sexta-feira, fevereiro 16, 2018

Tranca no bitcoin - CELSO MING

ESTADÃO - 16/02

Autoridades do mundo inteiro parecem alarmadas com as portas arrombadas pelas criptomoedas

Autoridades do mundo inteiro parecem alarmadas com as portas arrombadas pelo bitcoin e pelas demais criptomoedas. Querem agora providenciar as trancas. Mas não estão seguras sobre o que fazer.

Até recentemente essas criaturas digitais não despertavam mais do que curiosidade – e cobiça. Eram consideradas ou anomalias monetárias ou uma dessas tantas novidades de fôlego curto. Mas, nove anos depois de lançado o pioneiro bitcoin, esse segmento alcança valor de mercado de US$ 180 bilhões, já comparável com o ativo global em diamantes, quantificado em alguma coisa ao redor dos US$ 250 bilhões.

A diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, advertiu dia 12 que essas moedas foram beneficiadas pelo vácuo regulatório e se tornaram “sistemas de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo”. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnuchin, foi claro durante a reunião do Fórum Econômico Mundial: “Embora encoraje o financiamento à tecnologia e a inovação, quero ter certeza de que os mercados financeiros são saudáveis e não são usados para atividades ilícitas”. Também a primeira-ministra da Grã-Bretanha, Theresa May, avisou que seu governo encara as criptomoedas com muita seriedade, porque “têm sido usadas por criminosos”.

Japão, China, Coreia do Sul e Índia já vêm impondo restrições ao lançamento e às transferências de criptomoedas, fator que aparentemente tem sido a causa da enorme volatilidade das cotações.

Alemanha e França, por sua vez, pretendem discutir na reunião de cúpula de chefes de Estado e presidentes de bancos centrais do Grupo dos 20, a ser realizada em março na Argentina, propostas para regulamentar esse novo segmento.

Por aí se vê que a principal preocupação das autoridades não é coibir a proliferação de criptomoedas (hoje são 1,5 mil) e, assim, eliminar a ameaça de quebra do monopólio estatal de emissão de moeda, mas impedir que sejam usadas para atividades ilícitas.

Na terça-feira, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, remou contra essa corrente: “Não é responsabilidade do BCE regular bitcoin”. Não é o que pensa a cúpula do BIS (Bank for International Settlements), que atua na compensação de pagamentos entre bancos centrais. Em documento disse o contrário: os bancos centrais devem preparar-se para intervir.

Mas como intervir? As primeiras sugestões são de identificar os que lidam com essas moedas: os que “mineram”, os que as adquirem nos lançamentos (ICOs - Inicial Currency Offer) e os que as renegociam. Mas não ficam nisso. Chegam até a proibir seu funcionamento.

Há duas limitações importantes para essas iniciativas oficiais. A primeira é a de que a própria natureza das criptomoedas é global, descentralizada e garantidora do anonimato. Se for proibida nos grandes países, sabe-se lá por que mecanismos, nada a rigor impediria que as transações continuassem de qualquer ponto do globo ou da nuvem cibernética. O que as autoridades podem tentar com mais eficácia é proibir as ICOs, os lançamentos no mercado financeiro destinados a arrecadar dólares para iniciar uma nova criptomoeda.

A outra grande limitação – e risco – é a de que uma regulamentação abrangente e supostamente eficaz iniba o desenvolvimento tecnológico e a inovação, o que seria desastroso para todos.

Delírios sobre o nada - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA
Se não houver uma virada de mesa grosseira, a sentença que condenou o ex-presidente a doze anos de prisão terá de ser cumprida

Publicado na edição impressa da EXAME


Se você é um empresário, executivo no desfrute de um emprego ─ sobretudo na área de “Relações Externas” e similares ─ ou tem algum tipo de situação profissional que o coloque na “classe A”, há uma boa probabilidade de já ter dito, ou ouvido dizer no seu círculo social: “É muito ruim que o Lula se transforme num mártir”. Admitindo-se a hipótese de que o ex-presidente possa, eventualmente, vir mesmo a adquirir essa grife de “mártir”, a questão que se coloca é a seguinte: “Muito bem ─ e o que você sugere que seja feito a respeito disso na prática?” Eis aí o ponto central. Se você está preocupado com a possibilidade de que a lei seja cumprida e Lula acabe indo para a cadeia ─ bem, você está com um problema. A dificuldade, no caso, é que não há nada a fazer. Se não houver uma virada de mesa grosseira nos nossos superiores e supremos tribunais de Justiça, algo equivalente aos procedimentos em uso hoje em dia nas altas cortes da Venezuela, a sentença que condenou o ex-presidente a doze anos de prisão terá de ser cumprida. Aí, se ele ficar com uma imagem de santo perseguido, oprimido e injustiçado perante a opinião pública, paciência ─ o Brasil terá de conviver com esse grave problema. A alternativa é rezar para que os nossos mais altos magistrados resolvam que a lei não se aplica no caso de Lula, em nome dos superiores interesses da pátria.

As aflições de uma parte da elite nacional (ou daquilo que costuma ser descrito assim) quanto ao futuro penal de Lula é uma notável comprovação do subdesenvolvimento brasileiro mais clássico. É o contrário do progresso. Sociedade bem sucedida, democrática e próspera cumpre a lei. Sociedade atrasada, injusta e desigual, como é o caso do Brasil, acha que a aplicação da lei precisa ser feita “com cuidado”, pois pode criar sérios problemas. As presentes desventuras do ex-presidente, no entendimento de muitas das mais ilustres cabeças do “Brasil civilizado”, liberal e frequentemente milionário, compõem um “quadro de risco”. Para desmontá-lo, vêm com a conversa obsoleta, medíocre e velhaca de que é preciso ter “criatividade” e buscar saídas de “engenharia política” para obter um “consenso” capaz de “pacificar” os ânimos e preparar o país para a “transição”. Pacificar o que, se não há guerra? Transição para onde? Nada disso se explica com um mínimo de lógica ou de inteligência. A única coisa que se entende, nisso tudo, é a obsessão de passar por cima da lei.

A lenda do martírio de Lula, e das espantosas consequências que isso teria sobre o Brasil e o resto do mundo, é uma dessas coisas construídas em cima do nada. Elas exercem uma atração irresistível sobre o público descrito nas primeiras linhas deste artigo ─ e, ao mesmo tempo, sobre os formadores de opinião, etc. Desde que o ex-presidente teve a sua condenação confirmada pelo Tribunal Federal Regional-4, em fins de janeiro, ficou mais do que comprovado que as grandes massas populares, que deveriam se levantar num movimento de revolta em apoio ao líder, estão pouco ligando para o seu destino. Tratava-se de fato sabido há longo tempo, pela absoluta falta de interesse do público em sair às ruas para defender a causa do PT, mas o debate político insistia em manter a ficção do “levante social”. Agora está mais do que demonstrado que isso não existe ─ e se isso não existe, de onde vem a história de que Lula pode virar um “mártir” se tiver de cumprir sua sentença? Não vem de lugar nenhum. É apenas uma invenção, como as teorias dos seus advogados sobre “falta de provas”, acertos entre magistrados para condenar o réu, desrespeito aos “procedimentos legais” e tantas outras bobagens. É, também, um singular retrato da porção “liberal” das classes ricas deste país. Têm, no seu íntimo, horror de Lula. São contra tudo o que ele diz ─ embora uma boa parte tenha se beneficiado do que ele fez. Não querem que Lula volte a ser presidente. Mas, ao mesmo tempo, querem que ele não seja incomodado em nada. Em matéria de almoço grátis, é o que há.

Uma eleição horrível, mas menos anormal - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 16/02

Candidaturas novas ficam mais difíceis; disputa pode ficar mais tradicional

CASO LUCIANO Huck confirme pela segunda, terceira ou quarta vez que não é candidato, o funil dos candidatos novos, novidadeiros, outsiders ou mais à margem dos partidões vai ficar mais estreito e curto. Aumenta a possibilidade de que a eleição corra para o leito mais tradicional dos partidões.

Nesse caso, tornam-se ainda mais importantes assuntos que ficaram meio esquecidos no auge do verão e da temporada das flores do pântano do recesso político: o plano B do PT, os efeitos da despiora econômica na eleição e a capacidade de Geraldo Alckmin juntar partidos no seu tempo de TV e cabos eleitorais nos Estados, por exemplo.

A última esperança de João Doria é a que morre, mas ela tem prazo de validade claro, cerca de um mês. Pouco antes de abril, vence também o prazo de Henrique Meirelles. Não são probabilidades relevantes, decerto. Quando chegarem a zero, porém, a névoa no campo governista estrito deve se dissipar.

Como possibilidade, ainda que teórica, restaria Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara. Caso Maia permaneça com uma votação dentro da margem de erro de zero, MDB e DEM teriam então de escolher pratos frios do cardápio de candidaturas de eleições passadas, como têm feito faz três décadas.

A ainda persistente fraqueza do centro e da direita normal tende a aumentar as pressões crescentes no lulismo-petismo para que Lula nomeie seu sucessor, que tem chances de chegar a um segundo turno.

Essa parece a alternativa racional do PT, caso se invente um projeto bem-feito para substituir o culto da personalidade do mártir, a única estratégia petista, por ora, plano que não tem objetivo pragmático claro.

A disputa ainda deve ser muito confusa e destrambelhada até muito tarde. Mas o prazo para invenção de modas está se esgotando e faltam movimentações de grupos poderosos com o objetivo de parir uma criatura extrapartidária demais.

Pode ser que, no desespero da reta final, tente-se passar um Joaquim Barbosa pelo funil. No entanto, o sistema político no momento parece estar se fechando em si mesmo. Mesmo Huck estava meio no sereno, sem garantias de que seria adotado como candidato pelos partidões.

As candidaturas dos partidões podem ser definidas até julho. É tempo. Parece muito improvável que Michel Temer recupere pontos de prestígio e tenha meios (máquina) para definir alianças e candidatos, que dirá votos. Mas os ares do país podem mudar um pouco com a despiora econômica.

Alguma despiora haverá, não convém subestimá-la de todo, comparando 2018 com a estagnação no fundo do poço de 2017.

Quem levará esse eleitor remediado, provavelmente da metade mais rica da população e então menos furioso? Para a metade de baixo, não há por ora mensagem alguma, a não ser a imagem de Lula.

O número e a variedade de insatisfeitos ainda são enormes, da elite que inventava Huck ao povo miúdo. Afora a opção de votos de ódio boçal, não há movimentação alguma para fazer de Marina Silva (Rede) ou Ciro Gomes (PDT) recursos de última instância, não tem tu, vai tu mesmo.

É plausível imaginar que, por catatonia ou falta de criatividade política, que seja, a eleição fique mais normal do que se imaginava.


Deepfakes eleitorais - PEDRO DÓRIA

O Estado de S.Paulo - 16/02

Do ponto de vista técnico, qualquer vídeo, real ou falso, pode ser produzido



Nos últimos meses, um grupo razoavelmente grande de pessoas começou a se dedicar ao que batizaram deepfakes. São vídeos nos quais o rosto de uma pessoa é cuidadosamente transplantado para o corpo de outra. Uma das manias é colocar o ator Nicholas Cage nas cenas mais improváveis. Use a palavra deepfake e o nome do ator numa busca do YouTube. A outra mania, como não poderia deixar de ser, é pescar cenas pornográficas e encaixar nelas mulheres famosas.

Não é difícil produzir deepfakes, há um aplicativo para isso. Chama-se FakeApp. O usuário precisa encontrar uma série de fotos do rosto que deseja transplantar e um algoritmo de inteligência artificial analisa os movimentos na face do filme que receberá o transplante. Cada sorriso ou arquear de sobrancelha. Quadro a quadro a cena é analisada e, o novo rosto, baseado em fotos, esculpido. Alguns dos resultados são muito impressionantes.

É uma brincadeira de geeks, ainda desconhecida por boa parte das pessoas. Mas, do ponto de vista técnico, qualquer vídeo pode ser produzido. Hoje. Um garoto de 15 anos daqueles que passa o dia à frente da tela poderá, após algumas horas de trabalho, apresentar um filme indistinguível se real ou falso do papa Francisco recebendo suborno de um bicheiro. Não custa nada.

Foi em maio do ano passado que o WhatsApp informou pela última vez quantos usuários tinha, no Brasil – 120 milhões. Segundo o TSE, agora em janeiro éramos quase 147 milhões de eleitores. É razoável imaginar que pelo menos 70% dos brasileiros aptos a votar troquem mensagens pelo sistema. É o meio de comunicação digital mais difícil de monitorar. Temos como analisar a disseminação de dados pelo Facebook, pelo Twitter, pela web. O WhatsApp, dedicado a conversas privadas, não raro em grupos, é fechado.

E, ora, temos um problema com fatos. As diferenças ideológicas, em todo o mundo, extrapolaram para além da interpretação. Quem monitora as conversas travadas nas redes de esquerda e de direita, por aqui, percebe isso nitidamente. Grupos diferentes escolhem em que fatos vão acreditar. Chamam isso de interpretação. Não é. É optar por só acreditar naquilo que lhe interessa.

Quando falamos de fake news, estamos frequentemente olhando para o retrovisor. Para os EUA e o Reino Unido de 2016. Pois 2018 já é outro mundo do ponto de vista tecnológico. A capa da edição que chega agora às bancas americanas da revista Wired narra como, internamente, o Facebook lentamente reconheceu sua participação no desastre eleitoral. Desastre não pela eleição de Donald Trump ou escolha do Brexit. Desastre porque seu mecanismo contribuiu para que o eleitor fosse mal informado às urnas. Maliciosamente mal informado, diga-se, por grupos que sabem se aproveitar da fragilidade das pessoas que já se predispõem a acreditar apenas naquilo que confirma suas opiniões.

Google e Facebook, ao que tudo indica, trabalharão duro para que ataques do tipo que ocorreram nos EUA não funcionem por aqui, no México, Itália ou Irlanda, as democracias relevantes que realizam eleições nacionais este ano. Têm os melhores engenheiros. É bem possível que consigam deter os usos já mapeados da magia negra do marketing eleitoral.

Mas junte não só fake news escrita ou em áudio distribuída via WhatsApp, como também os deepfakes. Tente convencer um bom naco do eleitorado de que aquele filme – com Lula, com Ciro, com Marina, com Bolsonaro, com Alckmin, não importa – é falso. Junte isto a um cenário espatifado, com mais de dez candidatos, no qual quem largar na frente nos primeiros meses terá uma vantagem irreparável.

Basta atacar aquele candidato com quem disputa eleitores. Pois é. Esta eleição dá medo.

Juízes, respeitem a cidadania! - ROBERTO ROMANO

ESTADÃO - 16/02

Historicamente, muitos magistrados usaram a lei como instrumento de opressão e tirania


A campanha contra a corrupção atinge décadas de existência, no mundo e no Brasil. Fenômeno social, político, econômico, suas causas e seus resultados têm muitos sentidos. Erro é o entender com análises que o cindem entre o bem e mal, o aceitável e o proibido. Oportunismos vários recortam a vida coletiva de maneira maniqueísta: o nosso lado nunca sofre erros; já o canto oposto... responde por tudo o que dissolve os laços éticos. Tais indignações sempre são seletivas. Pode nosso parceiro cometer as piores vilanias, ele encontrará desculpas em nossas almas. Mas as hostes inimigas, mesmo em caso de pecadilho, transformam-no no agente de Lúcifer.

Se escutamos fanáticos que agem segundo slogans, pouco podemos reclamar do seu primarismo. Seitas seguem líderes de modo apaixonado. Basta que sejam ouvidas falas contrárias às do agrupamento, logo os gestos se tornam agressivos. O pensamento exige diálogo entre diferentes (a mesmice impede saberes novos), mas o sectário nada capta sobre realidades complexas. Preocupa, no entanto, encontrar pessoas que deveriam dedicar-se à reflexão, mas aceitam esquemas binários. Elas racionalizam fatos, dão aos parceiros frases para justificar táticas hediondas.

Baseado em tal constatação, Jean-Paul Sartre distingue o filósofo do ideólogo. O primeiro busca o verdadeiro, o segundo dispensa a busca factual e lógica. O próprio Sartre agiu com as duas faces, a filosófica e a ideológica. A primeira, ao investigar a liberdade, os atos intencionais da consciência. A segunda, ao defender regimes como o da União Soviética. Mas ele se ergueu contra a invasão da Hungria em 1956. O mesmo indivíduo pode assumir certa atitude, depois outra. Imaginemos povos inteiros, cuja oscilação entre o pacífico e o truculento, o moral e o criminoso, conduz às guerras.

A campanha contra a corrupção exige cautelas. Na História temos casos de indivíduos que, ao guerrear o que julgavam corrupto, foram vencidos. O símbolo dos justiceiros encontra-se em Savonarola, “profeta desarmado”. Quando vencia, massas o seguiam, ébrias de certezas. Ai dos pecadores! Acabou na fogueira e a República seguiu costumes de antanho. A frase maquiavélica sobre o monge não é exata: suas armas estavam na mente dos que o idolatravam. Quando popular, o dominicano não precisava mover exércitos. A massa crente, ruidosa como o vendaval, servia-lhe como arma.

No Brasil, surgem inúmeros profetas, sobretudo no Judiciário, líderes da campanha em prol da pureza radical. Quase nenhum deles recorda a experiência do irado monge. Usam a receptividade do tema em estratos da população para atacar corruptos, reais ou supostos. Olvidam o fato notório: a fama aparece e some em pouco tempo. Uma sociedade abriga os mais contraditórios interesses e causas. Em determinado instante, certo tema ocupa as mentes e os corações. Quando surge outra ameaça, o interesse público a teme e amplia.

Todos os que estudaram a famosa Operação Mãos Limpas conhecem o seu instante de glória, quando muitos políticos foram presos, expulsos da vida oficial. Mas depois vieram as réplicas. Juízes e promotores perderam apoio, a Grande Causa foi obliterada pelo ramerrão político ou eleitoral. Partidos foram destroçados. Mas outros, tão corrompidos quanto, surgiram para controlar o Legislativo e o Executivo. E tutto rimane come sempre... Magistrados fundaram partidos que poucos votos tiveram. Hoje eles andam pelo mundo para explicar o seu fracasso. Poucos atores da Mani Pulite criticaram a si mesmos, pois, como é “evidente”, a culpa da hecatombe corrupta deveria ser atribuída aos outros, os ardilosos que agem nas sombras... Outra nota do fanatismo: ele é orgulhoso, deseja para si a perfeição plena. Os defeitos, ora, encontram-se nos terrenos alheios...

O Judiciário brasileiro procura se defender das críticas a ele enviadas pelos diversos setores políticos, sociais, ideológicos, econômicos. As reações contra magistrados a eles soam como crimes de lesa-majestade... divina. Tal atitude foi resumida pela ministra Cármen Lúcia ao inaugurar o atual ano de trabalho. “Não há civilização nacional enquanto o direito não assume a forma imperativa, traduzindo-se em lei. A lei é, pois, a divisória entre a moral e a barbárie”.

O nobre Rui Barbosa que nos desculpe, mas é árduo identificar plenamente “lei” e “juízes”. Da Ágora que condenou Sócrates aos tribunais de exceção do século 20 (e do 21...), muitos e muitos juízes usaram a lei como instrumento de opressão e tirania. É recomendável a leitura do livro tremendo de Eric Voegelin, Hitler e os Alemães. No Brasil da era Vargas e do regime imposto em 1964, juízes em grande quantidade “aplicaram imperativamente as leis” de modo inclemente e desumano. Tais normas ofendiam o Direito, a liberdade, a dignidade dos governados. Cito um correto comentário ao discurso da magistrada: ela não mencionou, mas o Poder Judiciário, “com frequência crescente, descumpre as leis, criando-as à revelia do Congresso, instituição moldada para legislar. (...) As decisões da Justiça devem ser respeitadas. Mas é igualmente certo que, em primeiro lugar, quem deve respeitar a lei é o juiz. O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado, como se sua voz tivesse um valor especial por si só. A decisão da Justiça tem seu fundamento na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo” (O Estado de S. Paulo, A responsabilidade do Judiciário, 2/2/2018, A3).

As ordens do Supremo Tribunal Federal são atenuadas mesmo por instâncias inferiores do Judiciário. O caso da Súmula Vinculante de número 11 é claro. Enquanto tal situação permanecer, e o cidadão for humilhado pelo poder sem peias de juízes, sempre que ouvirmos suas falas com ataques à vida social brasileira, devemos proclamar: medice, cura te ipsum (médico, cura a ti próprio)!

*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros Estados da razão’

Ciência e positivismo - JOSÉ PIO MARTINS

GAZETA DO POVO - 16/02

Há polêmicas fanáticas envolvendo o positivismo, que decorrem da tese positivista de que o método científico é a única fonte válida do conhecimento

Há expressões que percorrem um caminho tortuoso: começam significando algo relevante, adquirem importância científica, passam a sofrer interpretações e críticas com conotação ideológica ou religiosa, viram alvo de debates nervosos e irritados... e por fim acabam não se prestando mais para conceituar e identificar claramente seu objeto, significado e abrangência. A razão dessa transmutação é que entram em cena as paixões humanas, e estas, sobretudo quando extremadas, prejudicam a compreensão dos fenômenos naturais ou sociais.

Uma dessas expressões é “positivismo”, que pode ser definido com uma doutrina filosófica ou um sistema para organizar as ciências experimentais na busca do conhecimento, em substituição à ideia de entender a natureza e os fenômenos por meio de teorias metafísicas ou teológicas, e tem como pai o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), embora também se atribua a copaternidade a John Stuart Mill (1806-1873), um misto de filósofo e economista.

Além das ciências da natureza, o positivismo avançou para as ciências sociais, inclusive as ciências jurídicas
Há polêmicas fanáticas envolvendo o positivismo, que decorrem da tese positivista de que o método científico é a única fonte válida do conhecimento. Ou seja, para conhecer a natureza é preciso consultar a natureza, não os deuses ou os astros. O mantra de que o aumento do conhecimento somente vem com mais ciência e menos religião teve efeito explosivo nos círculos da filosofia, da ideologia, da igreja e da política, e teve lugar principalmente no tempo da Revolução Industrial, o século 18.

O positivismo elegeu o método científico como a base do progresso da ciência e da inovação tecnológica, nos termos propostos por Galileu Galilei, no século 16, com suas quatro etapas: observar um fato concreto, fazer uma pergunta sobre o fato, formular uma hipótese em resposta, realizar uma experiência controlada e válida para confirmar ou negar a hipótese. Para o positivismo, o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro, e somente a comprovação por métodos científicos válidos pode garantir que uma teoria é correta.

Atualmente, em certa medida a ideologia substituiu a religião como fonte de fanatismo (que é uma espécie de admiração cega e excessiva que dispensa provas e a busca da verdade). Além das ciências da natureza, o positivismo avançou para as ciências sociais, inclusive as ciências jurídicas, e reduz o Direito apenas ao que é fixado pelas autoridades que detêm poder político para impor as normas jurídicas, sejam elas morais ou não. Ditadores como Hitler, Fidel, Stalin e Pinochet mataram gente de seu povo sob o respaldo de leis. Era imoral, mas era legal.

Os processos e as sentenças das operações de combate à corrupção estão eivados desse ambiente de reações contra ou a favor com base em ideologia ou fanatismo político-partidário. Seguramente, a maioria dos fanáticos de um lado e de outro não leu os processos e as sentenças, e baseia suas opiniões apenas em sua crença ideológica ou opção partidária, longe dos aspectos jurídicos e dos detalhes técnicos.

O positivismo provou sua utilidade no campo do progresso e das invenções tecnológicas usadas nos processos produtivos. No espectro das ciências físicas, o método científico e os princípios do positivismo provaram seu valor e sua eficácia. No mundo das ciências sociais, ainda que seu prestígio seja grande, o positivismo sofreu sérias contestações. Talvez a melhor atitude seja não se pôr contra ou a favor do positivismo, mas de adotá-lo onde ele é útil e dispensá-lo onde ele não serve.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

É Lula quem corre o risco de ser preso, mas os antipetistas é que estão desesperados - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 16/02

Vale tudo. Até apelar a Luciano Huck, que não vem de táxi, mas de avião movido a BNDES


Que coisa! É Lula quem está a depender de uma decisão do STF para não ser preso antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, mas quem vive seu patético momento é o campo não petista. E aí vale tudo. Até apelar a Luciano Huck, que não viria de táxi, mas de avião movido a BNDES...

Não me surpreende. Política não se esgota na matemática. Também não é inteiramente explicável pela lógica. Mas pobre do tolo que desprezar o saber objetivo em favor de achismos, impressões e estreitezas ideológicas. Análise política, por sua vez, não é profecia, jogo de búzios, arcanos de tarô. Andará bem aquele que fizer seus diagnósticos e prognósticos levando em conta os valores que estão sendo agredidos ou incensados.


Há precisamente um ano, no dia 17 de fevereiro de 2017, escrevi neste espaço o seguinte: "Ainda é cedo, claro! Mas uma sociedade diz alguma coisa de si mesma, do processo político e do futuro quando uma média de 30% dos eleitores, mesmo depois de tudo, está com Lula. E poderia ser diferente? A indignação com a corrupção e os desmandos do PT degenerou depressa em moralismo tacanho, em ódio à política, em contínua depredação de procedimentos mesmo os mais corriqueiros da atividade. Se todos são mesmo iguais, então Lula é melhor."

Mas quê... Não só o campo não petista continuou apegado ao túmulo da moral como insistiu em endossar as ilegalidades da Lava Jato, que atingiriam o estágio do sublime com a patranha que uniu Rodrigo Janot, Joesley Batista, Edson Fachin e Cármen Lúcia. A articulação, com apoio escancarado dos veículos do Grupo Globo —cadê o endosso do presidente à compra do silêncio de Eduardo Cunha ou o pedido de desculpas?—, buscava derrubar Michel Temer em uma semana. O presidente não caiu. Mas a inflação despencou de 10% para menos de 3%; a Selic mergulhou do trampolim dos 14,25% para 6,75%; a economia saiu de uma recessão de 3,6% para um crescimento de estimáveis 3,5% neste 2018. E só não temos uma reforma da Previdência robusta por causa da tramoia dos açougueiros de instituições.

E Lula chegou a roçar o patamar dos 40%. Não obstante, o campo centrista que se opõe ao PT insiste em ignorar as conquistas do governo Temer e se nega a fazer a politização virtuosa do desmonte das armadilhas do petismo. Não há salvação (a palavra é essa) fora de uma candidatura que sustente esse legado.

"Como, Reinaldo? Defender o governo Temer?" Sim, é disso que se trata. Se as alternativas fossem derrota e derrota --o que acho falso desde que haja coragem de dizer o óbvio—, melhor seria perder fazendo a coisa certa do que perder fazendo a coisa errada. O cínico de plantão poderia tentar a saída pela porta da piada: "Que tal tentar ganhar fazendo a coisa errada, isto é, ignorando o governo?"

Essa alternativa não existe porque, na realidade aplicada, o campo não esquerdista teria de vencer as eleições negando o que de correto e necessário se fez até agora. Pior: a depender do calor dos embates, teria de prometer desfazer o certo, como o teto de gastos, por exemplo. E, por óbvio, a vitória de uma proposta assim nas urnas —do PT ou de qualquer outro grupo— implicará uma derrota para o país que cobrará seu preço gerações afora.

PS - Parecer de Raquel Dodge, procuradora-geral da República, contra a concessão de habeas corpus preventivo a Lula traz muitos erros, dois deles pedestres. No meu blog, explico no detalhe. A doutora erra ao afirmar que Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) gera "efeito vinculante", que ela mistura com "repercussão geral", numa salada dos diabos. Diz ainda que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da presunção da inocência, não pode definir o sentido do trecho da Constituição (inciso 57 do art. 5º) que aborda assunto idêntico. E com as mesmas palavras! Ora, é claro que não! Até porque o artigo 283 do CPP foi alterado por uma lei de 2011, e a Constituição é de 1988. A lei foi redigida segundo os auspícios da Carta, não o contrário. A menos que a procuradora-geral tente transformar o que veio depois em causa do que veio antes... Na carnavalização geral, o direito brasileiro está virando o samba-dos- procuradores-e-dos-juízes-doidos.

Com a devida vênia - NELSON MOTTA

O Globo - 16/02

Não há como negar a queda vertiginosa de qualidade nos julgamentos e no comportamento do atual STF, com honrosas exceções


Revendo velhas fotos de família, encontrei uma de meu avô Candido Motta Filho de toga, com seus colegas do Supremo Tribunal Federal dos anos 60: ministros Ary Franco, Adaucto Lucio Cardoso, Victor Nunes Leal, Nelson Hungria, Evandro Lins e Silva, Prado Kelly, Lafayette de Andrada, Luiz Galotti e Themistocles Cavalcanti, presididos por Orozimbo Era uma como Nonato. verdadeira sabe qualquer seleção estudante brasileira de de Direito. juristas, Ensinaram gerações de juízes e advogados com seus livros, suas aulas e suas sentenças, e se tornaram referência de sabedoria e integridade na vida brasileira. Seus votos são abundantemente citados até hoje. Nomeados por Getúlio Vargas, JK, Jango Goulart e Castelo Branco, alguns foram cassados pela ditadura como subversivos.

Com a devida vênia, seria cruel comparar a qualidade e a independência desse time com a atual formação. Não é saudosismo, é história.

Como o Brasil não deixou de produzir grandes juristas e advogados, o que teria acontecido? Como e por que começou a decadência? Sim, de lá para cá muitos ministros, alguns notáveis, honraram o Supremo, mas não há como negar a queda vertiginosa de qualidade nos julgamentos e no comportamento do time atual, com honrosas exceções. José Dirceu defendia que as nomeações para o Supremo deveriam ser políticas, para servir aos interesses da “causa popular” e do partido, argumentando que nos Estados Unidos a escolha dos membros da Suprema Corte também era “política” — embora lá o equilíbrio buscado seja entre conservadores e liberais, sem nada a ver com a ideia chavista da Justiça a serviço da “revolução bolivariana".

A partir do governo Lula e da influência de Dirceu, se iniciaram nomeações claramente políticas, com o apoio do Senado. Sem questionar o “notório saber jurídico” exigido pela Constituição, ministros como Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski tinham profundas e públicas ligações com Lula, Dirceu, o partido e o governo. E a partir do mensalão, sob o som e a fúria de Joaquim Barbosa, o Supremo rachou, cresceu em politização e diminuiu em qualidade, serenidade e compostura.

A hora da coragem histórica - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/02
Chegou-se a um ponto em que o Brasil precisa que a reforma da Previdência seja discutida e votada pelos deputados, sem mais delongas

Segundo se noticia, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estaria trabalhando na redação do discurso que faria para anunciar um eventual arquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previdência. Melhor que não seja verdade. Se assim agisse, o presidente da Câmara transmitiria uma mensagem deletéria para o País.

Diante da dificuldade para obter os 308 votos necessários à aprovação da reforma, Rodrigo Maia estaria manobrando para que, caso a reforma seja mesmo engavetada, o ônus político recaia exclusivamente sobre o Poder Executivo, que não teria sido hábil o bastante para reunir o apoio necessário em torno da matéria.

Primeiro, é importante dizer que nenhum governo, desde a redemocratização, se engajou com tal afinco em uma reforma cuja premência para o País é diretamente proporcional à sua impopularidade, como é o caso da alteração das regras de concessão de pensões e aposentadorias. A falta do necessário apoio da opinião pública a essa reforma, que pode ser considerada a principal de todas as de que o País necessita, em boa medida é devida a uma campanha de propagação de mentiras que não pôde ser respondida com a mesma liberdade de circulação em razão de decisões judiciais que sustaram a veiculação de anúncios do governo que tinha por finalidade esclarecer a sociedade sobre temas controvertidos da matéria, como a idade mínima, as regras de transição e a questão das aposentadorias rurais.

Segundo, não é hora para vacilações e tampouco para comportamentos dúbios. A esta altura, mais de um ano após a apresentação da matéria e sucessivos debates envolvendo os mais variados setores da sociedade, já está mais do que evidenciada a urgência da aprovação da reforma da Previdência para que as contas públicas não corram o risco de insolvência em um prazo mais curto do que se imagina. Metade da receita líquida da União já é destinada ao pagamento de pensões e aposentadorias. Se nada for feito agora e o ritmo de crescimento do déficit da Previdência for mantido, o que é indicado pelas projeções de especialistas no setor, em 2020, daqui a dois anos, toda a receita líquida da União será comprometida pelo custeio da Previdência, uma possibilidade que deveria causar arrepios numa autoridade pública com a relevância do presidente da Câmara dos Deputados.

Rodrigo Maia é um político. É legítimo que tenha as suas pretensões eleitorais e avalie os passos que deve dar para a construção de sua carreira na política. No entanto, os seus objetivos pessoais devem ficar em segundo plano quando por sua posição institucional passa a matéria mais relevante para o País atualmente. Ele tem um papel a desempenhar como presidente da Câmara e nele não cabe fazer cálculo eleitoral quando o que está em jogo é muito mais do que sua candidatura ao cargo que for, mas o futuro do País a que serve ocupando uma das mais importantes posições públicas num regime democrático.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que o início da discussão sobre a reforma da Previdência no plenário da Câmara está mantido para o próximo dia 20, mesmo sem a garantia do apoio de, no mínimo, 308 deputados. “Estamos avançando. Saio com a confiança redobrada”, afirmou Marun ontem, após uma reunião com Rodrigo Maia.

A reforma da Previdência é mesmo matéria de difícil trânsito entre os deputados. Não por acaso, em diversas oportunidades deixou de ser enfrentada na Casa. Chegou-se a um ponto, entretanto, em que o Brasil precisa que a reforma seja discutida e votada com coragem histórica pelos deputados, sem mais delongas.

Que as posições na Câmara, favoráveis ou contrárias à reforma, sejam absolutamente claras aos olhos da opinião pública. Está-se lidando com uma matéria de fundamental importância para a construção do país que desejamos ser, viável economicamente, próspero, com um sistema previdenciário sustentável e mais justo e, portanto, capaz de garantir a todos os cidadãos não só a prestação de serviços públicos de qualidade, mas a proteção de direitos.

Retirada estratégica? - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 16/02

O pior que Rodrigo Maia poderia fazer, a essa altura, é engavetar o projeto de reforma da Previdência com argumentos que não param em pé


O calendário prometido no ano passado para a reforma da Previdência já está atrasado: pelo que havia sido decidido no fim de 2017, as discussões sobre o projeto já deveriam ter começado na Câmara dos Deputados e a votação ocorreria no dia 19 ou no dia 20. Em vez disso, o ano legislativo começou sem discussão alguma, e a data da votação virou o marco para o início dos debates. Mas até isso está na corda bamba.

Na quinta-feira, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, garantiu que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), cumprirá o novo cronograma e iniciará os debates na próxima semana. O ministro fez a afirmação depois de reunião com o próprio Maia. Mas informações de bastidores levantadas pelo jornal O Estado de S.Paulodizem que o presidente da Câmara já tem o discurso pronto para engavetar o projeto, já que o governo não tem ainda os 308 votos necessários para a aprovação da emenda constitucional.

Se a proposta é “necessária”, tem de ser feita, independentemente do resultado que surja das urnas no fim deste ano


Enterrar a reforma da Previdência seria uma irresponsabilidade sem tamanho, e nenhum dos argumentos citados pelas fontes ligadas a Maia e que seriam usados por ele para justificar tal decisão para em pé, a começar pela avaliação de que a reforma é “necessária”, mas que o futuro da proposta tem de ser definido pelas eleições de outubro. Afirmar algo assim é praticamente fugir das responsabilidades que os eleitores atribuíram a este Congresso eleito em 2012 e que tem a obrigação de seguir trabalhando até o último dia de mandato. Ora, se a proposta é “necessária”, tem de ser feita, independentemente do resultado que surja das urnas no fim deste ano. Maia sabe muito bem do sucesso das campanhas de desinformação levadas a cabo por quem diz não haver necessidade de reformas, e do risco de que o eleitor consagre mais uma vez, como em 2014, o populismo enganador. Aceitar esse risco não é exatamente uma demonstração de convicção na “necessidade” da reforma.

Um outro argumento, o de que não adianta colocar a reforma em pauta para que ela seja derrotada, fazia algum sentido meses atrás, quando havia tempo hábil para continuar a costurar apoios. Agora, com a contagem regressiva para o início do período eleitoral, em que nossos congressistas praticamente abandonam seu trabalho para o qual foram eleitos (e para o qual são pagos) para caçar votos Brasil afora, é melhor, sim, votar a reforma de uma vez; se não para aprová-la, pelo menos para que o debate possa avançar e ficar mais evidente, para que haja novas oportunidades de desmentir a falácia do “déficit inexistente”; assim, aplaina-se o caminho para – por que não? – uma mudança de convicções dos indecisos em favor da reforma, ou, na pior das hipóteses, para que a o tema não seja ignorado pela próxima legislatura.

Ainda segundo o Estado, o grupo ligado a Maia entregou que as motivações do presidente da Câmara não têm nada a ver com o “papel institucional” que ele alegaria se realmente anunciar o engavetamento da reforma da Previdência: ele desejaria se distanciar de uma proposta impopular para aumentar sua viabilidade eleitoral – o que, aliás, só confirma a temeridade de empurrar a responsabilidade de fazer a reforma para os eleitos em outubro, já que o próprio grupo de Maia avalia que o ânimo do eleitor é, hoje, contrário ao texto. Este não é o momento de um presidente de casa legislativa colocar os próprios cálculos eleitorais acima da matemática fiscal que ameaça destruir as contas públicas.


Bolsa furada - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/02

MEC vem falhando de forma grave na fiscalização de isenções tributárias


A Constituição reza em seu artigo 37 que a administração pública deve pautar-se pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na prática, a conduta é outra.

A toda hora uma investigação revela que, na penumbra das repartições, pululam ações e omissões imorais, se não ilegais, a favorecer pessoas e empresas. Residem aí a raiz e o adubo da profunda ineficiência do Estado brasileiro.

O último fruto podre brotou de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) nas isenções fiscais concedidas a instituições de ensino que, segundo certificação do Ministério da Educação (MEC), não têm o lucro como objetivo. As isenções educacionais chegam a R$ 4,5 bilhões por ano.

Para ficarem livres de contribuições previdenciárias, estabelecimentos de ensino precisam ser entidades constituídas sem fins lucrativos, ter mais de um ano de atuação, apresentar balanços confiáveis, aplicar receitas na própria atividade e obter o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) do MEC.

Em contrapartida, devem conceder bolsas de estudo integrais ao estudante cuja família tenha renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo e bolsas parciais no caso de renda mensal per capita de até três salários mínimos. Essas gratuidades podem alcançar 20% do faturamento bruto da escola.

Impera o descontrole, contudo. A Receita Federal informa que 1.484 escolas tinham isenção tributária em 2015, enquanto o MEC registrava apenas 1.239 com Cebas.

Ao cruzar informações dos supostos bolsistas com alguns cadastros oficiais, o TCU encontrou irregularidades em 37 de 91 estabelecimentos pesquisados.

Constatou-se que 462 bolsistas eram sócios de empresas. Quase duas centenas tinham rendimentos mensais declarados superiores a dez salários mínimos. Havia 65 proprietários de veículos de luxo, 12 de lanchas e três de aviões.

Multiplicam-se os indícios de fraude, ou seja, de que os contemplados são fantasmas. Encontraram-se 1.500 casos de nomes de favorecidos que se repetem três ou mais vezes nas listas encaminhadas ao MEC. Tudo indica que muitos relatórios enviados ao governo pelas entidades são fruto de manipulação, para dizer o menos.

Fica evidente que o MEC não fiscaliza como deve a benesse. As entidades agraciadas se obrigam a enviar-lhe prestações de contas anuais, mas só 6% o fizeram em 2016; das que chegaram à pasta, nenhuma foi analisada, informa o TCU.

O ministério diz que prepara sistema informatizado para sanar "eventuais fragilidades dos mecanismos de controle". Muito pouco, muito tarde —ao menos sob a luz clara do princípio da eficiência.


Os juros e o cenário de riscos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/02

A perspectiva de superação dos problemas fiscais dará espaço a uma política mais branda


Fundamental para o crescimento econômico e para a estabilidade de preços, a política de juros, conduzida no dia a dia pelo Banco Central (BC), depende dos Três Poderes, embora esse fato seja raramente citado nas discussões. Haveria maior segurança para novos cortes da taxa básica, a Selic, se pelo menos a base do governo apoiasse a pauta indispensável à correção das finanças públicas e à expansão segura dos negócios e do emprego. As próximas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) dependerão, naturalmente, de vários fatores, como o cenário global, o ritmo da atividade interna e a evolução dos preços, talvez até com a surpresa de uma inflação menor que a prevista. Mas a gestão das contas oficiais e as perspectivas de avanço ou retrocesso na área fiscal são uma referência permanente para a formulação da política de moeda e crédito.

A importância desse tema foi acentuada mais uma vez na ata da última reunião do Copom, divulgada ontem. Os membros do comitê, diretores do BC, definiram as condições para interrupção ou continuação do corte de juros quando se reunirem nos dias 20 e 21 de março.

Se a inflação evoluir de acordo com o cenário básico e a recuperação econômica se tornar mais firme, os juros serão mantidos em 6,75%. Uma piora do quadro internacional também será considerada um bom motivo para interrupção dos cortes. Em contrapartida, o afrouxamento poderá continuar se a inflação subjacente continuar “em níveis confortáveis ou baixos”, com possibilidade de mais preços contidos em níveis muito moderados.

Mas há outra possibilidade, especialmente interessante, de condições propícias a nova diminuição dos juros. A linguagem é um tanto complicada, mas vale a pena enfrentá-la. Se alterações do cenário tornarem menos prováveis um “aumento dos prêmios de risco” e a “consequente elevação da trajetória prospectiva da inflação”, o Copom poderá ter espaço para baixar de novo o custo do crédito.

Para decifrar o recado, é preciso recorrer a outras passagens da ata. Os tais prêmios de risco podem subir, por exemplo, se as condições internacionais piorarem, o dólar subir em relação ao real e a mudança do câmbio pressionar os preços para cima. Mas os prêmios de risco podem também subir se houver “frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas e ajustes necessários”. No pior caso, a deterioração do quadro externo pode ser combinada com a frustração das expectativas quanto a ajustes e reformas.

O quadro inverso poderá ocorrer, tornando menos prováveis os tais prêmios de risco, se as condições internacionais continuarem benignas e houver perspectiva de avanço no quadro fiscal. Também poderá ocorrer, de modo menos completo, se o programa de ajustes e reformas for levado adiante. O recado é claro. Em qualquer caso, a perspectiva de superação dos problemas fiscais dará mais espaço a uma política mais branda, ou menos dura.

O quadro externo é descrito como ainda favorável, mas a ata menciona a volatilidade recente no mercado financeiro. Quanto a isso, o texto é mais completo que o da nota distribuída após a reunião do Copom. Também é mais claro e mais completo quando apresenta a advertência mais séria. A ata menciona o risco de “um revés nesse cenário internacional benigno num contexto de frustração das expectativas sobre as reformas e ajustes necessários”.

Ocorreria, nesse caso, uma das piores combinações imagináveis nas condições atuais. Um choque provocado por um forte aperto nas finanças internacionais atingiria um Brasil fragilizado por uma crise fiscal sem perspectiva de superação num prazo razoável. Essa possibilidade é mencionada no fim do 13.º parágrafo da ata.

Diante dessa hipótese, torna-se menos importante saber se a redução de juros será interrompida na próxima reunião do Copom. Muito mais premente é saber se o Brasil, no caso de um choque, terá fundamentos sólidos para suportá-lo. Não terá, se a pauta de reformas continuar empacada. Reservas de US$ 380 bilhões ajudarão a aguentar o tranco, mas por quanto tempo?


A longa jornada da baixa produtividade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/02


Pesquisa quantifica a ineficiência do sistema produtivo brasileiro, provocada por um ensino deficiente e baixos investimentos, causados por um distributivismo populista

O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo, encontra-se nos primeiros lugares em volume exportado de grãos, carnes e outras matérias primas, mas não aparece bem situado em listas que tenham a ver com qualidade, tecnologia, aprimoramento. É um país em que falta sintonia fina.

O mais recente destes rankings é sobre produtividade, feito pela Fundação Getúlio Vargas, divulgado ontem pelo GLOBO. A inferioridade brasileira é indiscutível: o país, numa relação de 68 economias, está em 50º lugar, abaixo de Argentina, República Tcheca, Nova Zelândia e outras nações de reconhecida eficiência, como Alemanha, Suíça, Japão e Estados Unidos.

O levantamento das horas médias anuais trabalhadas por pessoa ocupada coloca a Noruega em primeiro lugar, com 1.426,9 horas com uma produtividade de US$ 102,8 por hora, o resultado da divisão do PIB pelo total de tempo trabalhado. Este é o valor do que um empregado norueguês produz por hora. A distância para o brasileiro é enorme: este trabalha mais que o norueguês (1.711,3 horas médias anuais), porém o valor da sua produção é de irrisórios US$ 16,8.

O Plano Real, de 1993/94, lançado no governo de Itamar Franco e implementado nas duas gestões do tucano Fernando Henrique Cardoso, trouxe a estabilização econômica essencial a qualquer projeto de desenvolvimento.

A economia passou por uma fase de modernização e de relativa abertura ao exterior, até que, a partir do segundo mandato de Lula, o nacional-populismo destruiu boa parte do que havia sido construído e engendrou a maior recessão da história do país — 8% no biênio 2015/16.

Há múltiplas razões da quase atávica baixa produtividade do sistema produtivo brasileiro. De acordo com Claudio Dedecca, economista da Unicamp, também em outras pesquisas, como a da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil não está bem colocado há três décadas.

O bom exemplo clássico é da dupla Taiwan e Coreia do Sul, pobres no pós-guerra, mas que avançaram, deixando o Brasil para trás em vários indicadores. Um deles, produtividade. Os dois e vários outros deram prioridade a investimentos na educação. A Alemanha, por sua vez, 5ª neste ranking, além de tratar da formação de sua mão de obra, aprimora as relações de trabalho.

No Brasil, a educação não evoluiu como necessário, com sua melhoria tendo empacado no ensino médio. O mercado de trabalho não recebe, portanto, mão de obra bem capacitada. Um fator-chave na baixa produtividade.

Houve ainda os desvarios distributivistas do lulopetismo, com aumentos reais elevados do salário mínimo, nos governos Lula e Dilma, e ao qual indexaram-se gastos previdenciários e sociais. Assim, a taxa de poupança do país, já baixa, caiu mais, e, junto com ela, os investimentos. O Brasil empobreceu e ficou menos competitivo. De 2008 a 2018, temos mais uma década perdida, e a produtividade anêmica reflete isso.

Os gastos das federais - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/02

Gastos das universidades federais passaram de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões, entre 2009 e 2016, um aumento de 40%, em valores atualizados

Os gastos das universidades federais passaram de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões, entre 2009 e 2016, um aumento de 40%, em valores atualizados. No mesmo período, o custo anual médio por aluno caiu de R$ 38,8 mil para R$ 37,5 mil. O custo mais alto, no valor de R$ 81,1 mil por aluno, é da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O mais baixo, de R$ 14,1 mil por aluno, é da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Já as despesas obrigatórias com pessoal ativo e inativo consumiram 86,9% do orçamento dessas instituições.

Os números são do Censo da Educação Superior, que levam em conta alunos de graduação e pós-graduação e englobam despesas com residência médica e assistência estudantil. As informações estão sendo usadas pelo Ministério da Educação (MEC) para avaliar a situação administrativa e financeira de cada uma das 63 universidades mantidas pela União.

As autoridades educacionais entendem que a maioria está sendo mal gerida, apresentando falhas graves em matéria de planejamento e morosidade na implementação de políticas de readequação orçamentária. O ministro da Educação, Mendonça Filho, afirma que o próximo governo não poderá deixar de promover uma reforma universitária e reconhece que, apesar de polêmica, a cobrança de mensalidades terá de ser discutida com a sociedade, já que o MEC não tem como transferir mais recursos para o setor. “Há universidades que cumprem suas obrigações e há aquelas que, com os mesmos recursos em termos proporcionais, não conseguem quitar contas, pedindo à mamãe MEC que faça transferências para honrar a dívida”, afirma o ministro.

Os reitores negam os problemas de gestão e alegam que a paralisia de obras, a suspensão do fornecimento de água e energia e a falta de recursos para contratação de professores foram causadas pelos cortes orçamentários promovidos pela equipe econômica do governo Michel Temer.

Alguns também questionam a metodologia utilizada para apurar o gasto médio por aluno e acusam o MEC de não levar em conta o perfil de cada instituição, o número de alunos em tempo integral e as atividades de extensão e pesquisa. As críticas mais contundentes partiram dos reitores nomeados pelo governo anterior, que classificaram como “irrealista” e “simplista” o diagnóstico da crise do ensino superior feito pelo órgão.

“A universidade pública faz muito projeto social e ninguém olha para isso”, afirma a reitora da Unifesp, Soraya Smaili. “As universidades públicas estão entre as poucas instituições estatais que dão resultados para a sociedade. A educação pública é investimento, não um gasto, e depende, basicamente, de uma decisão política”, diz Emmanuel Tourinho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Na realidade, a crise das universidades federais começou com a irresponsável política de expansão do ensino superior nos dois mandatos do presidente Lula. Pondo o marketing eleitoral à frente de critérios técnicos, o governo Lula criou instituições sem estudos prévios e sem objetivos precisos, como é o caso, por exemplo, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), que hoje apresenta o segundo maior custo por aluno com assistência estudantil, segundo o Censo da Educação Superior.

Com a recessão econômica e a queda na arrecadação de impostos, era inevitável que o aumento das despesas fixas causado pela expansão da rede de universidades federais acabasse estrangulando o orçamento do MEC. Como o órgão atua em diferentes áreas, não faz sentido que ele gaste todos seus recursos apenas no ensino superior.

Por isso, ao cobrar mais eficiência de gestão e planejamento dos reitores das universidades federais, pois as contas públicas não fecham, o governo nada mais está fazendo do que cumprir sua obrigação.