domingo, junho 07, 2009

DANUSA LEÃO

Pequenos prazeres da vida

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09


Quando telefona aquele amigo que você adora, e diz "vou já para aí". E, quando chega, te dá um grande abraço



A VIDA nos dá muitos prazeres, ah, isso dá. Dos mais simples aos mais sofisticados, dos singelos até aqueles que você batalha uma vida inteira para conseguir; no tema, é claro que dinheiro ajuda, e quem disser que não, está mentindo.
Um dia, em pleno Taiti, uma milionária surtou e começou a gritar "pra que dinheiro? As melhores coisas do mundo, como esse céu, esse sol, esse mar, não custam nada"; aí, alguém deu logo o troco: "É, mas para chegar aqui você gastou US$ 6.000 de passagem e seu hotel custa US$ 850 por dia". Foi um silêncio total.
Mas existem prazeres que não custam nada. Quando telefona aquele amigo que você adora, e diz "vou já para aí, estou louco para te ver". E, quando chega, te dá um grande abraço e diz que você está mais bonita do que nunca, tem melhor?
E quando seu filho liga e diz "estou com saudades", sem nenhuma segunda intenção -descolar uma grana, por exemplo-, tem alguma coisa que faça seu coração mais feliz?
Existem ainda outros tipos de prazeres que não custam nada, e que também são maravilhosos, como estar rodeada de pessoas felizes. Convenhamos: ser feliz sozinha não tem tanta graça, bom mesmo seria saber que o mundo inteiro está feliz -mas aí já é meio difícil.
Mas há também alguns prazeres que são de uma mesquinhez horrenda: quando entra na festa a ex do seu atual, por quem ele ainda baba, sem perceber que a pestana postiça do olho esquerdo está caindo; tem melhor? Avisar, nem pensar: é um prazer legítimo, e Deus, se fosse mulher, compreendia e perdoava.
Gente que estuda com sacrifício e um dia consegue se formar -emprego depois é outra história-, não é o máximo? E gente que luta com um monte de concorrentes e consegue vencer, seja no esporte, seja no trabalho? Sim, porque o importante não é competir e sim vencer, quem não sabe?
Existem coisas muito boas na vida -umas importantes, outras bem bobas. Um copo de cerveja gelada tomada de um gole só, numa tarde de calor; cheiro do carro novo; a empregada nova, quando você percebe que ela acertou com o tempero; o resultado do exame que diz que sua saúde está ótima; são sensações maravilhosas, de tão boas.
Mas tem uma coisa idiota, que para mim é das melhores: é quando eu estaciono meu carro numa rua e aparece, vindo das trevas, o flanelinha, já com o polegar para o alto. De medo que ele arranhe o carro, eu, com ódio, retribuo com o mesmo gesto: está selado o contrato.
Duas horas depois, eu volto, não vejo ninguém, e quando vou saindo de fininho, rezando para ele não aparecer, ouço um assovio: é ele, o flanelinha, correndo pela rua para me alcançar.
Tudo bem, R$ 2 não vão me fazer mais pobre, mas é uma delícia, quando dá tempo de escapar.
Quando me acontece, eu me sinto a mulher mais feliz do mundo.

GOSTOSAS


CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR

JANIO DE FREITAS

Um golpe amazônico

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09


A sanção da MP será como o primeiro grande passo legal para o confronto internacional, e talvez bélico, contra o Brasil


UMA INOVAÇÃO explosiva está, a partir de agora, à espera de que Lula se decida a dar-lhe o jamegão presidencial definitivo ou, em um rompante de consciência acima da política, só o faça depois de vetar as partes mais monstruosas dessa mistura de medida provisória e alterações de congressistas. A sanção integral será como o primeiro grande passo legal para futuro confronto de iniciativa internacional, e talvez bélica, contra o Brasil.
A Amazônia é o ponto fraco do Brasil no trançado das geopolíticas dos países ocidentais, cada vez mais influenciadas pela noção, de sociedades e governos, de que é necessário à humanidade preservar no planeta o que o homem ainda não arruinou. O desmatamento da Amazônia, as emissões de suas queimadas e as consequências planetárias desse processo têm hoje presença inevitável nos meios de comunicação, debates e edições científicas sobre alterações climáticas, escassez da água e relação entre ambiente e doenças.
É essa Amazônia que a MP da Presidência aprovada com agravantes pela Câmara e, na quarta-feira, pelo Senado, pretende entregar à cor- rosão ainda maior que a já vista.
Nascida da sugestão de se regularizar as ocupações feitas por milhares de pequenos produtores, a MP transfigurou-a em um sistema de doações e venda a preço apenas simbólico de áreas gigantescas. Ao que a Câmara e o Senado acrescentaram, entre outros golpes de foice, o aumento das áreas e a inclusão de empresas como compradoras ou receptoras de doação do governo.
Hectare para lá, hectare para cá, o texto esperto distrai do fato de que um hectare equivale a dez mil metros quadrados. E as doações e vendas a preços simbólicos referem-se a milhares de hectares, que por sua vez significam milhões de metros quadrados. Desde R$ 1 por hectare, ou R$ 1 por dez mil metros quadrados de Amazônia. Com três anos de carência e direito de venda três anos depois da compra, ou seja, quando deve começar o pagamento estendido a prazos de 20 a 30 anos.
Condição única para receber esse presente das alturas: demonstrar que já estava na área antes de 2006. No país em que empreiteiras compram até a "vitória" para fazer um metrô e aumentos à vontade no preço, como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa em Salvador, que dificuldade haveria para adquirir testemunhas e demonstrações a granel? Até sem desembolso, com pagamento em uma lasca de uma vastidão de terra recebida ou comprada sem necessidade de pagamento, porque pode ser vendida antes de qualquer desembolso.
Com os atuais ocupantes da terra, está demonstrado que, de cada mil metros desmatados, 800 destinam-se à criação de gado. Árvores são derrubadas, a madeira é vendida, incêndios são provocados para extinguir o mato raso e as bases dos troncos cortados -e a Amazônia vira pasto. Criação a custo tão baixo hoje, sob a regra das ocupações, quanto será amanhã, muito mais extensa, sob amparo da lei, se Lula sancionar o texto cuja responsabilidade divide com a Câmara e o Senado. Ainda mais extensa? Pois é, a área abrangida pela generosidade da MP/Congresso já foi comparada ao tamanho do Paraná.

Reaparecimentos
Dois de uma vez. Nelson Jobim, depois de interromper na Namíbia seu ilustre papel de negociador de armamentos e enrascar-se com informações precipitadas sobre o desastre do Air France, deu no pé para o Rio Grande do Sul e lá reapareceu para as tevês com o uniforme de soldadinho. Aquele de outras batalhas perdidas para os chargistas.
E Gilmar Mendes, a voz incansável do Supremo Tribunal à revelia do Supremo Tribunal, em uma solenidade com advogados ressuscitou o lugar-comum que se pensava, com gratidão, sepultado para sempre: "do Oiapoque ao Chuí". Nem ao menos foi do Oiapoque a Chuí.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO


INFORME JB

"Tá todo mundo angustiado"

Leandro Mazzini

JORNAL DO BRASIL - 07/06/09

Se alguém deseja ver irritado o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (foto), basta dizer que um aliado soprou que ele fecha chapa com o governador petista Jaques Wagner para 2010. Um deputado grande do PMDB disse isso à coluna. "Então manda ele cuidar da bancada dele!", rebateu o ministro. Cogitado por aliados para o governo da Bahia, ou para o Senado, Geddel desabafou: não quer conversa com o PT por ora, e sim cuidar do seu partido. "Na Bahia tem uma ‘plantação’ danada. Não há acordo nenhum. Tá todo mundo angustiado, a eleição é só em 2010. Você abre os jornais e parece que a eleição é em outubro". Geddel diz que vai ouvir o partido, e é o PMDB quem vai decidir seu futuro. E manda: "Só saio do ministério quando o presidente Lula pedir".

Crise? Rio do bi

Crise que nada. Mês passado foi fechado discretamente um negócio bilionário no Rio. Um grande empresário do setor de transportes de Minas comprou por R$ 85 milhões um terreno gigantesco entre a capital e Duque de Caxias, na Baixada.

Bilionário? Sim. O empresário pretende construir mega-armazens no terreno. Investimento previsto de R$ 1 bilhão em quatro anos.

Meio-fio

A área em Caxias, à margem da rodovia Washington Luís, era de uma conhecida família do setor de comunicações do país.

Sem-vaso

O TCU condenou o ex-prefeito de Caraúbas Luciano Cruz e a empresa C&T Construções ao pagamento de R$ 78.466,10, além de multa de R$ 7 mil. A Funasa repassou o dinheiro para a construção e reforma de 180 "unidades sanitáias" em casas carentes, mas só 153 foram feitas.

Água na fogueira

A Justiça baiana, a pedido do MP estadual, mandou cancelar as festas de São João na bela Porto Seguro por causa da epidemia de dengue na cidade.

Alô, Temporão

A cidade só poderá promover eventos públicos depois que o Ministério da Saúde anunciar, com a prefeitura, controle da epidemia.

PMDB x Yeda

Com a Yeda Crusius (PSDB) balançando no Rio Grande do Sul, o PMDB sopra o nome do ex-governador Germano Rigotto para o cargo. José Fogaça ficaria na prefeitura. Rigotto topa a ideia.

Até na água

O MP Eleitoral do Ceará mandou retirar de uma canoa propaganda antecipada com as frases: "Apoio Deputado Federal Eugênio Rabelo PP e, Apoio Nelinho" (sic), no município de Russas.

Até no desastre

O pior do caso é lucrar com a tragédia alheia: a propaganda foi afixada na canoa que transportava vítimas da enchente na cidade. Nelinho é José Wandemberg da Costa, presidente da Associação Clube de Mães Poço da Onça.

Prato vazio

Em Santa Terezinha do Progresso (SC), a tragédia foi o prato vazio da criançada na rede municipal. O TCU condenou o ex-prefeito Itacir Detofol a pagar R$ 97 mil por não prestar contas do dinheiro que era para merenda.

Festa no galpão

A Procuradoria Regional da União no Rio obrigou a Transegur Vigilância a indenizar a União pelo sumiço de produtos apreendidos pela Receita, que estavam em galpões sob cuidados da empresa: 62 TVs de plasma, 506 garrafas de uísque, 75 aparelhos de som, filmadoras, entre outros, saíram para passear e nunca mais voltaram.

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Uma estranha recessão

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09


Apesar de queda forte do PIB, crise se concentra na indústria; contas fiscais e externas em relativa ordem ajudaram

É UMA RECESSÃO estranha, essa a nossa, desta vez. Ou até agora. O presidente é popular como nunca. Os salários não caíram, pelo menos ainda; pelo menos aqueles de que temos notícia, segundo as estatísticas disponíveis -apenas crescem menos, na média. Mesmo a perda de empregos formais, embora violenta, já foi pior em outras recessões, quando o número de pessoas com carteira assinada chegou a diminuir drasticamente (na comparação anual). Não há protestos na rua. Embora as maiores centrais sindicais sejam hoje quase órgãos paraestatais, não estariam tão quietas caso as bases estivessem gritando.
Na terça-feira, será divulgado o já anacrônico resultado do PIB do primeiro trimestre. Tanto na comparação com o final de 2008 como com o primeiro trimestre de 2008, a queda estimada fica entre 2% e 3%. É um tombo inédito desde os anos terríveis de Fernando Collor, aquele que outro dia beijou a mão da ministra Dilma Rousseff e, aliás, foi também presidente da República, deposto por bandalheira e caos econômico.
Para 2009, há estimativas de queda de 2% do PIB (caso de economistas do Itaú). Economistas da MB Associados, do Bradesco e do Santander estimam estagnação. Os da Tendências, queda de 0,6%. Números ruins, além de muito dispersos, mas os economistas acreditam que a pior dentada na atividade econômica teria ocorrido de janeiro a abril. Porém, não é improvável que números piores sobre consumo de varejo, renda e emprego ainda apareçam daqui até o final do ano.
Por estranha que seja, a recessão não é uma ilusão de ótica. No ano, todos os indicadores da atividade industrial foram desastrosos ou recordes negativos, desde que se tem registro. A queda na produção da indústria foi a maior desde 1991. O aumento na ociosidade das fábricas foi comparável ao de 1998-99, disputando a primazia da desgraça com o início collorido dos anos 1990. O crédito secou também de modo raro, embora viesse de um (bom) nível também raramente visto no país.
A que se deve, então, esta estranha recessão? Decerto o governo pôde gastar mais, com efeitos menos deletérios desta vez, e pôde baixar juros, ainda que nem tanto quanto viável. Em eras de desordem fiscal, dívida pública mais alta, inflação e dívida externa maior, não seria possível gastar mais nem baixar juros.
Desta vez, parte relevante do consumo não depende imediatamente das flutuações da economia, mas de salário mínimo, INSS, assistência e seguros sociais, rendas que já vinham aumentando no governo Lula e crescem ainda mais agora. O governo também fez um pouco mais de dívida para dar forte aumento aos servidores, justamente neste ano. Relevante ainda, cortou tributos sobre bens de consumo. Além do mais, os bancos estatais evitaram uma redução de crédito semelhante à de recessões terríveis como a de Collor.
Isto posto, a recessão ainda parece estranha. Entende-se o motivo de a crise não ter sido pior; que a renda dos mais pobres não tenha caído (aliás, sobe). Mas, no fim das contas, a queda do PIB é forte. Porém, concentra-se na indústria, em especial na exportadora. Não se espalhou pela economia com a intensidade razoavelmente previsível. Muito melhor assim. Mas ainda esquisito.

RATOS

PAINEL DA FOLHA

A Copa é nossa

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09

Acossado por um sem número de pedidos de Estados e prefeituras que usam como argumento a Copa no Brasil, o governo federal avisa: 2014 não servirá de panaceia "para todo mundo resolver seus problemas de transporte", nas palavras de um assessor presidencial. No que diz respeito ao Mundial, o chamado PAC da mobilidade urbana será focado na infraestrutura aeroportuária e na logística de acesso aos estádios.
Outra decisão: não haverá dinheiro federal para construir ou reformar estádios. As cidades-sede terão de viabilizar seus projetos com a iniciativa privada. A única ajuda nessa seara será na forma de linhas de crédito do BNDES, em condições ainda por definir.



Lupa. A primeira reunião multilateral sobre a Copa acontece nesta semana, entre a Fifa e representantes dos governos federal e estaduais. A entidade vai exigir clareza sobre a disponibilidade de recursos para as obras prometidas, em especial os estádios.

Para tudo 1. O governo atribui parte do atraso em obras de saneamento e habitação do PAC a novos prefeitos que decidiram mudar projetos definidos pela administração anterior. Há casos de simples ajuste. Em outros, porém, voltou-se à estaca zero.
Para tudo 2. Informado do problema, Lula determinou negociar e, nos casos em que o impasse persistir, retirar os recursos federais para destinar a outra obra.

Linha de frente. A trinca de diretores da Petrobras escalada para atuar mais diretamente na defesa e no contra-ataque quando a CPI começar inclui Wilson Santarosa (Comunicação), Renato Duque (Serviços) e Paulo Roberto da Costa (Abastecimento).

Paiol. Santarosa é conhecido de políticos e jornalistas pelo arsenal de dados que costuma reunir sobre desafetos.

Sem comentários. O troféu Nelson Jobim de falta de tato vai para o deputado Carlos William (PTC-MG), que propôs um "voto de congratulações" a quem perdeu familiares no acidente com o Airbus da Air France. Vários deputados correram a corrigir para "voto de pesar".

Bastão. Numa demonstração de que fala sério quando anuncia a disposição de não retornar à Câmara, Ciro Gomes (PSB) se antecipou e lançou a candidatura do ministro Pedro Brito (Portos) a deputado federal, com seu apoio.

Ponto de vista. Os mais próximos de Lula sonham com um Palácio do Planalto, em 2011, no qual Antonio Palocci seria o "Dilmo da Dilma", ocupando posição central no terceiro governo petista. Já os mais próximos de Dilma pensam que esse lugar caberia ao ex-prefeito de BH Fernando Pimentel, velho amigo da ministra.

Escotilha. A dificuldade de fechar os palanques regionais leva o Planalto a apostar na "janela de infidelidade", de modo a garantir alguma mobilidade partidária antes das eleições. O complicador é que o DEM instalou Demóstenes Torres na CCJ do Senado com a missão primeira de impedir que tal janela se abra.

Erva cidreira. O projeto que libera a realização de campanha eleitoral antes de 1º de julho de 2010 ganhou na Câmara o apelido de "sossega Joaquim". Os deputados acham que, se definirem essa e outras regras nos mínimos detalhes, os candidatos estarão menos expostos às interpretações do ministro Joaquim Barbosa, que presidirá o TSE no ano que vem.

Novos ares. Além de ter voltado a dar aulas na universidade, o petista Paulo Delgado, que não se reelegeu deputado em 2006, está atuando como lobista da Fiesp.

Sete chaves. A Polícia Federal não conseguiu até hoje acesso aos inquéritos abertos para apurar desvios administrativos que teriam sido cometidos no Senado pelo ex-diretor João Carlos Zoghbi. A entrada da PF no caso foi requisitada em 14 de maio. O delegado Gustavo Buquer já enviou ofícios à presidência e à corregedoria da Casa. Em vão.

Com VERA MAGALHÃES e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"Apostar na divisão entre Serra e Aécio é sinal de desespero, coisa de quem gostaria de resolver a eleição antes mesmo de a campanha começar."


Do deputado GUSTAVO FRUET (PSDB-PR), minimizando a disputa entre os dois governadores pela candidatura tucana à Presidência.

Contraponto

Salvem as sereias Durante protesto do Greenpeace contra a "MP da grilagem", três militantes que acampavam em frente ao gabinete de Kátia Abreu foram detidos pela polícia do Senado. Em seguida, Eduardo Suplicy chegou esbaforido ao plenário:
-Vou apelar à Kátia para que retire a queixa contra a Miss Desmatamento. Ela é linda!- derreteu-se o petista.
-Quem é linda, a Kátia?- quis saber Tião Viana (PT-AC).
-Não, a miss sem a máscara!- esclareceu Suplicy, antes de sair em busca de anistia para a bela manifestante.

TOSTÃO

Melhor contra-ataque do mundo

JORNAL DO BRASIL - 07/06/09

O futebol brasileiro, admirado em todo o mundo, pelo toque de bola, pela troca de passes, pelo domínio do jogo, não existe mais. Agora, é o futebol de muita marcação e de muitos contra-ataques. Muitas vezes, brilhantes, como na belíssima vitória contra o Uruguai.

O Brasil tem o melhor contra-ataque do mundo, pois possui dois jogadores, Kaká e Robinho, velozes e talentosos, ideais para atuar dessa forma. E ainda tem um ótimo finalizador, Luís Fabiano.

Para um time ser eficiente nessa estratégia, precisa também de uma ótima defesa para suportar a pressão. O Brasil tem dois excelentes zagueiros e um excepcional goleiro. Além disso, nesse esquema de marcar muito atrás, Gilberto Silva e, principalmente, Felipe Melo, que tem bom passe, são também eficientes. Felipe Melo foi uma boa tacada de Dunga.

A seleção brasileira se parece hoje com a eficiente italiana, que sempre criticamos. Júlio César é Buffon quando era jovem. Juan e Lúcio estão no nível dos melhores zagueiros italianos.

A grande dificuldade do Brasil não é mais contra fortes seleções, e sim quando joga em casa e/ou enfrenta equipes inferiores, que vão se defender para contra-atacar. Aí, o Brasil vai precisar de mais armadores ofensivos, de marcar por pressão e de saber atacar com pequenos espaços.

O novo futebol brasileiro não é o que sempre sonhamos. O time atual vai oscilar e, quando jogar mal, vai mostrar suas deficiências e será criticado. Mas, o time já tem uma identidade, um estilo, que tem boas chances de ser vitorioso.

Silêncio

Gosto de palavras, de som, de música e também de silêncio, do que é dito com os gestos e com o olhar. Gosto ainda da luta silenciosa, feita com atitudes, e não com discursos vazios e oportunistas. O silêncio comunica mais que o ruído. Nós é que não sabemos escutá-lo nem compreendê-lo.

Não sei por que escrevo isso. Deve ser porque vi na tevê partidas de tênis pelo Torneio de Roland Garros. Não entendo nada, mas gosto do silêncio que todos os narradores e comentaristas desse esporte fazem quando a bola está em jogo. Até os torcedores fazem silêncio.

Sei que futebol é muito diferente. Dizem ainda que o silêncio derruba a audiência. Será? Mas, não é necessário também, enquanto a bola estiver rolando, falar tanto, dar tantas informações e ainda narrar o lance óbvio, como um passe para o lado. Tevê não é rádio. Estamos vendo a jogada. Não somos cegos nem burros.

Realidade

Não tenho esperança de que não haverá desperdício de dinheiro público na Copa de 2014 e que não serão construídas obras que não trarão nenhum benefício à população depois do Mundial. Acho ainda absurdo o poder público construir um estádio, para ter apenas um jogo na Copa, em uma cidade que não possui uma única equipe nem na segunda divisão do futebol brasileiro. Vai ser um elefante branco.

Não sou pessimista. Sou realista. Ainda mais com vários jornalistas chapas brancas, em todos os estados, e tantos dirigentes, políticos e governantes mais espertos que a esperteza.

GOSTOSAS


CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Vergonha da mesóclise

O GLOBO - 07/06/09

Não pretendia voltar a escrever sobre como a língua vai mudando, por não querer ser chamado de velho caturra, mas é difícil segurar e aí não me contenho. Esta semana (ou, segundo a atual usança, ´nesta semana´), por exemplo, cheguei à conclusão de que estamos caminhando para a adoção de uma nova regra em relação às orações com o sujeito na terceira pessoa, tanto do singular quanto do plural. Assisti a muitos noticiários de televisão nos últimos dias, ouvi muitas entrevistas com todo tipo de gente e a conclusão dispensa maiores pesquisas. Dentro em breve vai ser errado dizer, por exemplo, ´o avião teve uma pane elétrica´. Imagino que, a continuar a tendência, as crianças nascidas hoje não compreenderão uma frase assim, porque jamais a ouvirão. Ouvirão ´o avião, ele teve uma pane elétrica´. E lerão numa gramática da norma culta que, na terceira pessoa, o sujeito precisa ser confirmado pelo pronome para o enunciado ficar claro. Para nós, velhos caturras, isso nos aproxima de nossos parentes de Neanderthal, mas que é que se vai fazer, só se fala assim, é impressionante.

Nesse caso, ao contrário de outros que agora me ocorrem, não vejo influência da cultura que nos domina, tão avassaladoramente que quem não souber um pouco de inglês não pronuncia talvez os nomes da maioria das marcas, ou seja, a cultura americana. Hoje não se diz, como ouvi muito na infância e adolescência, que a língua que falamos não serve para cinema, ou a voz de Fulano se presta melhor para cantar em inglês. Mas a macaquice deslumbrada continua a mesma, tudo em inglês é mais chique. Contudo, o sujeito duplo, ou ´confirmado´, não veio do inglês, a não ser que a moda tenha chegado depois de algum filme de Tarzan com a macaca Chita. Talvez seja uma espécie de muleta verbal, para dar tempo de se achar com clareza o que se vai dizer, embora eu considere pigarrear muito mais decente do que dar a impressão de que se aprendeu a falar faz dez minutos.

Com o fascínio pelos americanos, isso sim, estabeleceu-se o ´você´, no lugar do nosso bem mais respeitável ´se´ de que americano não dispõe no dia-a-dia, a não ser que queira soar afetado ou fazer alguma brincadeira e use ´one´. Agora não se faz mais nada, é você quem faz. Por exemplo, a afirmação ´deve se checar´ (tudo bem, ´deve-se´ checar; dá no mesmo, mas tudo bem, cartas indignadas para o editor, por misericórdia), é substituída por ´você deve checar´. De novo, só se ouve falar assim e de novo temo que se transforme em regra, até porque você escuta muito isso dos próprios professores e você sabe que, quando você aprende algo de um professor na infância, você nunca esquece e aí você usa na vida o que você aprendeu na escola. Soa como papo de um chefe comanche com John Wayne, mas imagino que também é inexorável.

Na mesma linha, embora costume poupar os mais velhos, enquanto ataca impiedosamente a flor de nossa juventude, está a extinção, por enquanto pouco notada, mas insidiosa, da flexão verbal do futuro, não só do indicativo, mas de outros modos. Não se diz mais, ´eu irei a São Paulo domingo´ ou ´eu vou a São Paulo domingo´, mas ´eu vou ir a São Paulo domingo´. Quando me dei conta desse fenômeno, achei que, além de caturra, estava ficando surdo para combinar. Em algumas flexões isso soa penoso, mas o pessoal persiste e já ouvi, como muitos de vocês devem ter ouvido, ´ela ia ir´. Soa um pouco como um cavalo relinchando e acredito que não será por acaso.

Além do ´cujo´, já pranteado aqui há duas ou três semanas, também merece uma saudação nostálgica o bom e velho ´prejudicar´, que, depois de séculos de serviço, foi substituído por ´penalizar´, como em ´a nova lei penaliza a classe média´. E, que é mais cruel, esse verbo hoje sofre de uma crise de identidade e seu antigo sinônimo ´condoer´ parece que assumirá o monopólio desse significado. Daqui a alguns anos, quem disser que ficou penalizado com a morte de alguém será tido como um parente não contemplado no testamento. E ´penalizar´ será, talvez, companheiro de outros, cujos destinos foram rudemente afetados, o primeiro dos quais é ´malicioso´. A palavra ´malicious´ significa ´maldoso´ em inglês, mas ´malicioso´ não quer dizer ´maldoso´. Não queria, aliás, porque agora já há programas maliciosos, atos maliciosos e assim por diante, tudo conotando malvadeza e não malícia. Caminho análogo ao de ´salvar´, que agora significa ´guardar´ e ´gravar´, ou ´corporativo´, que agora significa ´empresarial´, assim como as sociedades anônimas são corporações. E falta ainda lembrar o ´suportar´, em avisos como ´este sistema não suporta senhas alfanuméricas´, ou seja, o sistema fica possesso de raiva, quando vê uma detestável senha alfanumérica.

Ah, dirá talvez a maioria de vocês, são de fato caturrices, rabugices - como já as qualifiquei aqui mesmo. Até admito, mas existe o direito de sentir saudades de uma língua que dispõe (ou dispunha) de recursos expressivos, elegantes e precisos e que os vai perdendo tão esbanjadamente, a ponto de a gente ter vergonha deles. Da mesóclise, coitada, nem se fala. Seu raríssimo emprego é obrigatoriamente seguido de uma explicação ou piada, porque, se for a sério, é considerado pedante ou ridículo, talvez porque quem pensa assim crê que usá-la envolve dificuldades insuperáveis. Da mesma forma, certas combinações, como ´mo´, na frase ´depois que eu vi o livro, ela mo deu´. Só se diz ´ela me deu´, o que pode até gerar interpretações marotas em relação à senhora referida pelo ´ela´. Mas vamos ser otimistas e torcer para que a situação seja apenas passageira e que nossa língua volte a ser tratada com o afeto respeitoso que outrora despertava. A esperança, ela é a última que morre.

ELIO GASPARI

Serra é santo de procissão, quer andor

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09


O PSDB quer as prévias, mas não quer; quer chapa puro-sangue, mas também não quer


O TUCANATO ASSUSTOU-SE diante da conjunção do repique da popularidade de Lula com a redução da distância que separa José Serra de Dilma Rousseff (de 30 pontos para 22). Assombração sabe para quem aparece.
Um partido que tem dois nomes para oferecer, mas o favorito reluta em anunciar sua candidatura, não poderia esperar outra coisa. Faltam 16 meses para a eleição de 2010, e José Serra guarda o imponente silêncio dos santos de andor. É cedo? O companheiro Obama anunciou sua candidatura 21 meses antes da eleição.
Ao seu estilo, o PSDB tem um candidato que não diz que é candidato, quer fazer prévia, mas não quer fazer prévia, quer montar uma chapa puro-sangue, mas não quer montar uma chapa puro-sangue. Em 2006, José Serra saiu da disputa com Geraldo Alckmin sem ter anunciado publicamente que era candidato à Presidência. Nunca se saberá direito até que ponto ele saiu do caminho porque temeu a divisão de sua base ou porque percebeu que marcharia para uma segunda derrota.
Sem candidato (ou sem candidatos disputando prévias, o PSDB acorrentou-se ao projeto-procissão, no qual o santo percorre um trajeto com destino certo, cabendo aos devotos acompanhá-lo com suas preces.
A imobilidade do PSDB é responsável, em parte, pela persistência do fantasma de uma nova candidatura de Nosso Guia. Se Serra ou Aécio botassem a cara na vitrine, desencadeariam um processo que dificultaria uma manobra queremista do comissariado. Jogando na retranca, alimentam-na.
Pode-se dizer que Lula já informou que não pretende buscar o terceiro mandato, mas ele nunca disse isso numa frase que não contivesse uma saída de emergência. Numa de suas últimas versões, repetiu que não pretende entrar na disputa, mas disse que não via nenhum mal no continuísmo chavista.
Se algum dia Lula quiser encerrar essa discussão, pode recorrer a um modelo formulado em 1871 pelo general americano William Sherman (o devastador do Sul dos Estados Unidos durante a Guerra Civil). Ele mandou uma carta a um jornal dizendo o seguinte:
"Nunca fui e nunca serei candidato a presidente. Se algum partido me indicar, não aceitarei a escolha. E se eu for eleito, mesmo que seja por unanimidade, não ocuparei o cargo".

COMPARAÇÃO
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, deveria ser nomeado titular interino da Defesa sempre que um assunto tivesse que ser explicado à opinião pública.
Temporão lidou com a crise da gripe com a qualidade técnica de um apresentador e a competência acadêmica de um sanitarista. Depois do desastre da Air France, o ministro Nelson Jobim foi ao holofotes, disse que não discutiria hipóteses, informou que haviam sido achados destroços do avião e acabou especulando sobre tubarões, "abdomes íntegros", entre outras platitudes.

CAIADO NA AGULHA
Já surgiu no DEM uma bancada que pretende oferecer o deputado Ronaldo Caiado como candidato a vice-presidente numa chapa do PSDB.
Deve ter sido ideia do PT.

MINC GRELHADO
O ministro Carlos Minc está na frigideira e corre o risco de ficar na porta dos fundos. Sua antecessora, Marina Silva, saiu pela porta da frente porque avisou que podia perder o cargo, mas não perderia o juízo.

BIG BROTHER
A ideia do comissário Tarso Genro de criar um Observatório da Justiça para monitorar o funcionamento do Poder Judiciário tem o valor de uma nota de três reais.
O jurisconsulto petista ainda não foi informado de que entre as suas atribuições não está (felizmente) a de fiscalizar outro Poder.
Genro acha que há um precedente: o Observatório português, vinculado à Universidade de Coimbra que, como se sabe, não está anexa ao Poder Executivo.

DIA D + 65
O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, deveria cair fora depois de ter se esquecido de incluir a rainha Elizabeth na comitiva que comemorou os 65 anos do desembarque aliado na Normandia. A monarca é a única chefe de Estado que se pode intitular veterana da Segunda Guerra.
Uma das justificativas da amnésia foi o interesse de preservar um papel preponderante para o presidente francês Nicolas Sarkozy. Eremildo, o Idiota, aprendeu no colégio que em 1944 a França foi invadida porque estava ocupada pelos alemães e tinha um governo colaboracionista. Põe colaboração nisso. Os nazistas administraram a França com 1.500 servidores alemães, número semelhante ao de funcionários do setor de comunicação da Petrobras.
Deixaram a rainha de fora, e é falta de educação lembrar que ao fim do dia do desembarque os melhores resultados foram aqueles conseguidos pelas tropas inglesas e canadenses. A resistência alemã levou o comandante da operação a cogitar a retirada dos americanos da praia Omaha.
Sarkozy, o anfitrião da festa, ainda não havia nascido. No Dia D, seus pais viviam na Hungria e iam bem, obrigado. Eles só fugiram quando o Exército Vermelho chegou perto de suas propriedades.
Passados 65 anos, o mundo deu voltas. No Dia D, Joseph Ratzinger, com 17 anos, acabara de desertar de sua unidade da Juventude Hitlerista (O papa Bento 16 contou que nunca deu um tiro nem carregou sua arma.) Aos 26 anos, Kurt Waldheim, que viria a ser secretário-geral da ONU (1972-1981) e presidente da Áustria (1986-1992), era um tenente da Wehrmacht e servia no Estado-Maior de um general fuzilado pelos iugoslavos.

AS SEIS REGRAS DA PRISÃO DE ZHAO ZIYANG

Para quem tem interesse nos métodos do governo chinês.
Há 20 anos, depois da repressão aos estudantes de Pequim, o secretário-geral do Partido Comunista, Zhao Zyang, foi deposto e mantido em prisão domiciliar até sua morte, em 2005.
Sem que os espias percebessem, ele gravou 30 fitas com um depoimento de 60 horas que acaba de virar livro. Noves fora a narrativa política, nele se aprende que Zhao às vezes saía de casa para ir jogar golfe ou visitar amigos. A certa altura, o governo apertou a cana e ele foi informado de que seus movimentos estariam sujeitos a seis normas. Quais? Não havia burocrata capaz de informar.
Zhao batalhou e um comissário apareceu em sua casa com um papel onde estavam as seis regras. Ele pediu para lê-las. Nada feito, podia apenas ouvi-las. Como não era proibido anotá-las, Zhao escreveu o que ouviu. Diante disso, o comissário recusou-se a ler o produto do ditado e esclareceu que o texto do ex-todo-poderoso secretário-geral do partido era de sua exclusiva responsabilidade.
(Zhao foi autorizado a jogar sinuca duas vezes por semana num clube, sempre pela manhã. Ele foi três vezes e desistiu, pois não encontrava parceiros. O comissariado esvaziava o clube nos dias de suas visitas.)
O golpe das seis normas poderia ser copiado por Lula para organizar o comportamento dos seus ministros envolvidos em questões do meio ambiente.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO


CLIQUE NA FOTO PARA AMPLIAR

CLÓVIS ROSSI

A missão Obama e o islã

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/06/09

SÃO PAULO - O discurso do presidente Barack Hussein Obama no Cairo, na quinta-feira, parece o lançamento de uma missão, a de trocar o choque de civilizações pela confluência delas (no caso, o Ocidente e o islã).
Para quem não lembra, a tese do choque de civilizações foi lançada pelo cientista político Samuel Huntington (1927-2008), mas tornou-se muito mais do que uma tese a partir dos atentados de 11 de Setembro de 2001.
Daí em diante, complicou-se o relacionamento entre o islã e o Ocidente, que Obama descreveu como "séculos de coexistência e cooperação, mas também de conflito e guerras religiosas".
A islamofobia tornou-se a regra -e não apenas nos Estados Unidos. Era palpável nas ruas de Londres, por exemplo, após os atentados ao metrô em 2005.
A regeneração desse relacionamento foi explicitada por Obama: "A América e o islã não são excludentes, e não precisam competir. Ao contrário, eles se sobrepõem e compartilham princípios comuns -princípios de justiça e progresso, de tolerância e a dignidade de todos os seres humanos".
Obama lembrou ainda que o islã "pavimentou o caminho para o Renascimento e o Iluminismo" -façanhas civilizatórias que contrastam com o caráter bárbaro que o "choque de civilizações" tratou de colar no islamismo.
É claro, como o presidente reconheceu, que um discurso, por brilhante que tenha sido -e foi-, não muda tudo da noite para o dia.
Resta, só para começar, traduzir em ação prática o inédito reconhecimento, por um presidente norte-americano, de que os palestinos sofrem "humilhações diárias" [com a ocupação israelense]. Ou de que há uma "contínua crise humanitária em Gaza".
O mundo todo terá muito a ganhar se a confluência de civilizações for bem sucedida.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

O da foto

O GLOBO - 07/06/09

Pequena história para ser catalogada sob “Gerações – Abismo entre”.
Ela com 18 anos, ele bem mais velho. Mas no seu chat pela internet os dois tinham mentido. Ela dissera “mais de 20”, ele “menos de 35”. Ela se descrevera como romântica, carinhosa e um pouco teimosa. Ou, como dizia a sua mãe, “cabeça dura”. Ele fora mais vago: era sincero, amigo dos amigos, talvez um pouco obsessivo. Ela gostava de frutos do mar, rock e algumas novelas. Ele Chico e Caetano, e só ligava a TV para ver as notícias e o futebol.
Depois de algumas semanas, em que tinham descoberto alguns gostos e desgostos em comum, marcaram um encontro num bar. E trocaram fotografias.
Ela chegou no bar primeiro. Olhou em volta, procurando um rosto que correspondesse ao da fotografia que ele mandara. Ele ainda não estava lá. Ela pediu uma Coca Dieta e ficou olhando para a fotografia. Pensando: tirei a sorte grande. Gostamos das mesmas coisas. Rimos das mesmas coisas. E ele, ainda por cima, tem esses olhos azuis.
Um homem parou ao lado da mesa e disse:
– Olá.
Ela levantou os olhos. Não era ele. Disse:
– Alô...
– Sou eu – disse o homem.
Não era ele. Ou não era o da fotografia.
– Desculpe – disse ela. – Estou esperando alguém que...
– Sou eu – repetiu o homem. E disse seu nome.
– Mas esta fotografia... – mostrou ela.
– É do James Dean.
– Quem?
– James Dean. O ator.
O homem não era feio. Ou pelo menos não era repugnante. Mas era mais velho do que o da foto. E não tinha olhos azuis.
– Pensei que você fosse achar engraçado – disse ele.
– Achar o que engraçado?
– Eu mandar uma foto do James Dean em vez da minha.
– Por que eu acharia engraçado?
– Era uma brincadeira. Você logo ia ver que não era eu, que eu estava me auto-ironizando e...
O homem desistiu no meio da frase. Viu pela expressão no rosto dela que ela não estava entendendo nada. Perguntou:
– Você não reconheceu o James Dean, é isso?
– Eu não sei quem é o James Dean.
– Tá – disse o homem.
E sentou-se. Ainda conversaram um pouco, sem muito entusiasmo. Ela tentando esconder a decepção porque ele nem se parecia com o da foto. Ele pensando: que futuro eu posso ter com alguém que não sabe quem foi o James Dean? Com alguém do outro lado do abismo?
Ele pagou pela Coca, apesar dos protestos dela, se despediram e nunca mais se viram.

COCA-COLA


DORA KRAMER

Em feitio de salvo-conduto

O ESTADO DE SÃO PAULO -07/06/09

Não é coisa que se admita, a não ser a boca pequeníssima, mas um dos principais motivos que animam o Congresso a votar uma apressada reforma na legislação eleitoral é a presença, em 2010, do ministro Joaquim Barbosa na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O temor em relação à atuação do ministro é difuso, não se prende a uma razão objetiva, mas tem ligação direta com a personalidade, digamos, polêmica de Joaquim Barbosa, que tem se notabilizado pelos atritos com diversos de seus pares no Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre os conflitos públicos, o mais famoso é também o mais recente, com o presidente do STF, Gilmar Mendes. Ao ter sua competência questionada pelo presidente, Barbosa simplesmente o acusou de “destruir a Justiça do país” e mandou que confirmasse essa afirmação “nas ruas”.

O polêmico ministro não aceita a pecha de encrenqueiro, mas numa de suas primeiras entrevistas avisou que não seria na corte, porque nunca foi na vida, “um negro submisso”. Junte-se a esse espírito, o ativismo do Poder Judiciário, o rigor da Justiça Eleitoral e chega-se à motivação de suas excelências para mexer na legislação e fechar todas as brechas por onde poderiam ser impostas a eles indesejáveis restrições.

Aproveitam o ensejo para legislar sobre novas liberações. Ainda não totalmente definidas. Na realidade, estão totalmente indefinidas. Fala-se de tudo: em reduzir o prazo de filiação partidária de um ano para seis meses, abrir espaço para o troca-troca partidário sem justa causa, antecipar a data legal para o início das campanhas, aumentar o valor do fundo partidário (na prática, financiamento público), proibir doações de pessoas jurídicas, permitir donativos via internet, fala-se até em Congresso Revisor para aprovar a reforma política em 2011.

Há uma comissão encarregada de organizar as demandas até depois de amanhã e, havendo acordo, a ideia é votar a “reforma” em 15 dias. O prazo seria seguro, daria tempo de as novas regras entrarem em vigor na próxima eleição e os congressistas sairiam para o recesso do meio do ano com a vida ganha.

Com as regras do sistema eleitoral (falido e anacrônico, mas bom para elegê-los) mantidas, as normas bem nítidas (ao molde do interesse do legislador, claro) de forma a limitar a interferência da Justiça Eleitoral ao estritamente necessário e todas as inovações consideradas oportunas.

Não que o esforço legislativo não seja meritório. Seria bem mais louvável, é verdade, se se manifestasse como prática, não como exceção para resolver aflições ocasionais, como é agora o temor da atuação da Justiça Eleitoral, em particular da condução a ser dada pelo ministro Joaquim Barbosa.

Evidentemente que ninguém receia que ele seja liberal demais na interpretação da lei. O receio prende-se à presunção de austeridade. O que abona a conduta do ministro, mas desabona os propósitos dos congressistas.

Tiveram todo o tempo do mundo para fazer a reforma política. Há anos, quase 15, enrolam, maquiam, mas sempre se desviam das questões de fundo. Para não ir longe nem insistir em alterações inexequíveis, tomemos só a proposta do governo enviada ao Congresso em fevereiro último.

Dos seis pontos sugeridos – segundo a exposição de motivos, indispensáveis para pôr um freio no fisiologismo e melhorar a qualidade da representação – três foram liminarmente deixados de lado.

O veto a candidatos condenados em duas instâncias judiciais, a proibição da soma dos tempos das legendas coligadas para os programas do horário eleitoral no rádio e na televisão e a exigência da obtenção de 1% dos votos do país para o acesso do partido ao Parlamento.

Dois deles durante 15 dias foram chamados de “reforma política”, mas não chegaram sequer a ser debatidos por força da reação dos pequenos partidos, com os quais os grandes concordaram docemente constrangidos. A lista fechada para candidatos a deputado e vereador, e o financiamento público. Este pode ser ressuscitado na forma do aumento das verbas do fundo partidário.

Apenas um sobreviveu: aquele que permite a troca de partido durante determinado período antes da eleição seguinte. No balanço, arquivaram-se os que de algum modo poderiam criar desconfortos aos parlamentares e mantiveram-se os que lhes atendiam os interesses.

Não sendo coincidência, só resta como hipótese a má-fé.

Papel Passado

O presidente Lula semeia em terreno fértil quando salienta que a oposição não tem discurso.

Quem se propõe a mudar a Constituição para proibir a privatização da Petrobras, a fim de desmentir a acusação do adversário, realmente trabalha com a agenda alheia.

É a maneira mais cartorial e menos politizada de responder. A busca de escora na lei equivale a um recibo reconhecendo a força do argumento contrário e a insuficiência de capacidade – ou credibilidade – para rebater a tacada.