domingo, janeiro 03, 2016

A construção de um desastre - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 03/01

Recessão econômica é resultado de uma série de ações do governo Dilma – do aumento do crédito ao subsídio à energia elétrica e aos combustíveis



Estamos vivendo uma das recessões mais longas e mais profundas dos últimos 35 anos. O que nem todos perceberam, contudo, é que o País já estava em recessão durante a campanha eleitoral de 2014, enquanto a presidente Dilma Rousseff garantia que vivíamos em um País próspero e florescente, e acusava a oposição de propor um ajuste fiscal que levaria à recessão. Segundo ela, a oposição aumentaria os preços da energia e dos combustíveis, e subiria a taxa de juros para controlar a inflação, favorecendo os banqueiros e tirando a comida do prato dos pobres. Uma vez eleita, foi obrigada a adotar medidas que antes condenara, gerando vertiginosa queda de confiança em si e no seu governo, e colhendo a perda da sua capacidade de governar.

O desastre foi cuidadosamente plantado pelo governo. Durante o seu primeiro mandato a presidente Rousseff buscou estimular o crescimento da economia expandindo artificialmente a demanda pelo aumento do crédito; tentou controlar a inflação ao reduzir as tarifas de energia elétrica e ao subsidiar o preço da gasolina; e abusou de uma política fiscal expansionista. A “teoria” por trás destas ações era de que “a demanda gera a sua própria oferta”, e que através de estímulos tributários direcionados a setores específicos seria possível sustentar o crescimento acelerado do PIB (Produto Interno Bruto). Era isso que os empresários pediam ao governo, e foi isto que o governo lhes proporcionou, ignorando que nem sempre o que é bom para cada empresário individualmente é bom para o País como um todo.

Ao repetir o que já havia ocorrido no governo anterior, deu força ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), continuou a prática de conceder generosos subsídios e empréstimos a empresas com recursos transferidos por fora do orçamento. Ao buscar favorecer a indústria de bens de capital, obrigou a Petrobrás a comprar equipamentos com elevado índice de conteúdo nacional, dando mais um passo na direção de colocar a companhia na precária condição em que se encontra. Ela manteve o crescimento dos gastos públicos como se não houvesse amanhã, em uma forma de angariar apoio entre a população, setores empresariais e o Congresso. O crescimento do PIB não veio, mas foram geradas duas pesadas consequências na economia: o retorno da inflação e um profundo desequilíbrio fiscal.

Crises simultâneas. Vivemos duas crises simultâneas – uma fiscal e outra política –, com os custos de fazer um ajuste fiscal agravando a crise política, cujo aprofundamento dificulta ou mesmo impede o ajuste fiscal.

As sementes da crise fiscal já estavam plantadas bem antes do início da atual crise. Há anos que os gastos primários do governo central vêm crescendo continuamente em relação ao PIB e, por algum tempo, somente foi possível cumprir as metas de superávit primário devido ao crescimento endógeno das receitas, vindo predominantemente da formalização do mercado de trabalho e da “bonança externa”, que permitiu a arrecadação de impostos sobre as importações.

Com a perda dessas fontes de receita restou ao governo conter os gastos e aumentar ainda mais a carga tributária. A dificuldade em elevar receitas e a falta de disposição de controlar os gastos levou aos déficits primários, que causaram o crescimento explosivo da dívida pública.

Entre o fim de 2013 e o fim de 2015 a dívida bruta do setor público passou de 54% para 66% do PIB. Embora entre 2007 e 2015 as transferências aos bancos oficiais por fora do orçamento tenham aumentado a dívida bruta em 10 pontos porcentuais do PIB, mais de 90% deste aumento ocorreu entre 2007 e 2013, sendo incapaz de explicar o salto de 12 pontos porcentuais ocorrido nos dois últimos anos. Este se deve aos déficits primários, que por algum tempo ficaram parcialmente escondidos devido à prática da contabilidade criativa, em franco descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com um governo politicamente fraco e sem qualquer disposição de realizar as reformas que contenham os gastos, o mais provável é que a recessão persista ao lado de déficits primários, levando a dívida pública a superar a marca de 75% do PIB em pouco mais de um ano, continuando a crescer.

Em um quadro como este ocorre o crescimento dos prêmios de risco, sendo uma de suas manifestações a elevação das cotações do CDS brasileiro (sigla para Credit Default Swap, título que funciona como um termômetro de risco de calote de um País), que é seguida da depreciação cambial. Entre 2012 e 2013, o real veio se depreciando aproximadamente na mesma velocidade de depreciação das moedas de outros produtores de commodities.

Mas em 2015 o real se depreciou muito mais do que estas moedas, o que decorre do aumento dos riscos, cuja medida mais visível é a cotação do CDS brasileiro. Não são riscos associados ao balanço de pagamentos, dado que as reservas internacionais são elevadas e que há um forte encolhimento no déficit em contas correntes. São riscos associados ao crescimento explosivo da dívida pública, que precisa ser contido.

Crises como esta sempre levam a um forte ajuste externo e este é o seu único lado positivo. Porém, embora a depreciação cambial favoreça o aumento das exportações líquidas, ela tem sido predominantemente proveniente dos riscos mais elevados, o que reduz os investimentos em capital fixo. Crescem as exportações líquidas devido ao real mais fraco, mas isto não impulsiona o crescimento do PIB, porque caem os investimentos em capital fixo.

Uma das vítimas da depreciação combinada com o excessivo grau de indexação de salários é a inflação. Em 2015, ela está sendo afetada pela correção dos preços administrados, mas a indexação e a depreciação cambial dificultam a sua queda. O temor do Banco Central é de que ocorra uma perda de controle, e por isso sinaliza um aumento da taxa de juros mesmo com a economia em uma profunda recessão. Não tenho dúvidas de que juros mais elevados reduzem a inflação, mas na ausência de superávits primários ocorre, também, uma aceleração no crescimento da dívida bruta, que eleva as cotações do CDS e deprecia o real, dificultando a queda da inflação e exigindo doses mais altas de juros reais, fechando-se um círculo vicioso no qual o que se colhe é uma piora do quadro fiscal e um agravamento da recessão.

Na base de todos estes problemas está um governo politicamente enfraquecido e com um diagnóstico errado sobre os problemas brasileiros. Infelizmente, o Brasil somente voltará a crescer com a inflação sob controle em um novo governo, que execute uma agenda de reformas e que obtenha o necessário apoio político.

Enquanto isto não ocorre é muito provável que a atual recessão não seja apenas uma das mais profundas e mais longas de nossa história, e sim uma depressão, na qual o PIB não consegue crescer após uma forte queda, permanecendo estagnado por um extenso período.

*Sócio-fundador da A. C. Pastore & Associados e ex-presidente do Banco Central

A ponte do PMDB e os swaps do Banco Central - EDMAR BACHA

ESTADÃO - 03/01

Documento econômico divulgado pelo PMDB traz uma crítica às operações conhecidas como swaps cambiais e questiona a autonomia do BC


Chama a atenção no documento “Uma ponte para o futuro”, do PMDB, o ataque às “dispendiosas” operações de swap cambial do Banco Central (BC), “cujo custo para o Estado poderá estar em 2015 na altura de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), agravando o déficit fiscal e o endividamento”. O documento chega a questionar “se é justo que uma instituição não eletiva tenha esse tipo de poder sem nenhum controle institucional... Não podemos deixar de afirmar que a magnitude e o vulto dos efeitos dessas políticas para a sociedade devem nos levar a impor a estas decisões um rito mais republicano e representativo” (página 15 do documento, versão de 29/10/2015).

Vale inicialmente esclarecer que swap cambial é um contrato financeiro entre o BC e os bancos, em que o BC troca o principal e os juros em dólar pelo principal mais os juros em reais. O BC tem ganhos se os juros em reais superam a depreciação cambial. Tem perdas se, como ocorreu em 2014 e 2015, a depreciação supera os juros em reais.
A autonomia operacional do BC realmente parece estar em perigo quando é questionada até mesmo num documento tido como liberal do PMDB. Sugere que as autoridades monetárias têm logo que encontrar uma solução para as perdas geradas pelos swaps cambiais.

O que o BC fez até agora, para responder a essas críticas, foi publicar tabelas que comprovam que as perdas com os swaps cambiais são mais do que compensadas pelos ganhos com a valorização das reservas internacionais. De fato, o valor das reservas internacionais (aproximadamente US$ 370 bilhões) é mais de três vezes superior ao valor da posição do BC em swaps (cerca de US$ 107 bilhões). Por isso, uma depreciação cambial gera uma perda em reais nos swaps que é inferior a um terço do ganho em reais com a valorização das reservas.

Ocorre, entretanto, que a perda com os swaps é computada como um pagamento de juros e aumenta o déficit do governo. Já o ganho com as reservas não abate nem o déficit, nem a dívida bruta do governo. Em consequência, apesar de a depreciação do câmbio em tese gerar um ganho líquido para o erário público, ela aparenta ser-lhe altamente custosa.

O paradoxo tem a ver em parte com o critério de dívida pública adotado pelo governo. Misturando as contas do BC com as do Tesouro, o governo define como dívida pública apenas aquela parcela dos títulos do Tesouro que está em mãos do mercado. Os títulos do Tesouro na carteira no BC não contam como dívida pública a menos que estejam lastreando as chamadas operações compromissadas. Essas operações consistem na venda de títulos pelo BC ao mercado com o compromisso de recompra futura.

A exclusão da chamada carteira livre do BC da dívida pública vai contra as normas do FMI (Fundo Monetário Internacional) e os procedimentos normalmente adotados pelos demais países do mundo – que computam como dívida pública toda a dívida do Tesouro, esteja ela no mercado ou no BC. Mas resulta numa dívida bruta que é 6% do PIB menor do que se o governo brasileiro adotasse o conceito internacionalmente aceito.

Por causa dessa exclusão, uma valorização das reservas internacionais que supere as perdas com os swaps não resulta numa queda da dívida bruta. Pois os ganhos líquidos com a variação cambial são transferidos do BC para o Tesouro que os usa para abater sua dívida preferencialmente com o BC. Como essa dívida não entra no conceito abrasileirado de dívida pública, essa não se move. Mesmo que o Tesouro abatesse dívida no mercado, isso levaria a um aumento da base monetária que seria em seguida enxugado pelo BC, através de operações compromissadas. O aumento de volume das compromissadas compensaria a redução da dívida do Tesouro no mercado e, de novo, a dívida bruta à la brasileira ficaria no mesmo lugar onde antes estava.

Uma solução formal para o problema envolveria o governo adotar a definição internacionalmente aceita para a dívida bruta, ou seja, nela computar toda a dívida do Tesouro, em mãos do BC ou do mercado. Nesse caso, uma depreciação do câmbio levaria a uma redução da dívida bruta. Isso porque, como a perda com os swaps é apenas uma fração do ganho com as reservas, o BC transferiria esses ganhos para o Tesouro abater sua dívida preferencialmente com o próprio BC.

Mas é preciso ir além disso. Trata-se de reconhecer que o BC não produz dólares, apenas faz operações de swap cambial porque tem reservas internacionais. Mas ao fazer os swaps cria a ilusão de que tem o poder de multiplicar as reservas, produzindo substitutos domésticos ao dólar. Desta forma – a um custo financeiro elevado para o Tesouro –, procura evitar desvalorizações cambiais bruscas sem ter de utilizar as reservas internacionais.

Uma solução possível seria tratar os swaps cambiais como uma dedução das reservas internacionais. Isso requereria, por exemplo, que o BC esterilizasse o aumento da base monetária causado por perdas com os swaps com a venda de reservas internacionais e não de compromissadas. A consequência de uma perda com os swaps seria assim uma redução das reservas internacionais e não uma expansão da dívida bruta do governo (no mercado).

Ao tratar os swaps como uma dedução das reservas internacionais, cessa a ilusão de que o BC possa produzir substitutos do dólar. E o BC teria de pensar duas vezes antes de expandir a oferta de swaps. Pois o custo estaria em seu balanço e não no do Tesouro.

Tem razão o PMDB em se preocupar com os swaps. Mas a solução não é retirar a autonomia do BC. Ela reside em regras que separem as contas do Tesouro das do BC, cessem a ilusão de que o BC pode emitir dólares, e mostrem, assim, a realidade dos fatos – inclusive que a dívida bruta é 6% do PIB maior do que o governo reconhece atualmente.

O embuste fiscal - AMIR KHAIR

ESTADÃO - 03/01

Equilíbrio depende de ampliação do debate sobre o ajuste fiscal para além das críticas aos programas sociais e dos ataques a medidas que ampliem despesas


Em um ano o País teve três ministros da Fazenda. O primeiro pouca importância deu à questão fiscal, não se contrapôs aos elevados juros, afundou a Petrobrás ao defender política de conter a inflação às custas da empresa, desonerou a cota patronal das empresas às custas, em boa parte, da Previdência Social e subsidiou as grandes empresas com o aumento do endividamento público via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ele deixou pesada herança fiscal, inflação reprimida artificialmente e início da recessão.

O segundo, indicado pelo presidente do Bradesco, foi escolhido para inverter a política do antecessor e dar um “selo de qualidade” à economia. Ao defender a Selic elevada explodiu a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto)de 58,9% no início do ano para 66,1% ao fim de outubro. O déficit público atingiu seu máximo histórico batendo em 10% do PIB. Ele acelerou, assim, a perda do grau de investimento por duas das três principais agências de classificação de risco. Ele errou ao descuidar dos juros e mirar apenas no déficit primário, que representou apenas 7,5% do déficit público nos últimos 12 meses encerrados em outubro. Ele procurou se livrar do fracasso imputando a culpa ao governo e ao Congresso que não aprovou tudo que queria para melhorar os 7,5%. Outro fiasco.

O terceiro, festejado pelo PT, foi mal recebido pelo mercado financeiro e para ganhar apoio deste mercado omitiu a questão dos juros e prometeu seguir a agenda do antecessor de mais uma reforma da Previdência e da desvinculação da educação e da saúde da receita de impostos. Tem passado ligado à corrente heterodoxa e acredita no estímulo do governo para animar a economia.

Antagonismo. Estão em jogo duas posições antagônicas: a primeira é a favor do combate ao aumento das despesas públicas não financeiras. Leia-se: mais uma reforma da Previdência e redução das despesas com educação e saúde. Neste cenário, os juros têm de ficar elevados para conter a inflação. A outra defende a elevação das despesas públicas e do crédito para estimular a economia e é omissa nas questões relacionadas aos juros.

Ambas as estratégias estão fadadas ao fracasso. A primeira – usada pelo ministro que saiu por não saber enfrentar o desastre fiscal em ascensão – procura jogar o problema para a frente no que foi chamada de reforma estrutural do Estado. Esperar a tal reforma, o que demandaria tempo e dificuldades políticas, só agravaria o problema fiscal corrente. É como estar em um barco que entra água e pode afundar a qualquer momento e ficar apostando em um novo barco no futuro.

Ela defende que a Selic só poderá ser rebaixada depois da inflação voltar ao centro da meta de 4,5%, o que levaria mais de um ano, devido ao elevado nível em que ela se encontra. Análises projetam que, nesSa situação, a relação dívida/PIB explodiria e tornaria impagável os títulos federais em poder do mercado.

A outra estratégia, usada pelo ministro do governo anterior, leva ao fracasso ao desconsiderar a limitação fiscal do governo federal onde qualquer despesa adicional só poderá ocorrer mediante elevação do endividamento, o que agravaria em sequência o rombo fiscal com novas despesas com juros. Com a proposta de elevar o crédito sem considerar as elevadas taxas de juros ao tomador, o nível de inadimplência, a dívida familiar e o desemprego em ascensão, empurra ladeira abaixo o consumo pela reação dos consumidores.

É preciso conquistar o equilíbrio fiscal como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal, com atenção especial às despesas com juros. Até outubro deste ano, os juros atingiram R$ 426 bilhões. O valor é maior que toda a despesa da Previdência Social de R$ 350 bilhões; equivale a 2,3 vezes a despesa de pessoal e encargos do governo federal e pode alcançar neste ano R$ 600 bilhões ou 10% do PIB.

Todo o esforço fiscal pretendido pelo governo no orçamento para 2016 é de R$ 24 bilhões. É lamentável o embuste que representa a discussão sem fim desse malfadado ajuste fiscal. O mercado financeiro lidera esse embuste. Para fugir da crítica e do debate sobre os juros, analistas deste mercado têm procurado desviar a questão fiscal para golpear as despesas sociais como sendo o vilão do problema fiscal.

Que em 2016 o governo, seja ele qual for, enfrente para valer o déficit fiscal: reduza a taxa Selic ao nível da inflação, venda o excesso de US$ 200 bilhões de reservas internacionais para reduzir a dívida bruta e os juros do custo de carregamento destas reservas e, com a economia gerada, estimule a economia. Fora dessas medidas, não vejo saída para esta crise. Saio de férias com o desejo de um 2016 bem melhor que 2015.

*Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

A volta da nova matriz econômica - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO - 03/01

Apesar dos esforços do governo em tentar recuperar a confiança, 2016 ainda será marcado por recessão e por forte piora no desempenho econômico



Conforme era esperado, Joaquim Levy deixou o Ministério da Fazenda em dezembro, sendo substituído por Nelson Barbosa, até então ministro do Planejamento.

O grande legado de Levy foi mostrar que o País não sairá do buraco em que fomos metidos sem uma boa consolidação fiscal, que consiga alterar a atual tendência de elevação descontrolada da dívida pública. Entenda-se por consolidação fiscal um esforço efetivo de controle e redução de gastos correntes do governo, um mínimo de redução do tamanho do Estado, um enfrentamento dos desequilíbrios que se avolumaram (como o da Previdência), por meio de reformas e a retomada das concessões em bases menos ideológicas e mais sustentáveis. “Quebra galhos e band-aids” não resolvem nada.

Apesar do esforço do novo ministro para ganhar a confiança dos mercados, acredito que teremos mesmo uma recaída heterodoxa (talvez sem a arrogância de um Arno Augustin), voltando à política de expansão do gasto e do crédito públicos.

Existem algumas razões para essa expectativa. Em primeiro lugar, a presidente Dilma Rousseff, assim como o pessoal da escola onde ela estudou, acredita que um alívio fiscal e a volta do gasto farão o crescimento acontecer. Mais do que isso, a experiência dos últimos cinco anos mostra à sociedade que a chefe do governo não muda um milímetro de suas ideias, mesmo frente aos maiores fiascos. Basta pensar na Petrobrás e no desmonte das fontes de crescimento econômico, bem antes da posse de Levy.

Além disso, é importante ter em mente que a única – repito única – agenda do governo hoje é interromper o processo de impeachment. Para isso, ele precisa de apoio da esquerda e da base, inclusive de certos governadores. Ora, a esquerda sempre colocou a saída de Levy e a volta do gasto como pré-condição para apoio. Não será agora, depois de ganharem a primeira parada, que esses grupos darão alívio ao Executivo.

A terceira razão para a volta da heterodoxia é a pressão de parte da base política, especialmente aquela que responde ao comando de certos governadores. Aqui, o caso do Rio de Janeiro é exemplar: o Estado é grande e vive uma crise financeira sem precedentes. A derrocada da Petrobrás e a importância da cadeia do petróleo no Estado estão tendo grande impacto na região. Os problemas nos estaleiros apontam na mesma direção, bem como a situação da construção civil. Além disso, as obras da Olimpíada estão chegando ao fim, o que deve desempregar mais de 100 mil pessoas. O resultado é uma forte queda no fluxo dos royalties do petróleo (que já foram antecipados quando os preços estavam elevados, o que cria um buraco nas finanças) e na arrecadação, piorando a situação. Finalmente, o Estado já sacou mais de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais. Conclusão: apenas a liberação de créditos e de recursos do governo federal, em boa quantidade, pode permitir o pagamento de salários e de outras despesas urgentes. Daí o empenho do suporte fluminense ao executivo. Este quadro se repete em vários outros Estados, como Alagoas e Maranhão.

É preciso um bocado de fé para imaginar que a troca de comando do Ministério da Fazenda não irá alterar o esforço de ajuste fiscal. Isso nos remete a uma segunda questão: o que esperar para 2016?

Recessão. Existe aqui uma grande dificuldade: se projetarmos as tendências recentes, o ano de 2016 será ainda de recessão e de forte piora no desempenho econômico, dado que o governo derrete em todas as áreas.

O Relatório Focus, de 18 de dezembro, estima uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,8%, da Produção Industrial de 3,4%, um crescimento da dívida líquida no setor público de 35% neste ano, para 40%, um dólar de R$ 4,20 e uma inflação de 6,9%. Como argumentei, a mudança de ministro não vai alterar em muito esses números. O primeiro semestre de 2016 será, certamente, muito ruim. Simplesmente, não há mais tempo para qualquer mudança e, aqui na MB, projetamos uma taxa de desemprego próxima de 12% no fim de junho.

Apenas uma mudança de governo pode alterar essa projeção, uma vez que, neste caso, as expectativas seriam francamente ajustadas do lado positivo, reduzindo a pressão no câmbio e na inflação. Os juros poderiam até cair e o último trimestre do ano poderia ser muito mais positivo, especialmente para a indústria. Uma nova agenda traria de volta o investimento. Pessoalmente, acredito que a recessão, o desemprego, a pressão da sociedade e a Operação Lava Jato levarão a este desfecho.

Acho extraordinário que boa parte da heterodoxia, que foi responsável pelo maior fiasco macro e microeconômico dos últimos tempos, não tenha aprendido nada. A queda do ministro Levy não vai trazer o paraíso de volta, até porque ele nunca existiu além da propaganda.

*Sócio da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

A vez dos governadores - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 03/01

Se em 2015 os brasileiros sofreram na pele os efeitos da caótica deterioração das contas do governo federal, em 2016 será a vez da população dos Estados, principalmente a que precisa de serviços públicos para seguir vivendo. Para alguns governadores a tragédia não demorou, chegou em 2015 mesmo e atingiu com força Estados ricos, como Rio Grande do Sul (deixou de pagar a dívida com o governo central e atrasou salários dos servidores) e Rio de Janeiro (a saúde entrou em colapso, com hospitais fechados, médicos em greve e doentes morrendo na porta sem atendimento). A aflição e o medo do que vem em 2016 levou governadores a se reunirem há dias em Brasília e pedir socorro financeiro ao governo federal. Foram muitos os apelos e a maioria pede permissão para dar calote (na União) ou ampliar suas dívidas. Como de praxe, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não garantiu nada e formalmente prometeu estudar as propostas.

É aquela tragédia do roto pedindo esmola ao esfarrapado. Cofre vazio, sem grau de investimento que lhe garanta crédito barato, arrecadação de impostos desabando, o governo federal não dá conta de pagar o essencial de suas obrigações; como abrir mão do dinheiro que pinga todo mês com o pagamento das dívidas dos Estados? A penúria começa agora a se alastrar pelos Estados e cidades, com a agravante de que governadores e prefeitos lidam diretamente com a provisão de serviços públicos (educação, saúde, transportes, segurança, saneamento) e o sofrimento mais amargo recai sobre a população pobre que deles precisa. E não se engane, caro leitor: a situação vai piorar, porque em ano de eleição, como este, a prioridade deles será destinar verbas para obras faraônicas e gastos de campanha eleitoral. As carências urgentes da população vão esperar mais tempo, talvez até quando a economia e a receita tributária melhorarem.

O diabo é que os políticos brasileiros presidentes, governadores, prefeitos já assumem o cargo pensando na próxima eleição. Obras são as de maior visibilidade eleitoral, não as de necessidade. Alianças políticas multiplicam a contratação de apadrinhados ou concentram investimentos em paróquias eleitorais do aliado, deixando a maioria da população desassistida. Usada e abusada neste governo do PT, a Petrobrás construiu praças públicas, monumentos e ruas em cidades inauguradas com festa estridente pelo prefeito petista amigo. E agora essa romaria de governadores de pires na mão a Brasília não vai resultar em medidas de alívio para todos, mas em agrados e mimos do governo Dilma a governadores e prefeitos amigos. Como acaba de ocorrer com o governador Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro.

Ao planeja recalcular gastos em suas gestões, governadores e prefeitos elegem operações de somar e multiplicar e desprezam as de subtrair e dividir. Preparam-se para cenários de bonança e saem por aí gastando. Quando chega a tempestade, eles culpam outros. Ora é a crise internacional, ora a recessão ou a queda da receita com tributos, nunca é a falta de planejamento para enfrentar situações adversas previsíveis. Pezão esticou a corda o quanto pôde e quando a corda arrebentou o caos na saúde se instalou: hospitais fechados, médicos em greve, professores da UERJ também em greve, há meses. Aí ele passou a culpar o efeito da queda do preço do petróleo na arrecadação. Só que a cotação do petróleo desaba desde 2013,não se trata de situação inesperada, muito menos emergencial; ele teve dois anos para economizar dinheiro, fazer provisões. Mas como havia uma eleição em 2014, fez o oposto. Como fez Dilma Rousseff em dimensões até maiores e intensas. Pezão não fez pedaladas fiscais, mas escondeu a deficitária situação financeira do Estado e só a revelou em 2015, com a eleição ganha. Como Dilma.

O ano de 2016 será muito difícil para os brasileiros, talvez pior do que foi 2015, porque parte de uma base comparativa baixa. Cálculos do PIB indicam que nesses dois anos de recessão o Brasil e sua população vão perder mais de R$ 350 bilhões em riqueza, renda, empregos, conforto, bem-estar e felicidade. Não é pouca coisa.

O público e o privado - MARCOS LISBOA e ZEINA LATIF

ESTADÃO - 03/01

Governo deve abandonar tradicionais políticas de proteção setorial e priorizar reformas para aumentar a concorrência e a produtividade no Brasil



Em seu discurso de posse, o então ministro Joaquim Levy resgatou Raymundo Faoro e o seu diagnóstico sobre o Estado patrimonialista, no qual o setor público coordena parte relevante das decisões de investimento, interfere discricionariamente na economia e concede benefícios a empresas selecionadas. Em uma economia de mercado, porém, as empresas devem sobreviver por serem mais produtivas, não pelo acesso privilegiado ao Executivo.

Pode-se argumentar que esse diagnóstico seja mais de intensidade, afinal existem exemplos de políticas discricionárias em todos os países. No Brasil, porém, a excessiva sensibilidade do governo aos grupos de interesse resulta na profusão de regimes especiais, na complexidade do ambiente de negócios, decorrente da multiplicidade de exceções, e no baixo crescimento da produtividade, resultado da proteção a empresas ineficientes.

Na década de 1970, na sequência da crise do petróleo, o governo Geisel procurou preservar o crescimento dos anos anteriores expandindo os benefícios e as proteções ao setor produtivo. O resultado foi o progressivo desequilíbrio da economia que, em conjunto com um cenário externo desfavorável, resultou na maior recessão do século, seguida de uma década de baixo crescimento, aumento da inflação e piora da desigualdade de renda.

A crise dos anos 1980 foi superada com uma longa agenda de reformas: abertura comercial, estabilização da economia, privatizações, desenvolvimento dos mercados de crédito e de capitais e fortalecimento de agências do governo, do Banco Central ao embrião de agências reguladoras. Essa agenda e um cenário externo favorável permitiram maior crescimento econômico na década de 2000.

O fracasso dos anos 1980, no entanto, foi de pouca valia. Em 2009, retomou-se a agenda patrimonialista. O crédito subsidiado do BNDES passou de 5,8%, em 2007, a 11,6% do PIB, em 2014, e os benefícios fiscais atingiram quase 5% do PIB, ante menos de 2% em 2003. Medidas de proteção à produção e conteúdo nacional foram adotadas.

Benefícios setoriais foram concedidos sem a contrapartida de metas de desempenho e pouca transparência sobre os seus impactos. As políticas de proteção prejudicaram os setores à frente na cadeia produtiva, obrigados a comprar insumos e bens de capital ineficientes, o que reduziu sua produtividade. A desoneração tributária e os créditos subsidiados agravaram a deterioração fiscal e resultaram na combinação de recessão prolongada com inflação elevada.

Apesar do discurso de posse do ex-ministro Levy, pouco se avançou nas reformas. Reduziu-se marginalmente a concessão de benefícios, porém a estrutura de proteções permaneceu intacta. Ao menos, conseguiu-se evitar as demandas por novos privilégios, um avanço tendo em vista as pressões recentes, como no caso da siderurgia ou da indústria automobilística.

Alguns sábios, com argumentos de ocasião, que negam ter apoiado a política econômica dos últimos anos, atribuem os problemas à crise externa e à incompetência da gestão, e defendem, mais uma vez, que o poder público seja sensível aos interesses oportunistas. Curiosamente, muitos desses sábios criticaram o foco nas políticas sociais que resultou no Bolsa Família e custa 0,5% do PIB.

O desafio do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é maior do que foi o de Levy. A deterioração da economia e a escolha da equipe aumenta a incerteza sobre os ajustes necessários. Esperemos que a substituição não decorra das demandas pela expansão das políticas de proteção setorial ou de novas renegociações das dívidas dos governos locais. A sensibilidade aos grupos de interesse – do setor privado e das corporações públicas – resultou na grave recessão que se iniciou em 2014. Medidas oportunistas, como a utilização de depósitos judiciais para financiar gastos públicos, apenas adiam a hora de enfrentar os problemas fiscais, agravando-os. Alguns Estados chegam ao extremo de utilizar depósitos decorrentes de ações entre partes privadas. A recusa em enfrentar reformas necessárias, entre elas a da Previdência e da gestão pública, colaborou com a crise fiscal.

Na ausência de medidas que interrompam a trajetória de aumento dos gastos públicos acima da renda nacional, o desequilíbrio crescente resultará em mais inflação, ou, pior ainda, na moratória da dívida pública e uma crise ainda mais grave, com o retrocesso dos ganhos sociais da década passada.

A superação da crise requer reformas que estimulem a concorrência e os ganhos de produtividade, por meio de melhoras no chão de fábrica; e da redução da burocracia, em vez dos benefícios concedidos pelo governo.

Existe relativo consenso técnico sobre as reformas tributárias, de comércio exterior e da previdência e assistência social, cujos princípios deveriam convergir para os observados nos principais países da OCDE. A revisão dos programas públicos deveria preservar as políticas universais, como saúde e educação, e as que protegem as famílias mais vulneráveis, ao rever ou mesmo extinguir as ineficazes ou que beneficiam os grupos com maior renda.

Políticas de proteção setorial devem ser adotadas apenas nos casos em que exista evidência de que os ganhos sociais superam o seu custo de oportunidade, com metas de desempenho, avaliações periódicas de resultados e prazo para a sua extinção – seja porque foram eficazes e não mais são necessárias, seja porque fracassaram.

Além disso, é preciso aperfeiçoar a governança e o controle democrático das instituições que se beneficiam de recursos arrecadados da sociedade, como empresas públicas e seus fundos de pensão, FGTS, Sistema S, FAT, sindicatos patronais e de trabalhadores. Os sindicatos, por exemplo, deveriam ter balanços auditados por instituições independentes. A relação entre o poder público e o setor privado deveria se limitar a audiências públicas ou a reuniões com atas públicas.

Uma política econômica sensível aos grupos de interesse, em detrimento do benefício público, resultará no agravamento da crise. Marx complementou Hegel ao afirmar que os fatos da história e suas personagens ocorrem, por assim dizer, duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Esqueceu que a farsa pode ser igualmente trágica.

*Presidente do Insper e economista-chefe da XP Investimentos

Olhando para trás - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 03/01

Esta é a primeira coluna do ano. Momento ideal para conferir o cenário que traçamos para 2015.

Esperava que o crescimento em 2015 fosse de 0,5% e que a inflação ficaria em 6,7%, em função do ajustamento dos preços administrados em 9% e de um câmbio de final de período de R$ 2,8.

A inflação será de 10,7%. O erro não foi de modelo, mas sim de premissas empregadas para gerar a projeção. O câmbio deve fechar o ano em R$ 4, e não em R$ 2,8, como se imaginava; e a inflação dos administrados será de 18%, e não os 9% projetados.

O erro de oito pontos percentuais (pp) na inflação de preços administrados adiciona 2,0 pp na inflação do ano, visto que estes preços respondem por pouco menos de 25% do índice.

O erro no câmbio de 43% (R$ 1,2 adicional, em relação a R$ 2,8) acrescenta 2,6 pp na inflação, se o repasse for de 6% - isto é, cada 10% de desvalorização do câmbio representar 0,6 pp a mais na inflação.

Se tivesse acertado as premissas com relação ao câmbio e à inflação de administrados, teria projetado em dezembro de 2014 que a inflação de 2015 seria de 11,3%: resultado da soma da projeção de 6,7% com os 4,6 pp do erro nas premissas (2,0+2,6). A inflação de fato em 2015 será de 10,7%, o que significa que os modelos com as premissas corretas resultaram em inflação 0,8 pp maior do que a observada.

A inflação 0,8 pp abaixo do que seria esperado (com as premissas corretas) deriva da menor pressão inflacionária em função da atividade, que foi 4,1 pp pior do que o imaginado (recuo de 3,6%, ante projeção, em dezembro de 2014, de crescimento de 0,5%).

Na verdade, uma atividade tão ruim e tão abaixo do projetado deveria ter levado a inflação mais para baixo do que a diferença de apenas 0,8 pp entre a realidade e o modelo alimentado com as premissas corretas de câmbio e preços administrados. Isto significa que o processo inflacionário em 2015, mesmo considerando o salto pela grande desvalorização cambial e pela enorme inflação corretiva, já adquiriu uma inércia extremamente forte. Será difícil trazer a inflação novamente para a meta de 4,5%.

O erro na atividade de 4,1 pp deveu-se a não se ter projetado piora tão acentuada da confiança da indústria, dos serviços e dos consumidores. Uma pessoa olhando para frente em dezembro de 2014, se soubesse que a confiança cairia como de fato caiu, conseguiria prever a fortíssima queda da atividade.

O recuo não previsto da confiança foi causado por não se ter antevisto a piora política, que tem três causas: os efeitos da operação Lava Jato sobre o mundo da política; o estelionato eleitoral muito profundo, que minou as condições para que a sociedade aceitasse o ajuste das contas públicas; e o clima demasiadamente aguerrido da campanha eleitoral, que envenenou o ambiente político, não deixando espaço para a cooperação entre governo e oposição.

A única defesa que tenho contra tantos erros é que em dezembro de 2014 escrevi: "Uma das hipóteses para esse cenário é que a política fiscal melhore muito e tenhamos um superavit recorrente das contas públicas mais próximo de 1% do PIB. (...) O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção. Na falta de um dos dois, não me atrevo a desenhar o que virá pela frente".

Semana próxima apresento meus prognósticos para 2016. Espero errar tanto quanto errei sobre 2015, somente que na direção contrária!

Recessão bate governo de 7 a 1 - DAVID KUPFER

ESTADÃO - 03/01

Passividade do governo em relação à crise lembra a da comissão técnica da seleção brasileira na lendária derrota do Brasil para a Alemanha, na Copa de 2014


O famigerado 7 x 1 que a Alemanha impôs ao Brasil na semifinal da Copa do Mundo do já longínquo ano de 2014 marcou não somente pela goleada, mas também pela passividade da comissão técnica da seleção brasileira, que assistia àquela chuva de gols sem tomar qualquer atitude. Pois o mesmo vem ocorrendo com a economia brasileira nesse ano de 2015 que, felizmente, acabou de ser deixado para trás.

É raro na história brasileira o PIB cair 3,5% em um ano. Pior, as expectativas para 2016 também convergem para um novo tombo que, em se confirmando, significará um recorde negativo quase secular, dado que o Brasil não enfrenta dois anos seguidos de retração desde o biênio posterior à crise de 1929.

Porém, mais do que a sucessão de números desastrosos, o que mais chama a atenção em um balanço do desempenho da economia em 2015 é a apatia com que a política econômica foi conduzida ao longo de todo o período.

Vista da perspectiva de um final de jogo, a política econômica de 2015 foi incompreensível. Parece que todas as decisões foram condicionadas por uma tentativa desesperada de evitar a perda do grau de investimento pelo País ou, talvez, por esforços, nesse caso desesperançados, visando induzir os agentes a precificar essa perda de forma gradual, evitando-se um grande choque em uma economia já combalida. Se essa era a missão principal de Joaquim Levy, explica-se a mudança do treinador, quer dizer, do ministro da Fazenda. Esse jogo terminou com uma derrota fragorosa.

A diferença é que enquanto no futebol o jogo tem duração determinada, na economia ele se repete indefinidamente. A partir de 2011, com base em um diagnóstico equivocado, que superestimou o sucesso da saída da crise global em “V” e subestimou a dificuldade de adaptação da economia nacional ao novo quadro da economia mundial, desenhou-se uma política econômica como se houvesse uma capacidade inesgotável de financiar medidas anticíclicas.

Contudo, a dinâmica fiscal brasileira é extremamente vulnerável ao ciclo econômico. Isso ocorre devido tanto ao comportamento da receita, posto que essa é muito apoiada em impostos sobre produtos, quanto da despesa, dado que essa é, em grande parte, inflexível. Historicamente, a correção do desequilíbrio fiscal que acompanha os momentos de retração econômica sempre demandou soluções que envolveram alguma forma de ampliação da carga tributária. Como hoje prevalece o entendimento social de que essa carga já atingiu o limite do suportável, o compasso de espera, que já consumiu o ano de 2015, expressa a contagem do tempo necessário para que a sociedade se convença de que não há outra opção.

O grande problema é que, no plano substantivo, muito mais do que o reequilíbrio fiscal, pura e simplesmente, a saída da recessão passa pela recuperação da produção industrial.

Indústria. É bom que se diga que isso é assim não porque a indústria seja um setor eleito, mas porque é ela que reúne as atividades produtivas com maior poder multiplicador da renda. No entanto, a indústria brasileira está em um processo latente de crise desde 2007, pelo menos. Esse resultado não poderia ser diferente haja vista a política macroeconômica hostil para a indústria que predominou nos últimos 20 anos, que teve doses elevadas de valorização cambial, manutenção de juros altos e de alta dos custos sistêmicos (tributação, infraestrutura, custos salariais etc.)

Os efeitos cumulativos de longo prazo trazidos por essa combinação de tendências provocaram um hiato crescente de competitividade que, por sua vez, reduziu o ritmo de investimentos e quebrou o principal circuito que impulsiona o progresso técnico da indústria, que é a construção de novas fábricas. Daí sobreveio a defasagem de inovação, que explica a estagnação da produtividade da indústria.

Embora rudimentar, o seguinte exercício busca dimensionar o crescimento do hiato de competitividade. Em 2006, quando a trajetória de perda de competitividade industrial tornou-se nítida, as exportações brasileiras de manufaturados (exclusive derivados de petróleo) foram de US$ 87 bilhões, contra exportações mundiais de US$ 8,607 trilhões, correspondendo, portanto, a uma participação de 1,01%. Em 2014, esses números evoluíram para US$ 101,3 bilhões e 12,954 trilhões, respectivamente, reduzindo a fatia do País para 0,78%.

Se o Brasil tivesse conseguido manter a participação de 2006, as exportações em 2014 poderiam ter sido US$ 29,6 bilhões superiores ao efetivamente verificado. Quer dizer, o hiato de competitividade em relação a 2006 “roubou” da indústria brasileira cerca de R$ 120 bilhões (pela taxa de câmbio atual de cerca de R$ 4).

Quanto desse valor será recuperado tão somente com a desvalorização cambial o tempo dirá. Mas há razões para se acreditar que não será a maior parcela. A recomposição da competitividade estrutural requer a realização de investimentos, a modernização do parque industrial, a mudança na pauta de produção, enfim, todo um processo a percorrer para quebrar o círculo vicioso acima mencionado. Claro que isso vai exigir tempo e apoio da política econômica.

A troca de um ministro da Fazenda por outro que também exibe perfil eminentemente técnico, e mesmo que ademais detenha maior conhecimento do que é o mundo da produção, dificilmente trará mudanças significativas na essência da política econômica de curto prazo.

Isso simplesmente porque há muito pouco espaço para alternativas a um grande esforço fiscal e a um enfrentamento duro da inflação. Resta, então, esperar que a supressão da esquizofrenia que marcou a política econômica em 2015 possa melhorar o canal da previsibilidade e assim contribuir para recolocar a economia em movimento.

A sombra que ficou - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 03/01

Uma sombra vai continuar pairando sobre o governo Dilma Rousseff este ano: o fantasma das pedaladas fiscais. Elas foram argumento para embasar o processo de impeachment e, por isso, o governo fez tudo para pagar integralmente as dívidas com os bancos públicos na última quarta-feira, mas, ao fazer isso, confirmou as acusações que pesam sobre a presidente.

O pagamento das pedaladas foi feito pelo Ministério da Fazenda como se passasse uma borracha sobre um fato incômodo. As marcas ficaram. Na própria nota do Ministério está dito que aquela montanha de R$ 72,4 bilhões seria paga porque eram “débitos da União junto a estas instituições”. Com isso, o governo derrubou sua própria defesa. O governo disse, e o relator está repetindo para tentar aprovar as contas de 2014, que as dívidas não eram dívidas. Eram um inocente resultado negativo previsto em contrato.

Se atrasar um pagamento de R$ 72 bilhões por um ano não for considerado uma operação de crédito, fica difícil saber o que mais será. O pagamento do Tesouro na última hora aos bancos públicos e ao Fundo de Garantia foi praticamente uma confissão de culpa. A dívida com Banco do Brasil, FGTS, BNDES e Caixa foi crescente no governo Dilma. A dimensão da conta derruba também a tese de que houve o mesmo nos governos Fernando Henrique e Lula.

O governo não tinha alternativa a não ser pagar, porque do contrário seria o segundo ano a terminar com essa dívida pendente. Poderia ser entendido como crime continuado de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. A mudança quantitativa gerou o salto qualitativo. O que era um simples atraso contratual virou operação de crédito.

No dia 31 de dezembro de 2014, o Tesouro devia cerca de R$ 18,6 bilhões ao FGTS; R$ 20,2 bi ao BNDES; R$ 10,9 bi ao Banco do Brasil. Com a Caixa, ainda havia um débito de R$ 882 milhões. Ao longo do ano, a maior parte da dívida com a Caixa, que chegou a R$ 6 bilhões, já havia sido quitada. Sobre todo esse passivo foi incorporada a atualização monetária. Assim se chegou a R$ 72,4 bilhões. Tudo isso foi pago quarta-feira. Débitos feitos em 2014, carregados por todo 2015 e quitados no último dia útil do ano. Instituições estatais de crédito financiaram o seu controlador. Isso é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não cabe mais a discussão se é ou não operação de crédito. Eles mesmos o disseram.

O que interessa aqui é que houve violação da LRF, lei que consolidou a estabilidade monetária, estabelecendo travas para impedir o retorno ao passado hiperinflacionário. A decisão do impeachment é política e cabe aos deputados e senadores decidir se esse descumprimento da lei é o suficiente para a interrupção de um mandato presidencial. Do ponto de vista fiscal e orçamentário, contudo, o governo Dilma desrespeitou a lei.

A nota da Secretaria do Tesouro detalha a dívida com cada ente estatal, chegando a R$ 50,7 bilhões. As atualizações monetárias atingiram quase R$ 5 bilhões. A isso se somam as obrigações acumuladas durante 2015 e chega-se à cifra de R$ 72,4 bilhões.

A conta única é um colchão formado para rolar a dívida em momento de dificuldade. Não pode ser usada para pagar despesa corrente, segundo garantem os técnicos em questões fiscais. Dela foram tirados R$ 70,9 bilhões. Tudo foi pago com títulos já emitidos ou com recursos da conta única. Parte ficará na conta do déficit alargado de 2015 e parte em “espaço fiscal pré-existente”. Parece neopedalada. Além disso, permanecerá o debate sobre se o pagamento, mesmo se for tudo considerado fiscalmente correto, terá apagado retroativamente o crime cometido.

A ideia da lei era de que um governante não terminasse seu mandato com dívidas pendentes para o seu sucessor. O governo pode então argumentar que Dilma é sua própria sucessora e, portanto, não há descontinuidade. Mas aí ficará configurado que é um mesmo governo e o que ela fez em 2014 pode ser cobrado do mandato que ela assumiu em 2015.

Dilma se enrolaria se não pagasse, mas se enrolou também ao pagar. Não havia saída fácil para o labirinto no qual entrou quando decidiu que a esperteza dos truques revogaria as regras da contabilidade. Há muitas dúvidas no ar que ela terá que responder ao longo deste ano que começa.

A Turquia que preocupa - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 03/01

Indivíduos autocráticos no poder em democracias, que os obriga a disputar eleições, desencadeiam violência institucional, mentira e medo. Foi o caso da eleição presidencial no Brasil em 2014. O mesmo na Argentina e na Venezuela (semiditadura). Não poderia ser diferente na Turquia. Erdogan perdera representação parlamentar. Como o regime é parlamentarista, o presidente quis fortalecer-se tomando poderes do 1º ministro e modificando a Constituição em pontos sensíveis, tais como a reeleição pela 3ª vez, maior controle sobre as Forças Armadas e introdução de normas islâmicas no governo e nas leis, pois, desde Kemal Atatürk, o idealizador da Turquia moderna, os partidos são civis, o Estado é laico, há direitos e garantias individuais, liberdade religiosa e separação entre o Estado e a Igreja.

Os "jovens turcos" surgiram após a derrocada do Império Otomano, na 1ª Guerra Mundial, aliado da Alemanha. No confuso período após a rendição do sultanato, jovens militares empolgaram o poder e o povo com a proposta de tornar a Turquia um país progressista semelhante às democracias europeias, contra o poder descontrolado dos sultões, chefes de Estado e da religião islâmica (no caso, sunita).

A figura mais proeminente do movimento era o culto oficial que entrou para a história como o "fundador" de um novo país, daí o apelido Atatürk (pai dos turcos). Com larga visão, repeliu, mediante combates militares e negociações, a desocupação do país em troca do império, de resto já perdido, e de um futuro democrático; converteu o alfabeto turco, cuja língua é do ramo amarelo, parecido com o mongol, para o alfabeto ocidental. Abriu universidades no modelo ocidental (a Turquia hoje tem 178 universidades), instituiu o voto secreto e universal, inclusive para as mulheres e o Estado laico com o mesmo rigor da França.

Adaptou o direito turco aos códigos do Ocidente, modernizou a economia, criando novo empresariado e as Forças Armadas, expurgando-as do oficialato islâmico. Convocou uma constituinte que, ao erguer a Lei Maior, confiou aos militares o papel de manter o Estado Democrático de Direito e sua absoluta separação da religião (num país em que 90% da população se declarava muçulmana). Pessoalmente achava o islã "a religião atrasada de um beduíno ignorante".

Em 2023, quando a nova Turquia fará 100 anos, Erdogan diz que convocará os muezins a saudar, dos minaretes das mesquitas, um país forte, com renda per capita de US$ 26 mil, a décima do globo, restaurando assim o esplendor do antigo império. O nacionalismo é e será sempre a arma dos demagogos.

No editorial de 8/11, o Estado de Minas nos explica como o perigoso Erdogan ganhou as eleições parlamentares de novembro de 2015: "O AKP, há 13 anos no poder e desgastado por crise econômica e social, recebeu em junho aval de apenas 40% dos eleitores. Enfrentou a divisão do eleitorado com diferentes facções - seja de esquerda, seja de direita, seja pró-curdos, todos derrotados nas eleições de domingo passado. A virada se deveu a estratégia velha conhecida dos venezuelanos e bastante explorada na campanha petista do ano passado: o AKP fez campanha baseada no medo.

"Recorreu a ameaças concretas que assustam a população e ampliou-as com riscos imaginários. É o caso do terrorismo e da questão curda, que se mantém na pauta desde o estabelecimento da República, em 1923. Sem território próprio, o grupo étnico se espalha por Iraque, Síria e Turquia. Depois das eleições de junho, o Exército turco e militantes do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) suspenderam o acordo de cessar-fogo. As consequências não tardaram. O fim da trégua está na raiz de atentado suicida ocorrido em julho, que deixou 30 cadáveres curdos na fronteira com a Síria.

"Em outubro, 102 pessoas morreram e 400 ficaram feridas em ataque registrado durante marcha pela convivência pacífica com os curdos. A finalidade seria apresentar Erdogan como o homem forte, capaz de dar resposta ao desafio que cresce com a instabilidade dos vizinhos árabes, a pressão curda e a imigração crescente de sírios e africanos que fogem de guerras e perseguições políticas".

Erdogan quer negociar sua entrada na UEE, mas é um islamita fanático e corteja a introdução da sharia no direito do país. Nada fez contra o Estado Islâmico, quer influenciar a Síria e combater os curdos sírios e um possível Curdistão no norte do Iraque (17 milhões de pessoas), por causa dos curdos da Turquia (20% da população de 78 milhões de habitantes).

Devemos ficar atentos à ameaça de retrocessos na Turquia de Atatürk. Os curdos do norte do Iraque, por exemplo, têm sofrido ataques da aviação turca a pretexto da guerra contra o Estado Islâmico, mas não combatem os sunitas do Isis e ainda protegem os rebeldes que querem derrubar Assad. Recentemente derrubou um caça russo, alegando defesa do espaço aéreo, mas invadiu o norte do Iraque, sem permissão. Mente. Não merece fé.

Fala sério, presidente - DORA KRAMER

ESTADÃO - 03/01

Já no primeiro dia de 2016, a presidente da República perdeu mais uma vez a oportunidade de falar a sério com a sociedade brasileira e, com isso, recuperar algum crédito diante do Brasil e do mundo. Em artigo assinado na Folha de S. Paulo, Dilma Rousseff persistiu nas justificativas falsas para a crise, insistiu em distorcer a realidade e continuou se posicionando como se governasse um país de devotos crentes e desmemoriados.

No enunciado do balanço de 2015, a presidente propõe uma reflexão sobre “erros e acertos” do ano, indicando a disposição de rever suas responsabilidades “com humildade e perspectiva histórica” a fim de superar dificuldades e contrariar as previsões de que dias piores virão.
Os dois parágrafos iniciais injetam no leitor a esperança de que a presidente da República tenha se dado conta dos males causados por suas decisões e que vá finalmente rever atitudes colocando o dever de estadista acima de suas crenças, características de temperamento e conveniências partidárias.
A leitura completa do longo texto, no entanto, se encarrega de desmontar a mais otimista das expectativas. A começar pela referência a “acertos” na tentativa de amenizar a dimensão dos erros. Quais acertos? Na ausência de algum de efeito substantivo, restam a Dilma números que compuseram o roteiro do filme já visto na campanha eleitoral.
A “humildade” prometida na revisão de suas responsabilidades na crise econômica cai por terra quando a presidente atribui, de novo, a situação a fatores externos combinados com a necessidade de, internamente, alterar a rota na condução da economia. Mudança esta, sabemos todos, imposta pelo desastre iniciado quando da substituição dos assentados pressupostos da estabilidade pelo populismo aliado ao voluntarismo ideológico.
Na abordagem da crise na política, a presidente obedece ao mesmo critério de agressão aos fatos. De acordo com sua narrativa, “a instabilidade política se aprofundou por uma conduta muitas vezes imatura de setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas”.
Note-se, a culpa é da oposição que exatamente por aceitar o resultado da eleição, seguiu a vontade do eleitor e se opôs ao governo. A crise, na versão da presidente, nada tem a ver com seus atritos e equívocos permanentes na relação com o Congresso e partidos aliados, aqui em destaque a tentativa amadora de dar rasteiras nos profissionais do PMDB.
Da retrospectiva enganosa a presidente da República passa às perspectivas falaciosas. Começa prometendo uma reforma da Previdência a partir do diálogo com empresários e trabalhadores, mercadoria que não tem condições de entregar. Pelo simples motivo de que as partes falam linguagens opostas no tema e o governo não sabe, não pode ou não quer arbitrar questão alguma.
A retomada das atividades do setor produtivo mediante reformas estruturais necessárias será, na palavra da presidente, possível por intermédio de debates no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Um fórum inútil desde o início do primeiro governo Lula.
No quesito promessa vã, a presidente reafirma disposição de completar a “reforma administrativa” iniciada em 2015. Aos números da referida reforma: dos três mil cargos comissionados a serem cortados, foram extintos 346; da redução de ministérios, apenas sete secretarias das 30 prometidas tiveram suas atividades encerradas; da economia prevista de R$ 200 milhões, o governo realizou bem menos de 10%: R$ 16 milhões.
A presidente conclui dizendo que “todos esses sinais” dão a ela a certeza de que 2016 será melhor. Convicção da qual o País não tem motivo para compartilhar.

Palmas para a democracia - GAUDÊNCIO TORQUATO

BLOG DO NOBLAT - O GLOBO - 03/01

Abro minha primeira expressão, neste Novo Ano, com uma exaltação às qualidades do ser humano. E, sobretudo, com o reconhecimento de que o futuro do nosso país será moldado por um cidadão mais racional, ético e consciente de seus direitos e deveres.

Valho-me de Aristóteles, que ensinava ser o homem, em estado de perfeição, o melhor dos animais. Quando, porém, afastado da lei e da justiça, é ele o mais selvagem e impiedoso de todos, pois, destituído de qualidades morais, usa a inteligência e o talento como armas para praticar o mal.

É possível vislumbrar no pensamento do filósofo grego a inspiração que emoldura a sábia observação do hoje advogado e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, por ocasião da histórica sessão da Suprema Corte que julgou o núcleo político da Ação Penal 470, conhecida como Mensalão, pelo crime de formação de quadrilha: “Deus no céu e a política na terra. Por quê? Porque a política é o meio pelo qual a Sociedade constrói e reconstrói o Estado. A política é o instrumento de concretização dos anseios do povo. É, acima de tudo, a forma pela qual se pode buscar o bem-estar coletivo, a manutenção da ordem e a concepção do progresso”.

No fundo, a peroração procura elevar ao mais alto patamar da grandeza as virtudes do homem e a noção de direitos que Alexis de Tocqueville distinguia como imanentes ao mundo político. Assim pregava: “Não existem grandes homens sem virtude; sem respeito aos direitos, não existem grandes povos e nem mesmo sociedade”.

Pelo que se assiste hoje, o longo processo que tenta passar o Brasil a limpo, cujo desfecho ainda está distante(a conclusão da Operação Lava Jato vai levar um bom tempo), merece atenção especial não apenas pelo fato de trazer à tona questões centrais sobre o dna dos nossos costumes políticos, mas pelo feito de resgatar conceitos clássicos – Estado, política, ética, direitos, cidadania, liberdade, democracia.

No seio de uma cultura eivada de mazelas históricas, treinada na arte de transformar curvas em retas, impermeável ao temor do castigo por saberem seus artífices que, flagrados em práticas ilícitas, mais cedo ou mais tarde, escapariam das teias que os envolvem, a decisão do Judiciário de punir altas figuras – tanto da esfera política quanto do universo empresarial – se eleva ao mais alto grau das decisões históricas da contemporaneidade brasileira.

Punir poderosos? Inacreditável, mesmo que se projete na mente social a imagem de uma Corte de juízes probos, independentes, autônomos, iluminados pela coleção de valores alinhavados pelo filósofo Francis Bacon: “Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos”.

Se alguém tinha dúvidas sobre o fator que efetivamente transforma a história das sociedades, recebe concisa resposta na expressão das Cortes: a igualdade dos homens. Todos são iguais perante a lei. Por isso, a lição que o Brasil está aprendendo certamente haverá de gerar frutos sadios para aprimorar nossa democracia. A ciência política elege o igualitarismo entre os homens como essência dos países democráticos.

O ideal da liberdade une-se ao pilar da igualdade, condição que, por sua vez, exige práticas políticas irrigadas nas águas da moral, da ética e da dignidade. O respeito e o cumprimento do nosso aparato legal-jurídico propicia a impressão de que o governo da justiça estende os braços a todos, sem distinção de classe, raça ou categoria. Viceja o sentimento de que as nossas instituições, mercê das tensões que as caracterizam, cuidam da vida social, da norma e do Direito.

É até possível que a semente plantada pela Justiça demore a frutificar. Mas o traçado da política pela régua dos nossos velhos atores não será o mesmo. Está mudando de direção. Representantes do povo, agora mais atentos ao que pode e ao que não pode ser feito, se esforçarão para atenuar os vícios a que se amoldaram e cultivam.

Não se muda uma cultura política da noite para o dia. Mas a longa trajetória da ética começa, bem o sabemos, com dois ou três passos morais. A soma de passos conjugados, no centro e nas margens da sociedade, conduzirá os conjuntos políticos a exercitarem comportamentos regrados por bons costumes e ações referendadas pelo império da lei. Como pano de fundo, a consciência de que a instituição que administra a Justiça dá mostras que vai funcionar sem amarras. Autônoma, independente. Palmas para a democracia.

As vastas e nem sempre bem cuidadas roças da administração pública, nas três esferas da administração, doravante deverão se iluminar por refletores do Ministério Público e da Polícia Federal, os quais, por sua vez, acionarão os canais da Justiça, da primeira à última instância. A Lei da Ficha Limpa, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Ordem Ética, o Compromisso da Representação Política, os Controles do Estado funcionarão como aríete contra a corrupção.

Diminuir o custo Brasil da incúria torna-se vital para avanços na gestão pública. Os prefeitos a serem eleitos em outubro deste ano se obrigam a realizar projetos inovadores e prioritários, contribuindo para consolidar a racionalidade das gestões.

Veremos uma nova política florescer nos espaços de 5.568 prefeituras sob a esperança de um pulsar coletivo, pleno de exclamações que resgatam o orgulho e a autoestima. Temos de acreditar que a chama cívica voltará a iluminar o canto esquerdo do nosso peito. Temos de acreditar no poder espiritual do homo brasiliensis.

Não tardará o momento de declamarmos a expressão de José Ingenieros, o grande escitor argentino, em seu magistral O Homem Medíocre:“Pátria é comunhão de esperanças, de sonhos comuns e a busca de um ideal; é a solidariedade sentimental de um povo e não a confabulação de politiqueiros que medram à sua sombra”.

O verdadeiro golpe - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 03/01

Já que gosta tanto de falar em golpe para se referir ao processo de impeachment que corre contra ela, a presidente Dilma Rousseff bem que poderia prestar um mínimo de atenção ao verdadeiro golpe em marcha.

Trata-se da iniciativa do governo venezuelano de tentar derrubar a supermaioria (112 deputados em 167) eleita pela oposição no dia 6 de dezembro –e que tomam posse na próxima terça-feira, 5.

O governo, como vem relatando o excelente correspondente da Folha em Caracas, Samy Adghirni, conseguiu da Justiça a cassação de três dos deputados da oposição, em um "golpe judicial", segundo a Mesa da Unidade Democrática, o conglomerado oposicionista.

O governo brasileiro não tem o direito de ignorar que a Justiça venezuelana é mero apêndice do Executivo.

Um estudo de juristas locais, feito há um par de anos, mostrou que nenhuma iniciativa governamental foi contestada pela Justiça –recorde mundial de competência em um governo notoriamente incompetente.

É justo dizer que a presidente Dilma já interferiu na eleição venezuelana, por meio de carta em que cobrou de seu colega Nicolás Maduro que respeitasse as regras do jogo antes, durante e depois do processo eleitoral.

É o que diz, por exemplo, nota emitida por um grupo de parlamentares uruguaios que funcionaram como observadores do processo eleitoral: "Impedir a plena constituição [da Assembleia Nacional] pretende condicionar, uma vez mais, o legítimo pronunciamento eleitoral do povo venezuelano".

Como dizia nota emitida por respeitadas entidades americanas de direitos humanos, antes do pleito, as eleições teriam "o potencial de reduzir a tensão política, mas também o de exacerbá-la".

É óbvio que deturpar o resultado das urnas só pode exacerbar tensões. A nota das entidades, entre elas a brasileira Conectas e o Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, acrescenta que "há muito em jogo para a Venezuela e para a região".

É do interesse do Brasil, portanto, impedir que o "golpe judicial" em andamento exacerbe a tensão política, até porque tem experiência própria em verificar como crises políticas agravam dificuldades econômicas.

O governo brasileiro já emitiu nota oficial, antes da eleição, em que "ressalta a importância do pleno respeito à vontade popular expressa nas urnas". Não seria, portanto, nenhuma violência repetir a sensata observação.

Se quisesse ser um pouco mais ativa, a diplomacia brasileira poderia lembrar que a cassação dos três deputados oposicionistas não é exatamente a prioridade número 1 da Venezuela, afogada numa crise que torna folgada a situação do Brasil.

Não custa lembrar que a inflação é a mais alta do mundo, que falta quase tudo no comércio, que as mortes violentas (27.875 em 2015) elevaram a taxa de homicídios para 90 por 100 mil habitantes, das mais altas do mundo.

Contra tudo isso é que o eleitorado deu ampla vitória à oposição. Desconhecê-la é fechar os olhos à realidade.

Estelionatos políticos - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 03/01


SÃO PAULO - Prefeitos e governadores começaram a sentir os efeitos da crise. Funcionários públicos de diversas localidades tiveram seus 13º salários parcelados, hospitais, notadamente os do Rio de Janeiro, foram parcialmente paralisados, para citar dois exemplos recentes. E a situação ainda vai piorar significativamente antes de melhorar.

Administradores fazem o que podem para tentar pôr a mão em recursos para fechar as contas do mês. Vários Estados já aumentaram impostos como o ITCMD. Algumas unidades até avançaram sobre os depósitos judiciais de particulares, o que lembra muito um gesto que o Código Penal tipifica como apropriação indébita. Mais recentemente, Estados e municípios passaram a mirar os planos de saúde. Querem que a União lhes passe a prerrogativa de cobrar as operadoras pelos atendimentos que hospitais públicos prestam a seus associados.

Não é que seja ilegítimo exigir esse tipo de repasse, mas é preciso estar atento para não comprar gato por lebre. A economia lembra um pouco a química, no sentido de que transformações são mais frequentes do que criações originais. Se aparece dinheiro nas mãos do poder público, ele não veio do nada, mas foi tirado da sociedade. Não nos incomodaríamos se, no caso, a boia salvadora tivesse sido subtraída dos lucros das operadoras. Na verdade, até apreciaríamos, já que boa parte dos usuários tem uma ou mais queixas em relação aos planos.

Infelizmente, as coisas não são tão fáceis. Se os convênios tiverem de arcar com despesas que antes não estavam nas contas, seus custos subirão e a diferença, mais cedo ou mais tarde, será repassada aos clientes na forma de mensalidades mais caras. É até possível, embora improvável, que o caminho seja esse, e não a recriação da CPMF ou o aumento de outros impostos. Mas é preciso deixar as coisas claras, de modo a não cometer novos estelionatos políticos.

#Vaifaltarcadeia - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 03/01

O Brasil, definitivamente, não é um país sério. No auge de uma crise na saúde, com a população aterrorizada às voltas com o zika vírus e hospitais em estado de abandono e fechando as portas, o governo saca da cartola R$ 72,4 bilhões para tentar salvar o pescoço de Dilma do impeachment. Deus do céu! Como, até aquele momento, ninguém sabia que havia esse monte de dinheiro ali, à disposição? E, não mais que de repente, o Tesouro Nacional tira a fortuna da cartola e tchan, tchan, tchan, tchan! Paga as pedaladas? E o Planalto ainda aumenta as verbas destinadas a emendas parlamentares de R$ 6,7 bilhões para R$ 7,2 bilhões? Votos contra o impedimento?

Realmente, o Brasil não pode ser levado a sério. Quer dizer que há dinheiro de sobra para salvar o mandato da presidente, mas falta para o básico na saúde? Até agora, parece inacreditável, mas a grande medida do governo para combater a microcefalia foi mudar o critério pelo qual se determina se a criança nasceu ou não com a malformação. Antes, classificava-se a doença quando bebês vinham ao mundo com a circunferência da cabeça igual ou menor do que 33cm. Caiu para 32cm. Com a medida, reduz-se o número de casos. Porém, de nada adianta no combate ao Aedes aegytpi. O país precisa urgentemente de grande campanha nacional para erradicar o mosquito. Até o momento, o que se faz é culpar a população: 80% dos focos, dizem as autoridades, estaria dentro das casas. Sim, o culpado somos nós, caro leitor.

Ou o brasileiro toma as ruas e se faz levar a sério ou continuará como o bobo da corte. Não é à toa que o Brasil está entre os 30 países que mais cobram tributos e se destaca como aquele que presta os piores serviços públicos. E ainda querem criar mais um: a CPMF, que, no fundo, só os pobres pagam, pois os donos do capital repassam os custos para a população. Hoje, no país, a realidade é tão trágica que, em plena capital da República, os hospitais públicos estão em situação de penúria. Escolas, idem. Imagine, então, nos grotões! Principalmente depois da tentativa de desmoralizar a Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares contra o vale-tudo dos governantes: dos municípios à União.

Dói é saber que poderia ser pior. Não fosse a Operação Lava-Jato, levada adiante apesar das tentativas de desmontá-la, a corrupção já teria sido elevada à condição de ato heroico. Pistoleiros a soldo nas redes sociais bem que tentaram. Mas a coragem e a persistência do juiz Sérgio Moro e de promotores como Deltan Dallagnol se impuseram até aqui. Graças a eles, dois poderes da República estão em xeque. Que caiam todos os que têm contas a acertar com a Justiça! Sim, sei: se isso acontecer, vai faltar cadeia.

Sinais de preocupação e esperança - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O GLOBO - 03/01

Em 2015 houve muitos sinais de desalento. Assistimos à implosão do Oriente Médio, com a expansão do Estado Islâmico na esteira da guerra civil na Síria e no Iraque. Processo que se refletiu também na África, onde a Líbia se afunda no desgoverno e grupos radicais islâmicos fazem do terrorismo uma ameaça cada vez mais disseminada. Na Europa, assustada com as ondas migratórias, crescem os partidos xenófobos de ultradireita. Nos Estados Unidos, a voz trombeteira de Donald Trump põe em risco os ideais dos pais fundadores do país, criado para ser a terra da liberdade religiosa e da aceitação da diversidade.

Não obstante, nem tudo foi desânimo. A Conferência do Clima, em Paris, deu sinais de que os governos e as empresas despertaram e perceberam que o aquecimento global é um fato. Pode-se criticar o acordo num ou noutro ponto, mas ele dá passos concretos para a construção de uma economia de baixo carbono. A César o que é de César: o governo brasileiro, com a ministra Isabella Teixeira à frente, acordou e começa a acertar os passos em matéria climática.

Tampouco dá para desconhecer que o acordo com o Irã representou um avanço importante para conter a nuclearização. O Ocidente, que há tempo dialoga com a China, deverá prosseguir as negociações diplomáticas com os países muçulmanos. Terá de reconhecer os interesses do Irã no Oriente Médio e a presença da Rússia na região, levando-a ao diálogo diplomático e até mesmo ao esforço militar comum.

Também os ventos antipopulistas começam a soprar na América Latina. A derrota dos candidatos peronistas na Argentina e, sobretudo, a espetacular maioria obtida pela oposição democrática na Venezuela enchem de ânimo os que não confundem populismo com progressismo. Uruguai e Chile são governados por partidos “de esquerda”, mas não populistas, e a nenhum democrata ocorre torcer por sua derrota só por essa inclinação política. Outra coisa é o autoritarismo pseudonacionalista, que distribui uma renda que não se sustenta no tempo e atropela regras democráticas, quando não viola direitos humanos, para se perpetuar no poder, como no caso do “bolivarianismo”, que, como uma lâmina, estava e ainda está cravado no arcabouço institucional da região. Esse populismo começa a se desfazer. São sinais promissores.

A confusão entre populismo e políticas “de esquerda” baseia-se num equívoco: o de que medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida são progressistas, mesmo que não se possam manter no tempo. Em contrapartida, seriam de “direita” providências que impedem gastar mais do que se pode, à custa de endividamentos e da insolvência. Na verdade, o respeito ao equilíbrio orçamentário, o controle da inflação e a não manipulação do câmbio (sem austeridades eternas, nem monetarismos fora de moda) são condições indispensáveis para o crescimento econômico e para a inclusão social. Não são suficientes, mas são indispensáveis para que as políticas sociais se mantenham. Ao ignorá-las, muitos projetos ditos “em benefício do povo” terminam em ruínas.

Meus votos para 2016 são para que esta brisa benfazeja chegue ao Brasil. E assim como desejo que a onda repressiva e antimigratória que alcança a Europa e o populismo de direita que assola os Estados Unidos encontrem limites, espero que os populismos disfarçados de progressistas regridam em nossa região.

É difícil de dizer que o populismo é o traje institucional brasileiro. Há líderes que de vez em quando se mascaram com tal vestuário, porém ora têm vinculações à esquerda, ora à direita, ora ao centro ou onde mais haja pontos num hipotético espaço ideológico. A figura que na política brasileira recente mais se aproximou do modelo carismático, Lula, não chegou a institucionalizar o populismo. Prevaleceu no Brasil um misto entre “progressismo”, atraso, corrupção, nacionalismo, redistributivismo, etc., com laços empresariais, nem sempre sadios. Nada comparável à ideologia populista do peronismo ou do bolivarianismo, que tinham fortes traços antiamericanos ou anticapitalistas. Vingou entre nós um híbrido de oportunismo tradicional, clientelismo, corrupção e incompetência, sem fórmulas ideológicas consistentes.

Também isso está a se desfazer. Os desastres econômicos levaram essas políticas petistas à impossibilidade prática. Elas não se limitaram, o que seria defensável, a beneficiar os mais pobres, mas distribuíram vantagens pecuniárias, via Orçamento ou à margem dele, a quem menos precisava. Resultado: as finanças públicas estão em estado falimentar.

Sem o charme do populismo mais vigoroso e com o Tesouro vazio, como manter a “hegemonia” do PT? Impossível. Assistimos nos últimos meses de 2015 ao esfacelamento da “base aliada” e à queda vertiginosa do apoio popular ao governo. O desencontro entre Ministério da Fazenda, governo e Congresso acelerou o desmoronamento político. Roubaram tanto para sustentar os partidos no poder que suscitaram uma reação salutar e inédita. Algumas instituições do Estado se revigoraram. Vemos a Justiça, as Procuradorias e mesmo a Polícia Federal tentando extirpar os que fizeram “malefícios”. Como as regras da democracia prevalecem, não impera o medo e a mídia atua com propriedade informando o que ocorre nos gabinetes.

Há sinais de esperança. Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da convergência nacional, respeitando a diversidade de opiniões, propiciando uma vida mais decente para todos, com a retomada do crescimento, a volta do emprego e a reconstrução da política republicana. São os meus votos.

O retrato do capitalismo petista - ELIO GASPARI

O GLOBO - 03/01

O ano que passou e este que está começando entrarão para a história do capitalismo petista. A repórter Natália Cacioli revelou que pela primeira vez desde 2002, quando foi criado o Tesouro Direto, um supermercado de papéis do governo, o número de pessoas que protegeu seu dinheiro com pouca intermediação financeira superou o de investidores na Bolsa de Valores. Em apenas um ano o número de clientes do Tesouro Direto cresceu 72%, chegando a 587 mil.

Em tese, quem aplica na bolsa brasileira investe na produção. Quem vai para o papelório do Banco Central remunera-se à custa do endividamento do governo. Com a taxa de juros a 14% (e vem mais por aí), quem foi para o Tesouro Direto deu-se melhor do que a clientela da caderneta de poupança (137 milhões de contas). A aplicação preferida do andar de baixo, onde está o dinheiro de quem se previne contra o desemprego, teve rentabilidade negativa, pois pagará 7,95% contra uma inflação de 10,48%.

A Bolsa foi pior, voltou ao nível 2008, acumulando uma queda de 29% no ano. Isso se deveu em parte à gestão dos comissários na Petrobras e à queda das ações da Vale, produto da conjuntura internacional, bem como da irresponsabilidade de sua sócia Samarco, a mãe do desastre de Mariana.

O PT produziu a maior taxa de juros do mundo e o pior desempenho internacional do mercado de ações. Vive-se melhor emprestando dinheiro ao governo e aplicando-o diretamente no Tesouro do que investindo na produção de seja lá o que for. Sempre que isso acontece, a vida dos brasileiros piora.

A expansão dos fregueses do Tesouro Direto reflete uma cautela dos investidores. Além de buscar remuneração nos papéis da Viúva, preferiram evitar aplicações mais sofisticadas em fundos de instituições financeiras. Fugiram de todos os riscos, no que fazem muito bem.

PÉ NO FREIO

Em novembro passado, quando caminhoneiros ameaçavam obstruir estradas em todo o país, o comissariado do Planalto teve a ideia de chamar a tropa do Exército.

Ouviram de volta uma ponderação de um comandante militar:

Obstruir estradas é um crime e justifica-se o pedido de tropa para retirar os caminhões. E quando esse mesmo crime for cometido pelo Movimento dos Sem Terra, por índios ou organizações sindicais, os senhores vão chamar o Exército de novo?

Não se falou mais no assunto.

Se e quando ele reaparecer, haverá outra questão: O ministro pede a tropa ao general, o general dá a ordem a um coronel e ele desloca os soldados, comandados por um capitão. Quando surgir um cadáver, quem vai para a Comissão da Verdade?

A FORÇA DA DOUTORA

De um sábio:

"Se o impeachment de Dilma Rousseff for a votação na Câmara e ela tiver mais de 171 votos a seu favor, a iniciativa morre. O PT acha que essa marca mostrará a força do governo, mas está enganado. Terá conseguido apenas um terço da Câmara.

Com qualquer resultado abaixo de 257 votos, indicativos da maioria absoluta, o Planalto poderá dizer que Dilma Rousseff escapou do impeachment, mas não terá muito a comemorar. Ela se livra do impeachment, mas precisa de 257 votos para voltar a respirar sem a ajuda de aparelhos."

O SOL DE HOJE

Algum dia, as poucas árvores plantadas na esplanada que vai da praça Mauá ao Museu do Amanhã haverão de crescer.

Até lá, criou-se ali a maior churrasqueira dos tempos modernos. Para quem gosta de maquete, ficou uma beleza; para os bípedes, um suplício.

O DIÁRIO DE MÁRCIO

Desde 2003, quando assumiu o Ministério da Justiça, sabia-se que o advogado Márcio Thomaz Bastos manteve um diário. Nele estariam contados grandes momentos da crise do mensalão e da queda do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Esses papéis só poderiam ser lidos muito depois de sua morte. Márcio morreu em 2014, não deixou testamento nem indicação do local onde estaria o diário. Até hoje a família não o encontrou.

Pena, porque nele estariam grandes momentos, como o de um ministro que defendia-se das acusações que lhe faziam durante uma conversa com Lula no Palácio do Planalto e Nosso Guia disse-lhe:

"#amp;#@%!!! Você não consegue parar de mentir?"

Diários inexistentes são coisas da vida. Durante muitos anos circulou a informação de que o deputado Thales Ramalho tinha uma pilha de cadernos com anotações dos segredos do MDB durante a ditadura. Thales morreu em 2004 e esses cadernos nunca apareceram.

Ficam na fila dos mistérios as gravações nas quais o senador Delcídio do Amaral teria narrado os primeiros escândalos do governo de Lula.


PREVISÕES

Duas previsões para 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020:

Primeiro a pessimista. A economia patinará até o final de 2018, quando será eleito um novo presidente. Dependendo do resultado, o novo governo precisará de pelo menos um ano para arrumar a casa. Assim, só haverá refresco em 2020.

Agora a otimista: há tanta liquidez no mundo. E com o dólar a R$ 4, investir no Brasil ficou tão barato que, ao menor sinal de esperança, a economia pode começar a melhorar ao longo de 2017.


-Os governadores tiveram uma boa ideia

Com os cofres vazios e os serviços públicos em crise, os governadores do Rio, São Paulo e Brasília puseram uma ideia na mesa: querem participar da cobrança do atendimento de clientes dos planos de saúde em hospitais mantidos pelo SUS.

Nada de novo, pois a lei manda que essa cobrança seja feita. Como disseram Geraldo Alckmin e Luiz Fernando Pezão, só a União pode cobrar e ela cobra mal. Desde o século passado as operadoras driblam esse pagamento, ajudadas pela inépcia da Agência Nacional de Saude. Só recentemente ela conseguiu elevar para R$ 335 milhões os valores cobrados, o que ainda é pouco. Vale lembrar que só 30% das internações eletivas de clientes dos planos foram cobrados pela ANS.

Se houvesse alguma dúvida em relação à boa qualidade da ideia, ela foi eliminada pela reação das guildas das operadoras. A Associação Brasileira de Medicina de Grupo disse que a medida poderá gerar custos operacionais, encarecendo os planos privados. Como eles descobriram isso, não se sabe, pois a proposta ainda não foi detalhada e o que os governadores querem é participar da cobrança (e da partilha) de um ressarcimento determinado pela lei.

Noutra linha de ataque, veio o argumento de que seria pouco dinheiro. É a velha síndrome da reivindicação sucessiva: não se pode fazer uma coisa enquanto não se fizer outra, que por sua vez depende que se faça uma terceira e, com isso, não se faz nada. Na verdade, faz-se: tenta-se ressuscitar a CPMF cobrando mais um imposto a quem bate com a cara na porta dos hospitais.

O governo e as operadoras de saúde privada sabem que estão sentados em cima de uma bomba, com um mercado poluído por planos enganosos e custos hospitalares desonestamente díspares. Isso e mais a migração de clientes desempregados para o SUS.

Lula e PT pressionam Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 03/01

A pressão de Lula sobre a presidente Dilma Rousseff exigindo uma “resposta rápida” à crise econômica levou o presidente nacional do PT, Rui Falcão, a divulgar nota oficial em que exige “ousadia” na correção dos rumos da economia e repudia medidas anti-inflacionárias e de ajuste fiscal. Lula e o PT exigem de Dilma o que imaginam que seria uma guinada à esquerda na economia, mas seria simplesmente repetir os erros do primeiro mandato que empurraram o País para a recessão e o consequente comprometimento dos programas sociais que os petistas alegam querer preservar. Na verdade, estão interessados apenas em recuperar o apoio das bases eleitorais que iludiram com a promessa do Paraíso na Terra.


Lula e o PT querem que Dilma dê “boas notícias” na economia. É difícil de imaginar quais seriam. Os indicadores econômicos divulgados pelo próprio governo confirmam o agravamento do desastre. Mas para atender ao que exigem Lula, o PT e os “movimentos sociais”, o novo titular da Fazenda, Nelson Barbosa, precisaria realmente surpreender o País. Afinal, ele é um dos principais arquitetos da “nova matriz” cujo intervencionismo voluntarista e desmedido jogou a economia nacional na recessão.

Um bom começo de conversa seria Lula e os petistas deixarem claro desde logo qual seria a “nova política econômica” que exigem como “boa notícia”. Boa notícia é o PIB em expansão com a criação de riquezas que beneficiem toda a população; é o nível de emprego aumentando quantitativa e qualitativamente; é a inflação sob controle; são contas públicas administradas com responsabilidade. E ainda recursos fartos para investir em programas sociais e em infraestrutura. O Brasil já teve quase tudo isso antes de Dilma virar presidente, quando o governo Lula mantinha em vigor o tripé econômico – meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário – que em 1994 foi a base do bem-sucedido Plano Real, o projeto de recuperação econômica que domou uma hiperinflação de mais 46% ao mês.

Convertido, para ganhar a eleição de 2002, à política econômica que dera certo nos governos FHC e favorecido por uma conjuntura internacional generosa com países cuja economia se assentava no setor exportador, Lula comandou um período de prosperidade que se destacou por forte ampliação dos programas sociais de distribuição de renda e ajudou a consagrar o mito do “governo popular”.

Ao suceder a seu inventor, em 2011, Dilma Rousseff já encontrou uma conjuntura internacional menos propícia às prodigalidades populistas do lulopetismo. Mas nem por isso abandonou a ideia fixa de “avançar” na configuração de um governo genuinamente “popular”. Mergulhou de cabeça na implantação de uma “nova matriz macroeconômica”: uma forte ampliação da intervenção estatal na vida econômica que incluía a continuação da gastança que, já naquele momento, só seria possível com o completo arrombamento das contas do governo.

Em 2014, a antevisão do desastre já era clara. Mas era ano de eleição. Foi preciso então fingir que nada estava acontecendo. Mais do que isso, mentir descaradamente. Só dessa maneira Dilma conseguiu permanecer no Planalto, por estreita margem de votos.

Assim, quando Lula e o PT pregam hoje uma “nova política econômica”, defendem exatamente mais do mesmo de ontem. Só que o dinheiro público – mal administrado ontem porque concentrado em programas populistas de apelo eleitoral – hoje é escasso.

O coro populista contra Dilma está bem articulado. A nota do PT foi precedida, na semana passada, por movimentos táticos da “linha auxiliar” petista. “Muda o ministro da economia, mas não muda a política econômica. Era justamente isso que temíamos. Isso não vai acontecer.” Essa foi a advertência do presidente da CUT, o petista Vagner Freitas, ao ministro Nelson Barbosa: “Exigimos que nos próximos dias, ao invés desse discurso conservador ultrapassado e subordinado ao mercado, o governo anuncie medidas de interesse da classe trabalhadora”. Senão, o quê? A resposta foi dada por outro “líder popular”, Guilherme Boulos, que comanda o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST): “Não adianta nada o novo ministro assumir e duas horas depois ir à TV para dizer que vai manter o ajuste fiscal. Dilma já perdeu o apoio popular. O que as ruas disseram na quarta-feira foi: esta é a última chance”. E agora, Dilma?

Mecanismos de mediação - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 03/01

O presidencialismo de coalizão não é inexoravelmente instável, nem promove a ingovernabilidade crônica ou cíclica. Mas, por suas singularidades, e pela instabilidade que lhe é inerente, ao assentar a governança em uma grande coalizão, portanto com graus irredutíveis de heterogeneidade, requer mecanismos ágeis de mediação institucional e resolução de conflitos entre os poderes políticos da República, para além do poder moderador do Judiciário.

Esta é a conclusão a que chega o cientista político Sérgio Abranches ao revisitar nosso método de governo que ele foi o primeiro a definir como "presidencialismo de coalizão" em artigo de 1988. Para Abranches, o ponto crítico é que o presidencialismo de coalizão padece de fluidez institucional.

"O conflito entre Legislativo e Executivo se agrava irresolúvel, na ausência de mecanismos institucionalizados e legítimos de mediação e arbitragem". Sem limites definidos e amplamente compartilhados que criem mecanismos de mediação dos conflitos e de resolução dos impasses entre Executivo e Legislativo, agravam-se os riscos de crises institucionais cíclicas, adverte Sérgio Abranches.

Este é um problema sério, que tem raízes históricas, e que só encontrará solução em inovações constitucionais que permitam maior equilíbrio entre os poderes, mais rápida e eficaz resolução de crises entre Executivo e Legislativo e criem espaço para a recomposição de maiorias capazes de assegurar a governabilidade. O modelo institucional brasileiro é cronicamente deficitário de recursos de resolução de conflitos, que frequentemente bloqueiam o processo decisório, analisa o cientista político.

"A tendência à hiper judicialização em todos os setores da vida econômica, social e política, marcados por contenciosos que não se resolvem sem mediação externa é um sintoma evidente dessa anemia institucional". Esse quadro revela a necessidade de rápida institucionalização de procedimentos de negociação e resolução de conflitos que evitem que todas as crises desemboquem nas lideranças e, sobretudo, na Presidência, que todos os contenciosos sobrecarreguem o judiciário de demandas por arbitragem.

"Pode ser, eventualmente, alguma forma de governo de gabinete", diz ele, referindo-se aos chamados sistemas semi-presidencialistas ou semi-parlamentaristas em vigor em países europeus como a França e Portugal. O importante, analisa Abranches, é que já está claro, com quase três décadas de funcionamento ininterrupto e várias crises, que o presidencialismo de coalizão no Brasil, é governável, tem capacidades institucionais bastante robustas, mas tem um déficit institucional na resolução de crises de impasse polarizado entre Executivo e Legislativo.

"Não se trata apenas de rever o mecanismo de voto em si, é preciso repensar as campanhas eleitorais, para deixar de serem uma batalha caríssima entre marqueteiros que escondem, em lugar de expor os candidatos. Campanha deve expor os candidatos ao escrutínio persistente do eleitorado, informá-lo adequadamente sobre as intenções, valores e capacidades dos candidatos, para fazerem uma escolha informada".

Também os mandatos devem estar sujeitos à renovação por algum tipo de recall e algum mecanismo de convocação eleições antecipadas. "O processo de responsabilização política do Presidente da República precisa ser mais transparente e mais ágil, ainda que como recurso de última instância".

Como fazer essas mudanças e que desenho institucional se deve adotar são questões para um debate alentado, transparente e democrático, diz Sérgio Abranches, advertindo que "não seria admissível promover mudanças de afogadilho, com motivações conjunturais".

Instaurar, por exemplo, o presidencialismo de gabinete, no curto prazo, como solução para o trauma pós-impeachment, seria, para Abranches, "um erro que comprometeria ainda mais a democracia brasileira. Todo casuísmo institucional é ruim". Como o presidencialismo de gabinete seguiria sendo de coalizão, dadas as características estruturais da sociedade brasileira, ele teria que ser ajustado à nossa realidade, adverte.

"Qualquer mudança dessa natureza demandaria debate amplo e transparente, investigação técnica de viabilidade e desenho constitucional, deliberação coletiva bem informada e decisão em um contexto de normalidade política, evitando-se ao máximo a contaminação de uma decisão constituinte sobre a ordem institucional por considerações casuísticas ou personalizadas."

É, em suma, diz Sérgio Abranches, "um desenho para o longo prazo, para o futuro, não para resolver as aflições do dia".

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DIÁRIAS: GOVERNOS DO PT TORRARAM R$ 8,3 BILHÕES

Os governos do PT torraram R$ 8,3 bilhões nos últimos 12 anos com o pagamento de diárias a servidores do Executivo federal. A farra iniciou em 2004 quando o ex-presidente Lula distribuiu R$ 385,6 milhões logo no segundo ano de mandato e continuou até atingir R$ 1,08 bilhão em 2010. Dilma assumiu e não fez questão de estancar a sangria de grana pública. Torrou R$ 702,5 milhões em 2011 e R$ 1,03 bilhão em 2014.

VIVA O TURISMO
A marca de R$ 100 mil embolsados com diárias durante um ano foi atingida ou superada por 72 felizes servidores dos governos petistas.

CAMPEÃO
Campeão absoluto no recebimento de diárias, Bernardo Vertamatti (Ministério de Ciência e Tecnologia) levou R$ 508 mil de 2012 a 2014.

NO FUNDO DO MAR
Só o projeto do satélite brasileiro, aquele que caiu no mar, consumiu mais de R$ 2,3 milhões em diárias com servidores enviados à China.

ATUALIZAÇÃO
O recorde de gastos com diárias é de Lula no último ano de mandato. O valor atualizado pela inflação oficial do governo é de R$ 1,5 bilhão.

DEPUTADOS TORRAM R$ 2 MILHÕES EM RESTAURANTES
A Câmara não se abalou com a crise financeira. Levantamento da Operação Política Supervisionada (OPS), coordenada pelo ativista Lúcio Batista, mostra que os 513 deputados federais gastaram R$ 1,8 milhão com alimentação entre janeiro e 9 de dezembro de 2015. Com o valor, seria possível comprar 4.449 cestas básicas, considerando o preço da cesta em Porto Alegre (R$ 404,62), a mais cara de novembro.

RECORDE
O valor, o maior dos últimos cinco anos, foi ressarcido integralmente a suas excelências por meio da Cota de Auxílio de Atividade Parlamentar

FISCALIZAÇÃO FRÁGIL
O ativista afirma que a verba indenizatória é fiscalizada de forma frágil pela Câmara e pelo Senado. “Isso gera um descontrole de gastos”, diz.

DIETA DA ENGORDA
Em 2011, foram desembolsados R$ 1,76 milhão. Em 2012, 1,53 milhão. Em 2013, R$ 1,72 milhão. Em 2014, R$ 1,44 milhão.

PONTA DO LÁPIS
Os insatisfeitos com Leonardo Picciani (RJ) decidiram conceder o comando da bancada a um mineiro em 2016. “Minas tem a chance de recuperar o protagonismo que merece”, diz Lúcio Vieira Lima (BA).

FALTA DO QUE FAZER
Os deputados petistas Paulo Pimenta (RS) e Wadih Damous (RJ) acionaram o presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, por causa de postagem no perfil da corte no Twitter. Se indignaram com notícia de que o ex-ministro José Dirceu passará o réveillon ‘atrás das grades’.

RETROSPECTIVA
Os tucanos fizeram uma retrospectiva do primeiro ano deste segundo mandato de Dilma. Entre as 55 promessas feitas pela presidente durante a campanha à reeleição, apenas seis foram cumpridas.

BOQUINHA AMIGA
Com 185 empregados, a Empresa de Planejamento e Logística torrou mais da metade do orçamento em salários e benefícios. Dos R$ 45,9 milhões gastos em 2015, R$ 23,64 milhões foram para pagar pessoal.

INVESTIMENTO ZERO
Pior é o caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, onde R$ 988,8 milhões, ou 84,5% do orçamento de R$ 1,17 bilhão, foram para o bolso dos empregados e a saúde pública no País continua precária.

OPOSIÇÃO SE ASSANHA
Os deputados que defendem o impeachment de Dilma receberam uma notícia acalentadora. As bases de suas excelências pressionam pela cassação, temendo agravamento da crise econômica.

OLHO GRANDE
Apesar do olho grande nos quase R$ 900 milhões do Fundo Partidário, o Raiz Movimento Cidadanista, nova sigla que tem como idealizadora a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), sofre para engrenar.

CENÁRIO NEBULOSO
A oposição prevê um primeiro semestre desastroso para o governo. A avaliação é que o “refresco” das festas de fim de ano vai acabar, com tradicionais cobranças do início do ano: IPTU, IPVA e material escolar.

PENSANDO BEM…
… enquanto o Cantareira levou um ano e meio para deixar o volume morto, o governo Dilma pode morrer no meio do ano