terça-feira, dezembro 04, 2012

As masmorras brasileiras - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 04/12

O GLOBO - 04/12


O aumento da criminalidade está relacionado à negligência do Estado por meio dos seus vários agentes



Há três anos, a Holanda enfrentou uma crise em seu sistema prisional. Como a criminalidade decrescia, o governo holandês viu-se na iminência de fechar penitenciárias e demitir 1.200 funcionários, tal a quantidade de celas vazias e de carcereiros desocupados. Em resumo, enquanto lá faltam criminosos, aqui faltam presídios.

A explicação para esse paradoxo está, em parte, na Educação. No século XIX, o poeta e estadista francês Victor Hugo disse: “Quem abre escolas, fecha prisões.” O conselho não foi absorvido por todas as nações. Na semana passada, por exemplo, foi divulgado o Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Educacionais, que avaliou a qualidade da Educação em 39 países. A Holanda ficou em sétimo lugar enquanto o Brasil foi o penúltimo.

Além da Educação, outros fatos justificam a degradação do sistema penitenciário. Em 1940, o IBGE constatou que 69% da população viviam no campo e apenas 31% moravam nas cidades. Atualmente, 84% dos brasileiros residem nas cidades e somente 16% na área rural. As cidades incharam sem políticas públicas de habitação, saúde, saneamento, entre outras, o que contribuiu para o surgimento de cinturões de miséria que abrigam alguns milhões de pessoas sem direitos e esperanças. Assim, é evidente que o aumento da criminalidade está diretamente relacionado à negligência do Estado por meio dos seus vários agentes. Como consequência, nos últimos 16 anos, o indicador “número de presos por cem mil habitantes” praticamente triplicou, passando de 95 para 270. Atualmente temos 514 mil presos, a quarta maior população carcerária do mundo. Só ficamos atrás dos Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). No entanto, a capacidade máxima das 1.312 unidades prisionais brasileiras é de apenas 306 mil detentos, o que gera déficit de 208 mil vagas. Como cada vaga criada custa cerca de R$ 20 mil, o rombo é de R$ 4,2 bilhões. Essa situação seria atenuada caso o Judiciário fosse mais ágil, visto que 37% dos detentos são presos provisórios, com processos não julgados. Por outro lado, imaginem se fossem executados os 500 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos...

A manutenção dos presídios brasileiros — verdadeiras filiais do inferno — não é barata. Como 82% dos presos não trabalham, o ócio é subsidiado. O custo médio mensal para a manutenção de um preso em presídio comum é de R$ 1.500, chegando a R$ 4.500 em penitenciária de segurança máxima.

Estes números foram apurados pela CPI do sistema carcerário, instaurada em 2007 na Câmara dos Deputados. Após oito meses de trabalho e diligências em 18 estados, os parlamentares emitiram relatório abrangente com 42 recomendações. Apresentaram também 12 projetos de lei, mas apenas cinco foram aprovados. O próprio relator da CPI, deputado Domingos Dutra (PT-AM), considera que a maioria das questões não foi tratada com a seriedade devida.

Entre as sugestões encaminhadas aos ministérios da Justiça e do Planejamento estava, por exemplo, a de evitar o contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A recomendação foi inútil. Em 2011, a dotação do Funpen foi de R$ 269,9 milhões, mas apenas R$ 91,4 milhões foram pagos, incluindo os restos a pagar. Em 2012, a menos de um mês do fim do ano, dos R$ 435,3 milhões autorizados somente R$ 89 milhões (20,6%) foram gastos.

A Lei Complementar 79/1994, que criou o Funpen, definiu diversas fontes de recursos para o aprimoramento do sistema penitenciário. A mais relevante é o percentual de 3% das loterias federais. Ocorre que o dinheiro das apostas é “contabilizado” no Fundo, mas não é integralmente utilizado. Parcela significativa fica esterilizada para a formação dos superávits primários. Tal prática caracteriza o descumprimento da lei que deu origem ao Fundo, tornando necessárias providências do Ministério Público junto ao Judiciário para resgatar os objetivos da legislação. É contraditório o ministro preferir morrer a ficar preso enquanto o Funpen tem R$ 1,4 bilhão em “disponibilidade”.

Nelson Mandela, que passou quase três décadas na cadeia, comentou no passado: “Para avaliar a situação sócio-econômica de um país, visite as suas prisões.” No Brasil, as masmorras são conhecidas. Na Holanda, o drama são as prisões vazias. Como os problemas são complementares, não duvido que algum iluminado proponha o aluguel (em euros) das ociosas celas holandesas para “hospedar” os condenados pelo STF. Posso até imaginar ministros simpáticos à ideia...

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