domingo, junho 27, 2010

MERVAL PEREIRA

Ao mestre
Merval Pereira
O GLOBO - 27/06/10

No dia 25, o jornalista Carlos Castello Branco, uma espécie de patrono dos colunistas políticos brasileiros, o maior entre nós todos, teria feito 90 anos. Reproduzo aqui trechos do prefácio que escrevi para a reedição de seu livro clássico “Os militares no poder”, da Editora Record. E adianto que brevemente estarei lançando um livro, pela mesma editora, com o título de “O lulismo no poder”, uma homenagem ao mestre. Quem quiser saber mais sobre o Castelinho, como era conhecido, pode ir ao endereço www.carloscastellobranco.com.br.

(...) A “Coluna do Castello”, publicada diariamente no “Jornal do Brasil” por 31 anos até sua morte, em 1993, teve provavelmente o mais influente papel que o jornalismo pode exercer na política brasileira, e não apenas metaforicamente.

No período mais negro da ditadura militar, “o Congresso só existiu na minha coluna”, disse ele, certa vez. Sua importância era tamanha que, tendo Carlos Lacerda interesse em que o “Jornal do Brasil” defendesse certa posição, foi-lhe sugerido que procurasse o presidente do jornal, Manuel Francisco Nascimento Brito, genro da condessa Pereira Carneiro. Ao que Lacerda retrucou: “Eu vou é falar com o Castelinho, que é quem manda”.

Já durante o período de distensão, angustiado com a necessidade de continuar o processo de abertura política “lenta, gradual e segura”, o presidente Ernesto Geisel não sabia como convencer a opinião pública de que continuava com a intenção inalterada, mesmo depois de ter fechado o Congresso e ter baixado o “Pacote de abril”. O ministro da Justiça, Petrônio Portela, interessado em dar prosseguimento ao processo de abertura política, aconselhouo: “Só há um homem no Brasil que fará com que se acredite que o senhor quer mesmo fazer a abertura política. Este homem é o jornalista Carlos Castello Branco”.

Anterior à era da multimídia no jornalismo, Carlos Castello Branco tinha o dom da palavra escrita, mas não o da fala. Ao contrário, tinha uma dicção péssima. Chegou a fazer comentários políticos na televisão, mas essa não era sua praia. Por isso, escrevia sempre seus pronunciamentos, e não se justificava: dizia-se, sobretudo, um jornalista, o que naquela altura se resumia principalmente à imprensa escrita.

Escrevia com uma rapidez e clareza tão grandes quanto falava atabalhoadamente, comendo as palavras, quase resmungando.

Tinha uma memória notável, e não foram poucas as ocasiões em que o interlocutor se surpreendeu com a reprodução perfeita da conversa sem que Castelinho tivesse tomado uma nota sequer da conversa.

Ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, em 1982, fez questão de ressaltar: “Chego à Academia como jornalista. Foi essa condição que me deu notoriedade e abriu-me caminhos nos vossos corações. (...) Mas devo ressaltar que, em determinado momento da vida profissional, quiseram os fados que fosse o intérprete mais ostensivo dos sentimentos que não se podiam, então, exprimir. A sociedade ansiava por informações; e coube-me abrir, graças ao apoio do ‘Jornal do Brasil’, um canal de mensagens cifradas mediante as quais atendia a expectativas tão amplas quanto frustradas. Sei que não trabalhei em vão, e é muito em função disso que me acolheis aqui, independentemente dos sentimentos políticos de cada qual. Eis, talvez, a razão por que um repórter chega pela primeira vez, como tal, a ocupar uma cadeira nesta Casa de expoentes da vida brasileira”.

Castelinho tinha a noção exata de que fazia parte da História, e era desse ponto de vista que analisava os fatos políticos cotidianos: “os fatos vão se criando e as explicações, se multiplicando, ganhando coerência ou clareza à medida que os surpreendemos no seu aparecimento, no seu colapso, no seu ressurgimento, nessa permanente elaboração, fundada em contradições que nem sempre chegam a sínteses, que caracteriza a ação política”, definiu ele na introdução de uma das edições deste “Os militares no poder”.

(...) Anteriormente, em 1970, já concorrera à ABL, e por razões políticas: como havia sido eleito pouco antes o ex-ministro do Exército de Costa e Silva e membro da junta militar de 1969, General Aurélio de Lira Tavares, que usava o pseudônimo de Adelita, um grupo de acadêmicos desejava preencher a nova vaga com um candidato de oposição. Castello acabou sendo superado por Antonio Houaiss, num segundo turno.

Anos antes, quando o Ato Institucional no5 foi editado, em dezembro de 1968, Castelinho fora preso, acusado de ter participado do movimento político que culminou com a recusa do Congresso em processar o jornalista e deputado Marcio Moreira Alves.

Sua coluna foi proibida de circular durante algumas semanas. Do final do governo Costa e Silva até todo o governo Médici, a repressão política aumentou fortemente, e com ela a pressão para que o tom da coluna de Castelinho fosse alterado.

Ele passou a transmitir as informações, então, segundo suas palavras, “quase em mensagens cifradas”, e chegou a pedir demissão duas vezes, por não ter espaço político para suas análises. Numa dessas ocasiões, em pleno governo Médici, foi dissuadido por dois ministros de origem militar, Mario Andreazza e Jarbas Passarinho, que sabiam a péssima repercussão política que essa decisão geraria, e trabalharam para arrefecer as pressões.

(...) Em outubro de 1978, foi homenageado nos Estados Unidos com o prêmio Maria Moors Cabot, pela Universidade de Columbia, Nova York, destinado aos jornalistas notáveis das Américas.

Com a posse de Geisel e o projeto de abertura política, Castelinho ganhou mais liberdade para escrever, mas, em consequência, atraiu a fúria da linha dura que se opunha à democratização.

(...) Mesmo cessadas as ameaças, Castelinho conviveu durante muito tempo com a paranoia de estar sendo perseguido, e em 1982, depois de eleito imortal da Academia Brasileira de Letras, teve que ser internado num hospital com princípio de infarto. Pediu que os fios que ligavam seu corpo aos aparelhos fossem retirados. “Suspeito que eles tenham sido instalados pelo Serviço Nacional de Informações”, comentou, entre irônico e precavido.

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