segunda-feira, dezembro 20, 2010

DENISE ROTHENBURG

Mitos, madames e barracos

Denise Rothenburg
Correio Braziliense - 20/12/2010
 
O processo de escolha do gaúcho Marco Maia candidato a presidente da Câmara é um exemplo claro de que o PT não perdeu o ar de “barraqueiro”
No momento em que todos começam a fazer as contas do governo Lula, seus acertos e erros, é preciso colocar alguns pingos nos is. É fato incontestável que Lula conseguiu, em oito anos, virar um mito. Isso ninguém vai tirar dele. E no imaginário popular, mito não tem dor de barriga, mau hálito ou coisa que o valha. Por mais que os numeros em algumas áreas deixem a desejar, a população de um modo geral e, registre-se, até mesmo seus adversários políticos vão tratar do governo como uma era de avanços sociais. Ninguém atribuirá os fracassos ao mito.
Mas, vejamos os partidos políticos. Eles também merecem um balanção de final de ano. O PMDB soube, nesse período, conquistar seu espaço a ponto de chegar em 2011 com a Vice-presidência da República. Há muito tempo, não chegava tão longe. A última vez foi há 25 anos, em aliança com Tancredo Neves, que nem chegou a assumir o governo. E, ainda assim, José Sarney, guindado ao comando do pais, aguentou os peemedebistas fazendo oposição à sua gestão.
O PMDB quis tanto e se deu tão bem que, agora, ficou amarrado. Ao conquistar a vaga de vice de Dilma na pessoa de seu presidente, Michel Temer, está obrigado a deixar de lado aquela história de “se não me der o que eu quero vou para a oposição” — postura que acompanhou os peemedebistas no governo Fernando Henrique Cardoso e prosseguiu no governo Lula.
E o PT? O partido sai desse governo com uma imagem desgastada. A estrela daqueles que em 1989 cantavam sem medo de ser feliz e costuravam suas bandeiras com trapos vermelhos em casa mudou até de cor, quando houve a troca das ruas e galpões por amplos e suntuosos salões. Os jeans surrados deram lugar a Ricardos Almeidas e Armanis da vida. Já em 2002, na campanha, a transformação era nítida. A estrela, em vez de vermelha ou branca, era dourada e vinha numa linda caixinha vermelha. Ocorre que, com a conquista do poder, logo vieram os escândalos pelos quais alguns sucumbiram. De José Dirceu a Erenice Guerra, que não tinha uma militância partidária.
Barraco
Uma característica, entretanto, o PT parece não ter perdido. A de discutir na frente de todos seus problemas e divisões internas. O partido, guardadas as devidas proporções, age como aquela mulher que, ao acompanhar o marido numa festa, faz um escândalo quando vê alguma jovem se aproximando dele. E, antes que ele possa dizer que se trata de uma antiga colega de escola, a esposa já está discutindo com o indivíduo na frente da moça. Foi assim com a nomeação dos ministros de Dilma. O ciumento PT armou logo um “barraco”. O processo de escolha do gaúcho Marco Maia candidato a presidente da Câmara é um exemplo claro de que o PT não perdeu o ar de “barraqueiro”, como aquele casal que briga em público e expõe seus problemas matrimoniais.
Outro partido da base que agora chega às portas natalinas sem esse espírito de confraternização é o PSB. Ali, o crescimento da legenda ao longo do governo Lula desaguou num “quase barraco” entre Ciro Gomes e o presidente do partido, Eduardo Campos. Por enquanto, eles ainda não partiram para uma briga na frente dos outros. Estão no meio termo entre o barraqueiro PT — que diz “brigo sim e daí?” — e o PSDB.
Por falar em PSDB...
Bem, chegamos à oposição. Os tucanos podem ser comparados àquele casal que faz tudo para não expor suas diferenças publicamente. A madame tucana, quando não gosta do comportamento do marido, ou desconfia dele, não perde a fleuma na frente de estranhos, muito menos da moça objeto da discórdia. Deixa para brigar no carro, dando voltas pela cidade, ou no telefone que sabe não estar grampeado porque o número é novinho em folha. O casal de mineiros e paulistas do PSDB — ou só de paulistas, uma vê que ali também convivem diferentes alas — passou esses oito anos em crise, mas se manteve sorridente nos palanques, nos restaurantes, nos encontros e reuniões partidárias.
Só divergiram em público quanto ao comportamento que deveriam ter em relação a Lula e ao PT — se uma oposição mais aguerrida ou “seletiva”. Mas, quem for analisar como desfilou o PSDB nesses oito anos verá que não deu muito trabalho a Lula. Afinal até eles acham que Lula virou mesmo um mito.
E agora, daqui a 11 dias, depois de posar com sua barba branca de quase Papai Noel, passará a faixa a Dilma, que não se sabe se terá a mesma sorte do antecessor. Os otimistas, entretanto, dizem que Dilma pode ter a sorte de ver o PT dedicado às suas brigas barulhentas e públicas e as alas do PSDB quebrando o pau dentro do carro. E, sabe como é, enquanto uns brigam outros governam e podem até virar mitos, como aconteceu com Lula. Isso, o tempo dirá. Feliz Natal a todos.

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