domingo, julho 08, 2012

Livro, um alvará de soltura - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 08/07


O livro é a vista panorâmica que o presídio não tem, a viagem pelo mundo que o presídio impede

Costumo brincar que, para conseguir ler todos os livros que me enviam, só se eu pegasse uma prisão perpétua. Pois é de estranhar que, habituada a fazer essa conexão entre isolamento e livros, tenha me passado despercebida a matéria que saiu semana passada em Zero Hora (da qual fui gentilmente alertada pela leitora Claudia) de que os detentos de penitenciárias federais que se dedicarem à leitura de obras literárias, clássicas, científicas ou filosóficas poderão ter suas penas reduzidas.

A cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias, de acordo com a Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No total, a redução poderá chegar a 48 dias em um ano, com a leitura de até 12 livros. Para provar que leu mesmo, o detento terá que elaborar uma resenha que será analisada por uma comissão de especialistas em assistência penitenciária.

A ideia é muito boa, então, por favor, não compliquem. Não exijam resenha (eles lá sabem o que é resenha?) nem nada assim inibidor. Peçam apenas que o sujeito, em poucas linhas, descreva o que sentiu ao ler o livro, se houve identificação com algum personagem, algo simples, só para confirmar a leitura. Não ameacem o pobre coitado com palavras difíceis, ou ele preferirá ficar encarcerado para sempre.

Há presos dentro e fora das cadeias. Muitos adolescentes estão presos a maquininhas tecnológicas que facilitam sua conexão com os amigos, mas não sua conexão consigo mesmo. Adultos estão presos a telenovelas e reality shows, quando poderiam estar investindo seu tempo em algo muito mais libertador. Milhares de pessoas acreditam que ler é difícil, ler é chato, ler dá sono, e com isso atrasam seu desenvolvimento, atrofiam suas ideias, dão de comer a seus preconceitos, sem imaginar o quanto a leitura os libertaria dessa vida estreita.

Ler civiliza.

Essa boa notícia sobre atenuação de pena é praticamente uma metáfora. Leitura = liberdade ao alcance. Não é preciso ser um criminoso para estar preso. O que não falta é gente confinada na ignorância, sem saber como escrever corretamente as palavras, como se vive em outras culturas, como deixar o pensamento voar. O livro é um passaporte para um universo irrestrito. O livro é a vista panorâmica que o presídio não tem, a viagem pelo mundo que o presídio impede. O livro transporta, transcende, tira você de onde você está.

Por receber uma quantidade inquietante de livros, e sem ter onde guardá-los todos, costumo fazer doações com frequência para escolas e bibliotecas. Está decidido: o próximo lote será para um presídio, é só escrever para o e-mail publicado nesta coluna. Que se cumpram as penas, mas que se deixe a imaginação solta.

A corrupção na ilha - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 08/07


Estes assuntos de corrupção não são objeto de unanimidade, em Itaparica. Na verdade, receio ter de admitir que a corrente ideológica liderada pelos irmãos Toninho e Jorginho Leso - assim chamados, não apenas porque filhos do finado Roque Leso, mas por serem, no geral, ainda mais lesos que o pai - vem crescendo em importância e hoje pode ser tida como uma força política de peso. No entendimento dos Lesos, como já tive oportunidade de explicar aqui, o dinheiro, por ser público, não tem dono e, portanto, todos os que podem devem botar a mão nele, está lá para isso mesmo. E quem não pode meter a mão trate de dar um jeito de poder, é assim que se sobe na vida.

Para resumir a posição dos Lesos, eles nutrem grande admiração pelos corruptos e não veem xingamento nisso, antes o reconhecimento do valor de quem se deu bem na vida e, quando passa pela ilha, é em cada lanchona que só se vê na televisão, tomando seus belos uísques com água de coco, abocanhando as filhas dos outros, viajando para o mundo todo sem tirar um tostão do bolso nem para comer, indo para lá e para cá de carro oficial, não respeitando fila nem repartição, não pagando nem gasolina nem hospital, recebendo casa de graça, aposentadoria com oito anos de serviço, 15 ou 16 salários, sem patrão, sem horário, com assessor até para coçar as costas - é possível não admirar um homem desses?

Claro que não é possível, um homem desses venceu na vida e quem fala mal são os invejosos, que não conseguiram chegar lá. Na ilha cresce o número dos que já não acham os Lesos tão lesos assim e, sem guardar muito segredo, procuram seguir os passos que eles consideram acertados. Por exemplo, orientar logo os meninos para seguir a carreira de corrupto, pois, no dizer já imortal de Jorginho Leso, "quem não tem essa ambição fracassa na criação". Quanto às meninas, apesar dos grandes progressos feitos pelo sexo feminino, podem não querer nada com estudo ou trabalho, mas devem procurar um bom corrupto para marido, é futuro garantido.

Contudo, faltando aos Lesos prestígio intelectual, tradição na vida política e talentos de oratória, dificilmente sua posição prosperaria, se não fosse o decidido apoio de lideranças reconhecidamente sólidas, entre as quais, como já suspeitavam os frequentadores mais assíduos do Bar de Espanha, a do próprio Zecamunista, que esteve ausente algum tempo e retornou à ilha na semana passada. Ele já sabia da opinião dos Lesos, mas nunca se manifestara contra ela, como seria de esperar-se. Sua volta era aguardada com ansiedade.

Que novidades se escutariam? As perguntas quase se estampavam no ar, enquanto ele, com seu chapéu do Exército Vermelho e o ar sisudo, passava pela porta da igreja de São Lourenço, tirava o chapéu para depois repô-lo rapidamente e se dirigia ao bar. Ninguém achou incongruente um ateu militante, comunista até no nome, tirar o chapéu para saudar o santo, pois todos se lembram de sua resposta a quem lhe tirou pergunta: "A ideologia não se sobrepõe à boa educação, meu caro asno." Inesperado era Jacob Branco ao lado dele, com o sobrolho franzido e as feições contraídas. Jacob só faz essa cara quando o discurso está baixando na ideia dele e vai disparar a qualquer momento.

Instalados os dois, pedidas as cervejas, Pedro de Piroca (é Pedro de Piroca mesmo, filho do finado Piroca, irmão de Raimundo de Piroca, de Zé de Piroca, de Regina e de Raquel, quem quiser pode checar; ele é, aliás, excelente mecânico), que gosta de ouvir um discurso, provocou Zecamunista, informando-lhe que Toninho Leso estava revoltado porque ia haver julgamento do mensalão, uma injustiça para quem trabalhou para conseguir suas melhoras.

- Eu estou de acordo! - explodiu Zecamunista. - Fui o primeiro a expor aqui a tese de democratização da corrupção. Chega de ladroagem só para as elites, chega de exclusão! Já tenho até o nosso lema em latim: Omnes rapere volunt, todos querem furtar, abaixo os privilégios! Toninho Leso tem toda a razão. Agora que já roubaram, não querem deixar mais ninguém roubar? Se forem condenados, isso abre um precedente péssimo para os corruptos do futuro, é um desestímulo cruel e um golpe na economia do País, que pode ser fatal. Quantos sonhos desfeitos, quantos projetos desmoronados, quantas vidas desbaratadas não virão? Quem estiver - atenção, alienados, idealistas vulgares! - querendo melhorar de vida não olhe para os lados, porque só vai ver otário. Olhe para cima! Quem está se dando bem é quem está em cima! E não prestem atenção no que eles dizem, prestem atenção no que eles fazem, é muito diferente! A corrupção é nossa, omnes rapere volunt!

Os aplausos se prolongar-se-iam, se Jacob não tivesse dado a sacudida de pescoço que prenuncia a chegada do discurso. Tinha a subida ventura de anunciar que já estavam sendo traçados planos para que a ilha não ficasse fora da prosperidade a ser trazida pelo Projeto Mão Grande, nome cogitado para a iniciativa que oficializará de vez a corrupção e acabará com a hipocrisia que nos faz pecadores. De fonte limpa, informava que fora criada na ilha a grife Camaleão, destinada a fabricar e vender trajes adequados à nova era. Cuecas capazes de transportar com discrição mais de US$ 100 mil em notas de 100. Calçolas e calçolões, a depender da portadora, para mais de 500 mil, capacidade do modelo Canguru XL. Todo o Brasil usaria as roupas íntimas Camaleão, produto de uma ilha agora na rota irreversível do progresso.

- Todo mundo faturando, sua propina é nossa adrenalina! - finalizou Jacob, arrepanhando no ar uma bolada invisível. - Independência sem morte!

- Nessa parte capitalista eu não me envolvo - disse Zeca. - Vou dirigir o departamento das calçolas, mas somente na área técnica.

Hora da verdade - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 08/07


Em tempos de Lei de Acesso à Informação, salários do serviço público divulgados na internet e discussões sobre o fim do voto secreto, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), surfa na onda. Quem tomou o cuidado de ler o parecer percebeu que a possibilidade de o governo executar o PAC usando recursos do superavit primário é pequeno perto do liberou geral que ele propõe, no sentido de evitar que a transparência seja apenas pró-forma. Para evitar o conhecido “171” na seara de acesso a informações, Valadares traz o 101, um artigo da LDO de 2013 que pretende tornar públicas e de fácil visualização a aplicação do dinheiro que sai do meu, do seu, do nosso bolso.

Algumas dessas informações estão disponíveis, mas aparecem expostas de forma que apenas os iniciados consigam encontrar o que procuram. Vá você, leitor, sem conhecer um pouco da administração pública e dos meandros dos sistemas, sentar-se em frente ao computador e tentar saber onde o governo gasta o dinheiro arrecadado mensalmente do seu contracheque. Já tentou? Aposto que o resultado será de 10 a zero para o computador. Ok, tá bom, 3 a 7, se você for daqueles sujeitos insistentes na hora de vasculhar arquivos.

O projeto libera todas as informações, exceto as verbas secretas, por questões de segurança nacional. Recebeu dinheiro público? Tem que dizer onde, como, quando, quanto e por que gastou. Ou seja, basta aplicar a LDO do jeitinho que está definido no substitutivo do relator para que se saiba mais sobre os gastos governamentais. O parecer obriga, por exemplo, a informação de todas as transferências de recursos a entidades privadas, abrindo a caixa-preta das tais Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), e das Organizações não Governamentais, as ONGs. Nada escapou. Nem mesmo o Sistema “S” (Sesi, Sebrae, Senai, Senac). O Sebrae, durante todo o governo Lula, foi capitaneado por Paulo Okamotto, a quem Lula chama de compadre. Os dois são amigos desde os tempos de vacas magras em São Bernardo do Campo (SP). Okamatto foi, inclusive, responsável pelas finanças de campanhas do ex-presidente. Hoje, preside o Instituto Lula.

Por falar em compadrio…
Se a proposta da LDO passar no plenário do Congresso, o contribuinte ficará sabendo, por exemplo, quanto a Transpetro está gastando na compra de navios no exterior e quanto destina ao fortalecimento da indústria nacional. E a gigante Petrobras? A empresa, que hoje resiste a dar satisfações sobre suas despesas ao Tribunal de Contas da União (TCU), também deverá dar publicidade a seus gastos. Afinal, venhamos e convenhamos, com a injeção de recursos recebida do governo federal, essas estatais não fazem mais do que a obrigação ao divulgar tudo. O mesmo vale para as dezenas de subsidiárias da holding.

Todas as empresas, fundações e autarquias estão incluídas. E quem deve também não foi excluído da onda de abertura que toma conta do país. Hoje, o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) é acessível a quem tiver paciência de ir até o Banco Central e solicitar os relatórios, preenchendo uma série de dados, ou enviar o pedido por correspondência. Em tempos de governo às claras e transparência total, a intenção com a nova LDO é dispensar essa burocracia.

Por falar em transparência…
Os técnicos em orçamento do Congresso Nacional há tempos não ficam tão exultantes com uma proposta de LDO, legislação sempre aprovada às pressas, por um pequeno grupo de deputados e senadores que permanece em Brasília nos dias que antecedem o recesso. Resta saber se o governo vai concordar com a abertura total e irrestrita das suas despesas, especialmente, nas estatais. Esta semana, quando a LDO estiver em votação, será, sem dúvida, a hora da verdade nessa seara e um teste para o governo Dilma.

Eu queria saber - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 08/07


Nós que passamos a vida à procura de alguma coisa que nem sabemos bem o que é e que nunca achamos



Este mundo tem coisas muito curiosas. Gatos e cachorros, por exemplo, servem para quê? E as girafas? E as flores?

Da minha janela vejo árvores e passarinhos que não fazem senão voar e pousar nos galhos, sempre muito inquietos; e alguém já viu passarinho dormir? Será que eles se afeiçoam entre eles ou a alguém? Será que passarinho pensa? Será que sofre?

Mas tem quem sofra por causa deles; tenho um amigo que, quando encontrou o seu morto na gaiola, ficou triste e entrou em depressão.

Passarinho eu não sei, mas cachorro e gato sofrem pelo dono, e uma vez, quando fiquei doente, meu gato não saiu de perto de mim um só instante.

Fico pensando se é justo ter um cachorro ou um gato. É verdade que quem tem é porque gosta, portanto trata bem; mas por outro lado, eles só comem o que nós queremos, o território deles é limitado e só têm vida sexual se a gente permite, e a gente nunca permite, olha que absurdo. Dizem os especialistas que se os machos não forem castrados e as fêmeas operadas, vão nascer ninhadas e mais ninhadas que serão abandonadas em um parque qualquer, e os filhotes vão morrer atropelados ou de fome, o que é de cortar o coração.

Mas é de cortar o coração também ver um gato olhando o mundo pela janela, um gato que não é dono de sua vida, que não pode passear quando quer e fazer o que lhe passa pela cabeça -e que nem sei o que seria. E volto a pensar: para que eles existem?

Girafas, zebras e leopardos correndo na selva são um lindo espetáculo, mas um hipopótamo ou um rinoceronte não despertam senão estranhezas. E as baratas? Bem que se podia passar sem elas, mas ouvi de um ecologista que se todas as baratas do mundo acabassem, o equilíbrio ecológico seria prejudicado, vai entender.

As cigarras, essas a gente sabe: seu canto é só alegria, e elas existem para anunciar o verão.
Frutas são todas lindas, e só servem para nos alimentar. Mas e o café? Como terá o primeiro homem inventado descascar o fruto, secar, torrar, moer e coar com água quente para o prazer de tantos?
E as borboletas? Não existe nada mais bonito do que uma borboleta voando, e às vezes penso que elas, como as flores, só existem para embelezar o mundo.

E os peixes, os sapos? Quem não caçou vaga-lumes e botou num vidro para brincar de lanterna pode dizer que teve infância?

E nós, para que existimos? Nós, que às vezes estamos felizes, outras infelizes, que brigamos com o carpinteiro porque a gaveta não ficou exatamente como se queria, nós que ficamos de mau humor porque engordamos dois quilos, nós que nos matamos para ganhar mais dinheiro e morar numa casa maior com mais armários e poder pagar bem caro a um médico para nos livrar dos tais dois quilos, nós que já fumamos, já bebemos e ainda comemos mais do que devíamos, que amamos e desamamos sei lá por que, e passamos a vida à procura de alguma coisa que nem sabemos bem o que é e que nunca achamos, e estamos, a maior parte do tempo, insatisfeitos, geralmente sem razão.

Nós, que vamos aos shoppings para escolher um vestido e um sapato e uma bolsa para usar numa festa que ainda nem sabemos se vai acontecer, nem se seremos convidadas, e se formos, talvez nem vamos ter vontade de ir, dá para entender?

Eu queria muito que alguém me explicasse tudo isso.

As lâminas da tesoura e a indústria - AFFONSO CELSO PASTORE


O Estado de S.Paulo - 08/07


Para sentir os efeitos da gravidade não é preciso saber se ela vem de uma força, como explicou Newton, ou da curvatura do espaço, como explicou Einstein. Quando a economia mundial se desacelera, o Brasil é atingido, entre outros canais, através: da piora das exportações; da redução dos fluxos de capitais; ou do crescimento da aversão ao risco, derrubando os investimentos e as decisões de consumo.

Há anos que os dados mostram uma correlação positiva elevada entre os ciclos da produção industrial mundial e brasileira em torno das respectivas tendências, e essa correlação se elevou depois da crise mundial de 2008. O contágio da crise mundial explica em parte a estagnação da indústria brasileira desde o início de 2010, mas ele é apenas uma parte da explicação.

Quando cai a atividade econômica, fatores de produção ficam ociosos e por isso ocorrem simultaneamente: a queda na utilização de capacidade instalada; e o aumento da taxa de desemprego. Desde o início de 2010, o nível de utilização de capacidade na indústria brasileira vem oscilando abaixo dos níveis máximos atingidos no passado, indicando ociosidade, mas a taxa de desemprego continua caindo mês a mês. Ao longo da trajetória de queda do desemprego, os salários reais vêm se elevando, e recentemente ocorreu o aumento da taxa de participação - a proporção entre a população economicamente ativa e a população em idade ativa. Provavelmente estimuladas por salários mais altos, pessoas que haviam decidido sair da força de trabalho, voltando a estudar ou dedicando-se a outras atividades, retornaram ao mercado de trabalho. Se a taxa de participação não tivesse se elevado, a taxa de desemprego ajustada pela sazonalidade atualmente não estaria um pouco acima de 5%, como mostram os dados do IBGE, mas sim em apenas 4% da força de trabalho. Esses dados indicam que no mercado de trabalho estamos em pleno emprego, ou até acima dele.

Como é possível simultaneamente ocorrerem: capacidade ociosa na indústria; e pleno emprego no mercado de trabalho? Da mesma forma como são necessárias duas lâminas para que uma tesoura possa cortar, a explicação para o que vem se passando na indústria requer duas condições. A primeira vem do fato de que a indústria é um setor muito aberto ao comércio internacional, sendo a sua capacidade de reajustar preços limitada pela competição das importações. O baixo crescimento da Europa e dos Estados Unidos deprime os preços de produtos manufaturados no mercado internacional, o que somado à valorização cambial, fixa os preços internacionais em reais em níveis baixos, impedindo que se eles ajustem em resposta a empurrões de custos.

A segunda condição vem da elevação do custo unitário do trabalho medido em reais. O crescimento dos salários reais e do pessoal empregado é uma boa notícia para as vendas reais do comércio. A intuição, confirmada pela econometria, mostra que o crescimento da população ocupada e dos salários reais (junto com juros reais baixos) eleva as vendas reais do comércio e o consumo das famílias. É isso que está por trás da expansão contínua das vendas reais, que se mantiveram em firme crescimento mesmo depois que a indústria entrou em estagnação.

Custo do trabalho. Mas será que a elevação de salários é uma boa notícia para a produção industrial? Os dados da PIMES mostram que entre 2004 e 2007 os salários reais da indústria cresciam à mesma taxa de aumento da produtividade média do trabalho. Mas do início de 2010 até o presente, os salários reais continuaram crescendo ao lado da queda da produtividade média do trabalho na indústria. Com isso, o custo unitário do trabalho vem aumentando, tendo se elevado em torno de 12% em termos reais do início de 2009 até agora.

Em trabalho em coautoria com Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti (Por que a produção industrial não cresce desde 2010, disponível em www.acpastore.com), foi estimado o comportamento do índice de utilização de capacidade instalada na indústria em função da taxa real de juros e do custo unitário do trabalho, controlando para o hiato da produção industrial mundial. O hiato da produção mundial melhora significativamente as estimativas, mas não explica, sozinho, a queda na utilização de capacidade a partir do início de 2010. A queda se deve ao aumento do custo unitário do trabalho, que reduziu a utilização de capacidade instalada na indústria mesmo diante da queda das taxas reais de juros.

Obviamente, uma elevação de 12% no custo unitário do trabalho não teria levado a uma contração da produção e da utilização de capacidade caso a indústria conseguisse repassar esse aumento de custos para os preços. Porém, a competição internacional e o câmbio valorizado impedem esse repasse, estreitando as margens da indústria, levando à contração da produção e ao aumento da capacidade ociosa. E para onde vai a demanda não atendida pela produção industrial? Ela vaza para o exterior na forma de importações líquidas. Todos estes fatos vêm ocorrendo desde o início de 2010.

Os industriais costumam afirmar que "quem paga os bons salários" é a indústria. Não é verdade. O IBGE publica os salários médios por setores, e eles mostram que o setor de serviços, que empregava 60 milhões de pessoas em 2009, paga em média salários próximos aos da indústria, que empregava em 2009 em torno de 20 milhões de trabalhadores. Note-se que essa proporção de 1 para 3 no emprego dos dois setores vem se mantendo ao longo do tempo. Não esperaríamos uma equalização perfeita dos salários médios entre estes setores, porque há diferentes composições de treinamento, educação, sexo, idade, etc. Mas os dados mostram que no agregado essas diferenças se diluem, e há uma mobilidade de mão de obra suficientemente grande para que os salários se aproximem.

Dada a sua participação menor no mercado de mão de obra, não é necessário que o nível de emprego na indústria cresça para que seus salários médios se elevem. Basta que ocorra um aumento da demanda de mão de obra no setor de serviços, que é o "grande empregador". Quando o governo usa políticas macroeconômicas para ampliar a demanda agregada estimula os dois setores, com o setor de serviços demandando um grande acréscimo de mão de obra, elevando os salários. A elevação do custo unitário do trabalho na indústria não decorre necessariamente do crescimento da demanda de mão de obra no setor, que recentemente vem caindo, e sim do que se passa no setor de serviços. Chegamos, assim, ao paradoxo de uma economia caracterizada pela expansão do consumo, mas que não consegue elevar a produção industrial, que vaza para o exterior na forma de importações líquidas.

Depreciar o real poderia ser uma "solução", mas não tão simples quanto parece à primeira vista. Para ter o efeito desejado, a relação câmbio/salário deveria ser alterada a favor do câmbio, e para que a indústria conseguisse reconquistar um pedaço da "competitividade perdida" teria que repassar totalmente essa depreciação para os preços, jogando por terra o argumento de que o "repasse" da depreciação para os preços é baixo. Por isso, talvez, o Banco Central venha intervindo no mercado de câmbio para evitar que o real se aproxime de R$ 2,10/US$. Por outro lado, neste quadro de estagnação da indústria a queda da taxa real de juros não consegue libertar o "espírito animal" que levaria ao aumento do investimento.

Recentemente o Caged publicou dados que apontam para uma direção um pouco diferente no mercado de mão de obra. Mostram uma queda no fluxo mensal de contratações de trabalhadores formais. Esta pode ser uma indicação de que a desaceleração mundial, afinal, já estaria afetando o setor de serviços, reduzindo o seu crescimento, e que em breve a taxa de desemprego começaria a se elevar. Se este for o caso, a economia brasileira precisará de muito mais estímulos de demanda, porque estaríamos caminhando para um crescimento medíocre do PIB, abaixo da atual projeção de consenso, de uma expansão de 2% em 2012. Mas se o Caged estiver emitindo um sinal falso, e a taxa de desemprego se mantiver baixa, quanto mais estímulos de demanda forem colocados na economia, maior será a elevação dos salários reais. As vendas reais do comércio e o consumo continuarão crescendo sem que a produção industrial reaja, o excesso de demanda continuará vazando para o exterior na forma de importações líquidas, e todos continuarão reclamando contra a desindustrialização.

Cabe ao governo formular um diagnóstico melhor dos problemas atuais da economia brasileira, buscando políticas macroeconômicas que os resolvam.

Quem se habilita? - SONIA RACY


O ESTADÃO - 08/07

A prefeitura de Manaus e o Ibama tentam encontrar um lar para cinco guaribas vermelhos resgatados no Amazonas. Criados desde pequenos em cativeiro, eles não têm condições de voltar à natureza.

O instituto anda preocupado com o aumento de casos nos últimos anos. Desde 2010, seu Centro de Triagem registrou a entrada de 47 primatas.

Corte de asas

Enquanto isso, na gaúcha São Leopoldo, Ibama mais PF fizeram blitz em um torneio de canto de pássaros.

Resumo da ópera? Multas de R$ 65 mil e 46 canoros animais apreendidos.

Auuuuuu

Para os amantes de animais. Está aprovada a lei que quebra patente de medicamentos genéricos para animais, criada por Ricardo Tripoli.

Antibióticos, como o Revolution (antipulga), que custa cerca de R$ 50, deve ter seu preço reduzido a… R$ 8.

Às ordens

Lula pediu e Dilma concordou. Ela vai participar da 21ª sessão ordinária da União Africana, na Etiópia, nos dias 15 e 16 de julho.

O compromisso está sendo considerado um pesadelo no Planalto por causa das dificuldades de acesso ao local.

É peixe

Luis Alvaro, do Santos, quer que Dilma vire santista.

Passou pelo Planalto e deixou presente: um kit com camisa autografada e dedicatória de Neymar, DVD, medalha e um livro com a história dos cem anos do clube.

Responsabilidade social

Ponto para o Grupo Tom Brasil, no Rio, e o HSBC Brasil, em Sampa. Começaram a transmitir suas peças de teatro em Libras para os surdos.

O The Square Open Mall abre o Festival de Inverno Granja Vianna. Para participar é preciso adquirir um vale na livraria Nobel do shopping, onde 50% do valor será revertido para 7 instituições de caridade da região.

O Salão de Arte de São Paulo comemora. Em menos de quatro horas vendeu 90% dos convites para o coquetel de abertura em benefício da Associação de Assistência à Criança e ao Adolescente Cardíacos e aos Transplantados do Coração. Acontece dia 20 de agosto.

A Flores Online firmou parceria com o Instituto Se Toque. Desenvolveu coleção para conscientizar mulheres sobre o câncer de mama. Parte da venda será revertida para projetos da ONG.

A KitchenAid, na Casa Cor, vai receber o projeto Chefs Especiais – Down Cooking, onde os pequenos chefs com a síndrome de down interagem e cozinham para os convidados. Sábado.

Naná Vasconcelos e alunos do Projeto Guri apresentarão o espetáculo Calungá – o Mar que Separa é o Mar que Une. Sexta, no Auditório do Ibirapuera.

César Menotti & Fabiano farão show em prol da Campanha do Agasalho. Dia 24, na Villa Country.

A Chácara Santa Cecília terá artistas fazendo as vezes de garçons terça. A renda das vendas será revertida para as crianças da ONG F.A.C.E.

Sobre drogas e 'bolivarianos' - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 08/07


O caso do senador boliviano a que o Brasil deu asilo pode jogar luz sobre política e narcotráfico


A acusação dos Estados Unidos contra pelo menos dois altos oficiais venezuelanos de que estariam ligados ao narcotráfico não é a única sombra que pesa sobre governos bolivarianos, para ficar só no quesito drogas.

Uma das sombras, aliás, vincula diretamente o Brasil, porque é na embaixada brasileira em La Paz que se encontra, como asilado, o senador Roger Pinto.

Revisitemos brevemente os antecedentes do caso, conforme contados por Douglas Farah, pesquisador-sênior do Centro Internacional de Avaliação e Estratégia dos EUA.

No começo deste ano, o governo Evo Morales acusou Pinto de homicídio, mas "não se deu ao trabalho de apresentar um corpo ou qualquer outra evidência do alegado crime".

O ataque ao senador Pinto veio na esteira de uma sequência de denúncias de corrupção de círculos governamentais e sobre a crescente presença na Bolívia de cartéis mexicanos da droga.

Pinto apresentou publicamente relatórios que dizia serem dos serviços de inteligência da polícia, redigidos por homens leais a Morales, mas que viam a "maciça penetração" criminosa no governo como uma traição à revolução prometida pelo presidente.

As alegações de corrupção estavam centradas em oficiais ligados ao caso do general René Sanabria, que servira como chefe da unidade de elite antinarcóticos da polícia e fora assessor-sênior de inteligência do presidente Morales.

Sanabria foi condenado, em 2011, em Miami, por tráfico de drogas (mais exatamente, 144 quilos de cocaína).

Segundo Pinto, havia outros altos oficiais envolvidos no tráfico, gozando, no entanto, de proteção oficial.
Sempre de acordo com o analista norte-americano, Sanabria confirmou, da prisão, muitas das informações divulgadas pelo senador Pinto, que se animou a levar cópias do relatório ao palácio presidencial.
Morales, em vez de determinar uma investigação, voltou-se contra o senador, acusado, por sua vez, de sedicioso.

Como Pinto não se calou, veio a acusação de homicídio, seguida de ameaças de morte, o que finalmente levou o senador a pedir asilo na embaixada brasileira.

Douglas Farah surpreendeu-se não com o pedido de asilo, mas com o fato de que ele tenha sido concedido pelo governo Dilma Rousseff, no que o pesquisador considera uma reprimenda ao presidente Morales.
De fato, o vice-presidente Álvaro Garcia Linera chamou a decisão brasileira de "desatinada", enquanto Morales preferia rotulá-la como "equivocada". Para o Itamaraty, com a sua inoxidável cautela, trata-se apenas de atuar "à luz das normas e da prática do direito internacional latino-americano" e com base na Constituição.

De todo modo, ao aceitar Pinto como "refugiado político", o Brasil está rejeitando automaticamente a hipótese de que seja um criminoso, porque criminosos não merecem amparo.

Claro que os "bolivarianos" sempre reagem atribuindo tudo à conspirações do império. O império de fato conspira bastante, mas acreditar na eterna inocência dos "bolivarianos" não é ingenuidade, é estupidez.

Me dê motivo - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 08/07


Diante das reviravoltas de última hora no quadro eleitoral, o governador Eduardo Campos (PE) disse a aliados que o PT tenta "empurrá-lo" para a oposição ao arregimentar forças para derrotar o PSB em cidades-chave. Campos considera um erro nacionalizar a disputa municipal e lembra que os socialistas dão suporte ao partido de Dilma Rousseff e Lula em 5 capitais e só têm apoio em uma. Para ele, a prioridade do governo deveria ser a economia, e não dinamitar um aliado.

Sinal aberto 1 Apesar da omissão do TSE quanto ao palanque eletrônico em cidades com mais de 200 mil eleitores que não têm geradora de TV, a corregedoria do TRE-SP solicitou à Anatel lista de municípios que atendem ao requisito, previsto em lei.

Sinal aberto 2 De posse dos dados, o tribunal criou grupo de trabalho para avaliar os casos até 12 de agosto, data em que serão fechados planos de mídia da propaganda eleitoral com juízes, partidos e emissoras.

Cobertura Pelo levantamento, a propaganda na televisão pode ser estender a São Bernardo do Campo, Santo André, Diadema, Mauá, Carapicuíba, Barueri, Itaquaquecetuba, Piracicaba e Jundiaí.

Aula magna José Serra escolheu a criação de rede municipal de ensino técnico como promessa inaugural da campanha para reforçar dois pontos nevrálgicos de sua estratégia: a dobradinha com o governo paulista e a crítica ao que tucanos chamam de "tímida expansão" da rede profissionalizante federal.

Bunker Para enfrentar o ex-ministro Fernando Haddad (PT) e o ex-secretário estadual Gabriel Chalita (PMDB), Serra montou núcleo de especialistas em Educação, capitaneado pelo candidato a vice, Alexandre Schneider (PSD), ex-secretário paulistano, e pelo ex-titular estadual Hubert Alqueres.

Centro acadêmico Em guerra com Guido Mantega (Fazenda), que refuta a aplicação de 10% do PIB em Educação, líderes do movimento estudantil embarcarão na campanha de Haddad. A ofensiva, liderada pelo PC do B, terá início no dia 21, quando o presidente da UNE, Daniel Iliescu, comandará ato público de apoio ao petista.

Mercado Dilma Rousseff embarca nesta semana para a Etiópia para participar da Cúpula da União Africana. Leva na comitiva um grupo de empresários brasileiros com a missão de prospectar negócios no continente africano.

Pancadão Os ministros escalados para a ida a Adis Abeba se desesperam com a perspectiva de enfrentar 20 horas de voo para ir e outras tantas para voltar para passar 8 horas em solo africano.

3D José Francisco das Neves, o Juquinha, preso na semana passada, está na mira da CPI do Cachoeira. Parlamentares querem ouvir o ex-presidente da Valec, responsável pelas ferrovias. "Ele é a pré-estreia de um escândalo maior que o do Cachoeira'', diz Miro Teixeira (PDT-RJ).

Ao mar Aliados do ex-presidente da Valec atribuem à nova diretoria do órgão as denúncias que levaram à sua prisão pela Polícia Federal.

Arquivo vivo Políticos com os quais Juquinha tinha relações temem que, em troca de uma delação premiada, ele revele informações que comprometam cabeças premiadas de vários partidos.

Ponte aérea Aécio Neves (PSDB-MG) acompanhará o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que receberá o Prêmio John W. Kluge, da Biblioteca do Congresso dos EUA, na terça. Mas voltará a tempo de participar da votação da cassação do senador Demóstenes Torres (GO).

Tiroteio
"Kassab paga a fatura pela ajuda do PT ao PSD. Agora é só subir no palanque do Serra que ele ajuda a eleger Haddad em São Paulo."

DO DEPUTADO FEDERAL RONALDO CAIADO (DEM-GO), sobre o apoio do prefeito ao PT em Belo Horizonte e a sua rejeição como fator na sucessão paulistana.

Contraponto


Não é comigo


Após participar da inauguração de uma UPA em São Bernardo, na quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff se dirigia para o carro oficial quando percebeu protesto de alunos da Universidade Federal do ABC, em greve como outras instituições públicas.

Os manifestantes gritavam para a presidente:

-Greve geral derruba general!

Com incomum bom humor, Dilma tocou no ombro de Marco Antonio Amaro, chefe da segurança do Planalto, que estava no banco da frente do veículo presidencial:

-Ouviu, general? Estavam falando de você...

Encontrado o bóson de Deus - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 08/07


Na física de partículas, uma "descoberta" é tão rara que a chance de outra explicação é de uma em 3,5 milhões


Como não poderia deixar de ser, nesta semana escrevo sobre a descoberta sensacional do bóson de Higgs, anunciada na última quarta feira, 4 de julho, pelos cientistas do laboratório Cern, em Genebra, na Suíça. Começo repetindo a história de como o bóson de Higgs ficou conhecido como "partícula de Deus".
Obviamente, uma partícula elementar não tem nada a ver com Deus. O apelido vem do título do livro de Leon Lederman, o prêmio Nobel que durante anos caçou a partícula (a busca pelo bóson de Higgs durou ao todo 45 anos!).
Lederman conta que originalmente queria dar ao livro o título em inglês "The Goddamn Particle" ("A partícula Amaldiçoada por Deus" ou simplesmente "A Desgraçada da Partícula"). A ideia era demonstrar sua frustração em não tê-la encontrado. Porém, o editor do livro achou que, com a exclusão de "desgraçada" do título, o livro venderia bem mais. A coisa vingou -para o livro de Lederman e para a partícula.
Mas por que tanta empolgação com o bóson de Higgs, que inclui bilhões de dólares gastos na busca por uma mera partícula?
Essencialmente, o bóson de Higgs era a peça que faltava no chamado Modelo Padrão, que descreve tudo sobre as partículas que conhecemos no Universo. Achá-lo significa completar esse modelo com enorme sucesso.
O papel do Higgs é único entre as partículas: ele é responsável por "dar massa" a todas as outras. Vale lembrar que, na física moderna, as entidades essenciais são os campos. Partículas são excitações desses campos, como pequenas ondas na superfície de um lago. O campo de Higgs estaria por toda a parte, como o ar na nossa atmosfera. Ele interage com os campos de outras partículas: por exemplo, o campo dos elétrons ou o dos fótons (o campo eletromagnético), as partículas de luz. Essa interação tem uma intensidade que varia de campo para campo. É essa intensidade variável que determina a massa das partículas e as suas diferenças.
Por que, então, o nome de "bóson"? As partículas que conhecemos podem ser divididas em dois grupos, chamados genericamente de bósons e férmions. "Bóson" homenageia o físico indiano Jagadish Chandra Bose, que desenvolveu, junto com Einstein, as propriedades dessas partículas. Elas gostam de existir em grupos com muitas delas. O Higgs e os fótons são bósons.
Já os férmions (em homenagem ao físico italiano Enrico Fermi) são mais exclusivos e no máximo aparecem em pares. Os elétrons e os prótons são férmions.
Ninguém "viu" um bóson de Higgs, pois eles se desintegram em outras partículas em minúsculas frações de segundo. O que se "observa" são os vários produtos dessas desintegrações. Os resultados são estatísticos, devido aos bilhões de colisões e desintegrações que ocorrem. Na física de partículas, uma "descoberta" é um evento tão raro que a chance de surgir outra nova explicação é de uma em 3,5 milhões.
O interessante é o que está por vir. Sabemos que a partícula é um bóson. Mas não sabemos se corresponde à previsão mais simples do Modelo Padrão ou se é algo mais exótico. Todos torcem pelo exótico, pois terão abertas portas para uma nova física. Depois de 45 anos, seria uma pena encontrar só o Higgs.

A presidente na campanha - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 08/07


Ao intervir pessoalmente no diretório mineiro do PSD, em favor do PT, o prefeito Gilberto Kassab quitou uma dívida com a presidente Dilma Rousseff, de alinhamento da legenda ao seu governo, que inclui o apoio à sua reeleição em 2014.

Como efeito colateral, reduz o ritmo de aproximação entre o novo partido e o PSB, do governador pernambucano Eduardo Campos, cuja desenvoltura na cena política gera no PT a desconfiança de que considera a antecipação de seu projeto presidencial oficialmente previsto para 2018.

O movimento obrigou o PSD a declarar qual a aliança prioritária no momento - se com o governador, se com a presidente. O partido elegeu o PSB como aliado preferencial, ao mesmo tempo em que constrói um espaço próprio na base governista, onde pretende rivalizar com o PMDB e o PT, nessa ordem.

O plano estratégico de chegar em 2014 como ator influente no processo sucessório impôs ao prefeito a aposta em Dilma, sem prejuízo da continuidade da construção da aliança com Campos para 2018 - ou, se houver vento favorável, até uma candidatura própria do PSD, já que o tempo recomenda reavaliações permanentes de cenários.

O episódio revela também uma presidente ativa no tabuleiro das eleições municipais, especialmente onde elas estão nacionalizadas, casos de Minas, São Paulo e Nordeste - este, pela liderança do governador de Pernambuco.

O preço pago por Kassab ficou caro pela inabilidade na condução do processo, que já produziu dissidências num partido que se consolidou há menos de um mês com a conquista do tempo de TV e do fundo partidário.

Dissidência precoce

A condução do apoio ao PT em Minas irritou alas influentes do PSD, mais ainda as suas lideranças mineiras, revoltadas com a intervenção e revogação da ata da convenção que aprovara a coligação em favor do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB). A renúncia e desfiliação do vice-presidente nacional da legenda, Roberto Brant, foi uma reação da primeira hora a anunciar que a unidade do partido recém-nascido está comprometida. Brant se valeu do valor mais importante para os mineiros - a autonomia política - para reacender a rivalidade com os paulistas, discurso já apropriado por Aécio Neves, o outro alvo de Dilma ao intervir indiretamente no PSD local. "Como é que o prefeito de São Paulo desembarca em Belo Horizonte para interferir na política mineira?", pergunta.

Expulsão

O prefeito de Palmas (TO), Raul Filho, do PT, flagrado em vídeo negociando apoio com Carlos Cachoeira, vai à CPI na próxima terça-feira já condenado à expulsão pelo partido.

Olho por olho...

Com base em um parecer que extrapola a questão técnica, o Ibama negou licença ambiental para a construção do Estaleiro Eisa, em Coruripe, sul de Alagoas. Alega o órgão que o empreendimento estimularia a migração e produziria a "favelização" na região, embora a obra estime investimentos de R$ 2 bilhões com geração de 50 mil empregos. Em retaliação, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), barrou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) projeto de lei criando mil novos cargos no Ibama e no Instituto Chico Mendes. Semana que vem, Renan e o governador Teotônio Vilela (PSDB) recorrerão à ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira.

Código Penal

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) será o relator do novo Código Penal no Senado, que o senador José Sarney quer aprovar até dezembro.

Obsessão - LUIZ FERNANDO VERISSIMO


O Estado de S.Paulo - 08/07



A culpa não é minha, delegado. É do nariz dela. Ela tem um nariz arrebitado, mas isso não é nada. Nariz arrebitado a gente resiste. Mas a ponta do nariz se mexe quando ela fala, delegado. Isso quem resiste? Eu não. Nunca pude resistir mulher que quando fala a ponta do nariz sobe e desce. Muita gente nem nota. É preciso prestar atenção, é preciso ser um obsessivo como eu.

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O nariz mexe milímetros, delegado. Para quem não está vidrado, não há movimento algum. Às vezes só se nota de determinada posição, quando a mulher está de perfil. Você vê a pontinha do nariz se mexendo, meu Deus. Subindo e descendo. No caso dela também se via de frente. Uma vez ela reclamou, "Você sempre olha para a minha boca quando eu falo". Não era a boca, era a ponta do nariz. Eu ficava vidrado no nariz. Nunca disse pra ela que era o nariz. Eu sou louco, delegado? Ela ia dizer que era mentira, que seu nariz não mexia. Era até capaz de arranjar um jeito de o nariz não mexer mais.

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Mas a culpa mesmo, delegado, não é do nariz, não é dela e não é minha. A culpa é da inconstância humana. Ninguém é uma coisa só, nós todos somos muitos. E o pior é que de um lado da gente não se deduz o outro, não é mesmo? Você, o senhor, acreditaria que um homem sensível como eu, um homem que chora quando o Brasil ganha bronze, delegado, bronze? Que se emocionava com a penugem nas coxas dela? Que agora mesmo não pode pensar na ponta do nariz dela se mexendo que fica arrepiado? Que eu seria capaz de atirar um dicionário na cabeça dela? E um Aurelião completo, capa dura, não a edição condensada ou o CD? Mas atirei. Porque ela também se revelou. Ela era ela e era outras.

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A multiplicidade humana, é isso. A tragédia é essa. Dois nunca são só dois, são 17 de cada lado. E quando você pensa que conhece todos, aparece o décimo oitavo. Como eu podia adivinhar, vendo a ponta do narizinho dela subindo e descendo, que um dia ela me faria atirar o Aurelião completo na cabeça dela? Capa dura e tudo? Eu, um homem sensível? Porque ela não era uma, delegado. Tinha outra, outras, por dentro. Tudo bem, eu também tenho outros por dentro. Por exemplo: nós já estávamos juntos um tempão quando ela descobriu que eu sabia imitar o Silvio Santos. Sou um bom imitador, o meu Romário também é bom, faço um Lima Duarte passável, mas ninguém sabe, é um lado meu que ninguém conhece. Ela ficou boba, disse "Eu não sabia que você era artista". E eu também sou um obsessivo. Reconheço. E a obsessão foi a causa da nossa briga final. Tenho outros por dentro que nem eu entendo, minha teoria é que a gente nasce com várias possibilidades e quando uma predomina as outras ficam lá dentro, como alternativas descartadas, definhando em segredo, ressentidas. E, vez que outra, querendo aparecer. Tudo bem, viver juntos é ir descobrindo o que cada um tem por dentro, os 17 outros de cada um, e aprendendo a viver com eles. A gente se adapta. Um dos meus 17 pode não combinar com um dos 17 dela, então a gente cuida para eles nunca se encontrarem. A felicidade é sempre uma acomodação.

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Eu estava disposto a conviver com ela e suas 17 outras, a desculpar tudo, delegado, porque a ponta do seu nariz mexe quando ela fala. Mas aí surgiu a décima oitava ela. Nós estávamos discutindo as minhas obsessões. Ela estava se queixando das minhas obsessões. Não sei como, a discussão derivou para a semântica, eu disse que "obsedante" e "obcecante" eram a mesma coisa, ela disse que não, eu disse que as duas palavras eram quase iguais e ela disse "Rará", depois disse que "obcecante" era com "c" depois do "b", eu disse que não, que também era com "s", fomos consultar o dicionário e ela estava certa, e aí ela deu outra risada ainda mais debochada e eu não me aguentei e o Aurelião voou. Sim, atirei o Aurelião de capa dura na cabeça dela. A gente aguenta tudo, não é delegado, menos elas quererem saber mais do que a gente.

Arrogância intelectual, não.

A vez das obras - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 08/07


Os desafios da construção da infraestrutura nos países da região, e em especial no Brasil, têm sido objeto de diversos fóruns de discussão. O tema deve voltar a ser prioritário para o governo brasileiro, que tem no aumento dos investimentos em obras uma maneira de combater a crise econômica que está abalando nossa economia. No relatório que entregou ao Mercosul depois de pedir demissão do cargo de secretário executivo daquela organização regional, por falta de condições para atuar, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães chamou a atenção para a importância fundamental desse setor:

"As deficiências da infraestrutura de transportes, de saneamento, de energia e de comunicações dos países do Mercosul, e a reduzida integração entre as distintas redes dos quatro países, tornam prioritários os investimentos em infraestrutura, (...) base indispensável para a expansão da atividade produtiva e comercial, e para a formação de mercados internos nacionais e regional mais dinâmicos, capazes de absorver a mão de obra e de agregar valor, e elevar o nível de renda e desenvolvimento humano."

"(...) A construção da infraestrutura e a geração de empregos são elementos fundamentais para a redução da pobreza e para criar condições dignas de vida para a maioria da população a longo prazo."

Em outro nível, realizou-se em Madri, patrocinado pela Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), seminário sobre os desafios da infraestrutura na Ibero-América, com destaque para a situação brasileira.

A representação brasileira contou, além da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, com dirigentes de diversas empreiteiras como Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, de representante do Funcef e do diretor de Infraestrutura do BNDES, Roberto Zurli Machado. As empreiteiras espanholas estavam também presentes ao encontro, o que demonstra o interesse nas obras da região.

As conclusões vão na mesma direção do diagnóstico de Pinheiro Guimarães, segundo um empresário brasileiro presente à reunião: o déficit de infraestrutura de transporte na América Latina prejudica a competitividade da região.

Para ampliar os mercados e obter maior integração das empresas ibero-americanas em cadeias de valor global, é preciso eliminar particularmente o atraso da infraestrutura de transporte, fundamental para aumentar o tamanho do mercado e promover deslocamentos de pessoas dentro de cada país e entre os países. O investimento num país pode criar comércio ou gerar benefícios num país diferente, mas esses projetos transnacionais têm uma característica própria, como foi ressaltado nas discussões de Madri: estão sujeitos às regulamentações de vários Estados soberanos, o que aumenta os riscos políticos, da regulamentação e dos tipos de câmbio. A redução desse déficit de infraestrutura exige a participação do setor público, pelas capacitações de planificação e fiscal, de redução de riscos e a visão e responsabilidade sobre o que é mais conveniente para cada país.

Mas requer também a participação do setor privado complementando a ação dos governos com suas capacidades técnica e de gestão, além do acesso a recursos financeiros disponíveis nos mercados.

A resposta ao déficit existente de infraestrutura tem de se compatibilizar com o máximo rigor na seleção de projetos, retirando-se deles qualquer conotação política.

O quadro institucional e os procedimentos de avaliação econômica devem alinhar-se com os incentivos dos diferentes agentes envolvidos, para que sejam selecionados os projetos que melhor contribuição possam dar para os usuários.

Foi opinião predominante, segundo os relatos, que as experiências dos últimos anos mostram que o êxito das alianças entre o setor público e privado (APP) se assenta numa divisão de responsabilidades, de acordo com as condições e os requisitos específicos de cada país.

O maior desafio de uma boa aliança público-privada é equilibrar o poder de negociação entre os setores antes da execução de investimento, durante, mas também depois de ele acontecer.

Uma das principais preocupações dos investidores, revelada nos debates, é a mudança registrada no poder da negociação desde a etapa do investimento (que favorece o investidor) até a etapa operativa (que inclina a balança para o setor público).

A distribuição de responsabilidades permite definir os incentivos das partes, os riscos de não execução e o da renegociação que possam ser minimizados.

Os instrumentos de apoio da parte do setor público inserem-se na aliança, diminuindo alguns riscos, mas introduzindo riscos políticos e os associados à capacidade fiscal do próprio setor público.

Sendo os investimentos em infraestruturas de alto custo e de retorno a longo prazo, a atração de capitais privados e a operação efetiva das alianças público-privadas requerem quadro jurídico e institucional estável e que proteja os direitos das partes.

As licitações abertas às empresas de outros países aumentam a concorrência entre os participantes e permitem uma redução dos custos de infraestrutura.

Para conseguir uma concorrência equilibrada entre todos os atores, é importante assegurar capacidade técnica e financeira, com índices financeiros compatíveis, em consonância com o tamanho da licitação.

A exigência de garantias é uma prática comum para assegurar que as empresas cumpram seus compromissos, mas a sobreposição delas não melhora a efetividade do processo, encarecendo-o desnecessariamente, podendo acrescentar riscos políticos ao projeto.

Os fundos de pensões são fonte potencial de financiamento de longo prazo em moeda local, inclusive porque os projetos de infraestrutura proporcionam fluxo de dividendos e rendimentos relativamente seguros e regulares.

Os fundos de infraestrutura têm também um papel a desempenhar no financiamento, e sua criação deveria ser facilitada na legislação e nas regulamentações locais.

Divórcio intergaláctico - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/07


Aproveito a rumorosa separação de Tom Cruise [na representação ao lado] e Katie Holmes para discutir a cientologia, religião do ator que é apontada como motivo principal do divórcio.

A igreja foi fundada nos anos 50 por L. Ron Hubbard (1911-1986), que, antes de virar sacerdote, ganhava a vida escrevendo histórias de ficção científica. Por ser uma religião nova, ela pena para obter reconhecimento lega — e as vantagens fiscais que isso normalmente acarreta.

Teve sucesso nos EUA e em mais meia dúzia de países, mas encontrou dificuldades em nações como Alemanha, Bélgica, Canadá, França, Grécia e Reino Unido. Na Alemanha, quase teve suas atividades proibidas.

Não há dúvida de que a turma da cientologia acredita em maluquices e faz coisas estranhas. De acordo com documentos que vazaram para o público em procedimentos judiciais, a doutrina secreta da igreja sustenta que, 75 milhões de anos atrás, um ditador intergaláctico chamado Xenu trouxe a nosso planeta bilhões de extraterráqueos a bordo de aviões similares a um DC-8, perfilou-os ao lado de vulcões e os exterminou com bombas de hidrogênio.

Os cientólogos acreditam que a essência de muitos dos seres assassinados por Xenu continua a vagar na Terra, causando desequilíbrio mental nos seres humanos. Como o ditador foi auxiliado por psiquiatras em sua sanha homicida, esse ramo da medicina é rejeitado pelos fiéis.

A minha pergunta é se não estamos sendo preconceituosos em relação aos cientólogos apenas porque seu sistema de crenças é relativamente novo. Objetivamente, não há nada de menos razoável ou verossímil nas histórias envolvendo Xenu do que nas de pessoas sendo criadas por uma entidade superior a partir de barro ou de um pedaço de costela.

O que faz com que o primeiro grupo de crenças seja tratado com desconfiança e o segundo com respeitabilidade e reverência? Por mais que tente, não consigo ver uma diferença.

Concórdia e discórdia - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 08/07


"A não concordância de número nos verbos e adjetivos relacionados também me faziam mal." Essa foi demais. A não concordância de número me "faziam" mal? Não tinha relido aquele artigo em que chamei o acento grave de agudo. Não vi é que um erro maior tinha passado. A frase - que abre o artigo de hoje - é um erro perfeito. Senilidade & masoquismo. Quem me chamou a atenção foi o professor André Valente, a quem devo tanto (ele levou Moreno, na adolescência, a gostar de português como matéria escolar, o que elevou o nível do diálogo com meu filho mais velho para um patamar acima do maravilhoso entendimento emocional-afetivo que ele e eu já tínhamos). Se eu fosse mais organizado, ia escrever aqui sempre sobre fatos da língua. A discórdia com os sociolinguistas terminaria em alguma concórdia (para confirmar o diagnóstico de Roberto Schwarz).

Uma piada deles sobre os que gostam de defender a norma culta saberem menos sobre ela do que eles - que supostamente a desprezam - servirá sempre como uma lição a mais (e mais exigente) a ser divulgada sobre o melhor uso das regras vigentes (Bagno fez isso com Dora Kramer num livro; poderia fazer mais com meu grave agudo e mais ainda com minha discordante demanda por concordância).

Tinha me prometido escrever hoje um texto coeso, elegendo um assunto único e desenvolvendo-o até sua conclusão pertinente. Tudo isso para intitulá-lo "À Francisco". Adoro os ensaítos de Francisco Bosco (destaco um que trata da opressão chinesa no Tibete, um que punha sob suspeição o texto de Zizek sobe o tema). Por um lado, eu não queria que, nos acenos que por vezes fazemos uns aos outros os ocupantes deste espaço no Segundo Caderno - os que fomos saudados pela ironia do Xexéo quando nossos nomes foram anunciados -, eu tivesse deixado parecer que só me interessei pelo único artigo de Francisco que, meio contra o gosto do autor, saiu fragmentário. Por outro, eu teria a oportunidade de pôr no título um acento grave indicando crase diante de um nome masculino. Claro que eu aproveitaria a ocasião para tirar onda com a cara de alguns possíveis leitores que viessem a pensar que aquele "à" era o jeito certo de grafar a preposição, explicando que não, nada disso, que ali era crase mesmo. E que só se usa crase antes de um nome masculino quando ela é forma abreviada de "à maneira de". Às vezes se escreve "à la Francisco", em francês, o que aumenta a confusão, já que em francês a preposição tem o acento grave. Em português, "à" significa o que em espanhol é "a la" e, em francês, "à la". Uma vez, no blog Obra em Progresso (que acompanhava a feitura do disco "Zii e Zie"), escrevi que, para que meus possíveis leitores tivessem alguma luz sobre como pode ser simples, claro e fácil o uso da crase, bastava entenderem "à" como o feminino de "ao". Vou ao Rio; vou à Bahia. Mas Possenti, o linguista, me deu a honra de postar um comment no nosso blog dizendo (a rigor, com razão) que eu não podia caracterizar como variação de gênero (masculino, feminino, como no título daquele maravilhoso filme de Godard) o que acontece com palavras formadas por uma preposição, já que preposições não conhecem flexão de gênero. Bem, "à" e "ao" são formadas da preposição "a" e do artigo definido, este, respectivamente, em suas formas feminina e masculina. Pareceu-me que, se eu fosse um professor de português, talvez não devesse mesmo dizer a meus alunos que "à" é o feminino de "ao", mas, como estudante dirigindo-se a colegas que tivessem dificuldade de decidir-se sobre pôr ou não o acento indicativo da crase, eu poderia ser informalmente útil. Meu amigo, sentado na carteira ao lado da minha, teria um novo ângulo de abordagem da questão: só escrever "à" nos casos em que, se se tratasse de um substantivo masculino, ele pudesse ou devesse escrever "ao". Penso em como minha amiga Heloisa Chaves deve estar me achando chato com esses erros e consertos.

Falando em ensaítos, gostei muito dos artigos de Elio Gaspari e Demétrio Magnoli (tão diferentes entre si) sobre as confusões do Mercosul no Paraguai. Meus amigos racialistas têm urticária só em ouvir pronunciar o nome de Magnoli (mas respeitam o de Gaspari, que defende cotas e o PROUNI). Bem, eu gosto do livro de Magnoli sobre a questão racial. Eu também sou brasileiro, moreno como vocês. E os de Gaspari sobre a ditadura, claro. Este tem estilo jornalístico, aquele, sociológico. Mesmo em curtos textos de jornal, Demétrio escreve como sociólogo. Gaspari, mesmo no livro, tem o tom vívido, perto da notícia e da manchete, que caracteriza o repórter. Os dois comentários sobre o caso do Paraguai mostram como artigos de jornal podem servir para amadurecer a vida política brasileira, com pinta de influir, cedo ou tarde, nas decisões que possam vir a ser tomadas pelos que chegam ao poder. Peço desculpas por não resumir aqui o que cada um dos textos dizia. Não intuí um planejamento do espaço que comportasse tais resumos. Nem (mais importante) me sinto capaz de fazê-lo agora com a clareza necessária. O leitor que não os leu no papel pode achá-los na internet. Suponho. Já achei artigos na internet apenas dando um google em termos relacionados ao assunto.

Em suma, se este artigo de hoje viesse com o título de "À Francisco", isso não significaria que ele era dedicado ao meu jovem colega, mas que tinha sido escrito à sua maneira - coisa que ficou mais longe do que nunca de acontecer.

Divórcio à marciana - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo  - 08/07


Na era dos vídeos virais e do Facebook, se Tom Cruise insistir em proteger a cientologia pode perder mais que sua 3ª mulher



"Como é que eu posso acreditar em Deus se, na semana passada, minha língua ficou presa na esfera da máquina de escrever elétrica?" (Woody Allen)

Cientologia, a mais rica e controvertida igreja aparecida nos Estados Unidos nos últimos 50 anos, enfrenta, graças a um casamento desfeito, uma crise que pode decidir seu futuro. Ao mover um processo surpresa de divórcio contra o ator e cientologista-mor Tom Cruise, a atriz Katie Holmes jogou a seita na força centrífuga da mídia digital. A cientologia é objeto intermitente de ridículo e também protagonista do maior número de processos legais já movidos por qualquer instituição americana.

A diferença entre Nicole Kidman, a senhora Cruise número 2, que foi defenestrada de surpresa pelo marido em 2001, perdeu o bebê que esperava um mês depois e cujo silêncio sugeria intimidação, e Katie Holmes, a número 3, "auditada" especificamente como candidata a esposa e reprodutora por membros da seita, não é apenas a dificuldade atual de manter a disciplina através de segredos e chantagens. A cientologia tem sofrido deserções de membros importantes que lavam a roupa suja em websites. Uma série produzida por dois bravos repórteres do Tampa Bay Times na Florida, em 2009, expôs confinamento ilegal de apóstatas e uma unidade de inteligência que um documentário alemão compara à temida Stasi, da era comunista. Não é à toa que a Alemanha, com sua memória recente do nazismo e do comunismo, lidera o antagonismo contra a seita na Europa.

O movimento lançado no livro Dianética, em 1950, pelo medíocre autor de ficção científica L. Ron Hubbard - "a ciência revolucionária da mente humana" - , era um sarapatel de cretinices que misturava ficção, anticomunismo e, mais tarde, ensinamentos orientais. Começou como um pacote de autoajuda. Só se institucionalizou como religião em 1953. Hubbard escrevia cartas para o diretor do FBI, J. Edgar Hoover, denunciando supostos comunistas e oferecendo sua Dianética como arma de combate ao socialismo. Mas acabou agressivamente perseguido pelo FBI e passou os últimos seis anos antes da morte, em 1986, fugindo do governo americano.

O foco negativo da mídia no besteirol intergalático pregado por Hubbard se agravou quando seu sucessor, David Miscavige, assumiu o controle da operação que a revista Time chamou numa famosa capa de 1991 de O Culto da Ganância. E, é bom avisar, boa sorte para o jornalista que se aventurar por uma investigação da seita. Richard Behar, autor daquela capa, teve seu histórico de crédito revistado ilegalmente e enfrentou nada menos do que dez advogados e seis detetives particulares despachados pela máfia de David Miscavige, o capo apontado como o melhor amigo de Tom Cruise.

Não há um supermercado mais ativo de crenças religiosas do que os Estados Unidos do pós-guerra. O país produziu uma linhagem de humoristas à altura de seu fervor. De Mark Twain - "Os deuses não oferecem recompensa pelo intelecto" - a H. L. Mencken - "A fé pode ser definida como a crença ilógica na ocorrência do improvável" -, o zelo piedoso encontrou a pena afiada, sem esquecer o clássico personagem Mickey, de Woody Allen, em Hannah e suas Irmãs, que explica a um hare krishna por que precisa experimentar mais uma religião: "O catolicismo para mim foi: morra agora, pague depois".

A atriz Katie Holmes está sendo descrita na mídia americana como uma esposa stepford que fugiu do cativeiro para salvar a filha Suri, de 6 anos, da doutrinação da cientologia, marcada por isolamento social e uma educação muito aquém do currículo básico de escolas. Ex-membros da cúpula da seita revelaram como os dois filhos adotivos de Tom Cruise e Nicole Kidman, Bella, hoje com 19 anos, e Connor, com 17, foram alimentados de informação negativa sobre a mãe por membros da cientologia, em 2001. Muito se especulou sobre que informação obtida de Kidman em sessões gravadas de "auditoria" poderia ser tão embaraçosa para despachar a atriz em silêncio, sem os filhos, de volta para a Austrália.

O segredo e o clima de paranoia descritos em inúmeros depoimentos de pessoas que abandonam a seita - duas deserções recentes foram o pai e a sobrinha do líder David Miscavige - não podem mais ser mantidos na era da internet. Mesmo que use capangas para aparecer de surpresa com câmeras na porta de ex-membros, a cientologia não tem como controlar o fluxo de informação negativa e de denúncias como o uso de trabalho forçado de menores, que já chamou a atenção do FBI.

Um novo livro sobre a cientologia, do roteirista e colaborador da revista New Yorker Lawrence Wright, é esperado para este ano. O livro é baseado no artigo de 24 mil palavras que a New Yorker publicou em fevereiro de 2011, O Apóstata: Paul Haggis contra a Igreja da Cientologia. A reportagem de Wright narrava o desencanto e a repulsa do diretor de Crash e roteirista premiado com o Oscar por Menina de Ouro, que passou 34 anos envolvido com a cientologia. Haggis tem duas filhas lésbicas e, ao cobrar satisfações sobre o apoio financeiro à campanha contra o casamento gay, em 2008, começou a ler as histórias dos ex-membros online e descobriu um mundo de espancamentos, contratos de "1 bilhão de anos" com crianças e campos de "reeducação".

O racha público de Paul Haggis com a cientologia, que o livro de Wright vai trazer de volta, há de aumentar a pressão sobre celebridades que ajudam a manter o fluxo de caixa para a seita de apetite inesgotável. Tom Cruise foi a maior bilheteria do cinema de 2011, numa recuperação extraordinária de sua carreira que, no meio da década passada, havia sido afetada pelo comportamento lunático e a defesa da cientologia. Mas, na era dos vídeos virais e da militância via Facebook, se Cruise tentar proteger a cientologia pode perder mais do que sua terceira mulher.

A maioridade do Real e os próximos 18 anos - PEDRO MALAN


O Estado de S.Paulo - 08/07


Há exatamente uma semana o Real completou os primeiros 18 anos do que espero seja a longa vida de uma moeda que veio para ficar como um dos símbolos do avanço institucional do País. Os brasileiros que tinham 18 anos em 1994 - e, portanto, todos os que estão hoje na faixa dos 36-40 anos - provavelmente não têm nenhuma lembrança pessoal significativa, isto é, vivida, da marcha da insensatez que foi a evolução do processo inflacionário no Brasil pré-Real.

Vale lembrar: no meio século que vai de meados dos anos 40 a meados dos anos 90, o Brasil só teve três anos de inflação inferior a 10% (nos anos 40). Entre 1950 e 1980 a taxa média de inflação foi da ordem de 25%-30% ao ano. Do início dos anos 80 (quando chegou a 100%) até o Real, a taxa média anual foi superior a 600%, passando dos 1.000% em 1989 e chegando a quase 2.500% em 1993. Na literatura econômica há uma palavra para isso: hiperinflação.

Ainda era muito precária, à época, a percepção, que hoje felizmente existe, de que a inflação é um imposto. E o mais injusto de todos, porque incide principalmente sobre os mais pobres. Não é por acaso que os indicadores de concentração de renda e riqueza no Brasil nas últimas décadas - sejam os índices de Gini, sejam as parcelas de renda apropriadas pelo 1% mais rico e pelos 20% mais pobres - mostram que os piores anos de desigualdade na concentração de renda no Brasil foram ao final dos anos 80 e início dos anos 90.

O povo brasileiro entendeu, muito rapidamente, que o controle da inflação propiciado pelo Real era algo que redundava em seu benefício. E hoje a inflação baixa é vista como um objetivo da sociedade e como obrigação de qualquer governo minimamente responsável. Não é um fim em si mesmo, como sempre afirmamos, mas uma condição indispensável para que outros objetivos econômicos e sociais possam ser alcançados. Afinal, com inflação alta, crônica e crescente não há possibilidade alguma de verdadeira inclusão social, tampouco de crescimento sustentado.

O que quero dizer com isso? Que a importância e o significado do Real, que ora atinge sua maioridade, transcende de muito a derrota da hiperinflação em 1994. E que a agenda do Brasil pós-hiperinflação se confundia com a própria agenda do desenvolvimento econômico e social do País, que pôde, sem a zoeira da inflação, começar a alargar seus horizontes e procurar tornar-se um país mais normal, mais previsível, mais confiável, mais competitivo. Um país talvez capaz de crescer de forma sustentada, com inflação sob controle, com maior justiça social, menos pobreza, com as finanças públicas em ordem, infraestrutura decente, melhor educação e maior eficiência nos setores público e privado.

Como sabemos, 18 anos são pouco para a magnitude dessa empreitada. Mas o Brasil não começou com o Real e já havia avançado muito em períodos anteriores, apesar de aparências em contrário. Agora é preciso contemplar os próximos 18 anos. Afinal, 2030 está logo ali adiante, quando os que chegaram à sua maioridade com o Real - como meu filho mais moço - terão dobrada sua idade.

Quem viver até lá acompanhará as tentativas do governo atual, e os labores dos governos que se lhe seguirão, de lidar com as urgências constantemente postas e repostas pelo sempre fugidio "momento presente" - que exigem respostas no curto prazo da parte dos responsáveis por políticas públicas. Respostas que serão tão mais adequadas quanto mais levem em conta objetivos de longo prazo: políticas de Estado, e não apenas do governo de turno; para a próxima geração, e não somente para a próxima eleição.

Como procurou fazer o governo FHC, nessa área de respostas a problemas que precisavam ser encarados com firmeza - e o foram. Exemplos: a resolução de problemas de liquidez e solvência no sistema bancário nacional, privado e público; a reestruturação das dívidas de Estados e municípios então insolventes do ponto de vista fiscal e desde então sem problemas mais sérios nessa área; a Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000, marco de mudança histórica nas finanças públicas brasileiras; o reconhecimento de que as necessidades de investimentos do País (não do governo) superavam de muito a capacidade do setor público e de suas empresas, exigindo mudanças, até mesmo constitucionais, que abrissem espaço ao investimento privado, doméstico e internacional.

É verdade que o ex-presidente Lula nunca reconheceu de público o quanto seu governo se beneficiou desses avanços. Ao contrario, preferiu caracterizá-los como herança maldita, algo que não o engrandece. Mas não importa, a presidente Dilma fez tal reconhecimento de público de maneira muito explícita em mais de uma ocasião, desde seu relevante discurso de posse. Como antes haviam feito importantes ministros de Lula, como Antônio Palocci e Paulo Bernardo.

A propósito, é importante reconhecer que o governo Dilma, à diferença de seu antecessor, que nem sequer tentou (ou porque não quis, ou porque não pôde, ou talvez porque o extraordinário vento a favor que pegou da economia mundial lhe permitiu evitar incorrer em custos políticos domésticos), está procurando enfrentar certas "urgências do gradualismo", para as quais deveria ter apoio de quem pensa no longo prazo, como a mudança do insustentável regime de previdência do setor público e as "inexoráveis" concessões ao setor privado em áreas de infraestrutura, por exemplo. Para não falar nas necessárias resistências do Executivo às insaciáveis demandas de sua vastíssima "base de apoio" por contínua expansão dos gastos públicos no curto, no médio e no longo prazos.

Debates desse tipo são fundamentais quando se olha à frente. Afinal, teremos nada menos que cinco eleições presidenciais nos próximos 18 anos.

Dilma compra retroescavadeiras - FEREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 08/07

No caso deste oitavo pacote, quem compra não é o cidadão, mas o governo. É ele quem se endivida

Como não me cabe fazer a análise técnica da política econômica do governo, limito-me a tecer comentários acerca desta ou daquela medida, quando é o caso.

Esse é o caso do último pacote anunciado por Dilma Rousseff e Guido Mantega, com pompa e circunstância, no Palácio do Planalto. É o oitavo pacote, emergencial como os outros, tentando conter a tendência da economia brasileira à estagnação.

Como disse outro dia, a festa acabou, o banquete que Lula encontrou pronto tratou de usufruir dele politicamente o mais que pôde, distribuindo benesses a torto e a direito, sem se preocupar com o futuro.

Garantiu desse modo a própria popularidade e elegeu Dilma, que recebeu como herança, além de ministros corruptos, o encargo de continuar a festa.

Mas, embora não tivessem percebido, a festa acabara e nenhuma medida havia sido tomada para manter a mesa farta. É que, para isso, seria necessário que o país crescesse e, para crescer, seria preciso investir nos setores estruturais. Sucede que isso não é próprio de governos populistas, uma vez que investimentos, cujos resultados custam a aparecer, não interessam.

Acontece que o processo econômico não obedece à vontade de Lula, pois tem suas próprias leis e exigências. Disso resulta que, esgotado o potencial contido nas medidas do governo anterior, a economia começou a ratear, quase parando. Dilma acordou e começou a produzir pacotes.

Como se sabe, os partidos revolucionários não têm programa de governo, pois acreditam que, como o mal da sociedade é a burguesia, basta eliminá-la para chegar-se à sociedade perfeita.

Os exemplos não faltam. O PT, embora não fosse revolucionário de fato, trouxe deles essa herança e, assim, ao assumir o governo do país, adotou o programa do governo anterior, que havia combatido ferozmente. Mas ficou nisso: esgotadas as possibilidades do programa herdado, não tem o que pôr no lugar, a não ser os pacotes emergenciais que se sucedem.

Outra característica do governo petista, afora não ter programa, e por isso mesmo, é valer-se da propaganda para ganhar a opinião pública. Esse é um recurso muito usado pelos governos populistas, já que, para o povo em geral, quer o pacote dê resultado ou não, fica a notícia de que o governo está trabalhando, resolvendo os problemas.

O PAC é exemplo disso: para o grande público (o eleitor), o governo está "acelerando" o crescimento do país, mas, na realidade, dos R$ 80 bilhões aprovados no Orçamento deste ano, só gastou até agora menos de ¼ dele. Sabem por quê?

Porque lhe falta competência técnica para realizar os projetos. E, se lhe falta, é porque o preenchimento dos cargos executivos não é determinado por critério técnico, mas político. Não por acaso, o governo espantosamente admite que cada ministério pertence a determinado partido, que o usa politicamente.

E, por falar em acaso, foi exatamente agora, a poucos meses das eleições, que Dilma decidiu lançar seu oitavo pacote. Mas não foi só por isso. Foi também porque o pacote anterior, reduzindo os juros para estimular o consumo, não deu certo, porque as famílias já estão demasiado endividadas. Por isso mesmo, no caso deste oitavo pacote, quem compra não é o cidadão, mas o governo. É ele quem se endivida. É que alguém tem que comprar, do contrário o país para.

Aliás, para dizer a verdade, em todos os países, quem mais compra é mesmo o governo; no nosso, também. Daí que me pareceu estranho o modo solene como foi anunciado o pacote, em palácio e com a presença de empresários e prefeitos.

Fiquei sinceramente surpreso ao ouvir da boca do ministro Guido Mantega que o pacote consistia em comprar coisas como retroescavadeiras, tratores, caminhões, ambulâncias, que devem ser compras normais em qualquer governo, por meio de seus ministérios.

Mas quem comprará retroescavadeiras, desta vez, não será o ministro, mas a própria presidente da República. Estranho, não? Devo entender, então, que aquilo que deveria ser um procedimento corriqueiro é agora anunciado como uma extraordinária decisão presidencial. É isso mesmo ou sou eu que estou entendendo mal?

Crescer corrigindo erros - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 08/07


Nos últimos dias duas instituições de pesquisa do governo engrossaram o coro dos que têm alertado sobre a ineficácia do tsunami de medidas oficiais para retomar o crescimento econômico. Pacotes e mais pacotes desembrulhados no Fisco e no BNDES têm recebido em resposta o inverso do pretendido: a previsão inicial de 4,5% para a expansão do PIB em 2012 foi caindo, caindo, e hoje está em 2%. Ainda assim, no governo não são poucos os que rezam para Nossa Senhora dos Aflitos ajudar a alcançar a graça de chegar aí.

Na última edição do Boletim Conjuntura em Foco, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reconhece que as medidas para reaquecer a economia são pontuais, apenas apagam incêndios e não estimulam o investimento. "Estamos perdendo o foco. A política econômica está se transformando num emaranhado de medidas desconexas, pontuais e as estratégias de longo prazo passaram a ficar de lado", criticou o coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Ipea, Roberto Messenberg.

Até por recuar os dados a 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, a Pesquisa Industrial Anual, do IBGE, é ainda mais clara em mostrar que Lula escolheu o caminho errado ao estimular o consumo e abandonar o investimento. De acordo com a pesquisa, os incentivos do governo recuperaram o emprego e a produção industrial no momento seguinte, mas não impulsionaram novos negócios. Como tinham efeito momentâneo, o fôlego dos incentivos murchou e a economia desacelerou.

Dilma Rousseff e Guido Mantega levaram um ano e meio repetindo o erro, não conseguiram sequer o efeito rápido de Lula e só agora descobriram o óbvio: com a medíocre taxa de investimento de 20% do PIB, a economia do País não decola, com ou sem crise. E partiram para o que sabem fazer melhor: atirar a esmo, sem acertar nenhum alvo.

Lula perdeu o rumo e Dilma nem procurou o seu. Ele começou, mas se perdeu no caminho e desistiu das reformas estruturais dirigidas a reduzir o custo Brasil. Ela, nem isso. Assumiu o governo sem plano, sem programa econômico, sem rumo definido para o País. E sua equipe econômica não ajuda: é fraca, repetitiva, não cria alternativas, detecta os problemas, mas se perde numa enxurrada de soluções desarvoradas, ignora que quantidade não é qualidade.

É verdade que Dilma tem se esforçado em reordenar setores prioritários do governo em que Lula tratou de fazer lambanças políticas. Aí vale destacar a despolitização do setor de petróleo, com nomeações técnicas para as diretorias da Petrobrás e da Agência Nacional do Petróleo (ANP). E é nesse setor que o Brasil tem chances mais promissoras de alavancar novos negócios. Mas para isso Dilma precisa enxergar que investimento e ideologia não combinam e que interesses do País não devem receber tratamento ideológico. Foi o que norteou a definição do plano de investimentos na área do pré-sal e que precisa ser revisto, sob pena de atrasar indefinidamente a exploração de petróleo no País. Motivado por um ingênuo, falso e ultrapassado nacionalismo, o governo criou para a Petrobrás uma reserva de mercado de 30% de todos os poços de exploração. Com isso, sobrecarregou a estatal com a exigência de um volume de dinheiro para realizar os investimentos que ela não tem nem terá em futuro próximo. Prova disso foi a recente revisão do seu plano de negócios, que adiou e até cancelou projetos de investimento.

Dilma já aceita a ideia de dividir a construção de refinarias com sócios estrangeiros, mas esbarra no desinteresse geral - ninguém quer investir num negócio, se o preço de venda é congelado pelo governo. O interesse estrangeiro se volta para a exploração no pré-sal. E o interesse nacional, como fica? Com regras de regulação que garantam a remuneração justa do capital do investidor privado e preservem a destinação do lucro para a população é possível, sim, acelerar os investimentos do pré-sal e estimular o crescimento econômico. A próxima rodada de licitações de exploração já poderia contemplar esse novo modelo. Reconhecer e corrigir erros são qualidades em homens públicos.

Jornal de papel - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 08/07

O jornal vai morrer. É a ameaça mais constante dos especialistas. E essa nem é uma profecia nova. Há anos a frase é repetida. Jornais desaparecem em vários países, tiragens diminuem, redações emagrecem. O tempo que o leitor, em média, fica diante de um exemplar encurta. Experiências são feitas para atrair leitores na era da comunicação nervosa, rápida, multicolorida, performática. Mas o que é o jornal? Onde mora seu encanto?

O que é sedutor no jornal é ser ele mesmo e nenhum outro formato de comunicação de ideias, histórias, imagens e notícias. No tempo das muitas mídias, o que precisa ser entendido é que cada um tem um espaço, um jeito, uma personalidade. O pior erro que se pode cometer é um meio negar sua própria natureza e tentar ser outro dos muitos seres que povoam esse mundo, seres que agora se multiplicam.

É intenso o mundo da comunicação de hoje e não permite muitos erros. Trabalha-se num meio mutante e desafiador. Quando surge uma nova mídia, há sempre os que a apresentam como tendência irreversível, modeladora do futuro inevitável e fatal. Depois se descobre que nada é substituído e o novo se agrega ao mesmo conjunto de seres através dos quais nos comunicamos.

O livro vai morrer, dizem os mesmos especialistas que atestam o fim dos jornais. E o livro migra, muda e fica. Parati e para mim. Fica em papel ou em meio digital, como um dia foi pergaminho, papiro. Os livros têm o encantamento eterno que faz, ainda hoje, jovens disputarem concursos literários, pessoas de todas as idades circularem por festivais como a Flip — ou Clip, como diria Veríssimo — e as bienais. Livros forjam pessoas, personalidades e sensações; marcam momentos e etapas da vida.

A biblioteca da exposição “Humanidades” foi formada pela mesma pergunta feita a pessoas de áreas diferentes: que livros influenciaram sua formação? Há pessoas que diante dessa pergunta podem até ficar constrangidas. Há outras que souberam os marcos do caminho da sua própria construção.

Leitora compulsiva de jornais desde a infância, não saberia viver sem eles. Leitora obsessiva de livros, só fiquei sem eles uma única vez na minha vida e foi sob a mira de armas. Na prisão, fui proibida de ler. Fazia parte do tormento. No longo silêncio sem livros, sem jornais, eu lembrava trechos dos livros mais amados. “Diadorim, meu diadorim”. E me sentia liberta.

Migrante por todas as mídias, conheço a força e o jeito de cada uma. Jornal, rádio, televisão, revista, blogs, sites, twitter e tudo o que mais vier. Aqui, neste matutino carioca (O Globo), começou este ano um produto vespertino específico para tablets. E ele é diferente de todas as outras mídias e preenche um vazio que nem se sabia que existia. Isso é que é curioso. A tecnologia de comunicação inventa a estrada e logo surgem produtos novos de comunicação. E tudo que circula é o mesmo e é diferente. É notícia, imagem parada ou em movimento, ideias, reflexões, opiniões.

Sempre aparecem os que garantem que um meio está morrendo, porque o outro nasceu e, na verdade, eles todos convivem. E a mudança continua em ritmo veloz. Quem não se lembra do vaticínio sobre o rádio? Tudo fica e muda. Essa é a natureza da era da comunicação vertiginosa.

Quando criança, eu me sentava ao lado do meu pai assim que o jornal chegava e colhia os suplementos que caíam do seu primeiro olhar, e depois vasculhava as partes centrais já lidas por ele. Lembro desses momentos com ternura. Da leitura conjunta brotavam discussões acaloradas sobre nossas divergências de opinião. Assim cresci.

Sábado passado eu estava mergulhada na leitura dos jornais, quando Mariana, minha neta de seis anos, acomodou-se ao meu lado no sofá, imitando meu jeito de sentar e perguntou:

— E o meu?
— O seu o que?
— O meu jornal!

Dei para ela o Globinho, o Estadinho. Não achei a Folhinha.
A cara dela de satisfação era de derrubar as convicções sobre o fim iminente do jornal. Daniel, meu neto de dois anos, chegou exigindo o seu exemplar de uma forma, digamos, insistente. As páginas terminaram partidas.

Os jornais vão acabar, garantem os especialistas. E, por isso, dizem que é preciso fazer jornal parecer com as outras formas da comunicação mais rápida, eletrônica, digital. Assim, eles morrerão mais rapidamente. Jornal tem seu jeito. É imagem, palavra, informação, ideia, opinião, humor, debate, de uma forma só dele.

Todos os jornais passaram a ter sites onde as notícias se movem o dia inteiro e as imagens em movimento se misturam a fotos. E como todos os sites estão olhando todos os sites, eles vão mudando o dia inteiro. Um copiando o outro. Dias atrás, vi um em que uma notícia começava em português e terminava em espanhol; um ideal há muito sonhado no mundo ibero-americano: a fusão dos dois idiomas.

Nesse tempo tão mutante em que se tuíta para milhares, que retuitam para outros milhares o que foi postado nos blogs, o que está nos sites dos veículos onlines, que chance tem um jornal de papel que traz uma notícia estática, uma foto parada, um infográfico fixo?

Terá mais chance se continuar sendo jornal.

Não tem mais onde furar - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 08/07


O presidente do Uruguai, José Mujica (foto), já vinha denunciando que o Mercosul virou um chiclete. Depois das decisões tomadas na última reunião de cúpula, já não se sabe o que passou a ser.

Reunidos em Mendoza, Argentina, no dia 28, os chefes de Estado de Argentina, Brasil e Uruguai primeiramente suspenderam o quarto sócio, o Paraguai, sob o argumento de que a destituição do então presidente paraguaio, Fernando Lugo, tinha sido "esquisita". Embora não fossem capazes de caracterizá-la como golpe de estado, como queriam, entenderam que ao presidente Lugo não fora concedida oportunidade de defesa - recurso exigido em processos jurídicos, mas não propriamente em movimentos políticos.

Em seguida, a troica assim constituída pela suspensão unilateral do Paraguai - a quem também não foi concedida oportunidade de defesa - optou pela incorporação da Venezuela ao bloco, embora não tenha cumprido previamente nenhuma das exigências previstas pelos tratados. Entendeu ela que a suspensão removeu também o veto do Senado do Paraguai à admissão da Venezuela.

Diante do ocorrido, parece claro que os golpistas - se golpe houve - não foram nem o Congresso nem a Corte Suprema do Paraguai, que convalidaram o impeachment, mas, sim, os dirigentes do Mercosul, que passaram a rasteira no Paraguai, com características de absurdo jurídico.

Dias depois, o próprio chanceler do Uruguai, Luis Almagro, que já havia sido contrariado no episódio pelo próprio presidente José Mujica, veio a público para afirmar que a manobra colocada em prática por 75% da cúpula do Mercosul não tinha validade jurídica.

Dados os desrespeitos aos acordos, o Mercosul já era o que o sambista Adoniran Barbosa chamou de "tauba de tiro ao álvaro", porque "não tem mais onde furar". O Mercosul não consegue ser nem sequer uma área rudimentar de livre comércio. O intercâmbio de mercadorias está bloqueado por travas de todas as categorias. Nessas condições, deixou de ser instrumento de integração econômica e social para ser um pastiche político que toma o formato dos interesses da hora.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, bem que tentou empurrar o fechamento de um acordo do bloco com a China. O governo da Argentina não parece interessado em transformar o Mercosul numa plataforma de compras de produtos industrializados chineses. Mas, contra o interesse dos outros sócios, acha que poderia ter acesso ao baú de dólares da China, caso intermediasse manobras comerciais desse tipo.

A presidente Dilma acaba de assumir a presidência rotativa do Mercosul. Dada sua densidade na participação no bloco, o governo brasileiro bem que poderia liderar um movimento de recondução do Mercosul a seus objetivos originais. O primeiro passo seria aceitar seu rebaixamento da condição que jamais conseguiu ser, para o de uma incipiente área de livre comércio, dotada de um cronograma crível de desenvolvimento, para avançar em vez de continuar se desmantelando.

O problema é que o governo Dilma também não leva o Mercosul a sério. Não o considera mais do que instrumento para o exercício de práticas de boa vizinhança.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 08/07

Aumenta restrição a crédito para produtores de fumo
Em mais uma medida contra o fumo no Brasil, o governo federal aumentou as restrições para acesso a crédito pelos produtores de tabaco.

A ideia é forçar os pequenos agricultores a diversificar a produção, impondo percentuais mínimos de plantação de outros produtos como condição para captar financiamentos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).

Com isso, em dois anos, o governo só fornecerá crédito aos fumicultores que tiverem praticamente metade da renda da lavoura (45%) gerada por outras culturas.

A novidade desagradou ao setor, que classificou a medida como "discriminação" e "preconceito" contra os produtores de tabaco.

De acordo com a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil), a restrição vai atingir cerca de 200 mil famílias que plantam fumo no país.

"Nós não fomos consultados. Em 2005, ainda no governo Lula, a União assumiu um compromisso de não intervir na atividade dos produtores de tabaco. O documento foi assinado por seis ministros e um deles hoje ocupa a presidência da República", disse o secretário-geral da Afubra, Romeu Schneider.

Para permitir acesso ao Pronaf, o governo já exigia que 20% da receita do fumicultor viesse de outra atividade produtiva.

Portaria publicada no Diário Oficial no final de junho estabeleceu um cronograma para a elevação gradual desse percentual, que chegará a 45% na safra 2014/2015.

Plantação Diversificada
Em defesa da redução do auxílio para produtores de fumo, o governo afirma que mantém desde 2005 o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco para auxiliar o pequeno agricultor a diversificar sua produção.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o plano inclui projetos de pesquisa, capacitação e assistência técnica e extensão rural, com investimentos de cerca de R$ 17 milhões.

O Pronaf oferece linhas de crédito com taxas diferenciadas aos pequenos produtores rurais. Os recursos são disponibilizados tanto para o custeio da produção, quanto para investimento.

Para a safra 2012/2013 serão disponibilizados R$ 18 bilhões em crédito, a uma taxa máxima de 4% ao ano.

Lucro Global
O Santander está com uma campanha em jornais no exterior que tem o slogan "Um Banco Global Diversificado".

Um mapa ilustra a distribuição geográfica do lucro no primeiro quadrimestre. Dos dez mercados citados, o maior resultado financeiro é do Brasil, com 27% do total. Atrás dele vêm Reino Unido e México, com 13%, e Espanha (12%). Na lanterna, Portugal teve 1%.

Falta... A alta da inadimplência apareceu com força no pagamento de taxas de condomínio em São Paulo no início deste ano.

...de pagamento Aproximadamente 4% dos boletos em apartamentos residenciais na capital ficaram em aberto por 30 dias ou mais, de janeiro a maio, segundo levantamento da administradora Lello. A alta foi de 22% ante o mesmo período de 2011.

Petróleo armazenado
Com aporte de R$ 50 milhões, a Unibraspe, empresa paranaense de armazenamento de combustível, vai construir uma unidade em Esteio (RS).

Serão doze tanques com capacidade para 40 mil metros cúbicos no total e três oleodutos de 1.500 metros de comprimento cada um.

O centro de armazenagem receberá combustível da Refap, refinaria da Petrobras que fica em Canoas (RS).

Esse é o primeiro empreendimento da empresa fora do Paraná, onde a companhia tem uma unidade em Araucária, região metropolitana de Curitiba, desde 2000.

A Unibraspe também está com planos para o Estado de São Paulo.

A intenção é instalar um um centro de armazenamento em Paulínia.

Esse segundo projeto, ainda em fase inicial, deve demandar cerca de R$ 20 milhões em investimentos.

"Já checamos com a Petrobras e sabemos que há demanda na região", afirma o CEO da companhia, Fernando Noronha.

Encontro de mídia
Executivos das maiores empresas de comunicação reuniram-se em Moscou (Rússia), nesta semana, para discutir temas relativos ao setor na Cúpula Mundial de Mídia.

O segundo encontro internacional, intitulado "Mídia Global: Desafios do Século 21", foi organizado pela Itar-Tass, agência estatal russa de notícias.

Mais de 300 dirigentes representaram 213 veículos, de 102 países, incluindo as principais TVs e agências como Associated Press, BBC, Reuters, NBC, Al Jazeera, Kyodo e a chinesa Xinhua, responsável pela primeira reunião realizada em Pequim, em 2009.

Do Brasil, participaram a Folha e a Empresa Brasileira de Comunicação.

Inexorável da... Na sexta, quando a Gré­cia pedia mais prazo, gregos presentes à Cú­pula Mundial de Mídia, em Moscou, não tinham dúvida.

...Silveira Para eles, deixar o euro é inexorável, palavra usada pela presidente Dilma pa­ra parodiar Nelson Rodrigues.

Com que roupa
Aquarela social
Brasileiros terão tempo para se preparar.

As cores invadiram as coleções de moda masculina apresentadas no final de junho, mas que só chegam às lojas pouco antes da primavera/verão de 2013.

Até marcas de alfaiataria mais clássicas embarcaram. Em especial as da Itália, onde os homens nunca se furtaram a vestir calças de cores fortes.

Salvatore Ferragamo colocou na passarela tons alegres, como na combinação de um verde, com tonalidade pastel fortalecida, com o azul (na foto ao lado).

Tanto Ferragamo quanto Canali apostaram no mesmo tom vibrante de amarelo. Resta ver as escolhas do consumidor masculino brasileiro, em geral, conservador quando se trata de moda.