retaliação ou um gesto comparável a urinar no poste para marcar posição. As vítimas da ditadura assenhorearam-se do poder e agora fazem questão de mostrar quem manda neste Brasil de uma democracia pouco solidificada, onde ainda vige uma norma consensual, não inscrita na tradição jurídica, mas perfeitamente adequada aos hábitos e costumes, segundo a qual "manda quem pode, quem tem juízo obedece".

Convicta de que a História é escrita por vencedores, em detrimento dos vencidos, o que justificaria até os atos bestiais de Hitler e Mussolini, por exemplo, a esquerda quer reescrever a ata deste nosso tempo porque perdeu a guerra suja, mas subiu ao poder. Ainda que não tenha êxito no Parlamento, pois, ao que parece, senadores e deputados não estão muito dispostos a remexer no lixo dos porões da ditadura, os patronos da Comissão Nacional da Verdade já conseguiram algumas conquistas. A primeira delas foi expor os atuais comandantes militares à humilhação pública de serem forçados a devolver seus cargos ao presidente. A segunda será refinar outro combustível para anabolizar a crescente popularidade de Lula, que poderá ostentar a láurea de "vingador dos torturados".

E a maior de todas será elevar ao panteão dos heróis da democracia militantes que não arriscavam a pele pela liberdade, mas por sua forma favorita de tirania. Se conseguir ungir tal mentira como verdade, a proposta terá prestado um imenso desserviço à história e à democracia.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

NOCAUTE

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Depois da chuva

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10

Em várias reuniões no Bandeirantes, as áreas de Cultura, do Trabalho e da Habitação, entre outras, estão sendo convocadas para montar um plano a ser consolidado, dentro de alguns dias, para recuperar São Luiz do Paraitinga.
Algumas tarefas já ficaram claras. No Patrimônio Histórico, a saída é muito mais reconstruir, para recuperar o antigo padrão arquitetônico, do que restaurar.
E o Banco do Povo, ao lado da Nossa Caixa/BB, vai cuidar de missões estratégicas como a reforma das casas e o apoio aos microempresários. Que, afinal, sustentam o turismo na região.

Depois da chuva 2
Estradas fechadas e filas enormes não foram os únicos problemas para quem voltou do litoral norte.
Quem entrou na rodovia Oswaldo Cruz, nos dias pós-dilúvio, só ficou sabendo que ela estava interditada ao deparar com os cones no pé da serra. Policiais para orientar? Nenhum.

Ambiente e meio
Corre entre petistas a acusação de que a campanha de Marina Silva está com um pé no serrismo. Nos últimos dias do ano, o cientista político Carlos Novaes deixou o time de coordenação da campanha verde e foi substituído por Eduardo Jorge - que é ligado a Serra e secretário de Meio Ambiente de Gilberto Kassab.
Além de deixar a coordenação da campanha, Novaes se desfiliou do Partido Verde.

Avisa lá que eu vou
Essa ninguém imaginaria quando Lula tomou posse em 2003: ele vai ao Fórum Econômico de Davos, dia 29, mas não volta para falar no Fórum Social Mundial.
Que será no Sul do Brasil - mas não em Porto Alegre. O pessoal acha inoportuno fazê-lo sob a gestão do antipetista Antonio Fogaça.

Avisa lá 2
A saída, para os organizadores, é fazer o Fórum em cidades da região metropolitana gaúcha - onde as prefeituras estão nas mãos do PT.

Riso legal
O TJ-Rio disse não à Globo. A Record pode continuar com as paródias dos personagens de seus programas.

Gritaria
Pastores evangélicos da Igreja Mundial do Poder de Deus, fechada pela Prefeitura por não ter alvará, estão prometendo uma "grande marcha até a Prefeitura", para pressionar Kassab.
Levam na mochila uma pergunta: por que as igrejas evangélicas não podem fazer barulho mas as escolas de samba podem?

A grade e a lei
O STJ tem dilema de bom tamanho para começar 2010: os dois acusados do furto milionário na agência do BC em Fortaleza, em 2005, pedem habeas corpus.

Na frente

Rodrigo Sant"Anna estreia em Sampa a comédia Os Suburbanos. Sábado, no Teatro das Artes.

Caro Francis, de Nelson Hoineff, tem pré-estreia hoje, no Reserva Cultural.

Alcione e Margareth Menezes começam os ensaios do movimento Afro Pop Brasileiro. Quinta, em Salvador.
Marcos Flaksman, Martha Alencar e Heloisa Rezende já desembarcaram em Fortaleza para as filmagens do longa de Hugo Carvana, Não Se Preocupe Nada Vai Dar Certo.

Lourdes Maria, filha de Madonna, está namorando. Não consta que o moço seja da turma de Jesus Pinto da Luz.

Interinos: Doris Bicudo, Gabriel Manzano Filho, Marilia Neustein e Pedro Venceslau.
Estão presos há mais de três anos. O prazo limite, dizem, seria de 81 dias.

RUY CASTRO

Sorvete no açougue

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/01/10


Há anos, numa de suas incontáveis administrações, o então prefeito Cesar Maia entrou em um açougue no Rio e pediu um sorvete. O açougueiro, constrangido, teve de admitir que não trabalhava com o produto. Mas a imprensa, que, por algum motivo, acompanhava o prefeito nessa expedição, fez a festa. Imagine entrar num açougue e pedir um sorvete!

As coisas mudam. Outro dia, um turista entrou numa banca de jornais da avenida Ataulfo de Paiva e perguntou se vendiam havaianas. O jornaleiro disse que não e apontou a peixaria no outro lado da rua. E, de fato, no lugar dos robalos e garoupas, a porta da peixaria ostentava um farto estoque de sandálias de dedo, de todos os tamanhos e cores. Acho que vendia também pescado e frutos do mar.

Foi-se o tempo em que as bancas tinham até 15 jornais locais para vender. Hoje têm três ou quatro, asfixiados pela população de revistas, e todos lutam por espaço contra os cigarros, chocolates, dropes, jujubas, picolés, batatas fritas, incenso, bolas, bonés e camisetas que as bancas também vendem. E algumas, efetivamente, vendem sandália de dedo.

As farmácias, você sabe. Oferecem refrigerantes, bombons, fortificantes, tênis, calcinha, pneu, escafandro – tudo, menos remédio, o que dispensa a figura do farmacêutico experiente e conhecedor dos medicamentos. Na maioria delas, o atendente não consegue distinguir um band-aid de um supositório e está ali só para consultar a tela do monitor e dizer se tem ou não tem. As farmácias são tão bom negócio no Brasil que estão sendo incorporadas por bancos, grandes investidores, e até supermercados. Não demora e será tudo uma coisa só.

O irônico é que, hoje, o ex-prefeito Cesar Maia já pode entrar num determinado açougue chique aqui do Leblon e pedir um sorvete.