domingo, maio 03, 2009

ELIANE CANTANHÊDE

Ahmadinejad


Folha de S. Paulo - 03/05/2009
 

O "eixo do mal" da era Bush começa a esfarelar. Não só com os novos rumos dos Estados Unidos com Obama, mas com a popularização do Irã, tido como inimigo de judeus, homossexuais, feministas, evangélicos e Bahá"ís. E cheio de mistificações. 

O Irã não é árabe, é persa. Tecnicamente, não tem ditadura, e sim uma "república teocrática", com eleições de quatro em quatro anos. E o presidente, Mahmoud Ahmadinejad, vai disputar a reeleição em 12 de junho fazendo como todo líder faz nessas horas: falará mais para "dentro" do que para "fora" do país. 
Ou seja, deverá radicalizar o discurso até lá. Depois tenderá a recuar. O Irã assusta com seu programa nuclear, seus mísseis, seu antissemitismo, e Ahmadinejad afugentou oito delegações na última reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU ao questionar o Holocausto e acusar Israel de racista. É um absurdo e vai ter de mudar. 
Ahmadinejad vem na quarta para se encontrar com Lula e ampliar sua presença na América Latina, onde já encontra guarida -ou calorosa acolhida- na Venezuela de Chávez. 
Mas não confunda. Washington trata Teerã como inimiga. Caracas a trata como amigona. E o Brasil não quer nem uma coisa nem outra. Quer ratificar a sua política externa independente das grandes potências (leia-se: dos EUA) e contrária a isolamentos. Isolar é atiçar o pior das pessoas e dos países. Incluir é neutralizar ímpetos e aventuras. Como o Brasil faz com a própria Venezuela. 
O Irã era o maior exportador do Brasil no Oriente Médio, mas as vendas despencaram em 2008, em função do bloqueio internacional de crédito. A vinda de Ahmadinejad não muda nada do dia para a noite, mas pode reforçar o protagonismo que o Brasil e Lula almejam e abrir espaço para a inserção (e a adaptação) do Irã no (e ao) mundo. O Irã precisa de crédito; o mundo, de paz. Os protestos? Lula tira de letra.

BRASÍLIA - DF

Geddel e a corrida dos milhões

Denise Rothemburg
Correio Braziliense - 03/05/2009
 

 

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, deixou os tucanos de cabelo em pé por conta da medida provisória que destina R$ 300 milhões para situações de emergência. A MP não diz quanto o governo aplicará nos estados atingidos por calamidades, como, por exemplo, a enchente no Maranhão. E, para completar, como é recurso para emergências, pode ser usado sem licitação. O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) pediu ao ministério que informe tudo tim-tim por tim-tim: quais empresas serão contratadas, que obras serão feitas. 

*** 
A corrida para aprovar logo a proposta é grande. Como a Comissão Mista de Orçamento não acelerou, o presidente do Senado, José Sarney, mandou a MP ao presidente da Câmara, Michel Temer, que, na mesma hora, enviou tudo para apreciação no plenário, sem escalas. Sinal de que, quando eles querem, tudo ali sai rapidinho.


Novo front I

Pelo visto, as mazelas do Parlamento serão atacadas agora por outro flanco: o do acúmulo de vencimentos. O Ministério Público de Sergipe obteve uma sentença judicial para que o deputado Albano Franco (PSDB-SE) e o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) deixem de receber R$ 14,5 mil mensais. O valor é a diferença entre o total que eles recebem e o teto de R$ 24,5 mil do serviço público. O MP quer que eles devolvam o extra que foi pago desde outubro, quando iniciou a ação. Hoje, ambos recebem como parlamentares e ex-governadores. 

Novo front II

Eles vão recorrer da decisão, uma vez que, quando governadores, contribuíram para a Previdência. Estão apenas esperando a publicação da sentença. Pelas informações que os advogados obtiveram, a Justiça reconhece que não houve má-fé por parte dos políticos. Em tempo: se a iniciativa do Ministério Público sergipano se estender para outros estados vai pegar uns 50 casos entre a Câmara e Senado. 

Sem ruídos

Como parte do acerto que garantiu as prévias do PSDB, os governadores José Serra e Aécio Neves definiram que as conversas sobre a condução política do processo interno serão coordenadas diretamente pelos dois, sem intermediários. Os pré-candidatos tucanos querem evitar intrigas e fofocas que venham a causar desgastes. 

De olho

Tem gente no Parlamento com as barbas de molho por causa da rasteira que o PT levou do PMDB na votação da medida provisória que trata das dívidas das prefeituras com o INSS. Há uma suspeita de que a crise entre os dois partidos não foi apenas resultado das divergências em torno do projeto em pauta. Mas que há, no pano de fundo, o começo de um movimento do PMDB no sentido de criar motivos para, mais à frente, terminar o casamento. 

Novo rumo

Prestes a encerrar os trabalhos, o grupo interministerial formado para definir a futura linha de atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai encaminhar um relatório sugerindo prioridade à vigilância de ameaças externas e não as internas. Para esse modelo, o nome do subchefe de Assuntos Estratégicos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, embaixador José Antônio Macedo Soares, desponta como favorito para comandar a agência. 

No cafezinho


 
 


Agaciel de boa/ O ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia (foto) jura que não tem o que reclamar da sua vida fora do epicentro do poder. Ele está agora responsável pela elaboração do dicionário biográfico do Senado. São seis volumes com as biografias dos 1.308 senadores que já passaram pela Casa. O primeiro volume sai em maio. 

Ascensão/ Mais novo ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o advogado Joelson Dias representou o ex-senador José Maranhão (PMDB-PB) no processo de cassação do ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB). Próximo ao PT, Dias foi escolhido pelo presidente Lula na lista tríplice da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

Ufa/ O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) não esconde o alívio com o cancelamento de sua ida ao México para um seminário. A viagem deveria ter acontecido há um mês, época em que os primeiros casos da gripe suína começaram a ser mapeados. “Minha sorte foi que tudo deu errado. Senão, teria ido quando nem haviam identificado a doença”, relata. 

Ato falho/ O deputado Paulo Henrique Lustosa comentava dia desses com amigos que a base aliada ao governo tem que ter dois candidatos e coisa e tal: “Vai que a Lula não decola… Ô, quer dizer, a Dilma!” Sinal de que, entre os governistas, a ministra da Casa Civil e o presidente são vistos como quase a mesma pessoa. É…

O MELHOR DO MUNDO


VEJAM QUE COISA LINDA
NÃO EXISTE NADA MELHOR

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Um novo enredo

O GLOBO - 03/05/09

Será que Obama terá as condições para dobrar o "espírito de Wall Street"?

De vez em quando, a História prega uma peça a seus principais protagonistas. Mas também às vezes, alguns desses são capazes de reescrever o enredo para sair da entalada. Até agora, tem sido o caso de Barack Obama. No começo de sua corrida para a Casa Branca poucos apostavam nele. Vitorioso, ele entrou em cena como um César negro, cheio de ânimo e de promessas.

Mas o cenário e o script não poderiam ter sido piores: recebeu a herança de Bush, com suas guerras, arrogâncias e déficits fiscais e, ainda por cima, elegeu-se em meio à voragem de uma crise financeira global.

Obama, em seus cem dias inaugurais, vem conseguindo redesenhar o quadro. Não que tivesse feito milagres com a economia, pois isso não existe. Mas teve a sabedoria de emitir os sinais que se esperavam, exercendo uma liderança moral no mundo. Para embasar seus passos, começou cumprindo o prometido. Enviou ao Congresso uma proposta orçamentária audaciosa na qual reafirma seus compromissos na delicada área da saúde pública e sua atenção voltada para a classe média e para os mais pobres. E se jogou na construção de um roteiro internacional de restabelecimento da confiança. Começou por nomear sua contendora secretária de Estado, demonstrando segurança e bom cálculo político. Designou como enviados especiais para as áreas mais sensíveis do mundo, pessoas de diálogo.

Dirigiu-se ao Irã sem rodeios; começou a se descompromissar com os falcões do Oriente Médio, não teve medo de caretas na América Latina e deu passos, ainda tímidos, para descongelar Cuba.

Não é pouca coisa.

É certo que na resposta à crise o governo Obama se mostrou mais tímido do que na cena política. Em encontro em Nova York, no começo de abril, com Georges Soros — que apoiou Obama muito antes dele parecer capaz de vencer as primárias —perguntei-lhe sobre como via o início do governo. Não hesitou: vai tudo muito bem, mas ainda é tímido na contenção da crise e, quem sabe, ainda está muito influenciado por quem reduz o mundo a Wall Street. A meta, até agora, tem sido a de queimar reservas de confiança financiando, à custa do futuro, todo e qualquer buraco financeiro que surja. Pode até dar certo, mas o preço (digo eu, não Soros) será um horizonte inflacionário, uma puxada na taxa de juros para evitar o desmoronamento do dólar e um stop and go da economia que cresce um trimestre, outro patina.

Como o artista é competente, talvez dê para redesenhar o quadro e, a despeito das dificuldades econômicas, projetar u m f u t u ro d e m a i o r confiança e de paz. O encontro do G-20 em Londres foi auspicioso.

Desde o tempo das cris e s f i n a n c e i r a s d o s anos 1990, eu venho insistindo na tecla: o FMI é antes fraco do que forte, ranheta com suas condicionalidades porque sem recursos de imaginação e de dinheiro para salvar quem precisa dele; o Banco Mundial tem menos recursos do que o BNDES; as organizações financeiras internacionais de internacional têm o nome, pois o processo decisório está concentrado na mão de poucos, quando não de um só, e assim por diante.

Esse discurso, agora, é o de todos. E o que é melhor, políticas transformadoras começam a ser postas em prática, embora ainda não no que é essencial: no compartilhamento de poder decisório. Será que Obama terá a grandeza e as condições para dobrar o “espírito de Wall Street” e deixar claro que o mundo é mais do que um mercado? Os sinais iniciais foram auspiciosos, repito. Mas é necessário mais. A encruzilhada que a crise financeira criou para o mundo tem mais que dois caminhos.

Um, certamente seria suicídio, o do fechamento das economias, aumento de protecionismo, crença em demagogos nacionalisteiros e autoritários, como ocorreu pós 1929 e como, ingenuamente e com prisma invertido, parecem crer alguns líderes regionais. Mas também iria por mau caminho a pura reconstrução da ordem que pegou fogo com a crise, a do fundamentalismo de mercado e da arrogância unilateral na política externa.

É bem verdade que, para a construção de uma ordem mundial melhor (a ver se, com realismo, outro mundo é possível), não basta o querer nem basta que o líder do país mais poderoso a deseje. É necessário que vários queiram, que haja sensatez no querer e que se abram condições econômicas para um ganho compartido. Nesse ponto entram as possibilidades e as dificuldades do Brasil. Nunca como hoje — diria o presidente, e neste caso com razão —houve tão boas condições para que os países emergentes alcem a voz. Mas esta deve ser, ao mesmo tempo, firme e sensata, pouco gaiata, esperançosa, mas não utópica.

O exercício de compartilhamento de liderança pode começar e m n o s s a re g i ã o . O Mercosul é bom exemplo de área de política externa na qual um rumo mais claro é precondição para evitar seu congelamento na irrelevância.

Que ele representa um avanço é certo, mas que está patinando é mais certo ainda.

E não só. Para que tantas declarações políticas conjuntas na região se não há converg ê n c i a s re a i s ? P a r a que, num ingênuo embalo de “sulismo”, criar bancos latino-americanos novos se os antigos já estão de sobra? E não seria hora de reforçar o compromisso democrático do Brasil, sem restringi-lo às nossas fronteiras? Em outro plano, cabe receber neste momento um líder que desperdiça a chance de paz com respeito e dignidade — que o mundo islâmico merece — sem uma palavra de amizade, mas também de reparo à ofensa feita à memória dos que foram assassinados? Os sinais emitidos por Obama abrem caminhos para termos maior relevância. O que foi feito no Brasil, durante os últimos vinte anos na reconstrução da ordem democrática e econômica, na construção de políticas capazes de aliviar a pobreza etc, credencia-nos como participantes da reconstrução da ordem mundial. Mas aqui como nos EUA de Obama, em sentido talvez invertido, se a economia limita o impulso renovador em outras áreas, a falta da palavra bem posta na hora certa pode diminuir as chances de êxito nesta empreitada que não é de um só, mas de muitos.

BEBENDO O BAFÔMETRO


Ô VELHINHO DOIDO!

ENVIADO POR APOLO

CELSO MING

Ficou para depois

O ESTADO DE S. PAULO - 03/05/09

O anúncio dos resultados dos testes de estresse a que estão submetidos 19 bancos americanos deve ser adiado, o que reflete os novos conflitos de interesses com que o governo Obama tem de lidar.

Para entender do que se trata é preciso voltar ao início de fevereiro, quando o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, avisou que a capitalização com dinheiro público dos bancos americanos, epicentro da enorme crise financeira que varre o mundo, só seria feita depois que fossem submetidos a testes de estresse para saber de quanto capital de fato necessitam.

Para quem não está habituado com essas técnicas de administração, teste de estresse é uma simulação que avalia quanto calote uma instituição pode suportar. Primeiro, definem-se os cenários macroeconômicos que devem determinar o nível de inadimplência a que um estoque de dívidas vai ser submetido: recessão, desemprego, evolução dos preços dos ativos (imóveis, ações, títulos). Em seguida, avalia-se, segmento por segmento, o risco de calote propriamente dito. E, finalmente, vê-se qual é o nível de exposição de cada banco a esse risco.

Bancos sem condições de aguentar o repuxo deverão repassar para o setor privado suas aplicações (ativos) que encontrarem comprador. Se essa liquidação não for suficiente para garantir a saúde patrimonial, o banco receberá capital do Tesouro, o que implica alguma estatização.

Os 19 bancos submetidos ao teste sob supervisão do banco central americano, o Fed, correspondem a quase 70% dos ativos bancários e a mais de 50% do crédito nos Estados Unidos.

O secretário Geithner disse há 10 dias que os resultados preliminares mostram que a maioria deles não vai precisar de mais capital. Mas isso não chegou a tranquilizar o mercado porque na minoria necessitada de transfusão de sangue novo podem estar alguns bancões que pesam mais como símbolo do que como fatia de mercado - que seriam os casos do Citigroup, do Bank of America e do Goldman Sachs. Na semana passada, informações não oficiais sinalizaram que seis bancos precisarão de injeção de capital.

O adiamento da divulgação mostra que o governo americano ainda não sabe como tratar o problema. De um lado, as autoridades têm de garantir transparência numa operação que causou muito atrito político. De outro, não podem deixar que informações delicadas criem mais desconfiança sobre a situação dos bancos, derrubem preços das ações e, eventualmente, promovam uma corrida aos depósitos.

Os administradores dos bancos apresentam outro tipo de objeção: o de que seria um despropósito mudar a estrutura acionária de bancos com base em pressupostos (cenários) com pouca probabilidade de acontecer.

Por aí se vê que os bancos estão manobrando para evitar a intervenção. No entanto, as pressões contra eles são enormes. Estão sendo apontados como os causadores da maior crise financeira desde os anos 30. Os políticos são diariamente questionados sobre as razões que os levam a salvar, com enorme sacrifício do contribuinte, instituições irresponsáveis. A solução do problema pode esperar um pouco mais, mas não pode ser indefinidamente adiada. O presidente Obama vai precisar arbitrar rapidamente sobre o que tem de ser feito.

DANUSA LEÃO

Quando as feias ficam bonitas

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/05/09


Por isso, mulheres que se acham feias, partam para a luta, pois no mundo há lugar para todas, bonitas ou feias



VINICIUS já dizia: "as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Ele tem razão -em parte. Quem não sabe que na escolha de uma secretária, em igualdade de condições, ganha o emprego a mais bonita? Quem não sabe que os homens babam pelas mulheres bonitas, que nem precisam ser muito inteligentes ou ter charme?
Numa praça cheia de crianças brincando, logo se faz uma festinha na cabeça de uma delas, de preferência a loirinha de olhos azuis, dizendo "que linda". E as atrizes de cinema, em sua maioria, são todas deusas de beleza, a não ser aquelas que existem para fazer o papel de más, ou só de feias mesmo. E das manequins, nem se fala. Será preconceito? Não se pode ser feia neste mundo? A resposta era não, até que aconteceu Susan Boyle.
Para quem não sabe -e devem ser poucos-, essa mulher de 47 anos saiu de um vilarejo na Escócia para se apresentar num programa de calouros. Ela era feia, muito feia, os cabelos penteados de maneira inexplicável, mal vestida, e confessou antes de cantar que, além de ser solteira, nunca tinha beijado ninguém. O auditório e o júri riram; um riso debochado, quase de desprezo. E afinal, dizer que uma mulher é feia beira o politicamente incorreto.
Mas não dá para negar que o preconceito existe. A não ser que a feiúra seja compensada pelo dinheiro, pelo poder ou por um grande talento, em qualquer lugar onde existam muitas pessoas, as feias -e estou falando sobretudo das mulheres- ficarão num canto, sem ter nem com quem conversar.
Voltando a Susan Boyle; ela ouviu todos os risinhos da plateia, não se apavorou, e quando abriu a boca para cantar, foi um espanto, porque ela tinha uma voz simplesmente maravilhosa. Se fosse uma mulher linda com aquela voz, seria um espetáculo quase banal, mas sendo feia como ela é, foi uma apoteose, e detalhe: todos se esqueceram de sua feiúra.
E penso em quantas mulheres feias devem ter seus talentos, mas lhes falta coragem para se expor, mostrá-los publicamente. E como suas vidas poderiam ser diferentes, mais felizes, se elas tivessem essa coragem (e também se não houvesse esse cruel preconceito com as pessoas feias).
A vida de Susan Boyle vai mudar; vão produzi-la, vesti-la, e ela provavelmente vai virar uma estrela e arranjar logo logo um marido. Será mais feliz, quando tudo isso acontecer? Talvez sim, talvez não, porque as mulheres de grande sucesso nem sempre são felizes.
Mas essa mulher corajosa deu uma grande lição ao mundo em geral e às mulheres feias em particular: que elas descubram seus talentos -todo mundo costuma ter algum- e os mostre ao mundo sem nenhum constrangimento ou pudor. E o que é a beleza, afinal? Apenas um conceito, a palavra da moda. Porque o que era bonito há 200 anos é feio atualmente, e o que é bonito hoje será medonho daqui a 200 anos.
Por isso, mulheres que se acham feias, deixem de lado o medo e partam para a luta, pois neste mundo há lugar para todas, bonitas ou feias; Susan Boyle não encontrou o seu?

BERINGELA ERÓTICA


CLÓVIS ROSSI

A louvação da picaretagem

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/05/09

SÃO PAULO - É indecente e aética a defesa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz do uso de passagens aéreas pelos deputados. Defender privilégios é sempre indecente e aético. E as passagens aéreas são apenas um dos elementos que compõem o elenco de privilégios dos pais da pátria. O fato de terem, nesta semana, vedado a transferência dos bilhetes para parentes, amigos e apaniguados é apenas tirar o bode da sala. Ou eliminar um abuso com o privilégio, mas não o privilégio.
Afinal, toda pessoa, física ou jurídica, que tenha assuntos a tratar em Brasília paga a passagem do próprio bolso. Congressistas pagam com o meu, o seu, o nosso bolso -e o presidente bate palmas, até porque não tem autoridade moral para criticar, porque confessa ter usado e abusado de idêntico privilégio, mesmo no tempo em que achava que a grande maioria do Congresso era formada por "picaretas".
Indecente e aética, a defesa que Lula faz do privilégio só não é surpreendente. É prima-irmã da que fez durante o escândalo do mensalão. "Todo mundo faz", afirmou, então, como agora. E o que é que "todo mundo faz"? É caixa-dois, o único crime confessado pela turma. E o que é caixa-dois? É "coisa de bandido", na ilustrada opinião de Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça de Lula.
Um presidente que dá de ombros para a prática por seus próprios correligionários de "coisa de bandido" não é exatamente o melhor exemplo que alguém possa invocar em matéria de cuidados com o dinheiro público, que é, em último análise, o fundo do debate.
Se o próprio presidente diz não achar "correto" dar passagens para outras pessoas, como ele o fez, deveria é repetir a frase sobre os "300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses". Mas o poder muda tanto as pessoas que, de condenar, passou a louvar "picaretas" e privilégios indecentes.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Coinchos subversivos

O GLOBO 03/05/09

Devo esclarecer que também não conhecia a palavra ´coincho´ ou, se a conhecia, tinha esquecido. Fui espiar ´vozes de animais´ no Houaiss e peguei-a lá. Refere-se ao som emitido pelo - como direi? - aparelho fonador do porco. Para nós, humanos, o coincho tem uma capacidade de comunicação muito limitada, mas vai ver que isso não passa de antropocentrismo preconcei-tuoso e a porcalidade terá, quem sabe, até mesmo seus oradores. A esta altura grandemente ofendidos com a nova nódoa sobre sua imagem, que, por obra de lamentáveis e injustos mal-entendidos, nunca foi das melhores, haverão de estar coinchando protestos revoltados, em pocilgas pelo mundo afora. Os por-cos, milenarmente transformados em pernis, presuntos e linguiças, devem a-char é pouco essa gripe aí, como resposta aos muitos gravames que lhes infli-gimos. Mas não serão escutados, porquanto - reza um dos ditados em que acho que estou ficando viciado -, se o lobo compreendesse o cordeiro, mor-reria de fome. Pois é, não entendemos coinchos e não queremos entender. E assistimos impassíveis até a genocídios suínos, como acaba de acontecer num país cujo nome agora esqueci, onde, ao que parece, não sobrou viva nem a Pe-túnia do Gaguinho. É assim a ingrata existência, não se pode fazer nada.

Os porcos, informam especialistas e noticiaristas, não têm nada a ver com a disseminação da gripe suína, que está sendo transmitida de pessoa a pessoa. Só passaram o vírus para os humanos porque estes os confinam em grandes criatórios, em que trabalha muita gente. Bem que suspeito que as lide-ranças porcais gostariam que não fosse assim, mas ressaltou-se também que a gripe não é contraída através do consumo de produtos suínos. Ou seja, o porco continua a levar a fama, mas quem transmite a gripe somos nós (lá eles, t´esconjuro, batamos na madeira). Outra vez nenhuma novidade, tudo dentro dos padrões da humana e da suína existência.

Mas Itaparica está aí mesmo, para descortinar novos horizontes e des-bravar novos caminhos. Eu próprio, que devia estar acostumado, me surpreen-do. Na quinta-feira passada, o bar de Espanha foi mais uma vez palco de um debate acirrado e fecundo, a partir de uma iniciativa de Zecamunista, que che-gou de Itabuna cheio da grana que faturou da burguesia decadente em altas rodas de pôquer e carregado de jornais e revistas de todos os tipos e origens.

- Espanha, meu bom taverneiro - disse ele -, bote aí a do Zarolho.

Silêncio pesado no ambiente. A do Zarolho é uma raríssima uca de San-to Amaro, assim alcunhada porque uma vez um padre cujo nome não pega bem citar provou dois dedos e ficou vesgo irreversivelmente, o mesmo ocor-rendo depois a vários desavisados. O próprio Zecamunista só a encara em oca-siões muito especiais, de maneira que a expectativa se justificava plenamente.

Depois de um silêncio insuportável, ele finalmente revelou o plano que acabara de conceber. A situação dos deputados e senadores brasileiros reque-ria um corretivo severo, muito mais severo do que a embromação ora em cur-so. Mister se fazia, disse ele com a voz roufenha própria dos agitadores, partir para uma ação revolucionária radical. E ele já sabia o que ia fazer, precisava de voluntários heroicos para uma expedição a Brasília com o objetivo de soltar duas varas de porcos endefluxados, uma na Câmara, outra no Senado. Pronto, resolvido o problema, o porco sempre foi um animal de grande utilidade e a-gora mostraria de vez o seu valor, salvando a pátria.

A adesão foi imediata e acho que já amanhã a força expedicionária da ilha estaria desembarcando em Brasília (o dinheiro que Zecamunista ganha no pôquer é todo destinado à Causa, com a modesta exceção do que ele gasta com as duas raparigas que mantém discretamente no Baiacu), se não fosse ou-tra vez a intervenção das forças conservadoras, representadas por Jacob Bran-co, que abriu com uns versos sobre grandes e patrióticos porcos na história da ilha (houve vários porcos ilustres em nossa história, Jacob sabe é de coisa) e disse que o porco itaparicano jamais serviria de arma terrorista.

- Além disso - bradou Jacob, gesticulando como aprendeu no curso de oratória de Ary de Maninha -, não vamos fugir novamente da realidade. E a realidade, meus nobres amigos, é que, se alguém soltasse uns porcos no Congresso, o que ia acontecer era um deputado ou senador qualquer aproveitar para montar um açougue. Ou então criar o Dia Nacional do Lombinho e usar os porcos para o churrasco de comemoração. Atenção na realidade!

Sim, havia esses inelutáveis aspectos a considerar. Por uma questão de coerência ideológica, Zecamunista concordou com a alegação de terrorismo e, por uma questão de Realpolitik, também concordou com a hipótese do chur-rasco. Mas alguma coisa tinha que ser feita, a inspiração dada pelos porcos não podia ser desprezada, insistiu ele. Tanto Itaparica quanto os porcos humi-lhados e ofendidos não podiam deixar a situação passar em brancas nuvens.

E assim, na penumbra da madrugada e com as portas semicerradas, os conspiradores chegaram a um acordo. E, vou dizer a vocês, eu não queria estar na pele de deputados, senadores e governantes em geral, a esta altura. Não vou bancar o Silvério dos Reis, contando qual é o esquema, mas adianto o que não me foi vedado. Que atentem os poderosos doravante para cada salsicha, cada linguiça, cada fatia de presunto, cada costeleta, porque nelas alguma coisa os afetará poderosamente - e não será nem gripe nem intoxicação alimentar. Cuidado também com pacotes do Correio. Um deles, posso revelar, será rece-bido por todos os parlamentares e conterá um elegante pincelzinho de pelo de rabo de porco embrulhado para presente, com os dizeres ´do porco se aprovei-ta até o rabo e de você nem isso´. Vai ser terrível.

INFORME JB

Lula e o choro da arquibancada

Leandro Mazzini

JORNAL DO BRASIL - 03/05/09

Imbuído do espírito olímpico, o atleta do discurso improvisado teve uma de suas melhores atuações verbais numa sala fechada, quinta-feira, no Copacabana Palace. Para uma plateia seleta, diante dos representantes do Comitê Olímpico Internacional e do COB, o presidente Lula, em discurso de quase uma hora, lembrou sua infância pobre, a trajetória do poder, e emocionou os convidados ao expor sua visão de que o país, apesar dos problemas, pode sediar os Jogos de 2016. Muitos foram às lágrimas, outros as contiveram, disse uma fonte da coluna. Numa implicância com as cidades concorrentes, Lula disse: "Não acredite se alguém quiser vender tudo cor-de-rosa". E mais: "Temos problemas e não vamos esconder nenhum problema de vocês". Fez também um trato: "Não tem pergunta proibida. Se alguém aqui disser que não pode responder, podem perguntar ao presidente da República". E arrematou: "É um compromisso da nação com o espírito olímpico".

A outra até carteirinha

Veja que coincidência. Não se sabe se a ministra Dilma Rousseff assistiu ao filme, mas seu estilo lembra muito o da atriz Marsha Mason como governadora da Califórnia no suspense Nick of time (Tempo esgotado, no Brasil), sobre política, na produção de 1995.

O Tribunal de Constas da União suspendeu a tomada de preços do Conselho Federal de Economia (Cofecon) que visava contratar empresa para confeccionar a nova carteira profissional do economista. O valor do contrato é estimado em R$ 260 mil.

Brasillll!

Aos fatos: nota-se que alguns abusam da noção de impunidade. O TCU descobriu que, antes mesmo de abertos os envelopes com as propostas, o site do Cofecon e o informativo interno já noticiavam a GD Burti como empresa vencedora.

Deixa disso

A cúpula do PMDB trabalha para convencer o deputado federal Leonardo Quintão (MG) a retirar a ação judicial contra o ator Tom Cavalcanti, que o ironizou em paródia no programa eleitoral de TV na campanha para a prefeitura de Belo Horizonte.

Adeus, PMDB

Presidente do PR – o antigo PL, alvo do mensalão – Valdemar da Costa Neto esteve no Rio conversando com Anthony Garotinho. A filiação do ex-governador ao partido é questão de dias.

Sem trégua

Não houve paz entre as partes no jantar entre Garotinho e o governador Sérgio Cabral, na casa do deputado Jorge Picciani.

Cesar trabalha...

Para atrapalhar a tentativa de reeleição de Cabral, já acontecem negociações paralelas. Rodrigo Maia, filho do ex-prefeito Cesar e presidente nacional do DEM, foi ter um dedo de prosa com a vereadora Clarissa Garotinho

... e torce

E Cesar Maia já avisou a Garotinho que deseja muito vê-lo candidato ao governo do Rio.

Chapa quente

Avançam as conversas entre DEM, PPS e PSDB com o PV para fortalecer a dupla Cesar e Fernando Gabeira. Especula-se chapa com o ex-prefeito para o governo e o deputado para o Senado. Ou vice-versa.

Venha, PMDB

O ainda todo-poderoso José Dirceu anda preocupado com a não adesão total do PMDB à chapa de Dilma. Tem visitado diretórios do PT e feito cobrança.

Novos tempos

Adoção também garante licença-maternidade. A Procuradoria Regional Federal garantiu o direito a uma servidora federal em Pernambuco de se licenciar por 120 dias, remunerados, por ter adotado criança de um ano.

Corte na féria

A Justiça mandou cortar parte dos salários vitalícios de Albano Franco e Antônio Valadares, ex-governadores do Sergipe.

Salários

Explica-se. Eles ganham R$ 38.623 mensais (R$ 16.512,09 pela União, como parlamentares, mais R$ 22.111,25 pelo estado. O valor extrapola a remuneração de teto para o setor público, que é de R$ 24.500 – o novo salário.

GOSTOSA

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COISAS DA POLÍTICA

O protesto de Israel e a postura do Brasil O fim da Lei de Imprensa

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 03/05/09

Irritou-se o Estado de Israel com a visita anunciada do presidente do Irã a Brasília. Não se tratou de uma declaração, comum na diplomacia, de que Tel Aviv lamentava o encontro entre Ahmadinejad e Lula, o que marcaria uma posição, mas seria tolerável. Israel foi além, ao convocar o embaixador brasileiro para ouvir suas queixas e ao recomendar, publicamente, que cancelássemos o encontro. A resposta de Lula e Amorim se fez em termos diplomáticos, mas firmes.

Seria reduzir o país a um sobanato, se sua diplomacia pedisse licença a outrem para receber um chefe de Estado estrangeiro. O país tem mantido sua linha de coerência contra o racismo, qualquer racismo – é importante que se ressalve. Como explicou Celso Amorim, não concordamos com as críticas do presidente do Irã a Israel e não aceitamos a sua negação do Holocausto. Como o presidente Obama, defendemos a existência de dois Estados independentes no antigo território da Palestina.

O Estado de Israel se encontra em momento difícil. Ele ainda não se consolidou na História. Sessenta anos é pouco tempo para confirmar-se um Estado nacional, sobretudo quando o território é contestado pelos vizinhos, nas circunstâncias muito peculiares de sua criação. Muitos pensadores judeus, ainda que em minoria, retornam à ideia de que seria melhor para o seu povo integrar-se plenamente à humanidade, mantendo, é certo, seus valores religiosos e sua cultura. Entende-se que, perseguidos durante séculos, eles quisessem dispor de um lar nacional. Compreende-se, mais ainda, que a estupidez do nacional-socialismo, depois do antissemitismo que se exacerbara em toda a Europa no século 19, tornasse dramática e urgente essa necessidade. O fato é que a ocupação da Palestina pelos judeus europeus, com o apoio das Nações Unidas, significou o sofrimento para milhões de outras pessoas – incluídos judeus sefaraditas. Os palestinos não tinham como lhes fazer frente, do ponto de vista bélico, e têm sido massacrados desde então. A consequência da injustiça não poderia ser outra: Israel não terá paz, enquanto não reconhecer o direito dos palestinos.

Os israelenses sempre contaram com o apoio dos Estados Unidos, mas o povo norte-americano está hoje reexaminando seu destino no mundo. Há, pela primeira vez na História, com o fim da bipolaridade, e o surgimento de novos centros de poder, a constatação de que os impérios se tornaram peremptos. Estamos condenados a encontrar forma de coexistência entre povos, civilizações, culturas e crenças religiosas, sem a coação de umas sobre as outras. É alentador que a consciência dessa necessidade esteja ganhando os povos. O mundo, para o bem e para o mal, se tornou transparente, e começamos a compreender que nele há espaço para todas as culturas, menos aquelas que pretendam eliminar as outras. Fora disso, será o impensável. Nessa nova realidade, Israel acabará sendo compelido a respeitar o direito do povo palestino ao seu espaço nacional.

Todo o poderio militar – e nuclear – de que dispõe é inútil, sem o apoio de Washington e de países da Comunidade Europeia. Cresce a oposição, externa e interna, à sua política, depois dos bombardeios contra os vizinhos encurralados na Faixa de Gaza. Até mesmo seus soldados denunciaram os crimes de tortura e o assassinato, frio, de civis palestinos, entre eles crianças e velhos indefesos, sob o estímulo dos fanáticos religiosos, que os incitavam ao extermínio total da população, nos recentes massacres. O Brasil faz bem em não aceitar o protesto de Israel, que pode erguer arbitrários muros em fronteira ilegítima, mas não tem o direito de controlar a porta de nossa casa.

Mais do que os jornalistas e as empresas de comunicação, os cidadãos devem saudar o fim da Lei de Imprensa. O STF, mantendo-se na sua prerrogativa de tribunal constitucional, não poderia deixar de considerá-la contrária aos dispositivos da Carta Política. Isso não significa permissão para que os jornalistas caluniem, difamem e injuriem. Se o fizerem, estarão incursos na legislação penal ordinária, como qualquer pessoa. São duas coisas distintas: a liberdade de imprensa e a violação do direito individual à honra. O Congresso terá que assegurar, pela lei, o direito de resposta. O jornalista, ao redigir um texto, deve entender que só ele, e mais ninguém, é responsável pelas consequências de seus atos.

PAULO COELHO

Na frente de batalha

O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/05/09

Robert Fisk, talvez o mais famoso correspondente de guerra atual, contou-me um dia que ao voltar de trem da frente Iran-Iraque, um dos soldados lhe perguntou: ´gostou da guerra? É ótima, não é mesmo?´.

Os jornalistas que arriscam a sua vida para cobrir os conflitos armados no resto do mundo sempre me intrigam: o que os leva a arriscar tanto a vida em suas profissões?

Christina Lamb, do Sunday Times, foi me entrevistar um dia. Quando descobri que era correspondente no Afeganistão, terminei invertendo os papéis: passei a fazer-lhe as perguntas. Christina serviu de fio condutor para um dos personagens principais de ´O Zahir´. Mas foi uma outra correspondente, também encarregada de cobrir o Afeganistão, quem me relatou um diálogo tido com seu marido. Em uma bela manhã de domingo, em Londres, comentou com ele a sua decisão:

- Quero ser correspondente de guerra.

- Você está louca! Não precisa disso. Você está empregada naquilo que deseja, ainda ganha bem, embora nem precise desse dinheiro para viver.

- Digamos, então, que eu precise estar sozinha.

- É por minha causa?

- Não. Amo o meu homem, e ele me ama.

- Então que história é essa de guerra, em um lugar esquecido do mundo? Você não tem tudo?

- Tenho, tenho tudo o que uma mulher pode desejar.

- O que é, então, que há de errado em sua vida?

- Justamente isso. Tenho tudo, mas estou infeliz. Não sou a única: no decorrer destes anos, convivi ou entrevistei vários tipos de pessoas: ricas, pobres, poderosas, acomodadas. Em todos os olhos que cruzaram os meus, li neles uma amargura infinita. Uma tristeza que nem sempre eles aceitavam, mas estava ali, independente do que diziam.

- Na sua opinião, ninguém é feliz?

- Algumas pessoas parecem felizes: simplesmente não pensam no assunto. Outras fazem planos: ter um marido, uma casa, dois filhos, uma casa de campo. Enquanto estão ocupadas com isso, são como touros em busca do toureiro: não pensam, apenas seguem adiante. Conseguem um carro, às vezes até uma Ferrari. Acham que o sentido da vida está ali, não fazem jamais a pergunta. Mas apesar de tudo, os olhos traem uma tristeza que elas nem sabem que têm. Você é feliz?

- Não sei.

- Tampouco sei se todo mundo é infeliz. As pessoas estão sempre ocupadas: trabalhando além da hora, cuidando dos filhos, do marido, da carreira, do diploma, do que fazer amanhã, do que falta comprar, do que é preciso ter para não se sentir inferior, etc. Enfim, poucas pessoas me disseram: ´sou infeliz´. A maioria diz ´estou ótimo, consegui tudo o que desejava´. Então pergunto: ´o que o faz feliz?´ A resposta: ´Tenho tudo o que uma pessoa sonha - família, casa, trabalho, saúde.´ Insisto: ´então o sentido da vida é trabalho, família, filhos - que vão crescer e deixá-lo - mulher ou marido - e que vão se transformar mais em amigos do que em verdadeiros apaixonados. E o trabalho vai terminar um dia. O que fará quando isso acontecer?´ Resposta: não há resposta. Mudam de assunto.

- Mas por que esta história de ir para a guerra?

- Porque acho que na guerra o homem está no limite, pode morrer no dia seguinte. Seu olhar muda. Tudo muda. Ele é capaz dos atos mais bárbaros ou mais heróicos.

Não sei se é uma boa explicação. Mas é a explicação da minha amiga, que no momento em que escrevo a coluna, está de volta à frente da batalha no Afeganistão.

ÉLIO GASPARI

O Congresso contra-ataca, em nome da treva

O GLOBO - 03/05/09

Quando o governo ou o Congresso não sabem o que dizer, anunciam um projeto de reforma política (ou tributária). Sem ter como explicar as malfeitorias que empestearam o Legislativo, alguns hierarcas da Câmara e do Senado querem tirar do sarcófago a múmia de um projeto de reforma política. Com o apoio silencioso das cúpulas de todos os grandes partidos, são dois os defensores ostensivos da iniciativa: o deputado Ibsen Pinheiro, na Câmara, e o doutor Marco Maciel, no Senado.

Se um inimigo do Parlamento quisesse aprofundar a desmoralização do atual Congresso, não inventaria coisa melhor.

O primeiro pilar da reforma é o voto de lista. Coisa simples, os contribuintes deixariam de votar em candidatos à Câmara. Teriam direito a escolher uma sigla, e só. Os eleitos sairiam de uma lista preparada, antes da eleição, sob forte influência das máquinas partidárias. A confiança que merecem os atuais partidos pode ser facilmente aferida. Nenhum deles condenou nominalmente qualquer dos seus deputados que avançou sobre as passagens da Viúva. (O presidente do DEM, bem como o atual presidente do PT e seu antecessor somaram seis viagens com as mulheres para o exterior.) Nenhum partido subscreveu qualquer iniciativa para que sejam abertas as contas das verbas indenizatórias.

O segundo pilar da reforma seria a instituição do financiamento público de campanha. Na teoria, esse sistema acaba com as doações privadas. Numa conta que andou por aí, a Viúva pagaria algo em torno de R$ 7 por eleitor, e esse dinheiro seria rateado entre os partidos (de novo a mesma turma). Hoje o candidato e seus aliados gastam o dinheiro deles.

Com a mudança, gastarão o dos outros. Mais: dada a versatilidade dos doutores, aparecerá o magano que se candidata a qualquer coisa para embolsar um caraminguá, mesmo sabendo que não se elege.

Hoje a patuleia vota no candidato de sua escolha e não paga nada por isso. Com o golpe dos doutores, o contribuinte pagará para votar, perdendo o direito de exercer sua preferência nominal.

A melhor maneira para se começar esse debate seria a exposição pública das opiniões de José Serra, Aécio Neves e Dilma Rousseff a respeito do assunto. Afinal, só um irresponsável (ou um sonso) seria candidato à Presidência sem ter a capacidade de opinar a respeito de uma reforma desse tamanho.

* * * * * *

A banca criou a gripe da poupança

Entristecida com a queda da taxa de juros, a banca inventou um problema inexistente, a gripe das cadernetas de poupança. Através dos tempos, a taxa de juros com que o Banco Central remunera as aplicações financeiras do andar de cima sempre foi superior ao rendimento das cadernetas de poupança do andar de baixo. (45 milhões de pessoas tem depósitos de até R$ 100 nessa modalidade de aplicação.) Agora que as duas taxas se aproximam, querem baixar a remuneração da patuleia. Em setembro de 2007, quando os fundos de renda fixa rendiam 0,89% ao mês contra 0,76% da poupança, ninguém reclamava.

O problema é falso porque ainda não existe, pois a Bolsa Copom paga mais que a caderneta. A ultrapassagem só ocorre para o cidadão que aplicou num fundo que cobra acima de 1,5% ao ano pela administração do dinheiro. Essa é a taxa da Caixa Econômica em aplicações de R$ 5 mil a R$ 10 mil por seis meses, mas há bancos que cobram até 4%. O “Tesouro Direto”, uma iniciativa do governo que permite a compra de papéis atrelados à Selic, cobra uma taxa de 0,3% ao ano. Se um feirante vende berinjelas a R$ 1,50, e outro cobra R$ 4, o problema está no preço, não no legume.

Como diz Warren Buffett, quando a água baixa, a gente vê quem está nadando nu.

Golpe, não

Nosso Guia fez chegar à oposição paraguaia o recado de que não deve esperar apoio brasileiro para depor o presidente (pedófilo-enquanto-bispo) Fernando Lugo.

Lugo é o segundo presidente sul-americano que a diplomacia de Lula ajuda a segurar. Se os separatistas de Santa Cruz de la Sierra tivessem a simpatia brasileira, Evo Morales talvez já estivesse exilado em Caracas.

Pacto republicano

O ministro Gilmar Mendes poderia incluir um mimo no Pacto Republicano que negocia com o Executivo. O Judiciário colocaria na internet os nomes de todos os seus doutores que venham a solicitar atendimento especial nos aeroportos (e nas alfândegas).

Faz tempo, um passageiro da ponte Nova Iorque-Washington cruzou com uma senhora loura na sala de espera. Era a ministra Sandra O’Connor, na Corte Suprema. Foi ao estacionamento buscar o carro e viu que, na fila, estava o general Omar Bradley, que comandou o desembarque norte-americano na Normandia, em 1944.

Esgotos paulistas

Num anúncio publicado na revista Foreign Policy, a Sabesp e o governo de São Paulo informam que cuidam da boa qualidade da água que fornecem aos seus clientes e que esse serviço “continua na estação de tratamento de esgotos, afinal, reciclar a água é uma questão de honra para a Sabesp, honra e respeito.”

Lorota. A Sabesp despeja esgoto in natura em 6.670 pontos de rios e córregos de São Paulo. Na mesma publicação, o presidente da empresa, Gesner de Oliveira, reconhece que só trata 70% do material recolhido pelos esgotos.

Talvez seja o caso de se criar uma estação de tratamento para a publicidade da Sabesp.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e vai a Brasília oferecer consolo aos seus amigos do PMDB, sobretudo ao líder do partido no Senado, Romero Jucá.

O senador aborreceu-se com a decisão do conselho de Administração da Infraero que reduziu de 100 para 12 o número de cargos ocupados por pessoas que entraram na empresa sem concurso público. Na faxina demitiram seu irmão, Oscar.

O idiota acredita que tem dois conselhos a dar ao senador:

1) Inscreva seu irmão no próximo concurso da estatal.

2) Para que não pareça nepotista, passe a defender o emprego dos irmãos dos outros.

(A direção da Infraero passou pela humilhante situação de se ver obrigada a readmitir 13 janeleiros. Com a decisão do conselho, eles foram para a rua.)

Atos falhos

Durante o julgamento do STF em que foi sepultada a Lei de Imprensa da ditadura, o ministro Celso de Mello citou uma das mais conhecidas frases da bibliografia do assunto.

Ela é do grande juiz Oliver Wendell Holmes (1841-1935) e, nas palavras de Mello, diz que a liberdade de expressão não protege “quem grita fogo num teatro cheio”.

Pobre Holmes. Sua frase completará cem anos e continua torturada. Ele não desamparou “quem grita fogo num teatro cheio”, mas quem “falsamente grita fogo num teatro cheio”. Até porque, se o teatro estiver pegando fogo, é bom que se grite. O advérbio faz toda a diferença. Holmes explicitou a mentira, enquanto a versão expurgada insinua que o grito era mentiroso.

Até um presidente da Corte Suprema norte-americana (Warren Burger) já cometeu esse erro.